O documento resume a vida e obra do escritor brasileiro José de Alencar. O Guarani foi um de seus romances mais famosos, publicado em 1857, que retratava a história e cultura indígena brasileira e ajudou a definir a identidade nacional. O romance teve grande influência na literatura brasileira e inspirou a ópera de mesmo nome de Carlos Gomes.
1. O GUARANI / JOSÉ DE ALENCAR
1. RESUMO BIOGRÁFICO
JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR (Mecejana, Ceará, 1829 –
Rio de Janeiro, 1877), filho de ex-padre e influente político da Corte de
D. Pedro I, José de Alencar recebeu uma educação primorosa. Estudou Direito nos dois grandes centros de estudos de Leis no Brasil: São
Paulo e Pernambuco. Formado, advogou no Rio de Janeiro, onde foi
seduzido pela Literatura. Lançou-se como cronista do Correio Mercantil e redator do Diário do Rio de Janeiro.
Na segunda metade da década de 50, dedicou-se ao desenvolvimento do teatro nacional (Mãe, O Jesuíta, O Demônio Familiar, O
Crédito, Verso e Reverso, As Asas de um Anjo) ao lado de outros
avatares como Gonçalves de Magalhães. Em 60, com a morte do pai,
resolveu ingressar na carreira política, elegendo-se seguidamente deputado provincial pelo Ceará e chegando a pasta da Justiça no ministério conservador, mas descobriu-se um político conservador, retrógrado (principalmente na questão escravagista) e individualista, o que
o levou a desistir da carreira.
Sua carreira como escritor foi pontuada por crítica e polêmicas:
alguns desafetos como os defensores de Gonçalves de Magalhães,
pela crítica ao poema Confederação dos Tamoios, com o pseudônimo de Ig. outras tantas rusgas com a censura. Sem falar nas impertinências de Franklin Távora que nas Cartas a Cincinato depreciou o
modo pelo qual Alencar concebeu seus romances regionais. Além das
indisposições com autores portugueses que o acusavam de incorreto,
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no que dizia respeito ao uso da Língua (ao que ele respondeu elaborando uma teoria da “Língua Brasileira”).
Em 1877, viajou para a Europa a fim de tratar-se da tuberculose, mas regressando ao Rio de janeiro, morreu, ainda no mesmo ano.
Podemos afirmar que José de Alencar foi, à sua época, o melhor e mais ousado dos ficcionistas da Literatura Brasileira, amalgamou em sua obra o caráter nacional: A representação dos mitos nacionais, a fórmula para seus romances, uso da linguagem, a visão da
sociedade, quanto ao retrato das diversas épocas da história e, principalmente, quanto ao esforço literário da nacionalização da literatura
no Brasil e da consolidação do romance brasileiro, do qual foi o verdadeiro criador. Sendo a primeira figura consistente das nossas letras,
foi chamado “o patriarca da literatura brasileira”.
Seus temas recorrentes foram as complicações sentimentais e
amorosas, a idealização heróica e a História do Brasil. A importância
desse genial prosador romântico reside na forma diversa e aprimorada que esse temas assumiram em suas diversas obras. Um escritor
que conseguiu criar, ao mesmo tempo, heróis idealizados, guiados pela
verdade interna da obra, e também personagens verdadeiros para a
sociedade. Seus textos costumam dosar bem os diálogos e abusar
das metáforas. Suas descrições de ambientes e de personagens, com
destaque para as roupas, são marcantes e diferenciais.
O escritor sempre buscou responder às questões fundamentais
para a definição da raça, da cultura e da sociedade brasileira, nunca
abandonou por outro lado a tarefa do entretenimento, em suas criativas páginas de heroísmo e de amor.
2. CONTEXTO DO ROMANTISMO
A época representada culturalmente pelo Romantismo – das duas
últimas décadas do século XVIII até pouco mais da metade do século XIX
– é o resultado das transformações que já vinham ocorrendo desde o
início do século XVIII em vários planos: econômico, social e ideológico.
Economicamente, a Europa presenciava a euforia e as conseqüências decorrentes da Revolução Industrial na Inglaterra: novos
inventos para a indústria, divisão de trabalho e maior produtividade,
formação de centros fabris e urbanos, surgimento do operariado, revoltas sociais e nascimento de sindicatos, associações de trabalhadores e de patrões.
Social e politicamente, tendo a burguesia alcançado o poder na
França, com a Revolução Francesa (1789), iniciava-se nesse país um
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longo período de luta pela solidificação do poder burguês, liderado por
Napoleão Bonaparte, e de combate ao movimento contra-revolucionário e conservador conduzido pelas principais monarquias européias,
as da Áustria, Rússia e Prússia.
