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Território quilombola
Uma conquista cidadã
Material de apoio para oficina de formação com jovens lideranças
quilombolas
2012
Território quilombola: uma conquista cidadã
2
Novembro
de 2012
Apresentação
O presente material foi desenvolvido1
para servir de instrumento de apoio para a
realização de oficinas de formação com jovens lideranças quilombolas durante a semana de
consciência negra em novembro de 2012. Este material sistematiza algumas das principais
informações relacionadas com a luta pela titulação dos territórios quilombolas no Brasil.
Na primeira parte o material de apoio traz alguns importantes elementos históricos sobre
a o longo caminho quilombola na luta pela garantia e efetivação do direito à titulação do
território. A segunda parte do material apresenta um resumo das mudanças normativas
relacionadas com a titulação dos territórios quilombolas após à promulgação da Constituição
Federal de 1988. Na terceira e última parte apresentam-se elementos sobre os procedimentos
para realização da titulação dos territórios quilombolas, Analisando-se também alguns dos
entraves jurídicos e políticos relacionados com a titulação.
Canto das três raças (Mauro Duarte e Paulo Cezar pinheiro)
Ninguém ouviu um soluçar de dor no canto do Brasil
um lamento triste sempre ecoou, desde que o índio guerreiro
foi pro cativeiro e de lá cantou
Negro entoou um canto de revolta pelos ares
no Quilombo dos Palmares, onde se refugiou
Fora a luta dos Inconfidentes pela quebra das correntes
nada adiantou
e de guerra em paz, de paz em guerra
todo o povo desta terra quando pode cantar
canta de dor
Ôh ôh ôh ôh ôh ôh ôh oh
E ecoa noite e dia, é ensurdecedor
ai, mas que agonia o canto do trabalhador
esse canto que devia ser um canto de alegria
soa apenas como um soluçar de dor.
1
Elaborado por Fernando Prioste e André Barreto, integrantes da organização de direitos humanos Terra de Direitos.
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Sumário
Parte 1 - Quilombos e direito a terra na história brasileira.
1.1-Colonização do Brasil, trabalho escravo, quilombos e terra.
1.2-Abolição formal e inconclusa da escravidão e as comunidades
quilombolas.
1.3-A Constituição de 1988: um marco jurídico importante para as
comunidades quilombolas.
Parte 2 – As comunidades quilombolas e a luta pela realização do direito
constitucional.
2- luta pela titulação dos territórios quilombolas depois do art. 68 do
ADCT da Constituição Federal.
2.1- De 1988 a 2003 – Poucos avanços
2.2- De 2003 a 2012 – Alguns avanços
Parte 3 – Noções legais básicas para a titulação dos territórios
quilombolas.
3- Marcos da titulação do território Quilombola
3.1- A certidão da Fundação Cultural Palmares
3.2- O passo a passo da titulação – A regra da Instrução Normativa n 57 do
INCRA
3.3- Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
3.4- Políticas públicas para efetivação dos direitos previstos na lei –
Programa Brasil Quilombola
3.5-Ameaças aos direitos das comunidades quilombolas
3.5.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239 – Supremo Tribunal
Federal
3.5.2 Projetos de lei e ameaça a direitos
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Parte 1 - Quilombos e direito a terra na história brasileira
1.1- Colonização do Brasil, trabalho escravo, quilombos e terra.
uitos aprenderam nas escolas
que o Brasil foi “descoberto”
pelos portugueses em 22 de
abril do ano de 1500. Essa “descoberta” se
refere à chegada de uma frota de navios
portugueses chefiada por Pedro Álvares Cabral2
onde hoje se localiza a cidade de Porto Seguro,
na Bahia. Mas sabemos que nas terras que hoje
conhecemos como Brasil já viviam muitos
índios. Se nas terras hoje conhecidas como
Brasil já viviam os indígenas porque se fala em
“descobrimento” do Brasil? Esse termo
“descobrimento” é utilizado a
partir de uma perspectiva
europeia que desconsidera os
povos nativos do Brasil no
processo de ocupação das
terras. Ou seja, para os
europeus nada havia de
importante aqui em termos de civilização e
ninguém era dono dessas terras. Assim, a
construção histórica do “descobrimento” do
Brasil teve, e ainda tem, um sentido muito
importante de viabilizar a colonização da
América Latina pelos europeus.
Os portugueses, na época da colonização
do Brasil, tinham um objetivo muito claro:
extrair o máximo de riqueza no menor tempo
possível. O grande tamanho das terras que
Portugal pretendia se apropriar indicava a
2
Dizem alguns historiados que mesmo antes da chegada de
Pedro Álvares Cabral, Duarte Pacheco Pereira, em 1948, e
Vicente Yàñes Pinzón, em janeiro de 1500, já haviam chegado
da Europa ao Brasil.
necessidade de traçar uma estratégia de
apropriação, evitando que pessoas não ligadas à
coroa portuguesa explorassem o que havia de
riqueza no Brasil. Assim, a partir do ano de 1534
o governo português, através do sistema de
capitanias hereditárias, dividiu o território hoje
conhecido como Brasil em doze grandes lotes de
terras. Esses lotes de terras, conhecidos como
capitanias hereditárias, tinha uma extensão
limitada no sentido quanto à latitude (norte-sul)
variando entre trinta e cem léguas, sem limitação
quanto à longitude (de leste a oeste). Essas
capitanias hereditárias eram
distribuídas pelo governo
português à pequena
burguesia portuguesa, que
tinha como uma de suas
obrigações ocupar e explorar
economicamente o território.
Frise-se que esse sistema de loteamento do
Brasil não levava em conta que aqui existiam
muitos indígenas vivendo.
Os donatários, aqueles que recebiam do
governo português o direito de explorar as
capitanias hereditárias, conduziram a exploração
das terras principalmente através da extração de
recursos naturais (na sua maioria madeira, ouro e
prata) e do sistema de plantation. O sistema de
plantation se baseava da monocultura
(principalmente de cana de açúcar) em grandes
extensões de terra e na utilização de mão de obra
escrava de índios e, principalmente, de negros e
negras trazidos à força do continente africano
M
Se nas terras hoje conhecidas
como Brasil já viviam os
indígenas porque se fala em
“descobrimento” do Brasil?
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Novembro
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para o Brasil. Pode-se dizer que de toda América
Latina o Brasil foi um dos primeiros a
organizar o sistema escravagista de produção
e o último a abandoná-lo. Assim, é impossível
compreender a história brasileira e a
realidade que vivemos hoje dissociada do
sistema escravocrata e de suas consequências.
Durante mais de três séculos a construção
da nação brasileira se deu com base no trabalho
escravo do negro e da negra. Historiadores
apontam que a chega dos primeiros navios
negreiros ao Brasil se deu por volta de 1530,
trazidos à capitania de São Vicente. Não há
consenso entre os historiadores quanto à
quantidade de negros trazidos da África ao
Brasil durante o período escravocrata, assim
como não há um consenso quanto à população
de negros escravizados no Brasil durante esse
período. Roberto Simonsene e Sérgio Buarque
de Holanda estimam que foram trazidos ao
Brasil cerca de três milhões de negros, já Caio
Prado Júnior estima cerca de seis milhões e
Pandiá Calógeras aponta para um número
superior a treze milhões de negros e negras
trazidos à força para o Brasil. Ainda que não se
saiba ao certo a quantidade de negros e negras
trazidos ao Brasil as várias estimativas nos
mostram que o tráfico foi intenso e que o
números de negros e negras escravizados era
relevante, podendo ser maior que o número de
não negros vivendo no Brasil em determinadas
épocas.
A escravidão no Brasil não se deu sem
grande resistência, sendo que esta se dava de
diversas formas destacando-se a fuga, o
justiçamento (assassinato de proprietários de
escravos), o suicídio, a formação de quilombos,
o aborto, a resistência à execução do trabalho
forçado, a apropriação da produção, sabotagem
da produção entre outras formas. Sem dúvidas a
origem dos direitos que hoje as comunidades
quilombolas tem está intimamente ligada com a
luta dos antigos negros e negras escravizados.
A formação
dos
quilombos
surge com a
chegada
dos
primeiros
negros no
Brasil e se
perpetua
até hoje na
realidade
brasileira,
passando por
várias
transformações ao longo do tempo. Nas leis
brasileiras uma das primeiras referências aos
quilombos é do Conselho Ultramarino, datada de
1740, quando definiu os quilombos como: “toda
habitação de negros fugidos, que passem de
cinco, em parte despovoada, ainda que não
tenham ranchos levantados e nem se achem
pilões nele.” Essa referência da lei aos
quilombos foi feita para que os órgãos de
repressão do Estado pudessem ter um marco
jurídico que definisse o que seria quilombo.
Assim, uma das primeiras definições legais de
quilombo no Brasil está relacionada com a
repressão ao movimento de libertação de negros
e negras.
Figure 1 - Mapa das capitanias
hereditárias
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Novembro
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É importante destacar que a análise da
história oficial dos quilombos no Brasil
baseia-se quase que exclusivamente em
documentos que não foram produzidos pelos
quilombolas. As fontes mais usadas pelos
historiadores são relatos de forças policiais,
militares e não militares, que atentavam contra
os quilombos, assim como outros documentos
administrativos do Estado brasileiro. Dessa
forma, a análise histórica dos antigos quilombos
tem que ser feita levando em conta que a grande
parte dos documentos que ainda hoje existem
foram elaborados pelos que se opunham aos
quilombolas e, nesse sentido, contam a história a
partir do ponto de vista do escravocrata, e não
dos negros e negras em busca da liberdade.
De forma geral se pode dizer que os
quilombos se formaram em quase todo o Brasil.
Onde houve escravidão existiu quilombo. Os
quilombos não eram comunidades formadas
apenas por negros e negras fugidos da
escravidão. Ali viviam também negros e negras
já libertos, índios, não negros que não tinham
espaço na sociedade branca e patriarcal, ou seja,
os quilombos eram espaços em que se
encontravam pessoas que por vários motivos não
tinham espaço na sociedade branca. O quilombo
era um espaço de busca pela liberdade, um
lugar em que as pessoas oprimidas pelo
sistema da época podiam tentar viver em
condições melhores. Importante destacar que
não havia uma uniformidade nos antigos
quilombos, sendo que cada um deles tinha uma
formação específica.
Também é importante destacar que nem
todos os antigos quilombos se localizavam em
lugares distantes e de difícil acesso, sem contato
com a sociedade dominante. Há muitos relatos
históricos que indicam que havia muitos
quilombos nas proximidades de fazendas e
mesmo dos centros urbanos. São muitos os
relatos de quilombos que comercializavam e
trocavam produtos com segmentos da sociedade
escravagista. Os quilombolas realizavam trocas
de mercadorias agrícolas por eles produzidas por
outras, por ferramentas e, inclusive, por
informações que ajudassem os quilombolas a se
proteger de ataques. É certo, contudo, que os
antigos quilombos não tinham nenhum respaldo
jurídico que lhes assegurasse a posse da terra ou
dos bens por eles produzidos. Naquela época a
sobrevivência dos quilombolas se baseava na
capacidade de se desenvolver em um ambiente
totalmente hostil, em que o ordenamento jurídico
os tratava como criminosos e o Estado e os
donos de engenhos os perseguiam brutalmente.
Entrada de africanos escravizados no Brasil.
(IBGE)
Período 1500-1700 1701-1760 1761-1829 1830-1855
Quantidade 510.000 958.000 1.720.000 718.000
Antes mesmo da abolição formal e
inconclusa da escravidão em 1888 o Estado
brasileiro já se preparava evitar que os
quilombolas tivessem acesso a direitos no
processo de luta pela abolição da escravidão.
Pouco antes da abolição foi editada a Lei de
Terras de 1850, com o objetivo de regular a
forma pela qual as pessoas poderiam ter a
propriedade das terras no Brasil. Antes dessa lei
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Novembro
de 2012
vigorava no Brasil um regime jurídico de relação
com a terra ainda muito ligado ao sistema de
capitanias hereditárias, onde a posse da terra era
cedida pelo governo a quem tivesse interesse e
possibilidade de nela trabalhar. Claro que só
conseguia terra quem tivesse afinidade com o
poder instituído, o que por certo não era o caso
dos quilombolas.
A Lei de Terra de 1850 institui o regime
jurídico da propriedade privada da terra no
Brasil, condicionando a obtenção da propriedade
da terra exclusivamente à compra e venda.
Assim, todo aquele que quisesse ser proprietário
de terras no Brasil deveria comprá-la do Estado.
Esse novo regime jurídico da terra no Brasil
inviabilizou que as muitas pessoas com pouco ou
nenhum recurso financeiro pudesse adquirir uma
terra ou regularizar a posse que exercia. Num
cenário em que se percebia a possibilidade de
abolição da escravidão essa foi uma forma de
evitar que negros e negras, entre outros tantos
grupos sociais marginalizados, tivessem acesso
seguro à terra. A referida lei também cumpriu
com o objetivo de evitar que os imigrantes livres
que chegavam ao Brasil para o trabalho nas
lavouras, especialmente em São Paulo para
trabalhar com o café, não pudessem adquirir
terras e tivessem que trabalhar como empregados
nas fazendas.
A abolição formal e inconclusa da
escravidão em 1888 foi um marco importante da
luta pela liberdade do povo negro, ai incluindo
os quilombolas. Conduto, não é possível afirmar
que com a abolição da escravidão acabaram-se
os problemas dos negros no Brasil, ou mesmo
que os quilombos deixaram de existir. A
abolição da escravidão, que é uma conquista do
povo negro, fruto da luta de André Rebouças,
José do Patrocínio, Luiz Gama e Tobias Barreto,
entre outros, e se deu em um contexto de grande
diminuição da utilização da mão de obra escrava
no Brasil. Necessário também lembrar que o
Brasil era o único país da América Latina a
manter a escravidão em 1888.
O processo oficial de escravidão no Brasil
durou mais de três séculos. A abominável
situação de escravidão do povo negro e suas
nefastas consequências não se encerraram
com a abolição da escravidão. Um grande
esforço deveria ter sido empregado pelo Estado
se realmente quisesse superar de forma eficaz as
consequências de séculos de escravidão.
Contudo, como veremos adiante, a ação do
Estado após a abolição da escravidão contribuiu
muito mais para aprofundar o racismo no Brasil
do que para superá-lo.
Questões para debate:
 Se o estado brasileiro é um dos responsáveis pela escravidão, tem hoje
responsabilidade em resolver os problemas derivados dessa situação?
 Hoje ainda há escravidão no Brasil?
Território quilombola: uma conquista cidadã
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1.2- Abolição formal e inconclusa da escravidão e as comunidades
quilombolas
omo visto, a abolição formal e
inconclusa da escravidão em
1888 pôs fim ao cativeiro no
plano formal e inaugurou uma nova era de
opressão ao povo negro no Brasil.
A lei Áurea, aprovada em 13 de maio de 1888,
tem um texto muito singelo, com apenas dois
artigos: Art. 1.º: É declarada extinta desde a
data desta lei a escravidão no Brasil. Art. 2.º:
Revogam-se as disposições em contrário. A
abolição formal e inconclusa da escravidão se
deu sem que o Estado brasileiro garantisse
aos negros e negras recém libertos quaisquer
direitos, sem que fosse garantida qualquer
política pública que possibilitasse um meio
adequado de vida a quem sofreu com a
escravidão e viria a sofrer com o preconceito de
uma sociedade escravocrata. Também não foi
adotada qualquer
política
institucional de
superação do
racismo. Como
poderia a
população negra
brasileira
desenvolver-se
sem apoio do
Estado num país
com mais de
trezentos anos de
escravidão?
Assim, os negros e negras libertos com a
abolição da escravidão ficaram relegados à
própria sorte, sem nenhum apoio do Estado na
busca pela sobrevivência. Em um contexto de
grande opressão racial de uma sociedade
escravocrata, como iriam sobreviver os negros e
negras? Esse debate foi feito antes e depois da
abolição da escravidão. Joaquim Nabuco, um
branco defensor da causa da abolição da
escravidão, proferiu em 5 de novembro de 1884
um discurso que relacionava a questão da terra
com a liberdade de negros e negras:
“A propriedade da terra não tem somente direitos,
tem também deveres, e o estado de pobreza entre
nós, a diferença com que todos olham para a
condição do povo, não faz honra à propriedade, não
faz honra ao Estado. Eu, pois, se eleito, não
separarei mais as duas questões – a da emancipação
dos escravos e a da democratização do solo. Uma é
o complemento da outra. Acabar com a escravidão
no Brasil não nos basta, é preciso destruir a obra da
escravidão.”
Apesar de haver um debate sobre a
necessidade de conferir direitos específicos ao
povo negro liberto em 1888, de fato não foi
garantido nenhum direito. Pelo contrário, após a
abolição da escravidão houve um grande
movimento que pretendia “embranquecer” a
população brasileira, como se assim fossem
“melhorar” a situação da nação. Essa visão
racista tinha várias estratégias para o
“embranquecimento” do povo brasileiro. Alguns
defendiam, por exemplo, o absurdo de que com
o passar do tempo a miscigenação iria
embranquecer a população Brasileira e assim a
C
Figure 2 - texto da Lei Áurea
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Será que o quilombo como espaço em
que negros e negras buscavam uma vida
livre a partir de sua própria cultura
deixou de existir em 1888?
nação iria prosperar. Raimundo Nina Rodrigues,
médico, professor antropólogo brando que viveu
no início do século XX e fim o século XIX, via
no povo negro a causa e a origem dos problemas
do povo brasileiro. O trecho abaixo ilustra muito
bem a situação que os negros e negras viveram
no período pós abolição da escravidão:
“o que importa ao Brasil determinar é o quanto de
inferioridade lhe advém da dificuldade de civilizar-
se por parte da população negra que possui e se de
todo fica essa inferioridade compensada pelo
mestiçamento, processo natural por que os negros se
estão se integrando no povo brasileiro, para a
grande massa da sua população de cor” (Rodrigues,
s/d: 264).
A compreensão
dessa situação de extrema
opressão ao povo negro
brasileiro no início do
século XX é indispensável
para que se possa ter
clareza quanto aos
desafios enfrentados para superar a situação de
racismo que vivemos no Brasil. Naquela época
se de um lado havia uma pequena parcela de
pessoas influentes com alguma preocupação com
o destino do povo negro após à abolição da
escravidão, grande parte dos poderosos se
preocupava com a necessidade de o Estado
indenizar os escravocratas no processo de
abolição da escravidão, com a necessidade de
“importar” mão de obra que substituísse os
negros libertos, enquanto outros ainda se
preocupavam com a necessidade de
embranquecer a população brasileira.
Por esses e outros motivos se diz que com
a Lei Áurea ocorreu a abolição formal e
inconclusa da escravidão, já que a lei apenas
proibiu do ponto de vista formal a escravidão e
mais nada foi feito. De fato a Lei Áurea em
quase nada contribuiu para superar a cultura
escravocrata Brasileira. Para além disso, o
Estado ainda se preocupava em “substituir” a
mão de obra no campo descartando os negros e
negras da política oficial de trabalho “livre” no
Brasil. Assim, mesmo antes do fim da
escravidão, mas com mais intensidade após
1888, o Estado Brasileiro adotou uma política de
importação de mão de obra.
