Este documento discute a importância das profissões regulamentadas num mundo cada vez mais desregulamentado. Defende que quanto mais desregulamentado o mundo ficar, mais necessária será a regulamentação para manter a confiança no sistema. As profissões regulamentadas fornecem certificação e garantias de competência que beneficiam a economia e a sociedade. No entanto, têm sido atacadas sob o pretexto de limitarem a concorrência, quando na verdade buscam equilibrar concorrência e proteção do público.
Regulamentação profissional essencial para equilíbrio entre concorrência e proteção do cidadão
1. “Um mundo cada vez mais desregulamentado necessita de mais
regulamentação”
Num mundo aberto que procura as suas marcas e sua estabilidade, as
profissões regulamentadas, porque são estruturadas e estruturantes,
são essenciais e continuarão a sê lo no futuro.
Assim, quanto mais o mundo for desregulamentado, mais necessitamos
de regulamentação. O paradoxo é apenas aparente. É preciso parar de
opor Mercado e Estado. Quanto menos existir regulamentação fixa, mais
precisaremos de referências. Por exemplo, quando chegamos a um país
estrangeiro, e temos um problema do foro jurídico, o primeiro instinto
será encontrar um advogado, em quem teremos confiança, devido ao
título que possui, que valida a priori as suas competências e sua
integridade.
Aparentemente, vivemos o contrário, nomeadamente com o
aparecimento de vários sítios de aconselhamento, colocando-se a
questão de saber quem certifica, não havendo distinção entre quem
certifica e quem utiliza. Esta ausência de distância provoca a perda
catastrófica de uma exigência chave de todo sistema evoluído: a
imparcialidade e independência daquele que julga.
As profissões regulamentadas definem-se como um "título" dado aos
notários, advogados, dentistas, etc. Funciona como um certificado. Tal
como acontece na área financeira, com os produtos financeiros
“certificados”, ou na alimentação com alimentos “certificados” – tal
título é uma promessa de rastreabilidade: dá crédito aos olhos de todos
de uma competência que, a priori, não é necessário verificar. Essas
profissões estruturadas são uns pilares da vida económica e social
porque os acreditadores (autoridades públicas ou organismos
profissionais) garantem a independência e dedicação do profissional.
2. As profissões regulamentadas foram atacadas nos últimos anos, quase
cercadas pelo direito da concorrência. A direção da concorrência da
Comissão Europeia ou Autoridade da Concorrência têm o seguinte
discurso: os diplomas específicos exigidos e as estruturas profissionais
bloqueiam o setor, é preciso arejá-lo. Esse direito concebe a
regulamentação como uma transição para a concorrência e não como
um equilíbrio entre a concorrência e, por exemplo, a preocupação pelo
indivíduo.
As profissões ditas “reguladas” são pelo contrário, estruturadas para
manter este equilíbrio entre o dinamismo da concorrência e o
humanismo do direito. Neste ponto, advogados e notários devem unir
forças.
Unir forças precisamente contra alguns aspetos da reforma das
associações públicas, que inclui, entre outras facetas, a intenção de
serem criados órgãos novos, compostos maioritariamente por
membros externos à respetiva associação pública profissional, com
competências nomeadamente sobre matérias disciplinares, acesso à
profissão, reconhecimento de habilitações e competências obtidas no
estrangeiro, sendo de refutar uma intervenção externa vinculativa de
quem não conhece a realidade em muitas destas matérias.
A Comissão Europeia e a OCDE continuam a defender que em Portugal
existem demasiadas restrições no acesso às atividades profissionais,
sendo isso prejudicial para a atividade económica. Recorde-se que os
estatutos das diversas ordens profissionais já foram alterados, desde o
Memorando de Entendimento com a “troika” assinado a dezassete de
maio de dois mil e onze, e algumas das alterações até foram no sentido
proposto, sendo de realçar que algumas propostas do último relatório
da OCDE padecem de erros grosseiros sobre os regimes jurídicos em
vigor.
Segundo o CNOP – Conselho Nacional das Ordens Profissionais,
existem hoje em Portugal vinte ordens profissionais, tendo as duas
últimas sido criadas em dois mil e dezanove, a Ordem dos
Fisioterapeutas e a Ordem das Assistentes Sociais. Estas ordens
regulam a atividade de mais de 430 mil profissionais. Para Carlos
Mineiro Aires, presidente do Conselho Geral do CNOP, a questão do
aumento do número de Ordens profissionais pode ser vista sob dois
aspetos: “ou correspondem ao que a Lei nº 2/2013 [que estabelece o
regime jurídico de criação, organização e funcionamento das
associações públicas profissionais e que está em processo de revisão]
contempla e, dessa forma, os cidadãos ficarão mais bem protegidos,
ou trata-se de uma tendência que visa a banalização e a progressiva
desconsideração das ordens profissionais, o que já seria mais
preocupante”. “Num quadro de resgate financeiro de um país pobre
cujo primeiro problema é a economia, considerar que as ordens
profissionais são um entrave ao crescimento económico e que até
3. acarretam custos para o Estado, quando o modelo é exatamente o
inverso, pois as associações profissionais são sustentáveis e não
usufruem de subsídios públicos, só pode ser visto como a mais
libertina das visões liberais”, acrescenta.
Para Virgílio Macedo, bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de
Contas, “um eventual caminho de desregulamentação que estava
previsto aquando do programa da ‘troika’ nunca poderá ser o
caminho a seguir pois não vai ao encontro quer do interesse da
atividade económica, quer do próprio interesse dos cidadãos em
geral. Prova disso é que tal desregulamentação nunca foi
implementada e por isso é de estranhar que essa matéria volte a
estar em discussão. Carlos Mineiro Aires, na qualidade de bastonário
da Ordem dos Engenheiros, afirma que “à exceção da matéria
disciplinar onde até será salutar uma visão exterior, desde que tenha
qualificações, perspetiva-se a possibilidade de uma intervenção
vinculativa de quem não sabe e nem conhece, o que rejeitamos,
restando saber se estes cargos terão de ser remunerados através das
quotas das associações profissionais”. Jorge Silva, bastonário da
Ordem dos Notários, considera que se o objetivo é servir o interesse
público e ajudar Portugal a progredir, as entidades nacionais e
estrangeiras devem emitir documentos rigorosos e, antes da sua
publicação, o mínimo que devem fazer é ouvir as entidades que
representam os profissionais sobre os quais pretendem opinar. A
título de exemplo, posso recordar que era proposto eliminar as
restrições ao uso de comunicação comercial (publicidade) em
profissões reguladas, como se o país ganhasse alguma coisa com
anúncios publicitários nos quais se vendiam notários como
detergentes ou médicos como lenços de papel.”
Francisca Castro