Ideologicamente, o celeiro de idéias que impulsionava a burguesia e o povo em sua causa histórica era o Iluminismo, com propostas de um governo democrático, eleito pelo povo, de igualdade e justiça social, de direitos humanos, de liberdade.
Como expressão cultural de um turbulento período da história,
não se pode esperar que o movimento romântico seja equilibrado e
uniforme. Ao contrário, ele traz as contradições e as marcas próprias
de uma revolução: otimismo e reformismo social, decepção e pessimismo, saudosismo e contra-revolução. Temos a ascensão da burguesia e de seus valores: liberdade individual e liberalismo. Porém,
logo surge insatisfação com o cotidiano da vida burguesa, o que gera
um sentimento de tédio e desencanto com o mundo, expressos pela
arte romântica.
2.1. O Romance do Romantismo Brasileiro
Tanto na Europa quanto no Brasil, o romance surgiu sob a forma
de folhetim, publicação diária, em jornais, de capítulos de determinada obra literária. Assim, ao mesmo tempo em que ampliava o público
leitor de jornais, o folhetim ampliava o público de literatura. O romance, por relatar acontecimentos da vida comum e cotidiana, e por dar
vazão ao gosto burguês pela fantasia e pela aventura, veio a ser o
mais legítimo veículo de expressão artística dessa classe.
O momento brasileiro é da nossa independência e agora se procurava a individualidade como nação e a busca pelo reconhecimento
perante as outras nações. A dinamização da vida cultural da colônia e
a criação de um público leitor (mesmo que inicialmente só de jornais)
criaram algumas das condições necessárias para o florescimento de
uma literatura mais consistente e orgânica do que a representada pelas manifestações literárias dos séculos XVII e XVIII.
O romance apareceu no Brasil do Séc. XIX, respondendo aos
anseios de um público burguês, constituído lentamente desde antes
da estada da Família Real Portuguesa em terras brasileiras. Os escritores brasileiros foram buscar na cultura burguesa que se firmava, os
motivos para produção de uma prosa nacional. Vamos encontrar esses escritores copiando o sucesso dos romances europeus, sem perder de vista o colorido local, quatro motivos para o seu romance: a
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história nacional, o cotidiano burguês, o indianismo e a vida interiorana.
O ponto-de-partida para a história do romance brasileiro é a
publicação do romance histórico O filho do Pescador, de Teixeira e
Sousa, em 1843 e a publicação do romance de amenidades ou urbano
A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, em 1844.
3. OS QUATRO MOTIVOS E A OBRA
DE JOSÉ DE ALENCAR
Tomaram consistência quatro tendências de romances românticos no país capazes de retratar o Brasil desde o seu descobrimento
até o tempo do Segundo Reinado, cumprindo a tarefa de responder o
que era o Brasil e o que era o Ser Brasileiro.
3.1. Romance Romântico Histórico: a origem, a formação
e a história da nação e da cultura brasileira
Esta foi a modalidade predileta dos escritores românticos para
reinterpretar, de forma nacionalista, a História do Brasil, idealizando
fatos e personagens do passado, dando vida literária a lendas a tradições e a episódios do arcabouço histórico-cultural brasileiro: O Guarani,
A Guerra dos Mascates e As Minas de Prata.
3.2. Romance Romântico Urbano ou de Amenidades:
amor, dinheiro e honra no Rio de Janeiro
O Brasil e, de modo especial, o Rio de Janeiro, passava por um
franco processo de urbanização, que criava novas possibilidades e
necessidades culturais, como, por exemplo, o florescimento e o consumo da notícia veiculada por meio do jornal escrito e a circulação de
Folhetins que conquistava rapidamente o gosto do público leitor: Cinco Minutos, A Viuvinha, Diva, A Pata da Gazela, Sonhos d´Ouro,
Encarnação e, principalmente, Senhora, Lucíola.
3.4. Romance Romântico Indianista: origens,
heroísmo e beleza do Brasil
A Primeira Geração: “minha terra tem palmeiras...” Há perfeita
identificação das manifestações da poesia dessa geração com o romance romântico indianista que encontrou no indígena um símbolo do
heroísmo nacional. Tomado como brasileiro original, o índio é retrata4
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do em um Brasil também original: natureza exuberante, ainda virginal,
paradisíaca, que correspondia bem ao caráter cordial, bondoso, cristão, belo e heróico que o idealismo romântico pretendia impingir ao
brasileiro: O Guarani, Iracema e Ubirajara.