Dessa forma, o
Estado brasileiro
deliberadamente adotou
políticas favoráveis à
migração de europeus para
o Brasil. Era uma política
que ao mesmo tempo visava
resolver o “problema” de falta de pessoas para
trabalhar no campo e contribuía para o
“embranquecimento” da população brasileira. Ai
estava uma dupla violência para com o povo
negro brasileiro: Não servia para o trabalho livre
e era considerado um entrave ao
desenvolvimento da nação.
Nesse contexto é impossível afirmar que
os quilombos acabaram em 1888 com a Lei
Áurea. Será que o quilombo como espaço em
que negros e negras buscavam uma vida livre a
partir de sua própria cultura deixou de existir em
1888? Como visto, apesar do processo de
abolição formal da escravidão o quilombo
continuou a ter papel muito importante na vida
Território quilombola: uma conquista cidadã
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do povo negro e da nação brasileira, tudo na
medida em que se constituiu em um espaço de
busca pela liberdade em que era possível tentar
viver de forma digna.
Contudo, sem qualquer apoio do Estado e
num ambiente racista os quilombolas
enfrentavam, como ainda enfrentam, muitos
processos de expulsão de suas terras.
Praticamente todas as comunidades
quilombolas estabelecidas no processo e
abolição da escravidão e após 1888 viveram e
ainda vivem com ações que visam retira-los
de suas terras. Esse processo de expulsão das
terras está relacionado com uma pressão
econômica liga à expansão do que se
convencionou chamar de agronegócio, assim
como está impregnada de racismo.
Desde o início da colonização o Brasil
ocupou no cenário internacional o papel de
grande produtor e exportador de commodities
agrícolas. Através de um sistema que não se
diferencia muito da plantation da época da
escravidão o Estado brasileiro incentivava a
produção de alguns tipos de produtos agrícolas
em larga escala. Esse incentivo à formação de
latifúndios pressionava e ainda pressiona as
comunidades quilombolas. Como é necessário
expandir a área de monoculturas os territórios
quilombolas, assim como as terras indígenas e as
fazendas dos pequenos produtores não
quilombolas eram, e ainda são, alvo dessa
procura por terras. Assim, as comunidades
quilombolas sofriam todo o tipo de pressão
fundiária, que variava da compra e venda
forçada à expulsão à bala.
Essa pressão fundiária está também
intimamente ligada à racista percepção de que os
quilombolas não têm nada a acrescentar no
processo de desenvolvimento do país, assim
como nada teriam a acrescentar as populações
indígenas. Da mesma forma a agricultura
familiar é tratada como atrasada, como uma
forma de agricultura superada no tempo e que
tem que se integrar à lógica de produção do
agronegócio.
Diante desse cenário é indispensável
reconhecer que as comunidades quilombolas de
hoje ainda são verdadeiros espaços de luta contra
a opressão, como eram também os antigos
quilombos. Diante de um quadro de grande
opressão sobreviveram no tempo e
desenvolveram suas formas tradicionais de viver
e de produzir. Enfrentaram todo o tipo de
opressão e continuam a existir e a reproduzir sua
cultura de resistência e de luta. As vitórias
históricas do povo quilombola vão além da
própria existência das comunidades e se
materializou hoje em leis e políticas públicas que
buscam enfrentar o racismo e assegurar direitos,
como o direito de acesso à terra.
Questões para debate:
Quais os significados e as consequências da lei Áurea?
Como ficou a situação do negro e da negra após a lei Áurea?
Os quilombos deixaram de existir após 1888? Após 1888 surgiram novos quilombos?
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1.3- A Constituição de 1988: um marco jurídico importante para as
comunidades quilombolas.
penas com a promulgação da
Constituição Federal de 1988,
cem anos após à abolição
formal e inconclusa da escravidão, as
comunidades quilombolas brasileiras tiveram o
direito ao território reconhecido em lei. Esse
reconhecimento jurídico se deu na mais
importante lei do Brasil, no artigo 68 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal de 1998.
O reconhecimento
de um direito na
Constituição é carregado
de significados jurídicos,
políticos, históricos, raciais
e sociais, já que os direitos
humanos estabelecidos na
Constituição não podem
ser retirados de lá por uma
lei, nem mesmo por uma
mudança no texto da
própria Constituição. Assim, o reconhecimento
desse direito na mais importante lei brasileira
deve ser respeitado por todos, sejam cidadãos
ou órgãos de Estado como o Poder Judiciário, o
Legislativo e o Executivo.
Contudo, como sabemos todos nós,
apesar de ser muito importante o
reconhecimento de um direito na Constituição
isso não é garantia de que esse direito será
efetivamente respeitado e implementado pelo
Estado. Essa situação não acontece apenas com
os direitos das comunidades quilombolas, já que
após vinte e quatro anos da promulgação da
Constituição Federal muitos outros direitos
reconhecidos na lei ainda não são respeitados.
Entre outros direitos fundamentais que não são
respeitados podemos citar o direito à saúde,
educação, emprego digno, entre outros tantos.
Entretanto, podemos observar que alguns
direitos previstos na Constituição são mais
respeitados que outros.
Se fizermos uma comparação entre a
garantia de direito à titulação
do território para comunidades
quilombolas e a garantia do
direito de propriedade para
grandes fazendeiros qual desses
direitos hoje é mais respeitado
pelo Poder Público? Se alguns
direitos previstos na
Constituição são mais
respeitados que outros é
importante fazer um
questionamento para descobrir
a origem desse problema e superar a situação de
desigualdade. No caso do direito das
comunidades quilombolas terem acesso ao
território quais seriam os obstáculos que
impedem a realização plena há mais de vinte
e quatro anos? Os motivos dessa dificuldade
são vários e abaixo vamos elencar alguns deles.
Como sabemos, para que o direito
previsto no art. 68 do ADCT da Constituição
aconteça nas comunidades é preciso que o
Estado faça o seu trabalho. Ou seja, é preciso
que o Estado empregue dinheiro, recursos
A
Apesar de ser muito
importante o
reconhecimento de um
direito na Constituição
isso não é garantia de que
esse direito será
efetivamente respeitado e
implementado pelo Estado
Território quilombola: uma conquista cidadã
12
Novembro
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materiais, pessoas e esforço político para que
esse direito se realize. No caso do direito à
titulação esses esforços do Estado precisam ser
muito grandes, pois a realização do direito das
comunidades interfere diretamente no interesse,
muitas vezes econômico, de pessoas e grupos
com muito poder e dinheiro. Nesse mesmo
contexto a titulação dos territórios quilombolas
também tem que se sobrepor ao
racismo que ainda impregna a
sociedade brasileira. Como a lei
sozinha não é suficiente para
superar todos os obstáculos postos
à efetivação do direito, as
comunidades quilombolas devem ser os
principais protagonistas dessa luta pela
titulação.
Infelizmente ainda persiste no
senso comum a ideia de que os quilombos
estão ligados ao passado, isolados da
sociedade brasileira e que os quilombolas
estão apenas associados à escravidão e à
fuga. Parte da luta das comunidades
quilombolas está ligada a transformar essa
concepção de quilombo do pensamento
escravocrata. Sabemos que os quilombos era
um lugar de homens e mulheres que buscavam
sair da situação de opressão e construir uma
vida livre. Sabemos também que foi através de
diferentes processos como as ocupações das
terras livres, as heranças, as doações de terras,
as trocas da terra por serviços prestados ao
Estado, assim como as fugas e a compra que os
territórios quilombolas foram se constituindo.
Em alguns lugares os quilombos também são
conhecidos também como “terras de preto”,
“terras de santo” ou “território negro”, entre
outros nomes. Essa formação se deu ao longo
dos tempos, mesmo após à abolição formal da
escravidão.
Na disputa sobre a interpretação
do texto constitucional é importante destacar
que pertencer a um grupo e a um território é
uma maneira de evidenciar a identidade e a
territorialidade. A lógica
da coletividade, presente
nos quilombos, se opõe à
lógica da individualidade
inerente à propriedade
privada, por isso o art.
68 do ADCT da
Constituição não pode ser interpretado na lógica
individual da propriedade. Esse é um fator
importante na interpretação do direito previsto
no art. 68 do ADCT da Constituição, pois é um
elemento definidor da identidade quilombola.
Identidade, é importante destacar, refere-se
àquilo que uma pessoa ou comunidade define
de si. Logo está relacionada ao que se é (tanto
individual quanto coletivamente), onde se está
(comunidade/território) e o que se quer (projeto
de futuro).
É na convivência com o uso e a
posse coletiva das terras que grande parte das
comunidades quilombolas tem estabelecido suas
práticas, não somente no uso para subsistência e
comercialização, mas vivenciando sua religião,
seus costumes, tradições e sentimentos de
pertencimento a um lugar. Neste sentido, as
comunidades quilombolas, na interpretação
da constituição, devem ser compreendidas
como aquelas que se autodefinem como
quilombolas pela sua ancestralidade
africana, pela luta contra a opressão racial e
A realização do direito das
comunidades interfere diretamente no
interesse, muitas vezes econômico, de
pessoas e grupos com muito poder e
dinheiro.
Território quilombola: uma conquista cidadã
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pela identidade coletiva mantida através dos
tempos.
Além disso, é importante frisar
que se concebe como território o espaço
ocupado por uma comunidade e necessário para
a sua reprodução física, social, econômica e
cultural, incluindo não só a área destinada à
moradia, mas também aquela reservada ao
plantio, à caça, à pesca e ao manejo
agroflorestal entre outras práticas tradicionais.
Essa interpretação do que é o
direito quilombola na Constituição Federal
encontra respaldo em muitas partes do texto da
Constituição. Abaixo elencamos alguns trechos
da Constituição que respaldam a interpretação
acima exposta:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de
outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos
étnicos nacionais.
§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento
cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à
I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
II produção, promoção e difusão de bens culturais;
III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;
IV democratização do acesso aos bens de cultura;
V valorização da diversidade étnica e regional.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-
culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural
brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas
de acautelamento e preservação.
§ 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as
providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.
§ 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§ 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos
antigos quilombos.
Território quilombola: uma conquista cidadã
14
Novembro
de 2012
Quando a constituição garante às
comunidades de quilombos o título das terras
que ocupam, garantiu o direito ao trabalho, à
preservação da cultura, dos costumes e
tradições. Não há significância jurídica de
garantir o direito de acesso a terra sem que esse
direito se transporte para a função que a terra
desempenha para esse povo. A Constituição
Federal também é clara ao atribuir à
propriedade, mais precisamente ao uso que dela
se faz, a necessária observância do
cumprimento da função
social. A titulação de terras
para as comunidades de
quilombo, nesse sentido,
cumpre sua função social
apenas quando atende a
necessidade de trabalho,
preservação da cultura, das
relações econômicas e sociais
das comunidades
remanescentes de quilombo.
De nada adiantaria
titular uma área ínfima, que
não se preste à manutenção
de uma comunidade rural
que sobrevive através do trabalho com a
terra, que não garanta minimamente o
desenvolvimento das relações culturais e
sociais de cada grupo. O único sentido prático
viável de ser aplicado ao art. 68 do ADCT,
quanto à sua extensão, diz respeito às
necessidades dos remanescentes das
comunidades de quilombos, nem mais, nem
menos.
A interpretação sistêmica e finalística da
Constituição não podem ser afastadas da
interpretação dos direitos das comunidades de
quilombos. A interpretação do que está sendo
garantido pelo art. 68 do ADCT não é uma
invenção. A interpretação se dá a partir do que
se pode extrair da interpretação do conjunto da
própria constituição. A interpretação do art. 68
do ADCT deve levar em conta os arts. 215 e
216 da Constituição Federal, entre outros tantos
dispositivos.
Quando o art. 215 da
Constituição garante a todos o
pleno exercício dos direitos
culturais não está a garantir
apenas a liberdade de
manifestação cultural, de
mera liberdade de realização
de atos. Garante que devem
ser postos pelo poder público,
quando necessário, meios para
que os grupos sociais possam
viabilizar a manutenção da
sua cultura. A titulação das
terras dos quilombolas, nesse
contexto, é imprescindível
para a manutenção da cultura. E não é titulação
de área ínfima, imprestável para manutenção
das relações sociais, que garantira a perpetuação
da cultura quilombola.
A ação do Estado titulando áreas
ínfimas, imprestáveis para manutenção das
comunidades de quilombo, estaria em
desacordo com os princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana, frustrando a
garantia de exercício de direitos culturais,
A ação do Estado
titulando áreas ínfimas,
imprestáveis para manutenção
das comunidades de quilombo,
estaria em desacordo com os
princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana,
frustrando a garantia de
exercício de direitos culturais,
depreciando a preservação do
patrimônio cultural imaterial
brasileiro.
Território quilombola: uma conquista cidadã
15
Novembro
de 2012
depreciando a preservação do patrimônio
cultural imaterial brasileiro.
É explícito o dispositivo do art. 215, § 1º
ao incumbir ao Estado a tarefa de garantir as
manifestações culturais dos afro-descendentes,
ai incluindo, por óbvio, o povo quilombola. Se
há constatação de que a preservação da
cultura afro-brasileira passa pela
preservação das comunidades quilombolas a
única forma de titulação válida é aquela que
atinja a finalidade de garantir a
sobrevivência da comunidade.
É ainda importante destacar que não se
fala de garantia de sobrevivência por meios
estranhos à cultura negra quilombola que se
constrói e reconstrói ao longo do tempo.
Garantir às comunidades outras formas de
sobrevivência sem dar a oportunidade de
desenvolvimento do modo tradicional é o
mesmo que deixar de garantir os direitos
culturais imateriais.
Quando o art. 216 da Constituição, em
seus incisos I e II, diz que constitui patrimônio
cultural brasileiro as formas de expressão, os
modos de criar, fazer e viver, tutela direito de
manutenção do modo de vida, criar e fazer dos
povos tradicionais, ai incluídas as comunidades
quilombolas. Considerando que é pressuposto
básico para a sobrevivência das comunidades
quilombolas o acesso à terra, a interpretação do
art. 68 do ADCT da Constituição Federal deve
ser amparada na natureza de norma de direito
fundamental que tutela as condições necessárias
para perpetuação cultural dos remanescentes.
É inafastável a consideração de que o
povo das comunidades de quilombos tem
histórica significância na formação da
identidade do povo brasileiro. E é nesse sentido
que a titulação das terras deve ser observada e
interpretada. A titulação das terras não
representa apenas o reconhecimento de que
os quilombolas tiveram importante papel na
formação da sociedade brasileira, mas que
hoje a existência de remanescentes de
comunidades de quilombo ainda tem papel
importante nos destinos e identidade cultural
da nação.
O art. 68 do ADCT da Constituição tem,
assim, conteúdo de direito fundamental,
essencial para preservação da cultura do Brasil,
uma vez que garante possibilidade de
sobrevivência digna das comunidades de
quilombo. Nessa ótica não pode ser feita outra
interpretação do direito de acesso a terra pelas
comunidades quilombola que não seja o acesso
que garanta a plena sobrevivência.
Questões para debate:
1) A Constituição Federal assumiu o compromisso de garantir a
sobrevivência das comunidades quilombolas através do acesso à
terra/território? O que é quilombo na Constituição?
2) Qual a diferença entre direito à terra e território?
3)O direito quilombolas de acesso à terra/território está sendo respeitado?
Porque?
Território quilombola: uma conquista cidadã
16
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de 2012
Parte 2 – As comunidades quilombolas e a luta pela realização do direito
constitucional.
2 - A luta pela titulação dos territórios quilombolas depois do art. 68 do
ADCT da Constituição Federal.
penas cem anos após a abolição
formal e inconclusa da
escravidão da população negra
a legislação brasileira reconheceu formalmente
direitos das comunidades quilombolas,
especialmente o direito ao território. Esse
reconhecimento na lei foi fruto de muito
trabalho, luta e mobilização social. Assim, até
1988 não havia nenhuma previsão na lei que
obrigasse o Estado a fazer políticas públicas
de acesso a terras para quilombolas.
Na década de 1980 a mobilização dos
quilombolas e do movimento
negro se uniu a outros
movimentos sociais populares e
exerceu uma forte pressão para
garantir espaço no processo
constituinte, influenciando com
propostas a Constituição de
1988. Um dos principais
resultados deste processo é o
Artigo 68 do Ato das
Disposições Transitórias
Constitucionais que trata de
terra de quilombo.
Importante dizer que a
Constituição Federal é a mais
importante lei do país. Ela diz
como o Estado Brasileiro deve se organizar,
define as regras do governo e diz como são feitas
as demais leis e a justiça. Nela também se
afirmou importantes direitos sociais, econômicos
e culturais essenciais para a garantia de um
padrão de vida digna a todas as pessoas, bem
como definiu como obrigação do Estado para
com todos os cidadãos e cidadãs a promoção de
políticas públicas de saúde, educação, trabalho,
cultura, segurança alimentar, acesso à terra,
dentre outras.
A afirmação pela Constituição
Federal do direito ao território coletivamente
ocupado para as comunidades quilombolas,
muito mais do que uma reparação histórica
pelo sofrimento e
opressão do sistema de
escravidão, tem como
objetivo a promoção da
dignidade humana dos
quilombolas aqui e
agora. A efetivação do
direito ao território para
as comunidades
quilombolas também o
reconhecimento de que as
comunidades tem muito a
contribuir para o
desenvolvimento do país.
O acesso ao território é o
direito mais básico das
comunidades
quilombolas, pois é um direito que gera e
permite acesso a outros direitos.
A
A afirmação pela
Constituição Federal
do direito ao território
coletivamente ocupado
para as comunidades
quilombolas, muito
mais do que uma
reparação histórica
pelo sofrimento e
opressão do sistema de
escravidão, tem como
objetivo a promoção
da dignidade humana
dos quilombolas aqui e
agora
Território quilombola: uma conquista cidadã
17
Novembro
de 2012
O reconhecimento, pelo Estado
brasileiro, do direito ao território
tradicionalmente ocupado pelas comunidades
obriga-o também à promoção de inúmeros outros
direitos que são dependentes da titulação desse
território, por exemplo: os direitos econômicos à
alimentação e à produção, o direito ao meio
ambiente sustentável e o direito à cultura.
Por outro lado, sem a garantia dos
territórios, todos os outros direitos ficam
também ameaçados. E a pior consequência para
as comunidades de não terem suas terras
reconhecidas é a perda de sua liberdade, de
diversas maneiras.
Assim, com base no reconhecimento e na
delimitação das terras quilombolas em todo
Brasil, o Estado poderá também planejar e
executar melhor a realização de políticas
públicas de educação, saúde, infraestrutura e
saneamento básico nos territórios, sendo este o
caminho mais viável e seguro para o
desenvolvimento. As políticas públicas podem e
devem atender a comunidades ainda não
tituladas, mas ficam melhor se forem feitas em
territórios titulados.
O uso coletivo do território quilombola é
o que garante que a produção seja voltada para o
atendimento das necessidades concretas dos
membros daquela comunidade e não para o
aumento ilimitado do lucro de uma única pessoa,
que ocasiona a exploração predatória dos
recursos naturais e põe em risco soberania
alimentar dos povos. Por ser a própria titular do
direito de propriedade sobre o território titulado,
a coletividade dos quilombolas tem a
responsabilidade usar racionalmente e zelar
pelos bens naturais comuns ali presentes.
