Reforma da Justiça nos Tribunais Administrativos e Fiscais - Dra. Maria Paula Figueiredo
1. Juiz de Direito do Contencioso Administrativo
No TAF de Sintra
REFORMA DA JUSTIÇA
Nos Tribunais Administrativos e Fiscais
Sugestões de ordem prática
As leis são magníficas, porém, a sua exequibilidade no terreno
não se mostra eficaz
1 – Falta de Recursos Humanos
A Portaria nº 211/2017 de 17 de Julho fixa os quadros dos
magistrados dos tribunais administrativos e fiscais.
Porém, na prática, se bem se analisar cada TAF, de per si, duvida-
se que algum deles contenha o quadro completo de
magistrados, em obediência à supra citada Portaria.
Exemplo: o TAF de Sintra, que conhecemos melhor:
Nos termos do MAPA I anexo à Portaria o quadro de Juízes é
assim composto:
Juízes de contencioso administrativo – 7
Juízes de contencioso tributário – 11
M A R I A P A U L A F I G U E I R E D O
2. Juízes de contencioso administrativo e tributário (Juízos mistos) –
2
Na prática – estão 5 juízes no administrativo (em vez de 7), 9 no
tributário (em vez de 11) e destes 9, há dois que não tramitam
processos, porque estão em comissão de serviço, portanto, na
prática há apenas 7.
Inexiste qualquer Juízo misto.
Ora, se os quadros foram desenhados atendendo à estatística
processual do Tribunal, é óbvio que a redução do quadro
acarreta atrasos nos processos.
2 – Especialização dos TAF
Com alarido mediático, o poder político anunciou a
especialização dos TAF, anunciando as vantagens da
especialização, com um aumento de produtividade
Inerente – foi publicado o DL nº 174/2019, de 13 de Dezembro,
que procedeu á criação de juízos de competência especializada
e alterou a redacção de alguns artigos do ETAF (Estatutos dos
Tribunais Administrativos e Fiscais).
Os Juízos especializados entraram em funcionamento com a
Portaria nº 121/2020, de 22 de Maio.
Com este diploma, os tribunais enviaram para os competentes
as matérias respectivas (contratos públicos para o Juízo
especializado do TAC de Lisboa, etc.).
3. Porém, na prática, por força da exiguidade dos quadros,
conforme parágrafo antecedente, foi como se destapasse de um
lado, para tapar do outro, porventura com acumulação…
Como os quadros já eram deficitários, o resultado na prática,
está-se a ver – não chegou para acorrer às verdadeiras
necessidades.
3. Sistema informático
Inexiste um sistema informático para tribunais judiciais e
tribunais administrativos – até que ponto seria desejável um
sistema único para TODOS, é questão a ponderar.
Assim, os TAF trabalham com o sitaf (sistema informático dos
tribunais administrativos e fiscais) e, recentemente existe um
sistema em fase de experiência – o MAGISTRATUS, que ainda
não funciona plenamente.
Um sistema informático exigiria uma assistência informática
competente (engenheiros informáticos de formação,
obviamente).
Mas não foi isso que aconteceu.
Os técnicos informáticos que dão apoio aos TAF são oficiais de
justiça que frequentaram um curso de formação, porém, não são
engenheiros informáticos, porque o IGFEJ entende que consegue
dar assistência informática á distância – o que se tem mostrado
completamente inoperante.
Com a agravante que os oficiais de justiça transformados em
4. técnicos informáticos têm a seu cargo muitos tribunais e outras
repartições, conservatórias, etc. de tal modo que não chegam
para as encomendas, obviamente.
Além disso, ninguém lhes exige um mapa diário, com os
quilómetros percorridos ou a quem deu assistência, com
boletins de itinerário assinados pelo juiz ou pela entidade a
quem terão assistido.
Assim sendo, os técnicos informáticos dos tribunais actuam em “
roda livre” e já tem acontecido um juiz requisitar a sua
assistência, o técnico diz que não pode porque se encontra
noutro sítio distante, porém, o juiz vai ao café do tribunal e
encontra o mesmo técnico informático, no café, em amena
cavaqueira com algum funcionário… Se esse técnico fosse
empregado de uma entidade privada seria logo despedido com
justa causa, porém, sem patrão aparente, com o IGFEJ a
trabalhar à distância, o técnico informático dos tribunais tem
uma rica vida… Entretanto, o serviço do juiz sem assistência
informática, vai ressentir-se.