3.4. Romance Romântico Regionalista ou Sertanejo:
a idealização do campo, o pitoresco e o sentido épico
Com o “esgotamento” do indianismo, os romancistas românticos buscaram nas regiões uma forma de revelarem a diversidade cultural do interior do Brasil. O registro idealizado dos campos, dos camponeses e de seus hábitos, tradições, crenças é o ponto de partida
para um dos maiores temas de pesquisa sobre a realidade brasileira
no romance nacional, principalmente, como instrumento de análise
crítica no Modernismo. O Sertanejo, O Gaúcho e O Tronco do Ipê.
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O romance foi publicado inicialmente em folhetim, no Diário
do Rio de Janeiro, sem o nome do autor (1857), no mesmo ano apareceu em volume. É o terceiro romance do escritor, e teve enorme repercussão junto ao público do Rio de Janeiro e de São Paulo.
O romance fica famoso a ponto de Carlos Gomes colocá-lo
em música — adaptá-lo à Ópera — tornando o seu autor e o compositor famosos.
O romance, ainda nos nossos dias, cumpre sua função; cumpre o seu destino: gerar a família dos escritores poéticos, ou melhor,
de linguagem poética. A partir daí a literatura brasileira encontrou aquele
que melhor soube expressar a alma brasileira. No Piaui, temos um
desses escritores de linguagem poética: O. G. Rego de Carvalho. Ele
confessa: a partir da leitura de O Guarani, a sua decisão de seguir a
carreira de escritor.
A mais recente novidade, por conta de O Guarani, é a publicação, do romance O Selvagem da Ópera, de Rubem Fonseca, sobre a
vida de Carlos Gomes. Um romance biográfico que foge ao convencional desse gênero e leva ao público um texto atraente. Tudo por conta
de O Guarani — um romance de meados do século XIX em franca
produtividade.
O Guarani cumpriu a sua função e merece releitura (o que
estamos fazendo) por ultrapassar o interesse circunstancial. Portanto,
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a critica contemporânea não pode deixar de reconhecer a sua importância no Romantismo e na formação do Modernismo.
“O Romantismo era a apoteose do sentimento”. Trazendo para
nós a frase de Eça de Queirós, diríamos que o romance indianista do
Romantismo no Brasil era “a apoteose do sentimento nacional”.
Nesse sentido, o romance O GUARANI cumpriu sua função, pois
José de Alencar cria um personagem para cumprir a finalidade de suscitar o sentimento nacional capaz de despertar o orgulho da descendência indígena da raça.
José de Alencar distribui sua narrativa em 54 capítulos, distribuídos em 4 partes:
a) Os aventureiros
b) Peri
c) Os Aimorés
d) A Catástrofe
O romance traz visivelmente três etapas, configurando a linearidade:
Princípio — etapa onde se introduz o cenário e os personagens, caracterizados pela ausência de conflitos;
Clímax (meio) — segunda etapa, onde os conflitos começam a
se delinear, os personagens vão entrando em choque, chegando a
quase destruição deles; e
Desfecho (fim) — etapa onde os personagens restantes vivem
em harmonia, semelhante à do principio da estória.
O Guarani é um romance tríptico: Histórico, Romanesco e
Indianista. É histórico por confissão do autor, pelas notas do apêndice e,
sobretudo, pelas presenças das figuras históricas de D. Antônio, D. Diogo,
D. Lauriana. As constantes referências ao domínio espanhol e o sentimento nacional de D. António. É Romanesco pelo retomo aos costumes
e as novelas de cavalaria da Idade Média. Suas personagens são submetidas ao código de honra (lealdade) e as relações casa/castelo: suserano/
vassalos; as situações guerreiras. É Indianista pela ideologia romântica
que focaliza o índio e a vida selvagem como ideais da liberdade, pureza
e essencialidade. PERI é o símbolo do natural, do mítico e do poético.
O Guarani é um romance de intenções simbólicas ou míticas
da nossa formação como povo. O autor produz uma boa obra de arte
literária, sem, contudo, conseguir dimensionar os aspectos históricos
e antropológicos da nossa sociedade.
Peri é um personagem produzido a partir de um enorme desejo
cívico nacional; de brasilidade e de apaixonada devoção à pátria. Um
autêntico herói romântico. O herói nacional ou o Lancelot tupiniquim.
É a melhor realização do Indianismo do nosso Romantismo. É o único
grande herói da América.
