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Joaquim Colôa
10 MAIO DE 2014
Joaquim.coloa@gmail.com http://www.slideshare.net/jcoloa
Nota: O presente texto serviu de base a uma síntese (que não é da minha responsabilidade) que foi publicada na revista com diversos textos referentes à semana da educação, uma iniciativa da FENPROF, CNOD e INR. O mesmo serviu de base à comunicação realizada no seminário que decorreu no Seixal, integrado na semana global de educação de 4 a 10 de maio.
A INCLUSÃO NA ESCOLA
A afirmação da escola pública é a afirmação de que todos os cidadãos têm direito à educação, o direito declarativo de uma Educação Inclusiva (EI). Já a consequência deste direito é o da não descriminação seja por que razão ou condição for (UNESCO, 2005). O direito à educação e à igualdade de oportunidades é um direito que está consignado na Constituição Portuguesa bem como na Lei de Bases do Sistema Educativo. Segundo Sousa (1997), é durante os anos sessenta que o acesso à educação começa a ser pautado por critérios de justiça e igualdade. Assim, segregação foi, paulatinamente, dando lugar ao ideal de integração escolar e social. Movimento que, progressivamente, tem vindo a ser substituído pelos princípios inerentes à EI. Embora estes pressupostos evolutivos sejam, na generalidade, aceites o conceito de EI é também encarado como centro de diversas discussões e muitas vezes objeto de ambiguidades concetuais e de indefinições. Situação que é identificada em todo o mundo e que é, segundo alguns investigadores, ainda mais visível em Portugal. Como diz Plaisance (2006), em Portugal e restantes países de língua portuguesa o conceito de inclusão observa-se demasiado generalizado e mesmo banalizado. Aceitando-se como certa a
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afirmação anterior, poderemos complementá-la com a ideia de que quando um conceito se utiliza para designar demasiadas coisas, ele acaba por não permitir distinguir a que realmente se refere (Canário, 2006).
Uma premissa que temos clara é a da que os princípios de EI não se referem somente à educação de alunos com condição de deficiência. No mesmo sentido, Smith (2006) sublinha que o conceito de EI deve entender-se como referindo-se a todos os “potenciais aprendentes” que, por qualquer razão, se encontram excluídos da escola em consequência de uma não significativa participação, tanto no que respeita à vida económica, como social, política e cultural.
Com base nas ideias de D’Alessio (2006), a abordagem referente à EI diz respeito: ao desenvolvimento de um ambiente educativo, social e político, à (re)organização de recursos para todos os alunos, nomeadamente os alunos com necessidades específicas, ao desenvolvimento de uma intervenção centrada nos contextos e posteriormente no indivíduo, à transformação de respostas individuais e particulares em respostas para todos os alunos, à concetualização de um quadro teórico assente num modelo social de deficiência e à afirmação do princípio de empowerment, ou seja, as pessoas com condição de deficiência e as suas famílias estão no centro de todas as decisões.
No entendimento da UNESCO (2005a), existem quatro elementos chave que, com frequência, são associados à concetualização da EI:
(1) É um processo, porque tende a ser vista como uma procura contínua de respostas à diversidade e à promoção da convivência bem como do respeito pelas diferenças. Permite também tornar as diferenças como uma mais-valia e um estímulo para a promoção das aprendizagens dos alunos e dos próprios professores.
(2) É uma ação de identificação de barreiras e, consequentemente, envolve elencar, ordenar e avaliar a informação que provém de diversas fontes. Informação utilizada para planear a melhoria de políticas e de práticas do agrupamento de escolas e de cada uma das escolas.
(3) É a presença, participação e realização de todos os alunos. Tem a ver com o atendimento e com a qualidade de experiências que os alunos vivenciam para, deste modo, incorporar os pontos de vista destes. Também tem a ver com os resultados das
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aprendizagens realizadas, no sentido de que não devem ser avaliadas somente com recurso a testes.
(4) É enfatizar, de forma particular, as respostas aos alunos em risco de exclusão e marginalização, para assegurar a sua participação e realização no sistema educativo.
