Slides da palestra proferida pelo professor Luís Rodolfo durante a "Semana Jurídica de Inverno", organizada pelo Centro Acadêmico João Mendes Jr. (jul./12)
1. “OS POSITIVISMOS JURÍDICOS E AS TEORIAS PURAS E IMPURAS
DO DIREITO”
PROF. DR. LUÍS RODOLFO DE SOUZA DANTAS
2.
3. ESTRUTURA DA EXPOSIÇÃO:
I) INTRODUÇÃO: POSITIVISMOS
II) POSITIVISMOS JURÍDICOS
III) AS TEORIAS PURAS DO DIREITO: DIVERSAS PROBLEMÁTICAS
IV) TEORIA PURA DO DIREITO E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
V) CASOS CONCRETOS
4. I) INTRODUÇÃO: POSITIVISMOS
O painel desta manhã exige, em primeiro
lugar, que elejamos algumas
expressões, conceitos e definições como chaves
semânticas das observações e análises que farei.
Entendo que aos menos três expressões não
podem de imediato ser desconsideradas (para ser
mais exato, uma tríade de vocábulos centrais
carregados de acepções diversas):
1.1) Positivismo;
1.2) Juspositivismo;
1.3) Jusnaturalismo.
5. 1.1) Positivismo: A expressão positivismo
engloba classificações e definições tão
diversas que as tentações à unificação
semântica e à determinação do sentido
único restam mais intensas.
No entanto registro que noção central para
compreender e demarcar toda e qualquer
acepção positivista de índole jurídica e não-
jurídica, é a que vincula o signo
„positivismo‟ ao campo epistêmico-
especulativo construído pelas idéias de
Augusto Comte.
6. O termo „positivismo‟ foi empregado pela primeira
vez por Saint-Simon, para designar o método exato
das ciências e sua extensão para a Filosofia {De Ia
religion Saint-Simonienne, 1830, p. 3).
Foi adotado, então, por Augusto Comte para
designar a sua filosofia e, graças a este, passou a
designar uma grande corrente filosófica que, na
segunda metade do séc. XIX, contou com diversos
desdobramentos em todos os países do mundo
ocidental.
7. Cumpreobservar, porém, que
nem todo positivismo jurídico
é positivista, principalmente
na acepção comteana.
8. A característica central do Positivismo é a
romantização/idealização/mistificação que
realiza da Ciência, o único guia da vida
individual e social do homem, único
conhecimento, única moral, única religião
possível. Como Romantismo em ciência, o
Positivismo acompanha e estimula o
nascimento e a afirmação da organização
técnico-industrial da sociedade moderna e
expressa a exaltação otimista que
acompanhou a origem do industrialismo.
9. É possível distinguir duas formas históricas
fundamentais do Positivismo: o Positivismo social
de Saint-Simon, Comte e John Stuart Mill, nascido
da exigência de constituir a ciência como
fundamento de uma nova ordenação social e
religiosa unitária; e o Positivismo evolucionista de
Spencer, que estende a todo o universo o conceito
de progresso e procura impô-lo a todos os ramos
da ciência. As teses fundamentais do Positivismo
são as seguintes:
10. 1) A ciência é o único conhecimento possível,
e o método da ciência é o único válido:
portanto, o recurso a causas ou princípios não
acessíveis ao método da ciência não dá
origem a conhecimentos; a metafísica, que
recorre a tal método, não tem nenhum valor.
11. 2) O método da ciência é puramente descritivo, no
sentido de descrever os fatos e mostrar as relações
constantes entre os fatos expressos pelas leis, que
permitem a previsão dos próprios fatos (Comte);
ou no sentido de mostrar a gênese evolutiva dos
fatos mais complexos a partir dos mais simples
(Spencer).
12. 3) O método da ciência, por ser o
único válido, deve ser estendido a
todos os campos de indagação e
da atividade humana; toda a vida
humana, individual ou social, deve
ser guiada por ele.
13. O Positivismo presidiu à primeira
participação ativa da ciência moderna na
organização social e constitui até hoje uma
das alternativas fundamentais em termos de
conceito filosófico, mesmo depois de
abandonadas as ilusões totalitárias do
Positivismo romântico, expressas na
pretensão de absorver na ciência qualquer
manifestação humana (V. Abbagnano).
14. 1.2) JUSPOSITIVISMO
Esta expressão também apresenta suas
problemáticas polissêmicas, as quais
implicam em inevitáveis questionamentos,
tais como:
15. • O Positivismo Jurídico é próprio apenas ao
sistema jurídico romano-germânico?