Quando se fala que o título sobre o
território quilombola é definitivo significa que
ele vem para resguardar o interesse da
comunidade quilombola de permanência na terra
de seus antepassados, ou seja, as comunidades
não desejam e nem podem vender ou arrendar a
área dos quilombos, mas sim viver, produzir e
preservar, contribuindo, além de tudo, para a
construção de um espaço urbano e rural mais
justo, saudável e equilibrado.
Dessa forma, o uso coletivo do território
pela comunidade quilombola é importantíssimo
para a construção de um modelo justo e soberano
de desenvolvimento da nação brasileira, pois o
modo de vida e uso da terra e dos recursos
naturais das comunidades remanescentes de
quilombo representa um dos caminhos para a
emancipação social, com acesso à terra e à
cultura, economia solidária e sustentabilidade
ambiental.
Território quilombola: uma conquista cidadã
18
Novembro
de 2012
2.1- De 1988 a 2003 – Poucos avanços
Apesar do avanço que foi a Constituição
de 1988 no que se refere ao reconhecimento dos
direitos dos quilombolas do acesso à terra, ao
longo da década de 90 pouco se conquistou na
regularização dos territórios de quilombos.
Infelizmente, a previsão do direito na
Constituição não significou a realização desse
direito na prática. Vemos hoje que poucos
territórios quilombolas foram titulados passados
vinte e quatro anos de vigência da Constituição.
A garantia do direito
na Constituição é importante,
mas a sua realização prática
depende de vontade política
das autoridades estatais e da
mobilização popular para que
se transformem em políticas
públicas. Somente no ano de
1995, no mês de dezembro,
foi titulada a primeira terra
quilombola do país, no Estado
do Pará, a comunidade de Boa
Vista.
Durante os governos dos presidentes
José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e
Fernando Henrique Cardoso, a questão das
titulações dos territórios quilombolas não teve
significativos avanços. Pelo contrário, pode-se
dizer que durante esse período viu-se um grande
retrocesso no reconhecimento do direito à
titulação. Essa paralisia, somada com a luta
histórica dos quilombos, fez surgir movimentos
sociais quilombolas organizados para lutar por
direitos.
Para além do art. 68 do ADCT da
Constituição era necessário que o Estado
brasileiro criasse regras para que o processo de
titulação pudesse ter começo, meio e fim. Ou
seja, era preciso dizer qual órgão do Estado faria
as titulações e como faria para cumprir o direito
previsto na Constituição. Foram 14 anos de
edição de portarias e decretos que não
contribuíram para o avanço das titulações dos
territórios tradicionais e, pior, no final do
Governo FHC teve-se uma
regulamentação que deu
prevalência de um conceito
reducionista da própria condição
quilombola, como foi o caso do
Decreto 3.912/20013
.
Tal decreto, ao
regulamentar detalhes relativos
ao processo administrativo de
identificação dos remanescentes
das comunidades de quilombos
atribuiu apenas à Fundação
Cultural Palmares a competência
da realização desse processo
administrativo. Além disso, o então decreto não
abordava situações em que a área titulada do
território quilombola estivesse sobre áreas de
3
O Decreto 3.912 de 10 de setembro de 2001 foi editado com
base nas conclusões do parecer da subchefia para Assuntos
Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República (Parecer
SAJ Nº 1.490/2001), que considerou o Ministério do
Desenvolvimento Agrário e o INCRA incompetentes e sem
legitimidade para promover desapropriações e reconhecer as
terras em favor das comunidades quilombolas. À época,
prevalecia o entendimento de que o Estado deveria reconhecer
as terras que já às comunidades quilombolas já possuiam, mas
às quais lhe faltava um título, desconsiderando os conflitos
fundiários incidentes nos territórios.
O Decreto 3912/2001 era de
caráter restritivo porque
somente seriam
reconhecidas as
propriedades sobre terras
que eram ocupadas por
quilombos em 1888, à época
da Lei Áurea, e que
estivessem ocupadas por
“remanescentes das
comunidades dos
quilombos” em 5 de outubro
de 1988
Território quilombola: uma conquista cidadã
19
Novembro
de 2012
propriedade de particulares, já que o texto do
Decreto se limitava apenas a disciplinar áreas
que estivessem sobre terras da União.
O Decreto era de caráter restritivo
porque somente seriam reconhecidas as
propriedades sobre terras que eram ocupadas por
quilombos em 1888, à época da Lei Áurea, e que
estivessem ocupadas por “remanescentes das
comunidades dos quilombos” em 5 de outubro
de 1988.
À época, muito se discutiu que tal
previsão limitativa era inconstitucional, ou seja,
feria o direito ao território quilombola como
estava escrito e afirmado no
art. 68 ADCT da Constituição
Federal, pois se colocava uma
restrição não prevista nem
autorizada pelo texto da
Constituição. Não há razão
histórica ou constitucional
para que se relacione a
existência de quilombos ao
ano de 1888 e se confira apenas aos quilombos
estabelecidos nesta data o direito previsto no
artigo constitucional.
Como então previsto no decreto as
comunidades quilombolas estariam presas e
cristalizadas, estáticas, no exato lugar onde se
constituíram inicialmente até o momento
estabelecido na Constituição de 5 de outubro de
1988. Assim, o espaço de liberdade dos
quilombos para a regulação ritual da vida seria
obtido às custas do confinamento e preso ao
passado.
Ao contrário disso, cabe-nos falar que o
artigo 68 está voltado para uma perspectiva do
tempo presente, assegurando a esses grupos
étnicos o direito à autodeterminação e à
identidade. Pelo fato de o território estar
muito ligado à identidade, o que a
Constituição prevê é a proteção ao território,
da forma que ele se apresenta atualmente, não
importando o espaço imemorialmente
ocupado pelos ancestrais se isso não configura
mais relevante para o grupo no presente.
Ao prever que aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a
propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-
lhes os títulos respectivos,
o artigo 68 não dispõe
acerca da
temporalidade,
antiguidade da
ocupação territorial,
tampouco da
coincidência entre a
ocupação originária e a
atual. É suficiente que se trate de comunidades
quilombolas e que estejam ocupando um
território de acordo com suas necessidades
materiais e imateriais no tempo presente e
memoriável.
A análise desse decreto da época de
FHC, apesar de ter sido revogado e substituído
pelo Decreto 4.887/2003 é bastante importante,
pois foi ajuizada uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIn) pelo partido
Democratas, à época PFL, contra o Decreto
4.887/2003, de forma que, se for julgada
procedente o antigo e inapropriado decreto
poderá voltar a vigorar e os títulos de
propriedade emitidos na vigência do atual
Não há razão histórica ou
constitucional para que se
relacione a existência de
quilombos ao ano de 1888 e se
confira apenas aos quilombos
estabelecidos nesta data o direito
previsto no artigo constitucional.
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Novembro
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decreto podem ser considerados nulos. Sobre a
ADIn, será falado posteriormente.
O balanço geral do reconhecimento dos
territórios quilombolas nesse período é que ao
final da década de 90 - por muita pressão do
movimento quilombola - haviam sido
formalmente identificadas, através do trabalho
da Fundação Cultural Palmares, pouco mais de
700 comunidades em todo o Brasil. É nesta
década que a Coordenação Nacional de
Comunidades Negras Rurais Quilombolas
(CONAQ) adquire maior capacidade de diálogo
com o Poder Público Federal. Vale destacar que
neste período cabia à Fundação Cultural
Palmares - FCP, emitir os títulos e tomar
providências acerca da regularização fundiária.
Os títulos emitidos pela FCP, porém, se deram
sem que houvesse desapropriação ou
reassentamento dos posseiros não quilombolas
presentes sobre o território tradicional.
2.2- De 2003 a 2012 – Alguns avanços
Logo no ano de 2003, no primeiro ano de
mandato do então presidente
Lula, após forte pressão e
reivindicação do movimento
quilombola, foi instituído um
Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI) para
revisar e propor modificações
aos instrumentos legais vigentes
que regulamentam o artigo 68
do ADCT. Assim, em 20 de
novembro de 2003 foi editado o
Decreto 4887/03, tornando sem
efeitos e afastando a aplicação
do então problemático decreto
instituído no governo FHC.
Naquela época a
demanda do movimento
quilombola por titulação apontavam para a
existência de 1527 comunidades quilombolas no
Brasil. Entretanto, desde 1995 até aquele ano,
apenas 53 títulos haviam sido emitidos,
contabilizando 110 comunidades tituladas em
todo território brasileiro.
Deve se destacar que a
maioria desses títulos
não serviam, pois não
podiam ser registrados
em cartório por não
terem sido feitas as
desapropriações. Com
certeza o número real
era muito maior do que
os números oficiais.
O Decreto
4887/03, alinhado com a
Convenção 169 da
Organização
Internacional do
Trabalho, primou, dentre
outros aspectos, pela autodeterminação da
quilombola na afirmação de sua identidade
política e cultural e, portanto, mais condizente
com o pleito do movimento. Neste momento se
Como inovações mais
importantes do Decreto federal
4887/03 foram adotadas a
“autodefinição” 1
, para fins de
declarar a condição de
remanescentes de quilombos, o
conceito de território,
abrangendo a terra utilizada para
a reprodução física, social,
econômica e cultural da
comunidade (ambos conforme já
presente no texto da Convenção
169 da OIT), e a titulação
coletiva da terra.
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Novembro
de 2012
transferiu do Ministério da Cultura para o
Ministério do Desenvolvimento Agrário, através
do INCRA, a competência para titulação das
terras das comunidades de quilombos,
estabelecendo também um novo procedimento
para a titulação acontecer.
Como inovações mais importantes deste
decreto foram adotadas a “autodefinição”4
, para
fins de declarar a condição de remanescentes de
quilombos, o conceito de território, abrangendo
a terra utilizada para a reprodução física, social,
econômica e cultural da comunidade (ambos
conforme já presente no texto da Convenção 169
da OIT), e a titulação coletiva da terra.
Apesar dos visíveis
avanços promovidos pelo
Decreto 4.887/03, ainda
permanecem algumas
dificuldades no procedimento
de titulação por ele
regulamentado,
principalmente no que se
refere à solução de conflitos fundiários
decorrentes da titulação, à simplificação de
procedimentos e documentação necessários. De
acordo com o decreto, o processo de titulação é
ainda bastante longo e burocratizado, contando
com 14 etapas, administrativas e judiciais, até
que se finalize a titulação.
Naturalmente, o avanço perpetrado pelo
decreto desagradou as elites ruralistas.
4
Os antropólogos, por meio da Associação Brasileira de
Antropologia –ABA-, fundada em 1955, tiveram papel decisivo
na modificação das noções de identificação baseados em
critérios arbitrários, ao indicar a necessidade de perceber outra
dimensão dos fatos, que venha a incorporar o ponto de vista dos
grupos sociais que aspiram ao direito previsto na constituição.
Primeiramente, contra o Decreto 4.887/2003 foi
apresentado o projeto de decreto legislativo nº 44
de 2007, de autoria do Deputado Federal Valdir
Colatto, do PMDB-SC, propondo a suspensão da
aplicação daquele decreto, sob a argumentação
de que o decreto ultrapassa o seu poder
regulamentar do artigo 68 do ADCT. Segundo,
deve-se citar também como investida contra o
decreto a Ação Direta de Inconstitucionalidade
interposta em 25 de Junho de 2004 no Supremo
Tribunal Federal, proposta pelo Partido da
Frente Liberal – PFL (agora denominado DEM)
que tramita sob o nº 3.239 e aguarda julgamento
até hoje, conforme mais à frente abordaremos
em detalhes.
Além dessas afrontas
devemos pontuar também
como as pressões do setor do
agronegócio e ruralista sobre
o Governo, pois fizeram do
processo de titulação algo
cada vez mais lento, custoso e
difícil de ser concluído.
Ao ser determinado no texto do Decreto
que cabe ao INCRA detalhar o procedimento
administrativo de titulação dos territórios
quilombolas, sendo de sua responsabilidade o
início e o controle da maior parte do
procedimento de titulação, a regularização
fundiária a ser iniciada pelo instituto, consiste
em um conjunto de medidas: i) jurídicas,
referentes aos levantamentos da cadeia dominial
do título de propriedade e outros documentos
inseridos no perímetro do território e às medidas
judiciais de desapropriação, ii) físicas, que
dizem respeito a estudos de delimitação do
território em vias de titulação, bem como
As pressões do setor do
agronegócio e ruralista sobre o
Governo fizeram do processo de
titulação algo cada vez mais
lento, custoso e difícil de ser
concluído
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Novembro
de 2012
medidas para viabilizar o saneamento ambiental
da área, dotando-as de serviços como água
tratada, energia elétrica, esgotamento sanitário
etc e iii) sociais a serem adotadas pelo poder
público, em acordo com a comunidade, para
expedir os títulos de propriedade.
Com base no disposto no Decreto
4.887/2003, quatro meses após sua publicação,
em 24 de março de 2004, foi instituída a
primeira Instrução Normativa de regulamentação
do procedimento de titulação das terras de
quilombo (Instrução Normativa do INCRA Nº
16/2004), detalhando o procedimento de
regularização e titulação dos territórios das
comunidades de quilombos, sendo esta a
primeira das quatro Instruções Normativas
publicadas até o momento. Essa instrução previa
um sucinto relatório de identificação do território
no qual constava levantamento geral de
informações cartográficas, geográficas,
agronômicas, socioeconômicas, históricas e afins
junto a instituições públicas e privadas; planta e
memorial descritivo do perímetro do território;
cadastramento das famílias quilombolas e não
quilombolas; além de um levantamento da
cadeia dominial e de outros documentos
inseridos no perímetro do território quilombola.
Sob o argumento de que a norma não
possuía os requisitos suficientes para definição
do território e que ensejariam em um momento
posterior invariavelmente ações judiciais de
contestação contra o procedimento, o INCRA
elaborou e publicou no ano seguinte a Instrução
Normativa nº 20/2005. A principal inovação
trazida por esta instrução foi a exigência,
somado ao relatório de identificação do território
já previsto antes, de um relatório antropológico
de caracterização histórica, econômica e
sociocultural.
Essa exigência trouxe ao INCRA uma
nova demanda, pois seria necessário, a partir de
agora, contratar antropólogos ou fazer convênios
com universidades a fim de se elaborarem os
relatórios antropológicos. Apesar de ser um fator
a mais de morosidade do processo de titulação, a
realização de relatórios antropológicos ainda era
factível e viável de ser efetuada. Evidência disso
é o número de Relatórios Técnicos de
Identificação e Delimitação (RTID) entre 19 de
setembro de 2005 e 30 de setembro de 2008,
período em que a IN 20 esteve em vigor: foram
publicados no Diário Oficial 50 RTID’s.
Se a finalização do processo de titulação
tornava-se por vezes excessivamente lenta após a
nova previsão da Instrução Normativa nº
20/2005, que trouxe um estudo a mais a integrar
o RTID, a situação agravou-se sobremaneira
com a publicação da Instrução Normativa nº
49, de 29 de setembro de 2008, que é a
normativa na prática em vigor hoje sobre o
procedimento de titulação, pois houve uma
piora significativa da lentidão dos
procedimentos, devido aos novos empecilhos e
burocratização à elaboração dos relatórios.
A primeira das modificações diz respeito
a novas exigências para elaboração do relatório
antropológico. Passou-se a se exigir estudos
detalhados sobre 35 itens, em geral pouco
relevantes para a identificação do território.
Segundo tal norma, o relatório deve conter
dentre outras coisas, uma introdução contendo o
referencial teórico e metodologia utilizados e
uma lista de itens obrigatórios, como um
Território quilombola: uma conquista cidadã
23
Novembro
de 2012
levantamento de dados sobre as taxas de
natalidade e mortalidade do grupo; uma
identificação e caracterização dos sinais
diacríticos da identidade étnica da comunidade;
um mapeamento das redes de reciprocidade intra
e extra-territoriais, além da descrição das formas
de representação política da comunidade; só para
citar alguns poucos exemplos.
A despeito de esses dados configurarem
aspectos interessantes para uma pesquisa a ser
realizada a longo prazo, não são, de fato,
relevantes para medidas urgentes de grupos que
pleiteiam há um bom tempo seus títulos
territoriais. Além disso, para não se falar do
excessivo dispêndio de dinheiro público, as
excessivas e desnecessárias exigências
conduzem a uma demora incalculável dos
processos e, em última instância, levam à
paralisação dos poucos procedimentos que já
tiveram seu RTID iniciado. Configura, também,
claro preceito atentatório à Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho, que
estabelece a autoidentificação e determinação
dos povos e comunidades tradicionais como um
direito.
É importante também se falar, para que
se veja claramente que tais exigências
burocráticas tem o objetivo final de criar
empecilhos às titulações, que se tem ai um
caráter dúplice e repetido de medidas
administrativas, uma vez que se realiza
procedimentos semelhantes para a certificação
por parte da Fundação Cultural Palmares e para a
identificação do INCRA. Isso acontece sob o
argumento do governo de se evitarem que
comunidades que supostamente não são
quilombolas se passem por tais (assim na
realidade tornando sem efeito o critério da
autoidentificação quilombola).
Por essas e outras características a
Instrução Normativa 49 é alvo de críticas do
movimento quilombola e das organizações
parceiras, pois afronta o Decreto 4.887/03 e o
direito ao território afirmado no art. 68
ADCT da Constituição, tanto pela imposição
da apresentação da certidão da Fundação
Cultura Palmares como condição prévia para
iniciação do procedimento de titulação,
quanto pelo excesso de etapas e exigências
agora demandadas para a elaboração do
RTID.
Diante dessa problemática apresentada,
foi proposta pelo INCRA outra instrução
normativa, em 07 de outubro de 2009,
(Instrução Normativa nº 56), cujas exigências
de estudos e relatórios, mais diretas e objetivas,
não repetem da antiga instrução as excessivas e
desnecessárias previsões para a elaboração do
RTID. Porém, a represália e pressão por parte
dos setores ruralistas sobre o Governo foi quase
que imediata e, 13 dias após a publicação, a
Instrução Normativa nº 56 foi revogada, de
forma que a norma de 2008 (a IN 49) foi
republicada como IN nº 57 de 20 de outubro de
2009.
Assim, pode-se dizer que o resultado
desses embates político-econômicos, refletidos
na legislação e nas pressões sobre o Governo,
culminou com um número baixíssimo de
territórios quilombolas titulados, desde que fora
promulgada a Constituição Federal, totalizando
120 títulos para 101 territórios, sendo 23
titulações fornecidas pelo governo federal, 74
Território quilombola: uma conquista cidadã
24
Novembro
de 2012
por governos estaduais e quatro terras
regularizadas por meio de títulos concedidos
pelo governo federal e governos estaduais (cada
um para uma porção do território) – frente à
estimativa total de 3 mil comunidades
quilombolas que existem hoje no país. Nos oito
anos do Governo Lula (de 2003 a 2010), foram
titulados apenas 17 territórios quilombolas
diretamente pelo Governo Federal.
Para ter uma ideia da demora no
processo de titulação, segundo a Comissão Pro-
índio em seu Balanço Terras Quilombolas de
2011, dos 21 processos que tiveram o RTID
publicado em 2011, o tempo entre a instauração
do processo e a publicação variou de 1 a 7 anos.
