O documento resume os resultados de um inquérito a 250 advogados europeus sobre o cumprimento das normas deontológicas. Os principais pontos são: 1) Muitos advogados desconhecem deveres como a proibição de conflitos de interesses ou o segredo profissional; 2) Há comportamentos como contactar a parte contrária que podem ser punidos disciplinarmente; 3) Deve promover-se o respeito pelas normas deontológicas e punir quem as viola.
Pensamos, mas nem sempre dizemos...! - Artigo do Dr. António Neves Laranjeira
1. Pensamos, mas nem sempre dizemos…!
Quando dois advogados se reúnem, pelo menos na primeira reunião, o
advogado com a data de inscrição na Ordem dos Advogados mais
recente (o número de cédula não é, como sabemos, critério seguro
atenta a diferente numeração que, antes, era atribuída a cada Conselho
Regional) deverá deslocar-se ao escritório daquele com a inscrição mais
antiga.
Apesar de se tratar de um uso perfeitamente enraizado na advocacia,
não só em Portugal, mas em muitos países europeus, tem vindo a ser
desconsiderado por alguns advogados. A constatação deste facto levou a
que cinco advogados, oriundos de cinco diferentes países da União
Europeia, a exercer, transitoriamente, em Portugal sob as respetivas
denominações de origem, se tenham proposto realizar um inquérito a
250 advogados da União Europeia com o objetivo de procurar perceber
até que ponto o cumprimento das normas Deontológicas constitui uma
prioridade para a advocacia europeia.
Como primeira nota, diga-se, em abono da verdade, que o número
irrisório de advogados inquiridos e a falta de rigor científico na recolha e
contabilização dos dados, apenas permitirá que os resultados obtidos
possam ser lidos como curiosidade e incentivo a um estudo mais
aprofundado.
Em jeito de segunda nota, importa referir, que para não tornar este
texto demasiado extenso, optei por referir, apenas, algumas das
conclusões que têm relação direta com o Estatuto da Ordem dos
Advogados Portugueses, adiante EOA.
Iniciando a análise das conclusões pelo capítulo relativo ao
relacionamento entre advogados, verifica-se que 112 inquiridos
criticam, pelo menos, três das seguintes condutas por parte de alguns
colegas:
•Não respondem, em prazo razoável, às solicitações orais ou escritas;
•Emitem, publicamente, opinião relativamente a questões pendentes
confiadas a outro advogado.
2. •Contactam a parte contraria apesar de saberem que está representada
por outro colega
•Iniciam o patrocínio de um assunto anteriormente confiado a outro
advogado antes de, previamente, terem exposto ao colega as razões da
aceitação do mandato e os esforços que tenham desenvolvido para lhe
serem pagos os honorários e quantias em dívida.
Estranhamente, 110 inquiridos desconheciam que poderá ser punido
disciplinarmente aquele advogado que, em sede de julgamento, não
procure obstar a que o seu cliente se dirija ao colega da parte contraria
de forma incorreta.
Por outro lado, no que se refere à relação com os clientes, referem 99
inquiridos conhecer situações em que os colegas exercem o mandato
sem atenderem ao facto de estarem em presença de um conflito de
interesses.
Estamos convictos de que a maioria dos colegas sabe que o advogado
não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais
clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito
entre os interesses desses clientes, sob pena de incorrer em
responsabilidade disciplinar e criminal (prevaricação). Fica, assim, por
perceber se a motivação da referida infração decorre de manifesto dolo
ou se terá origem no desconhecimento de que o “impedimento”, para
advogar em conflito de interesses, é extensivo aos advogados que com
ele exerçam a atividade em sociedade ou em mera associação.
Grande número de inquiridos confessou, também, desconhecer o
direito de protesto regulado no artigo 80.º do EOA. Como é consabido o
advogado tem o dever de conhecer e de lançar mão do dever de
protesto sempre que, no decorrer de audiência ou de qualquer outro
ato ou diligência em que intervenha, seja impedido de requerer
oralmente ou por escrito, no momento que considerar oportuno, o que
julgar conveniente ao dever do patrocínio, sem necessidade de prévia
indicação ou explicitação do respetivo conteúdo. Não deveremos ficar
indiferentes ao desconhecimento dos direitos que a lei coloca ao dispor
dos advogados. Mas pior é a conclusão seguinte. A quase totalidade dos
inquiridos confessou já ter vivenciado situações em que poderia ter
exercido o direito/dever de protesto mas desconhece quando, e de que
forma, deverá exercê-lo!
Finalmente, no que se refere ao relacionamento com a comunidade,
pela sua relevância referimos, em primeiro lugar, as conclusões relativas
ao segredo profissional, regulado no artigo 92.º do EOA, elencando-as,
por ordem decrescente do número de vezes que foram citadas:
•O advogado não pode revelar factos de que tenha tido conhecimento
no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em
que tenha intervindo. Assim, frustrando-se, total ou parcialmente, a
conciliação, os Advogados devem evitar expor ao magistrado o
conteúdo das negociações tentadas fora da sala de audiência.
Atrevemo-nos a sugerir que os advogados, em sede de tentativa de
conciliação, se limitem a comunicar ao juiz que, não lograram chegar
3. a acordo porquanto nenhuma das partes abdicou das posições
assumidas nos autos;
•O advogado não pode revelar factos de que a parte contrária do
cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento
durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou
litígio;
•O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas
que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a
sigilo. Daqui resulta que estando a correspondência trocada entre
advogados protegida pelo dever de sigilo não poderá ser invocada
nem utilizada como meio de prova sem que, previamente, seja
requerido, ao presidente do conselho regional respetivo, o
levantamento do sigilo.
Relacionado com o sigilo, importa referir que a maioria dos
advogados inquiridos afirmou desconhecer estar obrigado a garantir
a confidencialidade das missivas remetidas pelos colegas ao abrigo
do disposto no artigo 113.º do EOA mesmo que, para tanto, tenha
que optar por destruí-las ou devolvê-las aos remetentes. Uma
percentagem, ligeiramente superior, desconhecia, também, que o
escopo da referida norma é a criação de um mecanismo de
comunicação entre advogados que não poderá ser alvo de um
eventual pedido de dispensa de sigilo que vise utilizá-la como meio
de prova em juízo.
Concluímos referindo que a totalidade dos advogados inquiridos
manifestou estranheza pelo facto de não se ter conseguido, até hoje,
por cobro ao “autentico desfile de advogados” à saída dos tribunais,
quando estão presentes câmaras de televisão. A maioria dos
inquiridos aplaudiu o comportamento dos advogados que optam
pelo silêncio quando não está em causa a defesa da honra.
Paralelamente, gostariam que fossem publicitadas as punições
aplicadas àqueles que, reiteradamente, fazem tábua rasa do disposto
no artigo 93º do EOA, com o manifesto intuito de angariar clientela e
sem o mínimo respeito pela advocacia em geral e pelos legítimos
direitos dos demais intervenientes no mesmo processo que, não
raramente, prejudicam.
As conclusões do inquérito são omissas relativamente ao número de
advogados portugueses inquiridos. Por tal razão e porque não será
possível utilizar este inquérito para uma verificação rigorosa das
percentagens apuradas relativamente a cada um dos temas, tomei a
liberdade de alterar alguns algarismos para provocar a coincidência
das conclusões com o número dos artigos do Estatuto a que as
mesmas se referem.
Com um agradecimento sincero pela paciência e tempo que
dedicaram à leitura deste texto, ficam a saudades dos abraços que
tanto gosto de partilhar convosco!
António Neves Laranjeira