• Há juspositivismo anglo-saxônico?
16. O positivismo jurídico, como doutrina cientificista acerca do
direito – ou a Ciência do Direito como manifestação
metodológica do positivismo jurídico – reúne as seguintes
premissas básicas:
a) recusa a toda forma de subjetivismo ou moralidade;
b) cultivo de métodos objetivos e verificáveis;
c) exclusão de considerações valorativas de caráter político
ou ético;
d) produção de um corpo próprio de enunciados técnicos
para aplicação específica em situações pertinentes.
Destarte, todos os teóricos do positivismo jurídico se ajustam
a estas premissas, ao mesmo tempo em que aceitam que o
fenômeno jurídico corresponde ao direito vigente, ao direito
positivo.
17. Porém, a concepção de direito, resultante da
observação científica do fenômeno jurídico, não é
consensual.
De fato, todos os positivismos jurídicos concordam
que o fenômeno jurídico corresponde ao direito
positivo. Mas o que conforma o direito positivo?
Ou, de maneira mais específica: qual instância
decisória, de poder - legislativa? Jurisprudencial? –
cria e instaura o direito posto?
Várias foram as correntes positivistas que se
formaram a partir de concepções específicas acerca
da idéia de direito e de fenômeno jurídico, algumas
com maior outras com menor projeção. Porém, três
correntes podem ser apontadas como as mais
importantes: legalista, historicista, normativista.
18. Estas correntes são positivistas, pois se
enquadram na definição de positivismo jurídico
na qual se destacam dois critérios: 1) afirmação
da realidade jurídica como fenômeno jurídico; 2)
negação do direito natural como transcendência
metafísica.
Além disso, todas esta correntes se sustentam
sobre os dois princípios básicos e fundantes do
positivismo jurídico: força e forma (ou seria
formalidade? Ou mecânica funcional?), isto é, o
direito corresponde a uma ameaça ou imposição
real de uma força que é manifesta de
determinada maneira.
19. Oportuno indicar a lição de Norberto Bobbio
que, porém, esquece de notar que o
positivismo filosófico e jurídico chegaram sim
a se confundir. Por exemplo: pensamento
comteano juspositivista.
20. Caracteriza-se na lição de Bobbio uma
dicotomia que é o cerne da abordagem
positivista - a diferença entre um direito real
e um direito ideal:
21. “O direito, objeto da ciência jurídica, é aquele
que efetivamente se manifesta na realidade
histórico-social; o juspositivista estuda tal
direito real sem se perguntar se além deste
existe também um direito ideal (como aquele
natural), sem examinar se o primeiro
corresponde ou não ao segundo
e, sobretudo, sem fazer depender a validade
do direito real da sua correspondência com o
direito ideal.” (V. BOBBIO, Norberto. O
Positivismo Jurídico: lições de filosofia do
direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 136).
24. POSITIVISMO JURÍDICO E ESCOLA
DA EXEGESE
- Perdurou durante grande parte do século XIX.
- Comentadores dos Códigos de Napoleão.
- Sistema normativo perfeito, legislação completa.
- Solução para todas as demandas.
- Lei escrita: a única fonte do direito.
- Método de interpretação: literal, orientado para
encontrar no texto a vontade ou intenção do
legislador (mens legislatoris).
- Nenhum valor aos costumes e repúdio à atividade
criativa da jurisprudência.
25. - Características da escola: Positivismo
avalorativo, estatal e legalista.
- Legislação napoleônica: obra completa e
acabada.
- Doutrina da irrestrita Separação de Poderes.
26. Principais representantes da Escola da Exegese:
Franceses:
- Jean Charles Demolombe (1804-1887)
- Raymond Troplong (1795- 1869)
- Victor Napoleón Marcadé (1810-1854)
- Charles Antoin Marie Barbe Aubry (1803-1883)
- Charles Fréderic Rau (1803-1877)
- Marie Pierre Gabriel Baury-Lacantinerie (1837-
1913)
Belga
- François Laurent (1810-1887)
Alemão
- Karl Salomone Zachariae (1769-1843)
27. POSITIVISMO JURÍDICO E ESCOLA DOS
PANDECTISTAS
- Direito: um corpo de normas positivas, sem
fundamento absoluto ou abstrato.
- Sistema dogmático de normas. Modelo: as
instituições de Direito Romano (Corpus Juris
Civilis, de Justiniano, especialmente as Pandectas).
- Valorização dos costumes jurídicos formados
pela tradição.
- Windscheid (perspectiva parcialmente histórico-
evolutiva em contexto pandectista).