Considerando todos os 145 processos que
tiveram o RTID publicado entre 2003 e 2011, o
tempo médio entre a abertura do processo a
publicação do estudo foi de 5 anos.
Isso porque as terras onde se localizam
os quilombos também são alvo de interesse,
principalmente econômico, de outros grupos
sociais, sendo esta a origem dos conflitos e
entraves à titulação. Embora a Constituição e as
leis do país determinem a existência de políticas
públicas e direitos específicos para cada grupo
social, de modo que todos pareçam ser
contemplados, na prática estas políticas e
direitos podem entrar em conflito e se excluírem
uns aos outros a depender da força social e de
mobilização e pressão de cada grupo.
Questões para debate:
 O que difere o decreto de 3912/2001 do decreto de 4887/2003?
 Quais os principais obstáculos legais para a titulação dos territórios quilombolas?
 Quem são os principais opositores da titulação dos territórios quilombolas? Porque se
opõe à titulação?
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Novembro
de 2012
Parte 3 – Noções legais básicas para a titulação dos territórios quilombolas
3- Marcos da titulação do território Quilombola
3.1- A certidão da Fundação Cultural Palmares
autorreconhecimento de uma
identidade é um direito humano.
As comunidades quilombolas
têm direito à autoidentificação de sua identidade.
O Estado brasileiro não tem o direito de negar a
identidade quilombola assumida por uma
comunidade, segundo a Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho. Assim, a
consciência da identidade quilombola é o critério
fundamental para
identificar se uma
comunidade é quilombola.
Através da Portaria
nº 98 da Fundação Cultural
Palmares (FCP) criou-se o
Cadastro Geral de
Remanescentes das Comunidades dos
Quilombos. Esse cadastro é um mecanismo do
Estado brasileiro em que se listam as
comunidades que se autorreconhecem como
quilombolas perante o poder público. A
Fundação Cultural Palmares faz apenas o
cadastro do autorreconhecimento, não pode
negar a uma comunidade com consciência de sua
identidade quilombola a inclusão no Cadastro
Geral das Comunidades dos Quilombos. Assim,
certidão de autorreconhecimento da Fundação
Cultural Palmares é o documento que atesta que
determinada comunidade autorreconheceu sua
identidade quilombola perante o Estado.
Inscrever o autorreconhecimento da
comunidade quilombola no cadastro da
Fundação Cultural Palmares é importante para
que a comunidade tenha, com a certidão, um
documento que facilite o acesso a políticas
públicas destinadas ao povo quilombola.
Contudo, o fato de uma comunidade ter ou não a
certidão da Fundação Cultural Palmares não a
torna quilombola, já que é a
consciência dessa
identidade o elemento
fundamental para
caracterizar a existência
dessa identidade. Contudo,
o que se vê na prática é que
o direito do
autorreconhecimento é muitas vezes
desrespeitando.
Por muitas vezes a certidão da fundação
Cultural Palmares é exigida por órgãos públicos
como prova de que uma comunidade é
quilombola. Assim, por exemplo, é que a
Instrução Normativa nº 57 do INCRA só
autoriza a abertura do processo de titulação do
território quilombola para a comunidade que
possuir a certidão da Fundação Cultural
Palmares. O próprio processo de expedição da
certidão da Fundação Cultural Palmares, previsto
na portaria 98, parece violar o direito ao
autorreconhecimento, já que o parágrafo
O
A consciência da identidade
quilombola é o critério
fundamental para identificar se
uma comunidade é quilombola.
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Novembro
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segundo do artigo terceiro da portaria diz que a
Fundação Cultural Palmares poderá, dependendo
do caso concreto, realizar visita técnica à
comunidade no intuito de obter informações e
esclarecer possíveis dúvidas. Se o
autoreconhecimento é um direito previsto em lei
e não pode ser negado pelo estado a Fundação
Cultural Palmares pode negar a inclusão de uma
comunidade no Cadastro Geral de
Remanescentes das Comunidades dos
Quilombos ou mesmo retirar do cadastro uma
comunidade já inscrita?
Nos últimos anos, principalmente após o
ano de 2007, viu-se uma significativa
diminuição de emissão de certidões de
autorreconhecimento pela Fundação Cultural
Palmares. De 2004 até hoje foram inscritas no
cadastro da FCP 1824 comunidade quilombolas.
Foram 252 comunidades com certidão em 2004,
339 em 2005, 416 em 2006, 160 em 2007, 127
em 2008, 98 em 2009, 226 em 2010, 200 em
2011 e apenas 6 comunidades foram certificadas
pela Fundação Cultural Palmares neste ano de
2012. Diante desses números e tendo como
referência o fato de que existem mais de três mil
comunidades quilombolas no Brasil valer
perguntar por que o número de expedição de
certidões diminuiu tanto depois do ano de 2007?
Se uma comunidade quilombola fez o pedido de
certidão e ainda não recebeu o documento, o que
pode ser feito?
Nesse contexto vale considerar que uma
importante luta para as comunidades
quilombolas é garantir o efetivo respeito ao
direito de autorreconhecimento como elemento
suficiente para viabilizar acesso a políticas
públicas. A certidão da Fundação cultural
Palmares deve ser um instrumento para facilitar
o acesso a políticas públicas específicas para as
comunidades quilombolas, não pode ser um
instrumento que sirva para determinar se uma
comunidade é ou não quilombola.
Como fazer o pedido de expedição da Certidão de autorreconhecimento da Fundação Cultural
Palmares?
Para que uma comunidade faça sua inscrição no Cadastro Geral de Remanescentes das
Comunidades dos Quilombos é necessário fazer esse pedido à Fundação Cultural Palmares. Esse
pedido se faz enviando uma carta à FCP pedindo a expedição da certidão. Segundo a portaria 98 do
da Fundação Cultural Palmares a carta a ser enviada deve conter:
 Um pedido expresso de expedição da certidão, ou seja uma carta da comunidade dizendo que
autorreconhece a identidade quilombola e pedindo a expedição da certidão;
 A comunidade que não possui associação legalmente constituída tem que apresentar ata de
reunião convocada para debater a questão da autodefinição. Essa reunião tem que ser descrita
em uma ata que também deve ser aprovada pela maioria dos moradores da comunidade. Essa
ata tem que estar acompanhada de lista de presença assinada pelos membros da comunidade.
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Já a comunidade que possui associação legalmente constituída deverá apresentar ata da
assembléia convocada para específica finalidade de deliberação a respeito da autodefinição,
aprovada pela maioria absoluta de seus membros, acompanhada de lista de presença
devidamente assinada. As assinaturas das atas podem ser feitas por escrito ou com a impressão
digital do dedo das pessoas que não puderem escrever;
 Um relato simples da história da comunidade;
 Caso a comunidade possua também pode enviar junto com a carta dados, documentos ou
informações, tais como fotos, reportagens, estudos realizados, entre outros, sobre a história
comum do grupo ou suas manifestações culturais. Vale destacar que esse ponto é facultativo,
ou seja, não é obrigatório.
3.2- O passo a passo da titulação – A regra da Instrução Normativa n 57 do
INCRA
Como visto o Estado brasileiro tem
normas que regulam o processo que o Estado
tem que realizar para que as comunidades
quilombolas sejam tituladas conforme determina
o art. 68 do ADCT da Constituição Federal. Hoje
as principais normas que regulamentam esse
procedimento de titulação são o Decreto Federal
4887/03 e a Instrução Normativa nº 57 do
INCRA (IN 57).
Estudando essas duas normas, em especial a IN
57, é possível entender o passo a passo do
processo de titulação e, assim, monitorar o
trabalho do INCRA na titulação dos territórios
quilombolas. As fases abaixo descritas são um
resumo didático do complexo processo de
titulação descrito na Instrução Normativa nº 57
do INCRA.
Primeiro passo – abertura de processo no INCRA
Para dar início ao processo de titulação do
território cada comunidade deve fazer um pedido
de abertura de processo no INCRA. Esse pedido
feito ao INCRA deve conter informações sobre a
localização da comunidade e pode ser feito por
qualquer interessado, das entidades ou
associações representativas de quilombolas. O
INCRA também pode abrir o processo sem que a
comunidade faça o pedido formalmente. O
Pedido de abertura do processo pode ser feito
inclusive de forma oral.
Vale destacar que o processo de titulação
no INCRA só pode ter início com a apresentação
da certidão da Fundação Cultural Palmares.
Assim, se a comunidade não tiver a certidão o
processo irá ficar totalmente parado, situação
que contraria o direito ao autorreconhecimento
descrito na Convenção 169 da OIT.
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Segundo passo – Elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação - RTID
O Relatório Técnico de Identificação e
Delimitação (RTID)m é um conjunto de
documentos que a Instrução Normativa nº 57
exige que sejam feitos pelo INCRA para que a
titulação dos territórios quilombolas seja
realizada. Hoje essa é uma das fases do processo
de titulação mais difíceis de ser superadas pelas
comunidades. A falta de recursos financeiros e
falta de funcionário no INCRA para realizar esse
trabalho é um dos principais motivos que faz
com que a maioria dos processos de titulação no
INCRA não tenham superado essa fase.
O RTID é composto dos seguintes
documentos:
 Relatório antropológico de caracterização histórica, econômica, ambiental e
sociocultural: Esse relatório é um documento que destaca aspectos da história da comunidade
e de seu modo de vida atual. É o principal documento de referência para delimitar a área a ser
titulada em favor da comunidade. O relatório antropológico não é um documento que vai dizer
se a comunidade é ou não quilombola;
 Levantamento fundiário: Esse documento irá descrever a situação das terras que serão
tituladas em favor da comunidade. Ou seja, esse documento contém informações sobre a quem
pertence as terras que estão dentro da área a ser titulada. Esse levantamento é fundamental
para saber quem será desapropriado para que se garanta a titulação de todo o território
quilombola;
 Planta e memorial descritivo do perímetro da área reivindicada pelas comunidades
remanescentes de quilombo: Este é o documento que contém o mapa da área a ser titulada.
 Cadastramento das famílias quilombolas: Esse documento é o levantamento das
famílias que pertencem à comunidade quilombola, inclusive aquelas que não morem dentro do
território;
 Parecer relacionado com a sobreposição de áreas: Muitas vezes o território das
comunidades quilombolas foi transformado em parques ou outros tipos unidades de
conservação. Uma parte do trabalho do INCRA é fazer esse levantamento de situações que
indiquem haver esse tipo de sobreposição. Esse levantamento é fundamental para que no
futuro possa ser feita a titulação, pois vai identificar possíveis obstáculos ao registro do título
no cartório.
 Parecer conclusivo da área técnica e jurídica do INCRA: Após à elaboração de
todos os documentos acima descritos será realizada uma avaliação pelos INCRA. Essa
avaliação tem por objetivo verificar possíveis falhas na elaboração dos documentos do RTID.
Havendo falhas esses documentos deverão ser refeitos, não havendo falhas encerra-se a fase
do RTID.
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Terceiro passo – Avaliação do Comitê Regional do INCRA, Publicação do RTID e notificação a
interessados
Após à elaboração do RTID o grupo de
funcionários do INCRA que compõe o Comitê
de Decisão Regional fará uma avaliação do
RTID. Se não forem encontradas falhas no RTID
o processo segue para a fase seguinte. Havendo
falhas não percebidas antes o processo deve
voltar para a fase de elaboração do RTID.
Sendo positiva a avaliação do Comitê de
Decisão Regional do INCRA um resumo do
RTDI será publicado Diário Oficial da União e
no Diário Oficial do estado em que o INCRA
estiver. O resumo do RTID também será fixado
na prefeitura da cidade onde estiver a
comunidade. Além disso, aquelas pessoas que
tiverem propriedade dentro da área a ser titulada,
assim como os vizinhos da comunidade, serão
notificados pessoalmente da elaboração do
RTID. O INCRA também deverá providenciar
uma notificação a diversos órgão federais, como
o IBAMA e a FUNAI.
Todas essas notificações e publicações
são necessárias para dar publicidade ao trabalho
feito no RTID. Essa publicidade é necessária
para que aqueles que tiverem interesse e
quiserem contestem o que está no RTID.
Quarto passo – fase das contestações ao RTID
Como o nosso sistema jurídico dá a todos
a possibilidade de exercer o direito fundamental
de defesa e do contraditório, o INCRA é
obrigado a receber contestações de pessoas com
interesse no processo de titulação. Essas
contestações são contra o RTID e na grande
maioria dos casos é feita por pessoas que terão
suas terras desapropriadas no processo de
titulação.
Na contestação aqueles que se opõe à
titulação vão tentar apontar falhas no RTID que
dificulte ou impeça a titulação. Vale lembrar que
a própria comunidade pode apresentar
contestação, por exemplo, se não estiver de
acordo com a área do território a ser titulado.
Essas contestações serão julgadas pelo
Comitê de Decisão Regional do INCRA. Se o
comitê acatar alguma argumentação exposta na
contestação, o processo volta para a fase do
RTID para ser refeito. Se o comitê não acatar a
contestação os interessados poderão apresentar
recurso para o Conselho Diretor do INCRA, em
Brasília. Se o conselho julgar acatar alguma
argumentação exposta na contestação, o
processo volta para a fase do RTID para ser
refeito. Caso o conselho não acate os argumentos
da contestação o processo volta para o INCRA
do estado e o processo segue para a próxima
fase.
Território quilombola: uma conquista cidadã
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de 2012
Quinto passo – portaria de reconhecimento do território quilombola
Após o julgamento das contestações o
INCRA dos estados devem elaborar resumo do
processo contendo informações básicas. Esse
documento será enviado para o INCRA de
Brasília e o Presidente do INCRA publicará no
Diário Oficial da União e no Diário Oficial do
estado em que se localiza a comunidade uma
portaria reconhecendo e declarando os limites da
terra quilombola. Teoricamente o presidente do
INCRA tem o prazo de trinta dias para fazer essa
publicação, o que quase nunca é respeitado.
A portaria de reconhecimento do
território quilombola é muito importante, já que
é o documento oficial que encerra a parte de
estudos e de julgamento do processo de
titulação. Com a portaria o território quilombola
passa a ser oficialmente reconhecido pelo
Estado. Após esse reconhecimento pela portaria
do INCRA passa-se para a fase de
desapropriação, quando necessário.
Sexto passo – As desapropriações
Após a publicação da portaria de
reconhecimento do território quilombola inicia a
fase de desapropriação. Nesta fase o INCRA irá
tomar providências para obter as propriedades
que estejam registradas em nomes de pessoas
que não sejam da comunidade. Para cada
propriedade privada existente dentro do território
quilombola o INCRA abrirá um processo. Nesse
processo o INCRA irá realizar uma avaliação do
imóvel e, juntando outros documentos, enviará o
processo para que seja feito o decreto de
desapropriação.
Esse decreto de desapropriação será
assinado pela Presidenta da República após
avaliação da Casa Civil. Muitos dos processos de
titulação de comunidades quilombolas demoram
muito tempo para ter seus decretos assinados.
Sem a assinatura dos decretos é impossível fazer
a desapropriação.
Assinado o decreto de desapropriação o
INCRA deve ajuizar uma ação de
desapropriação para cada propriedade particular
que estiver dentro do território quilombola.
Nessa ação de desapropriação o juiz deve, num
prazo de 48 horas, dar a posse da área para o
INCRA. Contudo, na prática existem muitos
obstáculos jurídicos que podem ser criados
atrasando a desapropriação do imóvel pelo
INCRA. Quando o INCRA tiver a posse do
imóvel garantida pelo juiz, já poderá repassar a
área comunidade essa posse. Contudo, o título
definitivo só poderá ser repassado para a
comunidade após esgotarem-se todas as fases do
processo judicial de desapropriação, o que de
regra não é rápido.
Caso a o proprietário da área a ser
desapropriada não se oponha à titulação do
território quilombola poderá fazer um acordo
Território quilombola: uma conquista cidadã
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de 2012
com o INCRA, evitando que seja necessário
ajuizar a ação de desapropriação.
Além da desapropriação de terras
particulares o INCRA também deverá resolver
problemas relacionados com a sobreposição, por
exemplo, de unidades de conservação que
estejam dentro do território quilombola. Sendo a
titulação do território quilombola um direito
previsto na Constituição, o INCRA, assim como
outros órgão, precisam buscar uma saída para
superar a situação de sobreposição de áreas,
quando isso acontecer. Ocorre, contudo, que é
muito difícil de resolver essas situações, haja
vista que existem muito interesses em jogo
quando se trata de sobreposição se áreas.
Sétimo passo – Titulação do território
A última fase do processo de titulação dos
territórios quilombolas é o registro do território
em nome da associação. O INCRA deverá ir no
cartório de registro de imóveis onde se localiza o
território quilombola e lá irá passar todo o
território para o nome da associação quilombola.
Feito o registro no cartório a comunidade
receberá o título de propriedade definitiva do
território.
Em alguns casos, quando a comunidade
ou parte dela estiver em áreas públicas como
ilhas ou beira de rios a comunidade receberá um
documento que equivale ao título de
propriedade, mas não será propriamente
proprietária dessas áreas. Isso pois determinadas
áreas, como as ilhas, por definição da própria
Constituição são de propriedade do Estado e não
podem ser repassadas à associação. Nesses casos
o documento fornecido pelo estado, que em geral
se chama Concessão Real de Direito de Uso,
equivale ao título de propriedade da área.
Algumas considerações importantes sobre o processo de titulação.
As fases do processo de titulação que
acima estão expostas são um esquema
simplificado do processo de titulação. Esse
esquema simplificado é uma forma de explicar
de forma didática o processo de titulação. Na
prática, contudo, o processo é mais complexo.
Um estudo aprofundado do Decreto Federal
4887/03 e da Instrução Normativa nº 57 do
INCRA pode ajudar a compreender melhor o
complexo processo de titulação dos territórios
quilombolas.
O estudo da IN 57 também traz
importantes informações sobre o processo de
titulação:
Território quilombola: uma conquista cidadã
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Art. 9º - A identificação do território a ser titulado em favor da comunidade quilombola deve
ser feito a partir de indicação da própria comunidade interessada. Ou seja, a delimitação dos
limites do território deve ser feita com participação ativa da comunidade. Contudo, o território a ser
titulado não é necessariamente igual à indicações feitas pela comunidade. Além das indicações o
antropólogo tem que justificar a indicação do território com base no uso tradicional que a
comunidade faz do território;
Art. 10, § 5º - A comunidade quilombola tem o direito de apresentar documentos ao INCRA
durante a fase de elaboração do RTID. Os documentos que a comunidade entender que são
importante para o estudo antropológico ou outro que se fazem para o RTID devem ser levados em
consideração pelo INCRA;
Art. 10, § 6º - A comunidade quilombola tem direito de participar de todas as fases do processo
de elaboração do RTID. Ela pode participar diretamente ou através de pessoas por ela indicadas,
como antropólogos, advogados e engenheiros agrônomos de sua confiança, entre outros;
Art. 10 § 7º - Antes de iniciada a elaboração do RTID a comunidade de tem o direito de ser
informada de todas as fases do processo de titulação. Os funcionários do INCRA são os
responsáveis por prestar todas as informações que forem necessárias à comunidade;
Art. 10 § 7º - A comunidade tem direito de preservar sua intimidade, podendo não prestar
determinadas informações que entender que não devem ser repassadas ao INCRA. Isso é um
direito da comunidade e não pode ser usado para impedir a titulação. Esse direito existe pois durante
a elaboração do RTID, especialmente do relatório antropológico, Serpa feita uma pesquisa sobre o
modo de vida da comunidade e, às vezes, há coisas que a comunidade não quer contar;
Art. 10 § 7º - A comunidade também tem o direito de autorizar ou não a utilização das
informações contidas no RTID em estudos e pesquisas acadêmicas. Como a comunidade é dona
de sua própria história pode proibir que os estudos feitos pelos funcionários do INCRA sejam usados
para finalidades diversas da relacionada com o processo de titulação;
Art. 10 § 7º, Art. 12 § 5º e art. 28 - A comunidade quilombola tem direito de ter acesso a todos os
documentos que constem do processo de titulação, mesmo que esses documentos ainda não
estejam formalmente colocados no processo do INCRA;
Art. 24 – Todo o processo de titulação é gratuito, a comunidade não tem que pagar nada por isso.