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4.1. Enredo
A ação do romance dá-se no ano de 1604, em território
fluminense, sudeste brasileiro, em torno do núcleo colonizador fundado por D. António de Mariz, fidalgo dos mais insignes da nobreza de
Portugal, leva adiante no Brasil uma colonização dentro do mais rigoroso espírito de obediência à sua pátria. Representa, com sua casaforte, elevada na Serra dos Órgãos, um baluarte na Colônia, a desafiar
o poderio espanhol. Sua casa-forte, ás margens do Rio Paquequer,
afluente do Rio Paraíba, é abrigo de ilustres portugueses, afinados no
mesmo espírito patriótico e colonizador, mas acolhe inicialmente, com
ingênua cordialidade, bandos de mercenários, homens sedentos de
ouro e prata, como o aventureiro Loredano, ex-padre que assassinara
um homem desarmado, a troco do mapa das famosas minas de prata.
Dentro da respeitável casa de D. António de Mariz, Loredano vai pacientemente urdindo seu plano de destruição de toda a família e dos
agregados. Em seus planos, contudo, está o rapto da bela Cecília,
filha de D. António, mas que é constantemente vigiada por Peri, índio
Goitacaz da Nação Guarani, forte, corajoso, que em recompensa por
tê-la salvo certa vez de uma avalancha de pedras, recebeu a mais alta
gratidão de D. António e mesmo o afeto espontâneo da moça, que o
trata como a um irmão. A narrativa inicia seus momentos épicos logo
após o incidente em que Diogo, filho de D. Antônio, inadvertidamente,
mata uma indiazinha aimoré, durante uma caçada. Indignados, os
aimorés procuram vingança: surpreendidos por Peri, enquanto espreitavam o banho de Ceci, para logo após assassiná-la, dois aimorés
caem transpassados por certeiras flechas; o fato é relatado à tribo
aimoré por uma índia que conseguira ver o ocorrido. A luta que se irá
travar não diminui a ambição de Loredano, que continua a tramar a
destruição de todos os que não o acompanhem. Pela bravura demonstrada do homem português, têm importância ainda dois personagens:
Álvaro, jovem enamorado de Ceci e não retribuído nesse amor, senão
numa fraterna simpatia; Aires Gomes, espécie de comandante das
armas; leal defensor da casa de D. António. Durante todos os momentos da luta, Peri, vigilante, não descura dos passos de Loredano,
frustrando todas suas tentativas de traição ou de rapto de Ceci. Muito
mais numerosos, os aimorés vão ganhando a luta passo a passo. Num
momento, dos mais heróicos por sinal, Peri, conhecendo que estavam
quase perdidos, tenta uma solução tipicamente indígena: tomando veneno, pois sabe que os aimorés são antropófagos, desce a montanha e
vai lutar contra os aimorés: sabe que, morrendo, seria sua carne devorada pelos antropófagos e aí estaria a salvação da casa de D. António:
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eles morreriam, pois seu organismo já estaria de todo envenenado. Depois de encarniçada luta, onde morreram muitos inimigos, Peri é subjugado e, já sem forças, espera, armado, o sacrifício que lhe irão impingir.
Álvaro (a esta altura enamorado de Isabel, irmã adotiva de Cecília) consegue heroicamente salvar Peri. Peri volta e diz a Ceci que havia tomado
veneno. Ante o desespero da moça com essa revelação, Peri volta à
floresta em busca de um antídoto, espécie de erva que neutraliza o poder
letal do veneno. De volta, traz o cadáver de Álvaro morto em combate
com os aimorés. Dá-se então o momento trágico da narrativa: Isabel,
inconformada com a desgraça ocorrida ao amado, suicida-se sobre seu
corpo. Loredano continua agindo. Crendo-se completamente seguro, trama agora a morte de D. Antônio e parte para a ação. Quando menos
supõe, é preso e condenado a morrer na fogueira, como traidor. O cerco
dos selvagens é cada vez maior. Peri, a pedido do pai de Cecília, se faz
cristão, única maneira possível para que D. Antônio concordasse na fuga
dos dois, os únicos que se poderiam salvar. Descendo por uma corda
através do abismo, carregando Cecília entorpecida pelo vinho que o pai
lhe dera para que dormisse, Peri consegue afinal chegar ao rio Paquequer.
Numa frágil canoa, vai descendo rio abaixo, até que ouve o grande estampido provocado por D. António, que, vendo entrarem os aimorés em
sua fortaleza, ateia fogo aos barris de pólvora, destruindo índios e portugueses. Testemunhas únicas do ocorrido, Peri e Ceci caminham agora
por uma natureza revolta em águas, enfrentando a fúria dos elementos
da tempestade. Cecília acorda e Peri lhe relata o sucedido. Transtornada,
a moça se vê sozinha no mundo. Prefere não mais voltar ao Rio de Janeiro, para onde iria. Prefere ficar com Peri, morando nas selvas. A tempestade faz as águas subirem ainda mais. Por segurança, Peri sobe ao alto
de uma palmeira, protegendo fielmente a moça. O índio narra então à sua
amada musa, a versão indígena do dilúvio, ou “Lenda do Índio Tamandaré”
(o Noé dos índios), a fim de entreter-lhe e aconchegar-lhe. Como as águas
fossem subindo perigorosamente, Peri, com força descomunal, arranca a
palmeira do solo, improvisando uma canoa. O romance termina com a
palmeira perdendo-se no horizonte, não sem antes Alencar ter sugerido,
nas últimas linhas do romance, uma bela união amorosa, semente de
onde brotaria mais tarde a raça brasileira ...