4. Tramitação electrónica
Com a Portaria nº 380/2017, de 22 de Maio, os processos nos
TAF passaram a ser obrigatoriamente tramitados
electronicamente.
Seria ótimo se tudo funcionasse em pleno.
Porém, conforme descrito na alínea anterior, sem uma
5. verdadeira e eficaz assistência informática, com técnicos
competentes com formação na área, imagine-se o
funcionamento da tramitação electrónica.
Nos termos do artº 2º da supra citada portaria o sistema
informático disponibiliza módulos (templates) para as citações e
notificações.
Só que, nos termos dos códigos aplicáveis, nem todos os
processos têm o mesmo prazo para responder, contestar,
replicar ou praticar outros actos.
Tudo seria perfeito se a assistência informática fosse
consistente…
5. Actos da Secretaria
Há muitos actos que podem ser praticados pela Secretaria sem
se levar o processo concluso ao Juíz, ou “Vista” ao MP.
Porém, com a publicitação mediática do que se passa nos
Tribunais, ninguém se quer responsabilizar por uma notificação
oficiosa ou qualquer acto que devesse ser praticado pela
secretaria.
Convinha que fosse indigitada uma pessoa, com formação em
comunicação social, para falar à Imprensa, quando necessário.
Os Tribunais Administrativos tiveram presidentes, ainda antes do
T. Judiciais.
Muitas vezes foram levados processos aos Presidentes para tal
efeito.
6. 6. Formação de Magistrados
Os Advogados têm-se alheado demais da formação dos
Magistrados.
Não obstante, nos termos da Lei do CEJ, ser obrigatória a
presença de um representante da Ordem e não obstante, todos
os anos serem convidados advogados para fazer parte dos Júris,
essa participação tem-se revelado apenas formal.
Na prática, poucos Magistrados aceitam receber Advogados nos
seus gabinetes, existindo pouco diálogo entre as classes.
E quanto não ganharia a Justiça de um intercâmbio entre as
várias profissões jurídicas.
Porque, se pode ser útil a formação conjunta de um Juiz Penal
com o Ministério Público, afigura-se que a formação do Juiz Cível
podia ganhar muito se fosse feita em conjunto com os
Advogados.
Se o Advogado percebesse que o Tribunal só precisa da
descrição lógica e cronológica dos factos (podendo alegar de
Direito a seguir à descrição dos factos), quanto não se ganharia
no andamento do processo!...
Existe na internet (youtube) um vídeo do Advogado Luís
Laureano Santos em que ele descreve episódios da sua vida
profissional e do ambiente que ele viveu no princípio da sua
carreira, e da amizade que o unia a magistrados e vice versa,
embora cada um nunca descurasse os seu respectivo múnus na
aplicação da Justiça.
7. Se os Advogados continuarem a alhear-se da formação dos
Magistrados, com quem se vão deparar um dia, nos Tribunais,
então não poderão queixar-se quando os mesmo se recusarem
a recebê-los no gabinete ou protagonizarem episódios -
quantas vezes caricatos – que acabam em participações mútuas
na sala de audiências! … Com prejuízo para a Justiça!
Conclusões:
Na Reforma da Justiça já temos muitas leis – porém, a sua
aplicação carece do maior Bom Senso, a saber:
- Preenchimento rigoroso dos quadros dos MAGISTRADOS E
FUNCIONÁRIOS NO TRIBUNAL – se alguém for convidado para
comissão de serviço, só poderá ser autorizado a ir, se tiver quem
o substitua;
- Profissionais informáticos com formação específica – tirar um
oficial de justiça não é sistema, faz falta ao tribunal e nunca
poderá substituir um engenheiro
- Maior escrutínio de TODOS na formação de Magistrados – os
Tribunais funcionam com pessoas, as quais podem colmatar (ou
não) as entorses do sistema ;
- Maior descentralização nas tarefas – os funcionários podem
aliviar os magistrados de muitas tarefas burocráticas;
- Por fim, a velha máxima de Montesquieu: il faut que le pouvoir
arrête le pouvoir – sem vigilância, a prevaricação/abuso é uma
tentação.