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3.3 - Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (C 169 OIT) é uma lei
internacional muito importante e com validade no Brasil. Ela se aplica a comunidades
indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Essa lei é importante pois garante
muitos direitos, aqui vamos abordar dois deles: direito à terra e direito à consulta livre, prévia e
informada.
Porque a Convenção 169 da OIT se aplica às comunidades quilombolas?
A Convenção 169 da Organização Internacional do trabalho defini em seu artigo primeiro
quem são os beneficiários dos direitos nela previstos. Assim está na convenção:
Como se vê a convenção se aplica a dois grandes grupos que são denominados pelo texto de
indígenas e tribais. Contudo, como se pode ver acima, não é o nome que a convenção deu a esses
grupos (indígenas e tribais) que define a quem a convenção se aplica. Isto pois não seria possível
colocar numa lei que vale em diversos países do mundo o nome de cada povo. Um exemplo dessa
dificuldade é a própria designação de comunidades rurais afrodescendentes na América latina, pois
no Brasil são chamadas de quilombolas e em outros países da América latina de palenques, cumbes,
maroons e cimarrones. Assim, para observar quem são os beneficiários da convenção é necessário ver
a definição que a própria convenção traz.
É possível observar que a convenção tem dois grandes grupos e que em comuns esses grupos o
fato de serem viverem total ou parcialmente por meio de seus próprios costumes ou tradições ou por
uma legislação ou regulações especiais. A grande diferença entre os grupos está no fato de serem ou
A
1. A presente Convenção aplica-se a;
a) povos tribais em países independentes cujas condições sociais, culturais e econômicas os
distingam de outros segmentos da comunidade nacional e cuja situação seja regida, total ou
parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por uma legislação ou regulações
especiais;
b) povos em países independentes considerados indígenas pelo fato de descenderem de
populações que viviam no país ou região geográfica na qual o país estava inserido no momento
da sua conquista ou colonização ou do estabelecimento de suas fronteiras atuais e que,
independente de sua condição jurídica, mantêm algumas de suas próprias instituições sociais,
econômicas, culturais e políticas ou todas elas.
2. A autoidentificação como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério fundamental
para a definição dos grupos aos quais se aplicam as disposições da presente Convenção.
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não a população que habitava o país quando do início do processo de colonização. É por essa
diferença que a convenção diz que se aplica aos indígenas, que é o povo originário, e aos povos
tribais que apesar de não serem originários vivem total ou parcialmente através de seus próprios
costumes e em condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros segmentos da
comunidade nacional.
O Estado brasileiro já informou oficialmente à OIT que a convenção de aplica aos
quilombolas, assim como a própria OIT também já se manifestou dizendo que também entende que a
convenção se aplica aos quilobolas.
Direito à Terra na convenção
Além do art. 68 do ADCT da Constituição a C 169 OIT também garante aos quilombolas o
direito à terra. Entre os artigos 13 e 19 da C 169 da OIT estão os importantes dispositivos que
garantem acesso à terra
Art. 13 – Neste ponto garante-se na aplicação da convenção o Estado deve respeitar a importância
especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possua sua a relação com as
terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma
maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. Ou seja, essa parte do texto determina
que o estado deve levar em consideração, para aplicar a convenção, que os quilombolas tem uma
forma própria de se relacionar com a terra e isso deve ser respeitado. Assim, o Estado tem que
respeitar, por exemplo, os valores espirituais que estão ligados ao território, diferente do que ocorre
com a maior parte dos fazendeiros que só quer usar a terra para ganhar dinheiro.
Art. 14 – Esse artigo determina que o Estado os direitos de posse e propriedade que as comunidades
quilombolas tem sobre e aterra, complementando o que diz o art. 68 do ADCT da Constituição. Nesse
mesmo artigo se vê que o Estado está obrigado a criar meios para efetivar esse direito, inclusive
ajudando a proteger os quilombolas de ameaças ao território, como nos casos em que nau quilombola
tentar se apropriar do território
Art. 15 – essa parte do texto garante que além da terra as comunidades quilombolas tem direito sobre
os recursos naturais que existam na terra e, assim, podem participar da utilização, administração e
conservação dos recursos mencionados. Essa parte do texto da convenção também garante que os
quilombolas devem ser consultados em caso de o estado querer explorar a mineração no território.
Caso a mineração venha a ocorrer no território os quilombolas tem direito à participação nos lucros,
assim como de indenização por prejuízos decorrentes da realização da mineração
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Art. 16 – Garante que em regra as comunidades quilombolas não podem ser retiradas de seu
território. Nos casos em que a saída dos quilombolas do território for necessária só poderá com o
consentimento dos mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de causa. Quando a
comunidade não consentir com a saída do território, o Estado só poderá fazer a retirada após a
realização do processo de consulta. Esse artigo também garante que as comunidades tem direito de
voltar às suas terras quando isso for possível. Em caso de retirada forçada da comunidade do
território o estado tem a obrigação de encontrar outra terra semelhante para que a comunidade viva.
Art. 19 – garante que as comunidades quilombolas tem direito de acesso à terra que seja suficiente
para a existência da comunidade, ai incluindo também questão relacionada com o aumento de número
de pessoas na comunidade e a necessidade de mais terras.
Direito de consulta livre prévia e informada na convenção
Um dos mais importantes direitos previstos na convenção 169 da OIT está no art. 6º. Esse
artigo garante que as comunidades quilombolas devem ser consultadas sempre que alguma medida
administrativa ou legal for tomada pelo Estado e tenha possibilidade de afetar a vida da comunidade.
Se esse direito for respeitado as comunidades quilombolas terão a oportunidade de participar das
decisões do Estado que forem capazes de afetar a vida da comunidade. Por ser esse direito tão
importante vale a pena transcrever o que está na convenção:
“Artigo 6°
1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através
de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou
administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo
menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões
em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas
políticas e programas que lhes sejam concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos
casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de
maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o
consentimento acerca das medidas propostas.”
Território quilombola: uma conquista cidadã
36
Novembro
de 2012
Desse artigo se pode entender que;
1) O processo de consulta à comunidade tem que envolver uma instituição representativa, ou seja,
a associação da comunidade. Não se pode, por exemplo, consultar apenas alguns membros da
comunidade;
2) O Direito de consulta não será respeitado realizando-se apenas uma audiência pública. É
necessário que o Estado realize a consulta através de um procedimento que possibilite ampla
participação e tempo para que a comunidade realmente forme uma opinião sobre o tema em
debate;
3) Para a realização do processo de consulta o Estado deve fornecer às comunidades meios para
participação. Se por exemplo a realização da consulta envolver a construção de uma grande
obra como uma barragem, o Estado te que dar à comunidade tempo para estudar o projetos e,
se necessário, dar suporte técnico para que a comunidade consiga entender plenamente os
impactos da obra;
4) Ad consultas devem ser feitas de modo a buscar um acordo com a comunidade. A consulta não
pode ser feita apenas como se fosse um passo inevitável de, por exemplo, uma obra que vai ser
feita com ou sem o consentimento da comunidade.
Ocorre que esse direito de consulta não vem sendo respeitado pelo Estado brasileiro. Por mais
de uma vez a Organização internacional do Trabalho recomendou ao Brasil o respeito ao direito de
consulta.
Por causa de várias pressões que o Brasil tem recebido para respeitar o direito de consulta, está
em curso um processo de regulamentação desse direito de consulta. Como não existe atualmente uma
regra para dizer como esse direito de consulta deve ser exercitado pela comunidade está sendo
preparada uma regra que diga como as consultas devem ser feitas. A princípio essa regra deve ser
definida até o fim do ano de 2013 e a participação das comunidades quilombolas é fundamental para
que esse direito de consulta se efetive na prática.
Questões para debate:
A Convenção 169 da OIT, sendo uma lei, é respeitada e os direitos das comunidades
quilombolas são realizados na prática? Se não há respeito, quem desrespeita?
Diante do desrespeito à lei o que podem as comunidades quilombolas fazer?
Território quilombola: uma conquista cidadã
37
Novembro
de 2012
3.4 - Políticas públicas para efetivação dos direitos previstos na lei –
Programa Brasil Quilombola
Através das políticas públicas que o Estado se organiza para efetivar direitos reconhecidos na
lei. Dessa forma, políticas públicas podem ser consideradas como conjuntos de programas, ações e
atividades desenvolvidas pelo Estado, que direta ou indiretamente, para buscar a realização de um
direito. Assim, para que o direito de acesso ao território das comunidades quilombolas seja efetivado
é imprescindível a existência de uma política pública que trabalhe com esse objetivo. A política
pública que trabalha com o tema quilombola de acesso à terra é o Programa Brasil Quilombola
O Programa Brasil Quilombola5
foi lançado em 12 de março de 2004, com o objetivo de
consolidar os marcos da política de Estado para as áreas quilombolas, constituindo a Agenda Social
Quilombola, que agrupa as ações voltadas às comunidades em várias áreas: acesso a terra, saúde,
educação, saneamento básico, eletrificação, entre outras, conforme segue:
Eixo 1: ACESSO A TERRA – execução e acompanhamento dos trâmites necessários para a
regularização fundiária das áreas de quilombo, que constituem título coletivo de posse das terras
tradicionalmente ocupadas. O processo se inicia com a certificação da comunidades e se encerra na
titulação, que é a base para a implementação de alternativas de desenvolvimento para as
comunidades, além de garantir a sua reprodução física, social e cultural;
Eixo 2: INFRAESTRUTURA E QUALIDADE DE VIDA – consolidação de mecanismos efetivos
para destinação de obras de infraestrutura (habitação, saneamento, eletrificação, comunicação e vias
de acesso) e construção de equipamentos sociais destinados a atender as demandas, notadamente as
de saúde, educação e assistência social;
Eixo 3: INCLUSÃO PRODUTIVA E DESENVOLVIMENTO LOCAL - apoio ao
desenvolvimento produtivo local e autonomia econômica, baseado na identidade cultural e nos
recursos naturais presentes no território, visando a sustentabilidade ambiental, social, cultural,
econômica e política das comunidades;
Eixo 4: DIREITOS E CIDADANIA - fomento de iniciativas de garantia de direitos promovidas por
diferentes órgãos públicos e organizações da sociedade civil, estimulando a participação ativa dos
representantes quilombolas nos espaços coletivos de controle e participação social, como os
conselhos e fóruns locais e nacionais de políticas públicas, de modo a promover o acesso das
comunidades ao conjunto das ações definidas pelo governo e seu envolvimento no monitoramento
daquelas que são implementadas em cada município onde houver comunidades remanescentes de
quilombos.
5
O texto abaixo é do site da SEPPIR
Território quilombola: uma conquista cidadã
38
Novembro
de 2012
Para o trabalho junto às comunidades quilombolas são utilizados alguns critérios de
priorização:
1. Comunidades Quilombolas em situação de difícil acesso;
2. Comunidades Quilombolas impactadas por grandes obras;
3. Comunidades em conflitos agrários;
4. Comunidade sem acesso à água;
5. Comunidades sem energia elétrica;
6. Comunidades sem escola.
As ações são executadas pelos 23 ministérios, que compõem o Comitê Gestor do Programa,
sendo a coordenação geral de responsabilidade da SEPPIR em conjunto com a Casa Civil da
Presidência da República, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério da Cultura e o
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A partir de novembro de 2011, por
reivindicação da CONAQ, um representante quilombola passará a integrar o Comitê.
A Gestão Descentralizada do PBQ ocorre com a articulação dos entes federados, a partir da
estruturação de comitês estaduais. Sua gestão estabelece interlocução com órgãos estaduais e
municipais de promoção da igualdade racial (PIR), associações representativas das comunidades
quilombolas e outros parceiros não governamentais.
A SEPPIR tem acompanhado e estimulado a instituição de Comitês Gestores Estaduais, sendo
que ao longo de 2008 a 2010 foram formalizados 11 Comitês Estaduais: Amapá, Espírito Santo,
Goiás, Maranhão, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Sergipe
Tocantins.
Questões para debate:
A existência do Programa Brasil Quilombola é importante?
O Programa Brasil quilombola atinge seus objetivos?
O que pode ser feito para aprimorar o Programa Brasil Quilombola?
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  • 1. Território quilombola Uma conquista cidadã Material de apoio para oficina de formação com jovens lideranças quilombolas 2012
  • 2. Território quilombola: uma conquista cidadã 2 Novembro de 2012 Apresentação O presente material foi desenvolvido1 para servir de instrumento de apoio para a realização de oficinas de formação com jovens lideranças quilombolas durante a semana de consciência negra em novembro de 2012. Este material sistematiza algumas das principais informações relacionadas com a luta pela titulação dos territórios quilombolas no Brasil. Na primeira parte o material de apoio traz alguns importantes elementos históricos sobre a o longo caminho quilombola na luta pela garantia e efetivação do direito à titulação do território. A segunda parte do material apresenta um resumo das mudanças normativas relacionadas com a titulação dos territórios quilombolas após à promulgação da Constituição Federal de 1988. Na terceira e última parte apresentam-se elementos sobre os procedimentos para realização da titulação dos territórios quilombolas, Analisando-se também alguns dos entraves jurídicos e políticos relacionados com a titulação. Canto das três raças (Mauro Duarte e Paulo Cezar pinheiro) Ninguém ouviu um soluçar de dor no canto do Brasil um lamento triste sempre ecoou, desde que o índio guerreiro foi pro cativeiro e de lá cantou Negro entoou um canto de revolta pelos ares no Quilombo dos Palmares, onde se refugiou Fora a luta dos Inconfidentes pela quebra das correntes nada adiantou e de guerra em paz, de paz em guerra todo o povo desta terra quando pode cantar canta de dor Ôh ôh ôh ôh ôh ôh ôh oh E ecoa noite e dia, é ensurdecedor ai, mas que agonia o canto do trabalhador esse canto que devia ser um canto de alegria soa apenas como um soluçar de dor. 1 Elaborado por Fernando Prioste e André Barreto, integrantes da organização de direitos humanos Terra de Direitos.
  • 3. Território quilombola: uma conquista cidadã 3 Novembro de 2012 Sumário Parte 1 - Quilombos e direito a terra na história brasileira. 1.1-Colonização do Brasil, trabalho escravo, quilombos e terra. 1.2-Abolição formal e inconclusa da escravidão e as comunidades quilombolas. 1.3-A Constituição de 1988: um marco jurídico importante para as comunidades quilombolas. Parte 2 – As comunidades quilombolas e a luta pela realização do direito constitucional. 2- luta pela titulação dos territórios quilombolas depois do art. 68 do ADCT da Constituição Federal. 2.1- De 1988 a 2003 – Poucos avanços 2.2- De 2003 a 2012 – Alguns avanços Parte 3 – Noções legais básicas para a titulação dos territórios quilombolas. 3- Marcos da titulação do território Quilombola 3.1- A certidão da Fundação Cultural Palmares 3.2- O passo a passo da titulação – A regra da Instrução Normativa n 57 do INCRA 3.3- Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho 3.4- Políticas públicas para efetivação dos direitos previstos na lei – Programa Brasil Quilombola 3.5-Ameaças aos direitos das comunidades quilombolas 3.5.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239 – Supremo Tribunal Federal 3.5.2 Projetos de lei e ameaça a direitos
  • 4. Território quilombola: uma conquista cidadã 4 Novembro de 2012 Parte 1 - Quilombos e direito a terra na história brasileira 1.1- Colonização do Brasil, trabalho escravo, quilombos e terra. uitos aprenderam nas escolas que o Brasil foi “descoberto” pelos portugueses em 22 de abril do ano de 1500. Essa “descoberta” se refere à chegada de uma frota de navios portugueses chefiada por Pedro Álvares Cabral2 onde hoje se localiza a cidade de Porto Seguro, na Bahia. Mas sabemos que nas terras que hoje conhecemos como Brasil já viviam muitos índios. Se nas terras hoje conhecidas como Brasil já viviam os indígenas porque se fala em “descobrimento” do Brasil? Esse termo “descobrimento” é utilizado a partir de uma perspectiva europeia que desconsidera os povos nativos do Brasil no processo de ocupação das terras. Ou seja, para os europeus nada havia de importante aqui em termos de civilização e ninguém era dono dessas terras. Assim, a construção histórica do “descobrimento” do Brasil teve, e ainda tem, um sentido muito importante de viabilizar a colonização da América Latina pelos europeus. Os portugueses, na época da colonização do Brasil, tinham um objetivo muito claro: extrair o máximo de riqueza no menor tempo possível. O grande tamanho das terras que Portugal pretendia se apropriar indicava a 2 Dizem alguns historiados que mesmo antes da chegada de Pedro Álvares Cabral, Duarte Pacheco Pereira, em 1948, e Vicente Yàñes Pinzón, em janeiro de 1500, já haviam chegado da Europa ao Brasil. necessidade de traçar uma estratégia de apropriação, evitando que pessoas não ligadas à coroa portuguesa explorassem o que havia de riqueza no Brasil. Assim, a partir do ano de 1534 o governo português, através do sistema de capitanias hereditárias, dividiu o território hoje conhecido como Brasil em doze grandes lotes de terras. Esses lotes de terras, conhecidos como capitanias hereditárias, tinha uma extensão limitada no sentido quanto à latitude (norte-sul) variando entre trinta e cem léguas, sem limitação quanto à longitude (de leste a oeste). Essas capitanias hereditárias eram distribuídas pelo governo português à pequena burguesia portuguesa, que tinha como uma de suas obrigações ocupar e explorar economicamente o território. Frise-se que esse sistema de loteamento do Brasil não levava em conta que aqui existiam muitos indígenas vivendo. Os donatários, aqueles que recebiam do governo português o direito de explorar as capitanias hereditárias, conduziram a exploração das terras principalmente através da extração de recursos naturais (na sua maioria madeira, ouro e prata) e do sistema de plantation. O sistema de plantation se baseava da monocultura (principalmente de cana de açúcar) em grandes extensões de terra e na utilização de mão de obra escrava de índios e, principalmente, de negros e negras trazidos à força do continente africano M Se nas terras hoje conhecidas como Brasil já viviam os indígenas porque se fala em “descobrimento” do Brasil?