28. Principais representantes da Escola dos Pandectistas:
- Bernhard Windscheid (1871-1892)
- Christian Friedrich Von Glück (1755-1831)
- Alöis Von Brinz (1820-1887)
- Heinrich Dernburg (1829-1907)
- Ernst Immanuel Von Bekker (1827-1916)
29. POSITIVISMO JURÍDICO E ESCOLA ANALÍTICA
DE JURISPRUDÊNCIA
- O direito tem por objeto apenas as leis positivas
e os costumes recepcionados pelos tribunais.
- Não interessam ao direito os valores ou conteúdo
ético das normas legais.
- Fundador: John Austin (1790-1859).
- Fundamento na análise conceitual: o conceito
nada mais é que a representação intelectual da
realidade.
- Única fonte do direito: os costumes acolhidos e
chancelados pelos tribunais.
- Tentou sistematizar e unificar o direito
consuetudinário (olhos postos na realidade
inglesa).
30. - Três campos distintos de problemas relacionados
com o Direito:
a) jurisprudência geral ou filosofia do direito
positivo: exposição dos princípios gerais comuns
aos diversos sistemas jurídicos positivos.
b) a jurisprudência particular: estudo das leis
vigentes num determinado país.
c) ciência da legislação: situada nos domínios
da Ética, que abrange os princípios que o
legislador deve ter em conta para elaborar
leis justas e adequadas.
31. - Direito completamente separado da Ética.
- O jurista ocupa-se das leis positivas, sejam
as leis particulares de um Estado, sejam os
princípios gerais comuns aos diversos
sistemas jurídicos.
- “Teoria Pura do Direito” e “Escola Analítica”.
32. POSITIVISMO JURÍDICO E ESCOLA HISTÓRICA DO
DIREITO
- Surgiu na Alemanha, em princípios do séc. XIX, no
apogeu do neo-humanismo, quando o direito era tido
como pura criação racional.
- Contribuiu para retirar o direito da perspectiva
abstrata do racionalismo, fundada em exercícios de
lógica pura para uma perspectiva histórica, rente à vida
real.
- Nega a existência de um direito natural com
pressupostos racionais e universalmente válidos -
positivista, portanto? O papel da jurisprudência na
positivação do direito e a negação do direito natural).
- Historicidade do Direito, cuja origem e fundamento
repousa na consciência nacional e nos costumes
jurídicos oriundos da tradição.
33. - Postulados básicos:
O direito...
a) é um produto histórico;
b) surge do espírito do povo;
c) forma-se e desenvolve-se
espontaneamente, como a linguagem; não
pode ser imposto em nome de princípios
racionais e abstratos;
d) encontra sua expressão inconsciente no
costume, que é sua fonte principal;
e) é criado pelo povo – entendido como povo
não somente a geração presente, mas as gerações
que se sucedem. O legislador deve ser o intérprete
das regras consuetudinárias, completando-as e
garantindo-as através das leis.
34. Principais representantes da Escola Histórica do
Direito:
- Gustav von Hugo (1764-1844), seu iniciador
- Friedrich Karl von Savigny (1779-1861)
- Georg Friedrich Puchta (1798-1846)
- Johann Friedrich Göschen (1778-1837)
- Karl Friedrich Eichhorn (1781-1854)
- Joseph Köhler (1849-1919) – inglês
- Henry Raymond Saleilles (1855-1912) –
francês, incluído por alguns na Escola do Direito
Livre
35. Escola Histórico-Dogmática
- Também conhecida como „Escola Histórica Alemã‟.
- Principais representantes: Savigny, Puchta, Hugo,
Göschen, Eichhorn e Henry Maine.
- O intérprete não se deve ater à letra da lei, usando
o processo meramente lógico: também o elemento
sistemático deve ser utilizado.
- Reconstrução do sistema orgânico do direito, do
qual a lei mostra apenas uma face.
- Quando o pensamento da lei aparecer em contraste
com o que o intérprete considere expressão da
consciência coletiva do povo, no momento de ser
aplicada a lei, deve optar pela revelação direta
dessa fonte mais profunda do direito.
36. Escola Histórico-Evolutiva (positivista?)
- Também conhecida como „Escola Atualizadora do
Direito‟.
- Principais representantes: Salleiles e Köhler.
- Superação dos métodos de pesquisa a posteriori do
sentido da lei, da Escola Histórico-Dogmática.
- Função criadora do direito, de modo que possa
acompanhar as transformações sociais. Não
obstante, deve o intérprete ou aplicador manter-se
no âmbito da lei.
