A União Europeia está considerando novas regras para veículos autônomos. As regras propostas exigiriam que os fabricantes de veículos autônomos assumam mais responsabilidade por acidentes e forneçam mais dados sobre o desempenho do veículo para reguladores. Os fabricantes teriam que mostrar que sistemas autônomos são seguros antes de colocá-los à venda.
1. Capítulo 2
Congruências e os Inteiros Módulo m
As congruências são extremamente úteis no sentido de estabelecer importantes resul-
tados da Teoria dos Números. Em linhas gerais, a Teoria das Congruências ou Aritmética
Modular é um meio de abordar propriedades da divisibilidade por meio da aritmética dos
restos.
Tanto o conceito quanto a notação de congruência foram introduzidos por Johann Carl
Friedrich Gauss (1777 - 1855) em seu famoso livro Disquisitiones Arithmeticae (Investiga-
ções Aritméticas) publicado em 1801. Desde então, os conceitos e notações introduzidos
por ele são usados atualmente.
2.1 Congruências
2.1.1 Propriedades Básicas das Conguências
Denição 2.1.1. Seja m 6= 0 um inteiro xo. Dois inteiros a e b dizem-se congruentes
módulos m se m divide a diferença a − b.
Nesse caso, escrevemos a ≡ b (mod m). Para indicar que a e b não são congruentes
módulo m, escrevemos a 6≡ b (mod m).
Exemplo 2.1.1. Temos que 9 ≡ 5 (mod 2) pois 2 | (9 − 5). Também temos que
20 ≡ 6 (mod 2) pois 2 | (20 − 6). De fato, é fácil vericar que dois números são congru-
entes módulo 2 se e somente se eles são ambos pares ou ambos ímpares.
Exemplo 2.1.2. Temos que 5 6≡ 1 (mod 3) pois 3 - (5 − 1). Também temos que
8 6≡ 24 (mod 5) pois 5 - (8 − 24).
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2. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 19
Gauss usou o símbolo ≡ para indicar a congruência devido à analogia com a igualdade
algébrica. Com essa denição, a ≡ b (mod m) se e somente se m | (a − b), ou equivalen-
temente, se existe um inteiro q tal que a = b + mq.
Como m | (a − b) se e somente se |m| | (a − b), consideraremos o caso em que m 0.
Podemos dar uma outra caracterização da noção de congruência.
Proposição 2.1.1. Seja m um inteiro xo e m 6= 0. Dois inteiros a e b são congruentes
módulo m se e somente se eles têm como resto o mesmo inteiro quando divididos por m.
3. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 20
Utilizando uma circunferência divida em m partes, podemos obter uma representação
pictórica da congruência módulo m.
Fonte: Milies e Coelho (2006, p.105).
Associamos cada número inteiro a um único ponto da circunferência. Com essa corres-
pondência, dois inteiros são congruentes módulo m se e somente se estiverem representados
pelo mesmo ponto da circunferência.
Uma coleção de m inteiros {a1, a2, . . . , am} diz-se um sistema de resíduos módulos
m se cada inteiro é congruente módulo m a um único ai. É claro que o sistema completo de
resíduos mais simples que podemos obter é {0, 1, 2, . . . , m−1}. Mas não é o único possível.
Exemplo 2.1.3. Os seguintes conjuntos são sistemas completos de resíduos módulo 5:
{0, 1, 2, 3, 4};
{5, 6, 7, 8, 9};
{12, 24, 35, −4, 18}.
O conceito de congruência módulo m estabelece uma relação sobre o conjunto dos
números inteiros, a relação de congruência módulo m, que indicaremos por
≡ (mod m).
Essa relação tem muitas propriedades em comum com a relação de igualdade entre
inteiros. De início, temos:
Proposição 2.1.2. Sejam m 0 um inteiro xo e a, b, c, d inteiros quaisquer. Então,
valem as seguintes propriedades:
(i) Reexiva: a ≡ a (mod m).
(ii) Simétrica: Se a ≡ b (mod m) então b ≡ a (mod m).
(iii) Transitiva: Se a ≡ b (mod m) e b ≡ c (mod m) então a ≡ c (mod m).
5. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 22
Os resultados da proposição anterior nos mostram que ≡ (mod m) é uma relação de
equivalência sobre Z, algo que é extremamente importante. Este fato tem uma estreita
relação com o conjunto nito Zm, obtido por meio desta relação e que será estudado a
seguir.
2.2 Inteiros Módulo m
Neste capítulo consideraremos as congrências sob um novo ponto de vista que permi-
tirá reinterpretar os resultados dos capítulos anteriores.
Em todo este capítulo, m indicará um inteiro maior que 1.
Denição 2.2.1. Seja a um inteiro. Chama-se classe de congruência de a módulo m
o conjunto formado por todos os inteiros que são congruentes a a módulo m. Denotaremos
esse conjunto por a. Temos então
a = {x ∈ Z | x ≡ a (mod m)}.
Como x ≡ a (mod m) se e somente se x é da forma x = a + tm, para algum t ∈ Z,
também podemos escrever
a = {a + tm | t ∈ Z}.
Mostraremos a seguir que a relação de congruência entre números se traduz em igual-
dade no sentido estrito entre classes.
Proposição 2.2.1. Sejam a e b inteiros. Então a ≡ b (mod m) se e somente se a = b.
6. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 23
Corolário 2.2.2. Sejam a e b inteiros. Se a 6= b então a ∩ b = ∅.
Dada uma classe a, para qualquer inteiro x tal que x ∈ a, temos que x = a. Por causa
disso, cada inteiro pertencente a uma dada classe diz-se um representante da classe. Por
exemplo, 10 e −2 são representantes da classe 4 módulo 6.