  • 5. Território quilombola: uma conquista cidadã 5 Novembro de 2012 para o Brasil. Pode-se dizer que de toda América Latina o Brasil foi um dos primeiros a organizar o sistema escravagista de produção e o último a abandoná-lo. Assim, é impossível compreender a história brasileira e a realidade que vivemos hoje dissociada do sistema escravocrata e de suas consequências. Durante mais de três séculos a construção da nação brasileira se deu com base no trabalho escravo do negro e da negra. Historiadores apontam que a chega dos primeiros navios negreiros ao Brasil se deu por volta de 1530, trazidos à capitania de São Vicente. Não há consenso entre os historiadores quanto à quantidade de negros trazidos da África ao Brasil durante o período escravocrata, assim como não há um consenso quanto à população de negros escravizados no Brasil durante esse período. Roberto Simonsene e Sérgio Buarque de Holanda estimam que foram trazidos ao Brasil cerca de três milhões de negros, já Caio Prado Júnior estima cerca de seis milhões e Pandiá Calógeras aponta para um número superior a treze milhões de negros e negras trazidos à força para o Brasil. Ainda que não se saiba ao certo a quantidade de negros e negras trazidos ao Brasil as várias estimativas nos mostram que o tráfico foi intenso e que o números de negros e negras escravizados era relevante, podendo ser maior que o número de não negros vivendo no Brasil em determinadas épocas. A escravidão no Brasil não se deu sem grande resistência, sendo que esta se dava de diversas formas destacando-se a fuga, o justiçamento (assassinato de proprietários de escravos), o suicídio, a formação de quilombos, o aborto, a resistência à execução do trabalho forçado, a apropriação da produção, sabotagem da produção entre outras formas. Sem dúvidas a origem dos direitos que hoje as comunidades quilombolas tem está intimamente ligada com a luta dos antigos negros e negras escravizados. A formação dos quilombos surge com a chegada dos primeiros negros no Brasil e se perpetua até hoje na realidade brasileira, passando por várias transformações ao longo do tempo. Nas leis brasileiras uma das primeiras referências aos quilombos é do Conselho Ultramarino, datada de 1740, quando definiu os quilombos como: “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele.” Essa referência da lei aos quilombos foi feita para que os órgãos de repressão do Estado pudessem ter um marco jurídico que definisse o que seria quilombo. Assim, uma das primeiras definições legais de quilombo no Brasil está relacionada com a repressão ao movimento de libertação de negros e negras. Figure 1 - Mapa das capitanias hereditárias
  • 6. Território quilombola: uma conquista cidadã 6 Novembro de 2012 É importante destacar que a análise da história oficial dos quilombos no Brasil baseia-se quase que exclusivamente em documentos que não foram produzidos pelos quilombolas. As fontes mais usadas pelos historiadores são relatos de forças policiais, militares e não militares, que atentavam contra os quilombos, assim como outros documentos administrativos do Estado brasileiro. Dessa forma, a análise histórica dos antigos quilombos tem que ser feita levando em conta que a grande parte dos documentos que ainda hoje existem foram elaborados pelos que se opunham aos quilombolas e, nesse sentido, contam a história a partir do ponto de vista do escravocrata, e não dos negros e negras em busca da liberdade. De forma geral se pode dizer que os quilombos se formaram em quase todo o Brasil. Onde houve escravidão existiu quilombo. Os quilombos não eram comunidades formadas apenas por negros e negras fugidos da escravidão. Ali viviam também negros e negras já libertos, índios, não negros que não tinham espaço na sociedade branca e patriarcal, ou seja, os quilombos eram espaços em que se encontravam pessoas que por vários motivos não tinham espaço na sociedade branca. O quilombo era um espaço de busca pela liberdade, um lugar em que as pessoas oprimidas pelo sistema da época podiam tentar viver em condições melhores. Importante destacar que não havia uma uniformidade nos antigos quilombos, sendo que cada um deles tinha uma formação específica. Também é importante destacar que nem todos os antigos quilombos se localizavam em lugares distantes e de difícil acesso, sem contato com a sociedade dominante. Há muitos relatos históricos que indicam que havia muitos quilombos nas proximidades de fazendas e mesmo dos centros urbanos. São muitos os relatos de quilombos que comercializavam e trocavam produtos com segmentos da sociedade escravagista. Os quilombolas realizavam trocas de mercadorias agrícolas por eles produzidas por outras, por ferramentas e, inclusive, por informações que ajudassem os quilombolas a se proteger de ataques. É certo, contudo, que os antigos quilombos não tinham nenhum respaldo jurídico que lhes assegurasse a posse da terra ou dos bens por eles produzidos. Naquela época a sobrevivência dos quilombolas se baseava na capacidade de se desenvolver em um ambiente totalmente hostil, em que o ordenamento jurídico os tratava como criminosos e o Estado e os donos de engenhos os perseguiam brutalmente. Entrada de africanos escravizados no Brasil. (IBGE) Período 1500-1700 1701-1760 1761-1829 1830-1855 Quantidade 510.000 958.000 1.720.000 718.000 Antes mesmo da abolição formal e inconclusa da escravidão em 1888 o Estado brasileiro já se preparava evitar que os quilombolas tivessem acesso a direitos no processo de luta pela abolição da escravidão. Pouco antes da abolição foi editada a Lei de Terras de 1850, com o objetivo de regular a forma pela qual as pessoas poderiam ter a propriedade das terras no Brasil. Antes dessa lei
  • 7. Território quilombola: uma conquista cidadã 7 Novembro de 2012 vigorava no Brasil um regime jurídico de relação com a terra ainda muito ligado ao sistema de capitanias hereditárias, onde a posse da terra era cedida pelo governo a quem tivesse interesse e possibilidade de nela trabalhar. Claro que só conseguia terra quem tivesse afinidade com o poder instituído, o que por certo não era o caso dos quilombolas. A Lei de Terra de 1850 institui o regime jurídico da propriedade privada da terra no Brasil, condicionando a obtenção da propriedade da terra exclusivamente à compra e venda. Assim, todo aquele que quisesse ser proprietário de terras no Brasil deveria comprá-la do Estado. Esse novo regime jurídico da terra no Brasil inviabilizou que as muitas pessoas com pouco ou nenhum recurso financeiro pudesse adquirir uma terra ou regularizar a posse que exercia. Num cenário em que se percebia a possibilidade de abolição da escravidão essa foi uma forma de evitar que negros e negras, entre outros tantos grupos sociais marginalizados, tivessem acesso seguro à terra. A referida lei também cumpriu com o objetivo de evitar que os imigrantes livres que chegavam ao Brasil para o trabalho nas lavouras, especialmente em São Paulo para trabalhar com o café, não pudessem adquirir terras e tivessem que trabalhar como empregados nas fazendas. A abolição formal e inconclusa da escravidão em 1888 foi um marco importante da luta pela liberdade do povo negro, ai incluindo os quilombolas. Conduto, não é possível afirmar que com a abolição da escravidão acabaram-se os problemas dos negros no Brasil, ou mesmo que os quilombos deixaram de existir. A abolição da escravidão, que é uma conquista do povo negro, fruto da luta de André Rebouças, José do Patrocínio, Luiz Gama e Tobias Barreto, entre outros, e se deu em um contexto de grande diminuição da utilização da mão de obra escrava no Brasil. Necessário também lembrar que o Brasil era o único país da América Latina a manter a escravidão em 1888. O processo oficial de escravidão no Brasil durou mais de três séculos. A abominável situação de escravidão do povo negro e suas nefastas consequências não se encerraram com a abolição da escravidão. Um grande esforço deveria ter sido empregado pelo Estado se realmente quisesse superar de forma eficaz as consequências de séculos de escravidão. Contudo, como veremos adiante, a ação do Estado após a abolição da escravidão contribuiu muito mais para aprofundar o racismo no Brasil do que para superá-lo. Questões para debate:  Se o estado brasileiro é um dos responsáveis pela escravidão, tem hoje responsabilidade em resolver os problemas derivados dessa situação?  Hoje ainda há escravidão no Brasil?
  • 8. Território quilombola: uma conquista cidadã 8 Novembro de 2012 1.2- Abolição formal e inconclusa da escravidão e as comunidades quilombolas omo visto, a abolição formal e inconclusa da escravidão em 1888 pôs fim ao cativeiro no plano formal e inaugurou uma nova era de opressão ao povo negro no Brasil. A lei Áurea, aprovada em 13 de maio de 1888, tem um texto muito singelo, com apenas dois artigos: Art. 1.º: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Art. 2.º: Revogam-se as disposições em contrário. A abolição formal e inconclusa da escravidão se deu sem que o Estado brasileiro garantisse aos negros e negras recém libertos quaisquer direitos, sem que fosse garantida qualquer política pública que possibilitasse um meio adequado de vida a quem sofreu com a escravidão e viria a sofrer com o preconceito de uma sociedade escravocrata. Também não foi adotada qualquer política institucional de superação do racismo. Como poderia a população negra brasileira desenvolver-se sem apoio do Estado num país com mais de trezentos anos de escravidão? Assim, os negros e negras libertos com a abolição da escravidão ficaram relegados à própria sorte, sem nenhum apoio do Estado na busca pela sobrevivência. Em um contexto de grande opressão racial de uma sociedade escravocrata, como iriam sobreviver os negros e negras? Esse debate foi feito antes e depois da abolição da escravidão. Joaquim Nabuco, um branco defensor da causa da abolição da escravidão, proferiu em 5 de novembro de 1884 um discurso que relacionava a questão da terra com a liberdade de negros e negras: “A propriedade da terra não tem somente direitos, tem também deveres, e o estado de pobreza entre nós, a diferença com que todos olham para a condição do povo, não faz honra à propriedade, não faz honra ao Estado. Eu, pois, se eleito, não separarei mais as duas questões – a da emancipação dos escravos e a da democratização do solo. Uma é o complemento da outra. Acabar com a escravidão no Brasil não nos basta, é preciso destruir a obra da escravidão.” Apesar de haver um debate sobre a necessidade de conferir direitos específicos ao povo negro liberto em 1888, de fato não foi garantido nenhum direito. Pelo contrário, após a abolição da escravidão houve um grande movimento que pretendia “embranquecer” a população brasileira, como se assim fossem “melhorar” a situação da nação. Essa visão racista tinha várias estratégias para o “embranquecimento” do povo brasileiro. Alguns defendiam, por exemplo, o absurdo de que com o passar do tempo a miscigenação iria embranquecer a população Brasileira e assim a C Figure 2 - texto da Lei Áurea
  • 9. Território quilombola: uma conquista cidadã 9 Novembro de 2012 Será que o quilombo como espaço em que negros e negras buscavam uma vida livre a partir de sua própria cultura deixou de existir em 1888? nação iria prosperar. Raimundo Nina Rodrigues, médico, professor antropólogo brando que viveu no início do século XX e fim o século XIX, via no povo negro a causa e a origem dos problemas do povo brasileiro. O trecho abaixo ilustra muito bem a situação que os negros e negras viveram no período pós abolição da escravidão: “o que importa ao Brasil determinar é o quanto de inferioridade lhe advém da dificuldade de civilizar- se por parte da população negra que possui e se de todo fica essa inferioridade compensada pelo mestiçamento, processo natural por que os negros se estão se integrando no povo brasileiro, para a grande massa da sua população de cor” (Rodrigues, s/d: 264). A compreensão dessa situação de extrema opressão ao povo negro brasileiro no início do século XX é indispensável para que se possa ter clareza quanto aos desafios enfrentados para superar a situação de racismo que vivemos no Brasil. Naquela época se de um lado havia uma pequena parcela de pessoas influentes com alguma preocupação com o destino do povo negro após à abolição da escravidão, grande parte dos poderosos se preocupava com a necessidade de o Estado indenizar os escravocratas no processo de abolição da escravidão, com a necessidade de “importar” mão de obra que substituísse os negros libertos, enquanto outros ainda se preocupavam com a necessidade de embranquecer a população brasileira. Por esses e outros motivos se diz que com a Lei Áurea ocorreu a abolição formal e inconclusa da escravidão, já que a lei apenas proibiu do ponto de vista formal a escravidão e mais nada foi feito. De fato a Lei Áurea em quase nada contribuiu para superar a cultura escravocrata Brasileira. Para além disso, o Estado ainda se preocupava em “substituir” a mão de obra no campo descartando os negros e negras da política oficial de trabalho “livre” no Brasil. Assim, mesmo antes do fim da escravidão, mas com mais intensidade após 1888, o Estado Brasileiro adotou uma política de importação de mão de obra. Dessa forma, o Estado brasileiro deliberadamente adotou políticas favoráveis à migração de europeus para o Brasil. Era uma política que ao mesmo tempo visava resolver o “problema” de falta de pessoas para trabalhar no campo e contribuía para o “embranquecimento” da população brasileira. Ai estava uma dupla violência para com o povo negro brasileiro: Não servia para o trabalho livre e era considerado um entrave ao desenvolvimento da nação. Nesse contexto é impossível afirmar que os quilombos acabaram em 1888 com a Lei Áurea. Será que o quilombo como espaço em que negros e negras buscavam uma vida livre a partir de sua própria cultura deixou de existir em 1888? Como visto, apesar do processo de abolição formal da escravidão o quilombo continuou a ter papel muito importante na vida
  • 10. Território quilombola: uma conquista cidadã 10 Novembro de 2012 do povo negro e da nação brasileira, tudo na medida em que se constituiu em um espaço de busca pela liberdade em que era possível tentar viver de forma digna. Contudo, sem qualquer apoio do Estado e num ambiente racista os quilombolas enfrentavam, como ainda enfrentam, muitos processos de expulsão de suas terras. Praticamente todas as comunidades quilombolas estabelecidas no processo e abolição da escravidão e após 1888 viveram e ainda vivem com ações que visam retira-los de suas terras. Esse processo de expulsão das terras está relacionado com uma pressão econômica liga à expansão do que se convencionou chamar de agronegócio, assim como está impregnada de racismo. Desde o início da colonização o Brasil ocupou no cenário internacional o papel de grande produtor e exportador de commodities agrícolas. Através de um sistema que não se diferencia muito da plantation da época da escravidão o Estado brasileiro incentivava a produção de alguns tipos de produtos agrícolas em larga escala. Esse incentivo à formação de latifúndios pressionava e ainda pressiona as comunidades quilombolas. Como é necessário expandir a área de monoculturas os territórios quilombolas, assim como as terras indígenas e as fazendas dos pequenos produtores não quilombolas eram, e ainda são, alvo dessa procura por terras. Assim, as comunidades quilombolas sofriam todo o tipo de pressão fundiária, que variava da compra e venda forçada à expulsão à bala. Essa pressão fundiária está também intimamente ligada à racista percepção de que os quilombolas não têm nada a acrescentar no processo de desenvolvimento do país, assim como nada teriam a acrescentar as populações indígenas. Da mesma forma a agricultura familiar é tratada como atrasada, como uma forma de agricultura superada no tempo e que tem que se integrar à lógica de produção do agronegócio. Diante desse cenário é indispensável reconhecer que as comunidades quilombolas de hoje ainda são verdadeiros espaços de luta contra a opressão, como eram também os antigos quilombos. Diante de um quadro de grande opressão sobreviveram no tempo e desenvolveram suas formas tradicionais de viver e de produzir. Enfrentaram todo o tipo de opressão e continuam a existir e a reproduzir sua cultura de resistência e de luta. As vitórias históricas do povo quilombola vão além da própria existência das comunidades e se materializou hoje em leis e políticas públicas que buscam enfrentar o racismo e assegurar direitos, como o direito de acesso à terra. Questões para debate: Quais os significados e as consequências da lei Áurea? Como ficou a situação do negro e da negra após a lei Áurea? Os quilombos deixaram de existir após 1888? Após 1888 surgiram novos quilombos?
  • 11. Território quilombola: uma conquista cidadã 11 Novembro de 2012 1.3- A Constituição de 1988: um marco jurídico importante para as comunidades quilombolas. penas com a promulgação da Constituição Federal de 1988, cem anos após à abolição formal e inconclusa da escravidão, as comunidades quilombolas brasileiras tiveram o direito ao território reconhecido em lei. Esse reconhecimento jurídico se deu na mais importante lei do Brasil, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1998. O reconhecimento de um direito na Constituição é carregado de significados jurídicos, políticos, históricos, raciais e sociais, já que os direitos humanos estabelecidos na Constituição não podem ser retirados de lá por uma lei, nem mesmo por uma mudança no texto da própria Constituição. Assim, o reconhecimento desse direito na mais importante lei brasileira deve ser respeitado por todos, sejam cidadãos ou órgãos de Estado como o Poder Judiciário, o Legislativo e o Executivo. Contudo, como sabemos todos nós, apesar de ser muito importante o reconhecimento de um direito na Constituição isso não é garantia de que esse direito será efetivamente respeitado e implementado pelo Estado. Essa situação não acontece apenas com os direitos das comunidades quilombolas, já que após vinte e quatro anos da promulgação da Constituição Federal muitos outros direitos reconhecidos na lei ainda não são respeitados. Entre outros direitos fundamentais que não são respeitados podemos citar o direito à saúde, educação, emprego digno, entre outros tantos. Entretanto, podemos observar que alguns direitos previstos na Constituição são mais respeitados que outros. Se fizermos uma comparação entre a garantia de direito à titulação do território para comunidades quilombolas e a garantia do direito de propriedade para grandes fazendeiros qual desses direitos hoje é mais respeitado pelo Poder Público? Se alguns direitos previstos na Constituição são mais respeitados que outros é importante fazer um questionamento para descobrir a origem desse problema e superar a situação de desigualdade. No caso do direito das comunidades quilombolas terem acesso ao território quais seriam os obstáculos que impedem a realização plena há mais de vinte e quatro anos? Os motivos dessa dificuldade são vários e abaixo vamos elencar alguns deles. Como sabemos, para que o direito previsto no art. 68 do ADCT da Constituição aconteça nas comunidades é preciso que o Estado faça o seu trabalho. Ou seja, é preciso que o Estado empregue dinheiro, recursos A Apesar de ser muito importante o reconhecimento de um direito na Constituição isso não é garantia de que esse direito será efetivamente respeitado e implementado pelo Estado
  • 12. Território quilombola: uma conquista cidadã 12 Novembro de 2012 materiais, pessoas e esforço político para que esse direito se realize. No caso do direito à titulação esses esforços do Estado precisam ser muito grandes, pois a realização do direito das comunidades interfere diretamente no interesse, muitas vezes econômico, de pessoas e grupos com muito poder e dinheiro. Nesse mesmo contexto a titulação dos territórios quilombolas também tem que se sobrepor ao racismo que ainda impregna a sociedade brasileira. Como a lei sozinha não é suficiente para superar todos os obstáculos postos à efetivação do direito, as comunidades quilombolas devem ser os principais protagonistas dessa luta pela titulação. Infelizmente ainda persiste no senso comum a ideia de que os quilombos estão ligados ao passado, isolados da sociedade brasileira e que os quilombolas estão apenas associados à escravidão e à fuga. Parte da luta das comunidades quilombolas está ligada a transformar essa concepção de quilombo do pensamento escravocrata. Sabemos que os quilombos era um lugar de homens e mulheres que buscavam sair da situação de opressão e construir uma vida livre. Sabemos também que foi através de diferentes processos como as ocupações das terras livres, as heranças, as doações de terras, as trocas da terra por serviços prestados ao Estado, assim como as fugas e a compra que os territórios quilombolas foram se constituindo. Em alguns lugares os quilombos também são conhecidos também como “terras de preto”, “terras de santo” ou “território negro”, entre outros nomes. Essa formação se deu ao longo dos tempos, mesmo após à abolição formal da escravidão. Na disputa sobre a interpretação do texto constitucional é importante destacar que pertencer a um grupo e a um território é uma maneira de evidenciar a identidade e a territorialidade. A lógica da coletividade, presente nos quilombos, se opõe à lógica da individualidade inerente à propriedade privada, por isso o art. 68 do ADCT da Constituição não pode ser interpretado na lógica individual da propriedade. Esse é um fator importante na interpretação do direito previsto no art. 68 do ADCT da Constituição, pois é um elemento definidor da identidade quilombola. Identidade, é importante destacar, refere-se àquilo que uma pessoa ou comunidade define de si. Logo está relacionada ao que se é (tanto individual quanto coletivamente), onde se está (comunidade/território) e o que se quer (projeto de futuro). É na convivência com o uso e a posse coletiva das terras que grande parte das comunidades quilombolas tem estabelecido suas práticas, não somente no uso para subsistência e comercialização, mas vivenciando sua religião, seus costumes, tradições e sentimentos de pertencimento a um lugar. Neste sentido, as comunidades quilombolas, na interpretação da constituição, devem ser compreendidas como aquelas que se autodefinem como quilombolas pela sua ancestralidade africana, pela luta contra a opressão racial e A realização do direito das comunidades interfere diretamente no interesse, muitas vezes econômico, de pessoas e grupos com muito poder e dinheiro.