Ainda na compreensão da UNESCO (2005a), a EI pode ser definida como: (a) Um processo, uma vez que deve ser encarada como um contínuo de ações que equacionam respostas à diversidade, (b) A convivência com as diferenças, (c) O desenvolvimento de atitudes positivas perante as diferenças reconhecendo-as como um estímulo para o desenvolvimento das aprendizagens e das interações, (d) A preocupação em identificar e atenuar ou eliminar barreiras à aprendizagem e participação, (e) A necessidade de se recolher, articular e avaliar a informação com base numa diversidade de fontes, para que se possam planificar uma plêiade de ações ao nível das políticas, culturas e práticas das escolas, (f) O recurso a diversas estratégias de forma a estimular-se a criatividade e a resolução de problemas, (g) A presença e participação de todos os alunos, para que estes consigam desenvolver aprendizagens de qualidade, (h) A necessidade de equacionar os contextos em que decorrem essas aprendizagens, (i) A necessidade de explicitar os níveis de participação por referência à qualidade das experiências e história de vida dos alunos. Interessar-nos pelo seu ponto de vista e, por estes motivos, reportar-nos à aprendizagem ao longo da vida e (j) A ênfase e centralidade na ação em grupos de alunos que possam estar em risco de marginalização e exclusão e/ou que apresentem dificuldades em acederem ao currículo. É a defesa de que não chega todos estarem na escola mas que a Educação é para Todos.
A afirmação social e humana de que todas as pessoas têm direito à educação, independentemente da sua condição cultural, física, intelectual, etc., implica mudanças sócio culturais, nomeadamente na educação e inerentemente nas organizações escolares. No entanto estas têm denotado algumas tensões e, por vezes mesmo contradições no desenvolvimento da EI. Algumas destas tensões e/ou contradições dizem respeito a muitos princípios subjacentes a uma pública de qualidade e para Todos, tanto em Portugal como noutros países. Referimo-nos, como identifica a European Agency for Development in Special Needs Education (2008), a uma tensão evidente entre o pressuposto da competição e o princípio de igualdade de oportunidades. Muitas vezes esta aparente dicotomia coloca-se na opção entre um sistema competitivo ou um sistema
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que promove a inclusão através da cooperação e da partilha de experiências de aprendizagem. No entanto defendemos que, quando gerados os equilíbrios desejáveis e necessários, a tenção deixa de existir e a contradição é meramente aparente. As politicas, dinâmicas organizacionais e práticas criadoras desse equilíbrio tendem a inferir à competição, independentemente da condição do aluno, um potencial motivacional e de incentivos e ao desenvolvimento de sistemas que apoiam a igualdade de oportunidades a capacitação para a mobilização da cooperação e promoção da equidade e da justiça social.
Outra aparente contradição é a associada aos princípios e práticas de globalização. Por um lado assiste-se à aceitação de que estes princípios e práticas deveriam assentar numa ideia de afirmação da diferença, apelar ao valor social e cultural da diferença. Por outro lado percebe-se que a ideia de globalização acentua o emergir da quantificação de indicadores que, para alguns, representam e comunicam a qualidade e quantidade em educação Ryan e Cousins (2009). Perspetiva de medição e quantificação que incrementa abordagens, pressupostamente, representativas de melhor educação porque permitem, segundo os seus paladinos, melhores e mais diferenciadas respostas à diferença. É neste sentido que vão os discursos de muitos, nomeadamente os defensores da aplicação Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Um instrumento que, na lógica de muitos, serve essencialmente para proceder a classificações de alunos, à sua rotulação para posterior elegibilidade para respostas específicas, algumas vezes caraterizadas por contornos segregadores. Por um lado o reconhecimento da heterogeneidade inerente aos pressupostos da globalização. Por outro lado o aparecimento de “sistemas orquestrados na lógica do cálculo e medição dos outputs e dos resultados” (Schwandt, 2009, p. 33), de discursos que acentuam e se centram nos problemas.
Numa via os discursos educativos, tanto ao nível das politicas como das práticas que (re)afirmam a necessidade de reconhecer e afirmar a heterogeneidade. A necessidade de desenvolver um currículo com sentido e sentido para e por todos os alunos. Discursos que valorizam as diferenças individuais e os processos de aprendizagem para além dos resultados. Noutra via, completamente divergente, a defesa da implementação e desenvolvimento de um currículo “fechado”, restrito e restritivo que aponta para a
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homogeneização do ensino e que assenta em processos acumulativos e sequenciais, numa aprendizagem centrada em critérios e objetivos.