Consideremos um sistema completo de resíduos módulos m, por exemplo, os inteiros
{0, 1, . . . , m − 1} e suas respectivas classes:
0 = {0, ±m, ±2m, ±3m, . . .}
1 = {1, 1 ± m, 1 ± 2m, 1 ± 3m, . . .}
.
.
.
.
.
.
.
.
.
m − 1 = {m − 1, m − 1 ± m, m − 1 ± 2m, m − 1 ± 3m, . . .}.
Assim, cada inteiro pertence a uma e apenas uma das m classes.
7. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 24
Por exemplo, se m = 6, todas as classes possíveis, módulo 6 são as seguintes:
0 = {0, 6, −6, 12, −12, . . .}
1 = {1, 7, −5, 13, −11, . . .}
2 = {2, 8, −4, 14, −10, . . .}
3 = {3, 9, −3, 15, −9, . . .}
4 = {4, 10, −2, 16, −8, . . .}
5 = {5, 11, −1, 17, −7, . . .}
Denotaremos pelo símbolo Zm o conjunto das classes de congruências módulo m e
chamá-lo-emos o conjunto dos inteiros módulo m.
Assim, Z6 = {0, 1, 2, 3, 4, 5}.
Em geral, se a1, a2, . . . , am é um sistema completo de resíduos módulo m, temos
Zm = {a1, a2, . . . , am}.
Tomando o sistema de resíduos mais simples, podemos escrever
Zm = {0, 1, . . . , m − 1}.
Note que, o conjunto Zm tem precisamente m elementos.
Vamos introduzir as operações de adição e multiplicação em Zm e estudar suas pro-
priedades.
Exemplo 2.2.1. Existe uma forma natural de adicionar e multiplicar elementos em Zm.
Por exemplo, para adicionar e multiplicar 3 e 5 em Z6 faríamos,
Assim, efetuar a adição de duas classes módulo m, tomamos representantes quaisquer
a e b dessas classes, fazemos a adição em Z e consideramos como resultado da adição a
classe de a + b módulo m. A operação de multiplicação se faz de forma análoga.
Denição 2.2.2. Dadas duas classes a, b ∈ Zm, chama-se adição a ⊕ b a classe a + b.
Denição 2.2.3. Dadas duas classes a, b ∈ Zm, chama-se multiplicação a
8. b a classe
a · b.
Uma questão natural que surge é: será que o resultado das operações não depende dos
representantes escolhidos?
9. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 25
Exemplo 2.2.2. Por exemplo, ao adicionarmos 3 e 5 em Z6, poderíamos ter escolhido
63 e 23 em Z6 e o resultado seria o mesmo?
Vamos mostrar que essas operações não dependem dos representantes das classes, ou
seja, estão bem denidas.
Lema 2.2.1. Sejam a1, a2, b1 e b2 inteiros tais que a1 = a2 e b1 = b2. Então, a1 + b1 =
a2 + b2 e a1 · b1 = a2 · b2 .
10. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 26
As operações que acabamos de denir gozam das seguintes propriedades:
Teorema 2.2.3. A operação ⊕ de adição sobre Zm tem, para quaisquer a, b, c ∈ Zm, as
seguintes propriedades:
A1. Propriedade Associativa: a ⊕ (b ⊕ c) = (a ⊕ b) ⊕ c.
A2. Propriedade Comutativa: a ⊕ b = b ⊕ a.
A3. Existência do elemento Neutro: Existe um único elemento em Zm, que é pre-
cisamente 0, a classe do 0, tal que
a ⊕ 0 = a, para todo a ∈ Zm.
A4. Existência do Simétrico: Para cada inteiro módulo m, a, existe um único ele-
mento em Zm, que chamaremos simétrico de a e indicaremos por −a, tal que
a ⊕ (−a) = 0.
24. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 30
O conjunto Zm munido das operações de adição e de multiplicação é um anel, cha-
mado anel das classes residuais módulo m ou anel dos inteiros módulo m.
Denição 2.2.4. Um elemento não-nulo a ∈ Zm diz-se um divisor de zero se existe
b ∈ Zm, também não-nulo, tal que a
26. 3 = 6 = 0.
Vamos determinar quais são os divisores de zero em Zm.
Lema 2.2.2. Um elemento não-nulo a de Zm é divisor de zero se e somente se mdc(a, m) 6=
1.
27. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 31
Corolário 2.2.5. Seja p 1 um inteiro primo. Então Zp não contém divisores de zero.
Na verdade vale a recíproca também.
Lema 2.2.3. Se Zm não contém divisores de zero então m é um inteiro primo.
Proposição 2.2.6. A propriedade cancelativa do produto vale em Zm se e somente se m
é primo.
28. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 32
Denição 2.2.5. Um elemento a de Zm diz-se inversível se existe x ∈ Zm tal que a·x = 1.
Um elemento x nessas condições diz-se um inverso de a.
Já vimos que os únicos elementos inversíveis de Z são 1 e −1. Agora, consideremos
Z5, quais são os elementos que admitem inverso neste anel? E em Z6?
29. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 33
Proposição 2.2.7. Seja a um elemento não-nulo de Zm. Então, a é inversível se e
somente se mdc(a, m) = 1.
30. CAPÍTULO 2. CONGRUÊNCIAS E OS INTEIROS MÓDULO M 34
Exemplo 2.2.3. Calcule o inverso de 4 em Z37.
Corolário 2.2.8. Seja p 1 um inteiro primo. Então, todo elemento não-nulo de Zp é
inversível.