  • 13. Território quilombola: uma conquista cidadã 13 Novembro de 2012 pela identidade coletiva mantida através dos tempos. Além disso, é importante frisar que se concebe como território o espaço ocupado por uma comunidade e necessário para a sua reprodução física, social, econômica e cultural, incluindo não só a área destinada à moradia, mas também aquela reservada ao plantio, à caça, à pesca e ao manejo agroflorestal entre outras práticas tradicionais. Essa interpretação do que é o direito quilombola na Constituição Federal encontra respaldo em muitas partes do texto da Constituição. Abaixo elencamos alguns trechos da Constituição que respaldam a interpretação acima exposta: Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. § 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II produção, promoção e difusão de bens culturais; III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV democratização do acesso aos bens de cultura; V valorização da diversidade étnica e regional. Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico- culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. § 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. § 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. § 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
  • 14. Território quilombola: uma conquista cidadã 14 Novembro de 2012 Quando a constituição garante às comunidades de quilombos o título das terras que ocupam, garantiu o direito ao trabalho, à preservação da cultura, dos costumes e tradições. Não há significância jurídica de garantir o direito de acesso a terra sem que esse direito se transporte para a função que a terra desempenha para esse povo. A Constituição Federal também é clara ao atribuir à propriedade, mais precisamente ao uso que dela se faz, a necessária observância do cumprimento da função social. A titulação de terras para as comunidades de quilombo, nesse sentido, cumpre sua função social apenas quando atende a necessidade de trabalho, preservação da cultura, das relações econômicas e sociais das comunidades remanescentes de quilombo. De nada adiantaria titular uma área ínfima, que não se preste à manutenção de uma comunidade rural que sobrevive através do trabalho com a terra, que não garanta minimamente o desenvolvimento das relações culturais e sociais de cada grupo. O único sentido prático viável de ser aplicado ao art. 68 do ADCT, quanto à sua extensão, diz respeito às necessidades dos remanescentes das comunidades de quilombos, nem mais, nem menos. A interpretação sistêmica e finalística da Constituição não podem ser afastadas da interpretação dos direitos das comunidades de quilombos. A interpretação do que está sendo garantido pelo art. 68 do ADCT não é uma invenção. A interpretação se dá a partir do que se pode extrair da interpretação do conjunto da própria constituição. A interpretação do art. 68 do ADCT deve levar em conta os arts. 215 e 216 da Constituição Federal, entre outros tantos dispositivos. Quando o art. 215 da Constituição garante a todos o pleno exercício dos direitos culturais não está a garantir apenas a liberdade de manifestação cultural, de mera liberdade de realização de atos. Garante que devem ser postos pelo poder público, quando necessário, meios para que os grupos sociais possam viabilizar a manutenção da sua cultura. A titulação das terras dos quilombolas, nesse contexto, é imprescindível para a manutenção da cultura. E não é titulação de área ínfima, imprestável para manutenção das relações sociais, que garantira a perpetuação da cultura quilombola. A ação do Estado titulando áreas ínfimas, imprestáveis para manutenção das comunidades de quilombo, estaria em desacordo com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, frustrando a garantia de exercício de direitos culturais, A ação do Estado titulando áreas ínfimas, imprestáveis para manutenção das comunidades de quilombo, estaria em desacordo com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, frustrando a garantia de exercício de direitos culturais, depreciando a preservação do patrimônio cultural imaterial brasileiro.
  • 15. Território quilombola: uma conquista cidadã 15 Novembro de 2012 depreciando a preservação do patrimônio cultural imaterial brasileiro. É explícito o dispositivo do art. 215, § 1º ao incumbir ao Estado a tarefa de garantir as manifestações culturais dos afro-descendentes, ai incluindo, por óbvio, o povo quilombola. Se há constatação de que a preservação da cultura afro-brasileira passa pela preservação das comunidades quilombolas a única forma de titulação válida é aquela que atinja a finalidade de garantir a sobrevivência da comunidade. É ainda importante destacar que não se fala de garantia de sobrevivência por meios estranhos à cultura negra quilombola que se constrói e reconstrói ao longo do tempo. Garantir às comunidades outras formas de sobrevivência sem dar a oportunidade de desenvolvimento do modo tradicional é o mesmo que deixar de garantir os direitos culturais imateriais. Quando o art. 216 da Constituição, em seus incisos I e II, diz que constitui patrimônio cultural brasileiro as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, tutela direito de manutenção do modo de vida, criar e fazer dos povos tradicionais, ai incluídas as comunidades quilombolas. Considerando que é pressuposto básico para a sobrevivência das comunidades quilombolas o acesso à terra, a interpretação do art. 68 do ADCT da Constituição Federal deve ser amparada na natureza de norma de direito fundamental que tutela as condições necessárias para perpetuação cultural dos remanescentes. É inafastável a consideração de que o povo das comunidades de quilombos tem histórica significância na formação da identidade do povo brasileiro. E é nesse sentido que a titulação das terras deve ser observada e interpretada. A titulação das terras não representa apenas o reconhecimento de que os quilombolas tiveram importante papel na formação da sociedade brasileira, mas que hoje a existência de remanescentes de comunidades de quilombo ainda tem papel importante nos destinos e identidade cultural da nação. O art. 68 do ADCT da Constituição tem, assim, conteúdo de direito fundamental, essencial para preservação da cultura do Brasil, uma vez que garante possibilidade de sobrevivência digna das comunidades de quilombo. Nessa ótica não pode ser feita outra interpretação do direito de acesso a terra pelas comunidades quilombola que não seja o acesso que garanta a plena sobrevivência. Questões para debate: 1) A Constituição Federal assumiu o compromisso de garantir a sobrevivência das comunidades quilombolas através do acesso à terra/território? O que é quilombo na Constituição? 2) Qual a diferença entre direito à terra e território? 3)O direito quilombolas de acesso à terra/território está sendo respeitado? Porque?
  • 16. Território quilombola: uma conquista cidadã 16 Novembro de 2012 Parte 2 – As comunidades quilombolas e a luta pela realização do direito constitucional. 2 - A luta pela titulação dos territórios quilombolas depois do art. 68 do ADCT da Constituição Federal. penas cem anos após a abolição formal e inconclusa da escravidão da população negra a legislação brasileira reconheceu formalmente direitos das comunidades quilombolas, especialmente o direito ao território. Esse reconhecimento na lei foi fruto de muito trabalho, luta e mobilização social. Assim, até 1988 não havia nenhuma previsão na lei que obrigasse o Estado a fazer políticas públicas de acesso a terras para quilombolas. Na década de 1980 a mobilização dos quilombolas e do movimento negro se uniu a outros movimentos sociais populares e exerceu uma forte pressão para garantir espaço no processo constituinte, influenciando com propostas a Constituição de 1988. Um dos principais resultados deste processo é o Artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias Constitucionais que trata de terra de quilombo. Importante dizer que a Constituição Federal é a mais importante lei do país. Ela diz como o Estado Brasileiro deve se organizar, define as regras do governo e diz como são feitas as demais leis e a justiça. Nela também se afirmou importantes direitos sociais, econômicos e culturais essenciais para a garantia de um padrão de vida digna a todas as pessoas, bem como definiu como obrigação do Estado para com todos os cidadãos e cidadãs a promoção de políticas públicas de saúde, educação, trabalho, cultura, segurança alimentar, acesso à terra, dentre outras. A afirmação pela Constituição Federal do direito ao território coletivamente ocupado para as comunidades quilombolas, muito mais do que uma reparação histórica pelo sofrimento e opressão do sistema de escravidão, tem como objetivo a promoção da dignidade humana dos quilombolas aqui e agora. A efetivação do direito ao território para as comunidades quilombolas também o reconhecimento de que as comunidades tem muito a contribuir para o desenvolvimento do país. O acesso ao território é o direito mais básico das comunidades quilombolas, pois é um direito que gera e permite acesso a outros direitos. A A afirmação pela Constituição Federal do direito ao território coletivamente ocupado para as comunidades quilombolas, muito mais do que uma reparação histórica pelo sofrimento e opressão do sistema de escravidão, tem como objetivo a promoção da dignidade humana dos quilombolas aqui e agora
  • 17. Território quilombola: uma conquista cidadã 17 Novembro de 2012 O reconhecimento, pelo Estado brasileiro, do direito ao território tradicionalmente ocupado pelas comunidades obriga-o também à promoção de inúmeros outros direitos que são dependentes da titulação desse território, por exemplo: os direitos econômicos à alimentação e à produção, o direito ao meio ambiente sustentável e o direito à cultura. Por outro lado, sem a garantia dos territórios, todos os outros direitos ficam também ameaçados. E a pior consequência para as comunidades de não terem suas terras reconhecidas é a perda de sua liberdade, de diversas maneiras. Assim, com base no reconhecimento e na delimitação das terras quilombolas em todo Brasil, o Estado poderá também planejar e executar melhor a realização de políticas públicas de educação, saúde, infraestrutura e saneamento básico nos territórios, sendo este o caminho mais viável e seguro para o desenvolvimento. As políticas públicas podem e devem atender a comunidades ainda não tituladas, mas ficam melhor se forem feitas em territórios titulados. O uso coletivo do território quilombola é o que garante que a produção seja voltada para o atendimento das necessidades concretas dos membros daquela comunidade e não para o aumento ilimitado do lucro de uma única pessoa, que ocasiona a exploração predatória dos recursos naturais e põe em risco soberania alimentar dos povos. Por ser a própria titular do direito de propriedade sobre o território titulado, a coletividade dos quilombolas tem a responsabilidade usar racionalmente e zelar pelos bens naturais comuns ali presentes. Quando se fala que o título sobre o território quilombola é definitivo significa que ele vem para resguardar o interesse da comunidade quilombola de permanência na terra de seus antepassados, ou seja, as comunidades não desejam e nem podem vender ou arrendar a área dos quilombos, mas sim viver, produzir e preservar, contribuindo, além de tudo, para a construção de um espaço urbano e rural mais justo, saudável e equilibrado. Dessa forma, o uso coletivo do território pela comunidade quilombola é importantíssimo para a construção de um modelo justo e soberano de desenvolvimento da nação brasileira, pois o modo de vida e uso da terra e dos recursos naturais das comunidades remanescentes de quilombo representa um dos caminhos para a emancipação social, com acesso à terra e à cultura, economia solidária e sustentabilidade ambiental.
  • 18. Território quilombola: uma conquista cidadã 18 Novembro de 2012 2.1- De 1988 a 2003 – Poucos avanços Apesar do avanço que foi a Constituição de 1988 no que se refere ao reconhecimento dos direitos dos quilombolas do acesso à terra, ao longo da década de 90 pouco se conquistou na regularização dos territórios de quilombos. Infelizmente, a previsão do direito na Constituição não significou a realização desse direito na prática. Vemos hoje que poucos territórios quilombolas foram titulados passados vinte e quatro anos de vigência da Constituição. A garantia do direito na Constituição é importante, mas a sua realização prática depende de vontade política das autoridades estatais e da mobilização popular para que se transformem em políticas públicas. Somente no ano de 1995, no mês de dezembro, foi titulada a primeira terra quilombola do país, no Estado do Pará, a comunidade de Boa Vista. Durante os governos dos presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, a questão das titulações dos territórios quilombolas não teve significativos avanços. Pelo contrário, pode-se dizer que durante esse período viu-se um grande retrocesso no reconhecimento do direito à titulação. Essa paralisia, somada com a luta histórica dos quilombos, fez surgir movimentos sociais quilombolas organizados para lutar por direitos. Para além do art. 68 do ADCT da Constituição era necessário que o Estado brasileiro criasse regras para que o processo de titulação pudesse ter começo, meio e fim. Ou seja, era preciso dizer qual órgão do Estado faria as titulações e como faria para cumprir o direito previsto na Constituição. Foram 14 anos de edição de portarias e decretos que não contribuíram para o avanço das titulações dos territórios tradicionais e, pior, no final do Governo FHC teve-se uma regulamentação que deu prevalência de um conceito reducionista da própria condição quilombola, como foi o caso do Decreto 3.912/20013 . Tal decreto, ao regulamentar detalhes relativos ao processo administrativo de identificação dos remanescentes das comunidades de quilombos atribuiu apenas à Fundação Cultural Palmares a competência da realização desse processo administrativo. Além disso, o então decreto não abordava situações em que a área titulada do território quilombola estivesse sobre áreas de 3 O Decreto 3.912 de 10 de setembro de 2001 foi editado com base nas conclusões do parecer da subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República (Parecer SAJ Nº 1.490/2001), que considerou o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA incompetentes e sem legitimidade para promover desapropriações e reconhecer as terras em favor das comunidades quilombolas. À época, prevalecia o entendimento de que o Estado deveria reconhecer as terras que já às comunidades quilombolas já possuiam, mas às quais lhe faltava um título, desconsiderando os conflitos fundiários incidentes nos territórios. O Decreto 3912/2001 era de caráter restritivo porque somente seriam reconhecidas as propriedades sobre terras que eram ocupadas por quilombos em 1888, à época da Lei Áurea, e que estivessem ocupadas por “remanescentes das comunidades dos quilombos” em 5 de outubro de 1988
  • 19. Território quilombola: uma conquista cidadã 19 Novembro de 2012 propriedade de particulares, já que o texto do Decreto se limitava apenas a disciplinar áreas que estivessem sobre terras da União. O Decreto era de caráter restritivo porque somente seriam reconhecidas as propriedades sobre terras que eram ocupadas por quilombos em 1888, à época da Lei Áurea, e que estivessem ocupadas por “remanescentes das comunidades dos quilombos” em 5 de outubro de 1988. À época, muito se discutiu que tal previsão limitativa era inconstitucional, ou seja, feria o direito ao território quilombola como estava escrito e afirmado no art. 68 ADCT da Constituição Federal, pois se colocava uma restrição não prevista nem autorizada pelo texto da Constituição. Não há razão histórica ou constitucional para que se relacione a existência de quilombos ao ano de 1888 e se confira apenas aos quilombos estabelecidos nesta data o direito previsto no artigo constitucional. Como então previsto no decreto as comunidades quilombolas estariam presas e cristalizadas, estáticas, no exato lugar onde se constituíram inicialmente até o momento estabelecido na Constituição de 5 de outubro de 1988. Assim, o espaço de liberdade dos quilombos para a regulação ritual da vida seria obtido às custas do confinamento e preso ao passado. Ao contrário disso, cabe-nos falar que o artigo 68 está voltado para uma perspectiva do tempo presente, assegurando a esses grupos étnicos o direito à autodeterminação e à identidade. Pelo fato de o território estar muito ligado à identidade, o que a Constituição prevê é a proteção ao território, da forma que ele se apresenta atualmente, não importando o espaço imemorialmente ocupado pelos ancestrais se isso não configura mais relevante para o grupo no presente. Ao prever que aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir- lhes os títulos respectivos, o artigo 68 não dispõe acerca da temporalidade, antiguidade da ocupação territorial, tampouco da coincidência entre a ocupação originária e a atual. É suficiente que se trate de comunidades quilombolas e que estejam ocupando um território de acordo com suas necessidades materiais e imateriais no tempo presente e memoriável. A análise desse decreto da época de FHC, apesar de ter sido revogado e substituído pelo Decreto 4.887/2003 é bastante importante, pois foi ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) pelo partido Democratas, à época PFL, contra o Decreto 4.887/2003, de forma que, se for julgada procedente o antigo e inapropriado decreto poderá voltar a vigorar e os títulos de propriedade emitidos na vigência do atual Não há razão histórica ou constitucional para que se relacione a existência de quilombos ao ano de 1888 e se confira apenas aos quilombos estabelecidos nesta data o direito previsto no artigo constitucional.
  • 20. Território quilombola: uma conquista cidadã 20 Novembro de 2012 decreto podem ser considerados nulos. Sobre a ADIn, será falado posteriormente. O balanço geral do reconhecimento dos territórios quilombolas nesse período é que ao final da década de 90 - por muita pressão do movimento quilombola - haviam sido formalmente identificadas, através do trabalho da Fundação Cultural Palmares, pouco mais de 700 comunidades em todo o Brasil. É nesta década que a Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) adquire maior capacidade de diálogo com o Poder Público Federal. Vale destacar que neste período cabia à Fundação Cultural Palmares - FCP, emitir os títulos e tomar providências acerca da regularização fundiária. Os títulos emitidos pela FCP, porém, se deram sem que houvesse desapropriação ou reassentamento dos posseiros não quilombolas presentes sobre o território tradicional. 2.2- De 2003 a 2012 – Alguns avanços Logo no ano de 2003, no primeiro ano de mandato do então presidente Lula, após forte pressão e reivindicação do movimento quilombola, foi instituído um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para revisar e propor modificações aos instrumentos legais vigentes que regulamentam o artigo 68 do ADCT. Assim, em 20 de novembro de 2003 foi editado o Decreto 4887/03, tornando sem efeitos e afastando a aplicação do então problemático decreto instituído no governo FHC. Naquela época a demanda do movimento quilombola por titulação apontavam para a existência de 1527 comunidades quilombolas no Brasil. Entretanto, desde 1995 até aquele ano, apenas 53 títulos haviam sido emitidos, contabilizando 110 comunidades tituladas em todo território brasileiro. Deve se destacar que a maioria desses títulos não serviam, pois não podiam ser registrados em cartório por não terem sido feitas as desapropriações. Com certeza o número real era muito maior do que os números oficiais. O Decreto 4887/03, alinhado com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, primou, dentre outros aspectos, pela autodeterminação da quilombola na afirmação de sua identidade política e cultural e, portanto, mais condizente com o pleito do movimento. Neste momento se Como inovações mais importantes do Decreto federal 4887/03 foram adotadas a “autodefinição” 1 , para fins de declarar a condição de remanescentes de quilombos, o conceito de território, abrangendo a terra utilizada para a reprodução física, social, econômica e cultural da comunidade (ambos conforme já presente no texto da Convenção 169 da OIT), e a titulação coletiva da terra.