Ideia que tem (in)formado as últimas mudanças nas politicas educativas em Portugal, e muita da produção legislativa enquadradora dessas mudanças. Damos como exemplo a Portaria n.º 275-A/2012 de 11 de setembro que, para além de diversas das ambiguidades e contradições que temos vindo a descrever, representa o expoente máximo da proposta de desenvolvimento de um currículo “fechado”. Um currículo restritivo não só no que se refere às áreas de ensino e aprendizagem que propõe desenvolver, como à própria população a que se destina e, ainda, aos contextos que propõe para o desenvolvimento de maior parte dessas áreas. Um currículo homogeneizador, ma legislação que, em nome da EI, desvaloriza a ação da escola pública financia respostas tendencialmente segregadoras.
Deste modo, estamos perante um paradigma de pensamento e necessariamente de ação, referenciada a diversos níveis, que olha para o OUTRO que é diferente e que afirma essa mesma diferença nesse OUTRO. Caminhar divergente de um conceito de Inclusão claramente declarativo da heterogeneidade. De um paradigma que coloca a ênfase na comunicação entre diferentes que somos NÓS. Heterogeneidade que se inscreve na contínua relação entre o NÓS diferentes, mas também entre as diversas e possíveis diferenças de cada um de NÓS e as distintas e prováveis diferenças dos contextos. Uma pluralidade de possíveis diferentes que potencia a comunicação bem como a colaboração e a criticidade assumindo-se esta realidade como a (re)afirmação da própria diferença.
Nesta relação constante entre diferentes, cada pessoa descobre as diversas possibilidades que incorporam e fortalecem o seu autoconhecimento e potenciam a capacidade crítica de autodeterminação, o sentido divergente na colaboração. Uma colaboração que se consubstancia em sistemas comunitários naturais de apoio que obriga a redefinir organizações e serviços para responder, eleger respostas para as necessidades de cada um de NÓS. É o reequacionamento, com base na crítica social e cultural, da qualidade de vida desse NÓS tanto numa perspetiva coletiva como individual / plural.
A mudança só possível na afirmação de valores que façam emergir uma linguagem comum tanto ao nível social como individual. Uma mudança critica que, baseada nessa
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diferença consciente do NÓS, potencie a mudança das organizações. Mudança clara que seja motor social e reivindicativa de políticas claramente Inclusivas. Parafraseando Simone de Beauvoir /1976), todos aqueles que apregoam a igualdade na diferença, não poderão, em qualquer caso, discordar que é possível existirem diferenças na igualdade.
Referências Bibliográficas
Beauvoir, S. (1976). Le Deuxième Sexe. Paris: Gallimard.
Canário, R. (2006). A Escola: Da Escola à Hospitalidade. In David Rodrigues (Org.), Educação Inclusiva: Estamos a fazer Progressos? (pp. 31-45). Lisboa: Fórum de Estudos de Educação Inclusiva – Faculdade de Motricidade Humana.
D’Alessio, S. (2006). Le Concept d’Inclusion Scolaire. In UNESCO, De l’Intégration à l’Inclusion: un Défi pour Tous (pp. 25- 29). Paris: UNESCO.
European Agency for Development in Special Needs Education (2008). Processo de Avaliação em Contextos Inclusivos: Questões-chave para Políticas e Práticas. Dinamarca:
Plaisance, E. (2006). Le Concept d’Inclusion. In UNESCO, De l’Intégration à l’Inclusion : un Défi Pour Tous (pp. 14 – 17). Paris: UNESCO.
Ryan, K. E. & Cousins, J. B. (2009). The Sage International Handbook of Educational Evaluation. Thousand Oaks: Sage.
Schwandt, T. A. (2009). Globalizing Influences on the Western Evaluation Imaginary. In K. E. Ryan; J. B. Cousins, The Sage International Handbook of Educational Evaluation (pp. 19–36). Thousand Oaks: Sage.
Smith, P. (2006). Vers L´Education pour Tous. Inclusion–Policy Briefs, 1, UNESCO.
Sousa, A. B. (2009). Investigação em Educação. Lisboa: Livros Horizonte.
Sousa, L. (1997). Princípios para o Atendimento de Crianças com Necessidades Educativas Especiais: Integração/Inclusão. Integrar, 14, 34-39.
UNESCO (2005). Guidelines for Inclusion: Ensuring Access to Education for All. Paris: UNESCO.
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UNESCO (2005a). Changer les Méthodes d’Enseignement-La Différenciation des Programmes Comme Solution à la Diversité des Elèves. Paris: UNESCO.