- A lei considerada como portadora de vida própria.
37. - O intérprete deve observar não apenas o que
o legislador quis, porém o que quereria se
vivesse à época da aplicação da lei.
- Adaptação da velha lei aos tempos novos,
dando vida aos códigos. Leis jurídicas
sujeitas à lei geral da evolução.
38. III) AS TEORIAS PURAS DO DIREITO: DIVERSAS
PROBLEMÁTICAS
Ralacionadas:
1º) ao Kelsen europeu, que concebeu uma obra
fundamentalmente caracterizada pelos
princípios do idealismo transcendental de
Kant e comprometido com o sistema de
direito continental europeu, de índole
legislativa – predomínio do formalismo
kantiano analítico-sintético (V. “Crítica da
Razão Pura”, de Emanuel Kant e “Órganon”,
de Aristóteles).
39. 2º) Ao Kelsen em contexto norte-americano, de
pensamento reformulado para absorver a doutrina e
as instituições do direito constitucional de matriz
anglo-saxônica, deste modo passando a familiarizar-
se com o sistema da Common Law, inclusive em suas
vertentes científicas de cunho sociológico e
psicológico. As mudanças promovidas na “Teoria
Pura” foram intensas de tal maneira a justificar a
frase de que o Kelsen que viveu na América não mais
era kelseniano (NORMA /FATO).
Teoria Impura do Direito? Abertura aos fatos, mas
integração dos fatos no D/direito? Não, não se trata
de um „Bidimensionalismo Jurídico‟. Nos tempos
atuais, o direito se abre a possibilidades científicas
diversas, entre elas as transdisciplinares (quebra das
fronteiras epistêmicas e da auto-suficiência
equívoca), o que colide com o reducionismo
kelseniano, posto manter-se Kelsen nas três versões
da “teoria pura” normativista.
40. 3º) ao pensamento kelseniano reproduzido
na obra “Teoria Geral das Normas”, publicado
em 1978, depois de sua morte, portanto.
Creio que o ponto nuclear da obra relaciona-
se à deposição da noção de norma hipotética
fundamental pela eleição à condição de
conceito capital a norma fundamental como
ficção (als ob : „como se‟).
Desmoronamento do edifício epistêmico-
kelseniano: Kelsen admite ter errado ao
considerar o fundamento último de validade
de todo o ordenamento jurídico uma hipótese
lógica e não uma ficção (V. Vaihinger e V.
“Teoria Geral das Normas”, obra póstuma).
41. Outras questões:
- Hierarquia normativa e conexão lógica com a
„norma hipotética fundamental‟.
- O pensamento kelseniano recepcionou os
valores – e o juízo de valor - como de
natureza puramente epistêmico-jurídica?
Não. Sequer se aproximou de uma
“Jurisprudência de Valores”, na esteira do
pensamento de Robert Alexy (V. “Teoria dos
Direitos Fundamentais”). (Abertura aos fatos,
não inclusão deles como estruturantes do D-
direito, muito menos afirmação dos „valores‟
como epistemicamente jurídicos).
42. IV) TEORIA PURA DO DIREITO E INTERPRETAÇÃO
JURÍDICA
- Emancipação do intérprete (liberdade
hermenêutica/livre convicção do juiz) e „moldura
normativa-moldura decisória‟ (o hermeneuta não é
servil à letra da lei, mas interpreta e aplica o direito
dentro de variáveis que vão desde decisões a/imorais
até coincidentemente morais. Não se trata de
interpretação nos moldes dos fundamentos
hermenêuticos da Escola da Exegese. Cuidado: nem
todo positivismo jurídico é legalista e literalista. O
kelseniano é „normativista‟ e não consagra um
método superior de interpretação).
- Questão de política judicial/judiciária: o que
estabelecer na moldura. As „variáveis decisórias‟
constituem um dos pontos altos e contemporâneos
da “Teoria Pura do Direito” (ceticismo kelseniano).
43. Outros „kelsens‟, fascinantes (sugestões de
temáticas para pesquisa);
- Kelsen e a Psicologia Social;
- Kelsen e o Estado Mundial;
- O Kelsen das reflexões sobre a Justiça;
- O Kelsen dos estudos democráticos;
- O kelsen pacifista;
- Matemática, Lógica e pensamento
kelseniano...
44. V) CASOS CONCRETOS: PARA REFLEXÃO DOS
PRESENTES
- Direito, nazismo e juspositivismo;
- Direito e escravidão no Brasil;
- O “Caso Paraguai” e a solução „positivista‟.