1. A confissão da Leoa, de Mia Couto
Mia Couto inicia este romance com um provérbio africano “Até que
os leões inventem as suas próprias histórias, os caçadores serão sempre os
heróis das narrativas de caça”. Conta a história de uma pequena vila que
começa a ser atacada por leões, matando principalmente mulheres,
levantando o pânico entre a população. Esta história é relatada na primeira
pessoa, por duas personagens principais: Arcanjo Baleiro, o caçador a quem
atribuíram a tarefa de matar os leões e Mariamar, uma jovem que vivia na
vila.
Os protagonistas possuem vários aspetos em comum: habitam
territórios em que as superstições fazem parte do quotidiano e foram
marcados por episódios muito traumáticos de violência extrema, na sua
infância. Tanto um como o outro acabaram por tomar a decisão de não
viver, como eles próprios referem. No entanto, a maior diferença entre
estas duas personagens é o seu género, levando a que sejam tratados de
forma diferente, como o autor pretende mostrar desde o início.
Outro aspeto interessante deste romance é a comparação dos dois
pontos de vista que nos são apresentados. Percebemos como duas versões
do mesmo acontecimento podem ser tão diferentes e, neste caso
específico, esta diferença advém da sua diferença de género, que leva a que
sejam tratados de forma diferente.
Este romance retrata, essencialmente, a condição de vida das
mulheres no norte de África e a opressão feminina que existe. Os ataques
surgem a mulheres, uma vez que estas estão mais expostas a estes perigos
porque têm de madrugar para ir buscar água para a sua família. No entanto,
o autor chega a sugerir que estas mulheres procuram a morte e desejam
ser devoradas pelos leões. Isto é explicado por uma lenda local que diz que
2. quando um leão devora um ser humano, a alma dessa pessoa passa a
habitar o leão. Assim, ao serem mortas, estas mulheres libertar- se- iam da
realidade dura e opressora e tornar-se-iam leoas, ficando mais fortes.
Mariamar surge como uma das mulheres que suporta a vida da
mulher presa a uma cultura tradicional e, tal como todas as outras,
Mariamar também deseja tornar-se uma leoa. Mas, esta está destinada a
tornar- se algo mais poderoso, uma mulher.
O retrato de que os leões só atacam as mulheres representa a
metáfora ao patriarcado da aldeia que as explora. A obra revela que as
verdadeiras feras são os homens que abusam das mulheres que são
reprimidas pela sociedade em que vivem. Estas são condenadas a situações
de submissão extrema.
Outra situação que nos mostra o desprezo desta sociedade pelas
fêmeas surge quando o caçador percebe que quem tem atacado as pessoas
é uma leoa. Mesmo depois da leoa estar morta, exigem que se mate um
leão porque é a foto deste que querem que esteja nos jornais para
demonstrarem a sua vitória.
Em suma, há uma reflexão constante no livro sobre o papel das
mulheres na sociedade. Nesta vila, elas vivem completamente oprimidas,
tendo de fazer o que os homens mandam, não podendo dar a sua opinião,
cozinhando para as cerimónias em que depois nem se podem sentar à
mesa. Arcanjo compara-se ,constantemente, com as feras que ele caça,
perguntando-se quem é que é na realidade o caçador, quem é que mata
quem, refletindo ainda sobre uma parte da alma que ele considera que
morre também com o animal que é caçado.
Catarina Soares, Nº8, 11ºA