4.2. Foco Narrativo
O romance é narrado em terceira pessoa por um narrador onisciente, que entretanto, abre mão de sua plenitude e de suas possibilidades de análise histórica crítica e observacional, para uma atitude de
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deformação da realidade: visão de mundo subjetiva e idealista. Suas
intervenções são emotivadas e superficiais, promovendo o triunfo da
imaginação burguesa sobre a realidade.
4.3. Tempo / Espaço / Ambiente
O contexto de publicação desse romance folhetinesco é a metade
do século XIX, entretanto o autor promove uma fuga dessa realidade de
tempo, para um passado remoto do início do século XVII, tempo das
expedições bandeirantes e jesuíticas no Brasil, a mando de D. Filipe, da
Espanha e de Portugal. Esta fuga para o passado é um truque para encontrar um tempo estático, original, paradisíaco, em que estariam as origens da nação e da cultura brasileiras. Corresponde ao retorno ao passado medieval do romance histórico europeu. Nesse tempo original, estariam justificativas para a grandeza, a beleza, o heroísmo, pureza; valores
morais e éticos que comportam um imaginário burguês idealista no século XIX, apoiadas no idearium de Rousseau: a teoria do “bom selvagem”.
O tempo na narrativa mostra-se linear e organizada que, por algumas vezes, sofre intervenções do narrador onisciente e usa o flashback.
O espaço do romance é a serra que separa o litoral e o interior
do Rio de Janeiro, próximo à nascente do Rio Paquequer, um afluente
menor do Rio Paraíba.O autor retrata a floresta tropical, exuberante e
perigosa contra os que dela não fazem parte.
O ambiente é o núcleo colonizador de D. Antônio de Mariz:
uma fazenda, que constava de uma casa grande (à semelhança dos
castelos medievais) que circulavam aqueles de sangue nobre; as cercanias, Peri; ainda um galpão, onde se acomodavam os aventureiros,
pagos para desbravar aquela região. O mediador entre a casa grande
e o galpão é D. Álvaro, o escudeiro de Dom Antônio.
A fazenda colonizadora exerce função simbólica para o entendimento do caráter histórico do romance: introdução da civilização na
floresta tropical, refletindo mudança profunda na relação do homem com
a natureza; desperta uma luta em torno de bens materiais e em torno de
valores ético-morais (bem x mal). O fogo como elemento purificador
que destrói a fazenda, simbolizando a resistência do primitivo (Amoirés)
ao civilizado: um estado de harmonia entre o homem e a natureza.
4.4. Personagens:
4.4.1. Heróis
O romance apresenta uma fileira de heróis concebidos a partir
dos arquétipos medievais da cavalaria: perfeição moral, ética, valen-
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tia, honradez que são encontrados em D. Antônio de Mariz, vassalo fiel de
Dom Sebastião; em Dom Diogo, filho de D. Antônio, que estava sendo educado para ocupar o lugar do pai; Dom Álvaro, o fiel escudeiro de D. Antônio
e, finalmente, Peri, que depois do batismo cristão, é reconhecido pelos
nobres, e, no contexto da floresta, era superior a todos por seus dotes de
heroísmo e beleza. A heroína Ceci, nobre, musa, inocente, bela, jovem,
virgem, loura, pálida, é idealizada e concebida do imaginário romântico. Peri
a reconhece como santa, senhora a quem se deve adoração incondicional:
culto e postura dos trovadores medievais que inspiravam seu código amoroso na religião cristã. Em condição rebaixada, ao lado da heroína, temos
Dona Lauriana que abomina os selvagens, incluindo Peri. Dona Isabel, beleza morena, exótica e sensual, odeia Peri, pois patenteia sua origem nativa,
sua condição de mestiça.
4.4.2. Vilões
Loredano materializa o mal, ex-padre (Ângelo de Lucca), que abandona os votos e torna-se ambicioso, homicida, violento, irônico e destrutivo.
Outros vilões companheiros de Loredano como Bento Soeiro e Rui Simões.
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