  • 21. Território quilombola: uma conquista cidadã 21 Novembro de 2012 transferiu do Ministério da Cultura para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, através do INCRA, a competência para titulação das terras das comunidades de quilombos, estabelecendo também um novo procedimento para a titulação acontecer. Como inovações mais importantes deste decreto foram adotadas a “autodefinição”4 , para fins de declarar a condição de remanescentes de quilombos, o conceito de território, abrangendo a terra utilizada para a reprodução física, social, econômica e cultural da comunidade (ambos conforme já presente no texto da Convenção 169 da OIT), e a titulação coletiva da terra. Apesar dos visíveis avanços promovidos pelo Decreto 4.887/03, ainda permanecem algumas dificuldades no procedimento de titulação por ele regulamentado, principalmente no que se refere à solução de conflitos fundiários decorrentes da titulação, à simplificação de procedimentos e documentação necessários. De acordo com o decreto, o processo de titulação é ainda bastante longo e burocratizado, contando com 14 etapas, administrativas e judiciais, até que se finalize a titulação. Naturalmente, o avanço perpetrado pelo decreto desagradou as elites ruralistas. 4 Os antropólogos, por meio da Associação Brasileira de Antropologia –ABA-, fundada em 1955, tiveram papel decisivo na modificação das noções de identificação baseados em critérios arbitrários, ao indicar a necessidade de perceber outra dimensão dos fatos, que venha a incorporar o ponto de vista dos grupos sociais que aspiram ao direito previsto na constituição. Primeiramente, contra o Decreto 4.887/2003 foi apresentado o projeto de decreto legislativo nº 44 de 2007, de autoria do Deputado Federal Valdir Colatto, do PMDB-SC, propondo a suspensão da aplicação daquele decreto, sob a argumentação de que o decreto ultrapassa o seu poder regulamentar do artigo 68 do ADCT. Segundo, deve-se citar também como investida contra o decreto a Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta em 25 de Junho de 2004 no Supremo Tribunal Federal, proposta pelo Partido da Frente Liberal – PFL (agora denominado DEM) que tramita sob o nº 3.239 e aguarda julgamento até hoje, conforme mais à frente abordaremos em detalhes. Além dessas afrontas devemos pontuar também como as pressões do setor do agronegócio e ruralista sobre o Governo, pois fizeram do processo de titulação algo cada vez mais lento, custoso e difícil de ser concluído. Ao ser determinado no texto do Decreto que cabe ao INCRA detalhar o procedimento administrativo de titulação dos territórios quilombolas, sendo de sua responsabilidade o início e o controle da maior parte do procedimento de titulação, a regularização fundiária a ser iniciada pelo instituto, consiste em um conjunto de medidas: i) jurídicas, referentes aos levantamentos da cadeia dominial do título de propriedade e outros documentos inseridos no perímetro do território e às medidas judiciais de desapropriação, ii) físicas, que dizem respeito a estudos de delimitação do território em vias de titulação, bem como As pressões do setor do agronegócio e ruralista sobre o Governo fizeram do processo de titulação algo cada vez mais lento, custoso e difícil de ser concluído
  • 22. Território quilombola: uma conquista cidadã 22 Novembro de 2012 medidas para viabilizar o saneamento ambiental da área, dotando-as de serviços como água tratada, energia elétrica, esgotamento sanitário etc e iii) sociais a serem adotadas pelo poder público, em acordo com a comunidade, para expedir os títulos de propriedade. Com base no disposto no Decreto 4.887/2003, quatro meses após sua publicação, em 24 de março de 2004, foi instituída a primeira Instrução Normativa de regulamentação do procedimento de titulação das terras de quilombo (Instrução Normativa do INCRA Nº 16/2004), detalhando o procedimento de regularização e titulação dos territórios das comunidades de quilombos, sendo esta a primeira das quatro Instruções Normativas publicadas até o momento. Essa instrução previa um sucinto relatório de identificação do território no qual constava levantamento geral de informações cartográficas, geográficas, agronômicas, socioeconômicas, históricas e afins junto a instituições públicas e privadas; planta e memorial descritivo do perímetro do território; cadastramento das famílias quilombolas e não quilombolas; além de um levantamento da cadeia dominial e de outros documentos inseridos no perímetro do território quilombola. Sob o argumento de que a norma não possuía os requisitos suficientes para definição do território e que ensejariam em um momento posterior invariavelmente ações judiciais de contestação contra o procedimento, o INCRA elaborou e publicou no ano seguinte a Instrução Normativa nº 20/2005. A principal inovação trazida por esta instrução foi a exigência, somado ao relatório de identificação do território já previsto antes, de um relatório antropológico de caracterização histórica, econômica e sociocultural. Essa exigência trouxe ao INCRA uma nova demanda, pois seria necessário, a partir de agora, contratar antropólogos ou fazer convênios com universidades a fim de se elaborarem os relatórios antropológicos. Apesar de ser um fator a mais de morosidade do processo de titulação, a realização de relatórios antropológicos ainda era factível e viável de ser efetuada. Evidência disso é o número de Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID) entre 19 de setembro de 2005 e 30 de setembro de 2008, período em que a IN 20 esteve em vigor: foram publicados no Diário Oficial 50 RTID’s. Se a finalização do processo de titulação tornava-se por vezes excessivamente lenta após a nova previsão da Instrução Normativa nº 20/2005, que trouxe um estudo a mais a integrar o RTID, a situação agravou-se sobremaneira com a publicação da Instrução Normativa nº 49, de 29 de setembro de 2008, que é a normativa na prática em vigor hoje sobre o procedimento de titulação, pois houve uma piora significativa da lentidão dos procedimentos, devido aos novos empecilhos e burocratização à elaboração dos relatórios. A primeira das modificações diz respeito a novas exigências para elaboração do relatório antropológico. Passou-se a se exigir estudos detalhados sobre 35 itens, em geral pouco relevantes para a identificação do território. Segundo tal norma, o relatório deve conter dentre outras coisas, uma introdução contendo o referencial teórico e metodologia utilizados e uma lista de itens obrigatórios, como um
  • 23. Território quilombola: uma conquista cidadã 23 Novembro de 2012 levantamento de dados sobre as taxas de natalidade e mortalidade do grupo; uma identificação e caracterização dos sinais diacríticos da identidade étnica da comunidade; um mapeamento das redes de reciprocidade intra e extra-territoriais, além da descrição das formas de representação política da comunidade; só para citar alguns poucos exemplos. A despeito de esses dados configurarem aspectos interessantes para uma pesquisa a ser realizada a longo prazo, não são, de fato, relevantes para medidas urgentes de grupos que pleiteiam há um bom tempo seus títulos territoriais. Além disso, para não se falar do excessivo dispêndio de dinheiro público, as excessivas e desnecessárias exigências conduzem a uma demora incalculável dos processos e, em última instância, levam à paralisação dos poucos procedimentos que já tiveram seu RTID iniciado. Configura, também, claro preceito atentatório à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que estabelece a autoidentificação e determinação dos povos e comunidades tradicionais como um direito. É importante também se falar, para que se veja claramente que tais exigências burocráticas tem o objetivo final de criar empecilhos às titulações, que se tem ai um caráter dúplice e repetido de medidas administrativas, uma vez que se realiza procedimentos semelhantes para a certificação por parte da Fundação Cultural Palmares e para a identificação do INCRA. Isso acontece sob o argumento do governo de se evitarem que comunidades que supostamente não são quilombolas se passem por tais (assim na realidade tornando sem efeito o critério da autoidentificação quilombola). Por essas e outras características a Instrução Normativa 49 é alvo de críticas do movimento quilombola e das organizações parceiras, pois afronta o Decreto 4.887/03 e o direito ao território afirmado no art. 68 ADCT da Constituição, tanto pela imposição da apresentação da certidão da Fundação Cultura Palmares como condição prévia para iniciação do procedimento de titulação, quanto pelo excesso de etapas e exigências agora demandadas para a elaboração do RTID. Diante dessa problemática apresentada, foi proposta pelo INCRA outra instrução normativa, em 07 de outubro de 2009, (Instrução Normativa nº 56), cujas exigências de estudos e relatórios, mais diretas e objetivas, não repetem da antiga instrução as excessivas e desnecessárias previsões para a elaboração do RTID. Porém, a represália e pressão por parte dos setores ruralistas sobre o Governo foi quase que imediata e, 13 dias após a publicação, a Instrução Normativa nº 56 foi revogada, de forma que a norma de 2008 (a IN 49) foi republicada como IN nº 57 de 20 de outubro de 2009. Assim, pode-se dizer que o resultado desses embates político-econômicos, refletidos na legislação e nas pressões sobre o Governo, culminou com um número baixíssimo de territórios quilombolas titulados, desde que fora promulgada a Constituição Federal, totalizando 120 títulos para 101 territórios, sendo 23 titulações fornecidas pelo governo federal, 74
  • 24. Território quilombola: uma conquista cidadã 24 Novembro de 2012 por governos estaduais e quatro terras regularizadas por meio de títulos concedidos pelo governo federal e governos estaduais (cada um para uma porção do território) – frente à estimativa total de 3 mil comunidades quilombolas que existem hoje no país. Nos oito anos do Governo Lula (de 2003 a 2010), foram titulados apenas 17 territórios quilombolas diretamente pelo Governo Federal. Para ter uma ideia da demora no processo de titulação, segundo a Comissão Pro- índio em seu Balanço Terras Quilombolas de 2011, dos 21 processos que tiveram o RTID publicado em 2011, o tempo entre a instauração do processo e a publicação variou de 1 a 7 anos. Considerando todos os 145 processos que tiveram o RTID publicado entre 2003 e 2011, o tempo médio entre a abertura do processo a publicação do estudo foi de 5 anos. Isso porque as terras onde se localizam os quilombos também são alvo de interesse, principalmente econômico, de outros grupos sociais, sendo esta a origem dos conflitos e entraves à titulação. Embora a Constituição e as leis do país determinem a existência de políticas públicas e direitos específicos para cada grupo social, de modo que todos pareçam ser contemplados, na prática estas políticas e direitos podem entrar em conflito e se excluírem uns aos outros a depender da força social e de mobilização e pressão de cada grupo. Questões para debate:  O que difere o decreto de 3912/2001 do decreto de 4887/2003?  Quais os principais obstáculos legais para a titulação dos territórios quilombolas?  Quem são os principais opositores da titulação dos territórios quilombolas? Porque se opõe à titulação?
  • 25. Território quilombola: uma conquista cidadã 25 Novembro de 2012 Parte 3 – Noções legais básicas para a titulação dos territórios quilombolas 3- Marcos da titulação do território Quilombola 3.1- A certidão da Fundação Cultural Palmares autorreconhecimento de uma identidade é um direito humano. As comunidades quilombolas têm direito à autoidentificação de sua identidade. O Estado brasileiro não tem o direito de negar a identidade quilombola assumida por uma comunidade, segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Assim, a consciência da identidade quilombola é o critério fundamental para identificar se uma comunidade é quilombola. Através da Portaria nº 98 da Fundação Cultural Palmares (FCP) criou-se o Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos. Esse cadastro é um mecanismo do Estado brasileiro em que se listam as comunidades que se autorreconhecem como quilombolas perante o poder público. A Fundação Cultural Palmares faz apenas o cadastro do autorreconhecimento, não pode negar a uma comunidade com consciência de sua identidade quilombola a inclusão no Cadastro Geral das Comunidades dos Quilombos. Assim, certidão de autorreconhecimento da Fundação Cultural Palmares é o documento que atesta que determinada comunidade autorreconheceu sua identidade quilombola perante o Estado. Inscrever o autorreconhecimento da comunidade quilombola no cadastro da Fundação Cultural Palmares é importante para que a comunidade tenha, com a certidão, um documento que facilite o acesso a políticas públicas destinadas ao povo quilombola. Contudo, o fato de uma comunidade ter ou não a certidão da Fundação Cultural Palmares não a torna quilombola, já que é a consciência dessa identidade o elemento fundamental para caracterizar a existência dessa identidade. Contudo, o que se vê na prática é que o direito do autorreconhecimento é muitas vezes desrespeitando. Por muitas vezes a certidão da fundação Cultural Palmares é exigida por órgãos públicos como prova de que uma comunidade é quilombola. Assim, por exemplo, é que a Instrução Normativa nº 57 do INCRA só autoriza a abertura do processo de titulação do território quilombola para a comunidade que possuir a certidão da Fundação Cultural Palmares. O próprio processo de expedição da certidão da Fundação Cultural Palmares, previsto na portaria 98, parece violar o direito ao autorreconhecimento, já que o parágrafo O A consciência da identidade quilombola é o critério fundamental para identificar se uma comunidade é quilombola.
  • 26. Território quilombola: uma conquista cidadã 26 Novembro de 2012 segundo do artigo terceiro da portaria diz que a Fundação Cultural Palmares poderá, dependendo do caso concreto, realizar visita técnica à comunidade no intuito de obter informações e esclarecer possíveis dúvidas. Se o autoreconhecimento é um direito previsto em lei e não pode ser negado pelo estado a Fundação Cultural Palmares pode negar a inclusão de uma comunidade no Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos ou mesmo retirar do cadastro uma comunidade já inscrita? Nos últimos anos, principalmente após o ano de 2007, viu-se uma significativa diminuição de emissão de certidões de autorreconhecimento pela Fundação Cultural Palmares. De 2004 até hoje foram inscritas no cadastro da FCP 1824 comunidade quilombolas. Foram 252 comunidades com certidão em 2004, 339 em 2005, 416 em 2006, 160 em 2007, 127 em 2008, 98 em 2009, 226 em 2010, 200 em 2011 e apenas 6 comunidades foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares neste ano de 2012. Diante desses números e tendo como referência o fato de que existem mais de três mil comunidades quilombolas no Brasil valer perguntar por que o número de expedição de certidões diminuiu tanto depois do ano de 2007? Se uma comunidade quilombola fez o pedido de certidão e ainda não recebeu o documento, o que pode ser feito? Nesse contexto vale considerar que uma importante luta para as comunidades quilombolas é garantir o efetivo respeito ao direito de autorreconhecimento como elemento suficiente para viabilizar acesso a políticas públicas. A certidão da Fundação cultural Palmares deve ser um instrumento para facilitar o acesso a políticas públicas específicas para as comunidades quilombolas, não pode ser um instrumento que sirva para determinar se uma comunidade é ou não quilombola. Como fazer o pedido de expedição da Certidão de autorreconhecimento da Fundação Cultural Palmares? Para que uma comunidade faça sua inscrição no Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos é necessário fazer esse pedido à Fundação Cultural Palmares. Esse pedido se faz enviando uma carta à FCP pedindo a expedição da certidão. Segundo a portaria 98 do da Fundação Cultural Palmares a carta a ser enviada deve conter:  Um pedido expresso de expedição da certidão, ou seja uma carta da comunidade dizendo que autorreconhece a identidade quilombola e pedindo a expedição da certidão;  A comunidade que não possui associação legalmente constituída tem que apresentar ata de reunião convocada para debater a questão da autodefinição. Essa reunião tem que ser descrita em uma ata que também deve ser aprovada pela maioria dos moradores da comunidade. Essa ata tem que estar acompanhada de lista de presença assinada pelos membros da comunidade.
  • 27. Território quilombola: uma conquista cidadã 27 Novembro de 2012 Já a comunidade que possui associação legalmente constituída deverá apresentar ata da assembléia convocada para específica finalidade de deliberação a respeito da autodefinição, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, acompanhada de lista de presença devidamente assinada. As assinaturas das atas podem ser feitas por escrito ou com a impressão digital do dedo das pessoas que não puderem escrever;  Um relato simples da história da comunidade;  Caso a comunidade possua também pode enviar junto com a carta dados, documentos ou informações, tais como fotos, reportagens, estudos realizados, entre outros, sobre a história comum do grupo ou suas manifestações culturais. Vale destacar que esse ponto é facultativo, ou seja, não é obrigatório. 3.2- O passo a passo da titulação – A regra da Instrução Normativa n 57 do INCRA Como visto o Estado brasileiro tem normas que regulam o processo que o Estado tem que realizar para que as comunidades quilombolas sejam tituladas conforme determina o art. 68 do ADCT da Constituição Federal. Hoje as principais normas que regulamentam esse procedimento de titulação são o Decreto Federal 4887/03 e a Instrução Normativa nº 57 do INCRA (IN 57). Estudando essas duas normas, em especial a IN 57, é possível entender o passo a passo do processo de titulação e, assim, monitorar o trabalho do INCRA na titulação dos territórios quilombolas. As fases abaixo descritas são um resumo didático do complexo processo de titulação descrito na Instrução Normativa nº 57 do INCRA. Primeiro passo – abertura de processo no INCRA Para dar início ao processo de titulação do território cada comunidade deve fazer um pedido de abertura de processo no INCRA. Esse pedido feito ao INCRA deve conter informações sobre a localização da comunidade e pode ser feito por qualquer interessado, das entidades ou associações representativas de quilombolas. O INCRA também pode abrir o processo sem que a comunidade faça o pedido formalmente. O Pedido de abertura do processo pode ser feito inclusive de forma oral. Vale destacar que o processo de titulação no INCRA só pode ter início com a apresentação da certidão da Fundação Cultural Palmares. Assim, se a comunidade não tiver a certidão o processo irá ficar totalmente parado, situação que contraria o direito ao autorreconhecimento descrito na Convenção 169 da OIT.
  • 28. Território quilombola: uma conquista cidadã 28 Novembro de 2012 Segundo passo – Elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação - RTID O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID)m é um conjunto de documentos que a Instrução Normativa nº 57 exige que sejam feitos pelo INCRA para que a titulação dos territórios quilombolas seja realizada. Hoje essa é uma das fases do processo de titulação mais difíceis de ser superadas pelas comunidades. A falta de recursos financeiros e falta de funcionário no INCRA para realizar esse trabalho é um dos principais motivos que faz com que a maioria dos processos de titulação no INCRA não tenham superado essa fase. O RTID é composto dos seguintes documentos:  Relatório antropológico de caracterização histórica, econômica, ambiental e sociocultural: Esse relatório é um documento que destaca aspectos da história da comunidade e de seu modo de vida atual. É o principal documento de referência para delimitar a área a ser titulada em favor da comunidade. O relatório antropológico não é um documento que vai dizer se a comunidade é ou não quilombola;  Levantamento fundiário: Esse documento irá descrever a situação das terras que serão tituladas em favor da comunidade. Ou seja, esse documento contém informações sobre a quem pertence as terras que estão dentro da área a ser titulada. Esse levantamento é fundamental para saber quem será desapropriado para que se garanta a titulação de todo o território quilombola;  Planta e memorial descritivo do perímetro da área reivindicada pelas comunidades remanescentes de quilombo: Este é o documento que contém o mapa da área a ser titulada.  Cadastramento das famílias quilombolas: Esse documento é o levantamento das famílias que pertencem à comunidade quilombola, inclusive aquelas que não morem dentro do território;  Parecer relacionado com a sobreposição de áreas: Muitas vezes o território das comunidades quilombolas foi transformado em parques ou outros tipos unidades de conservação. Uma parte do trabalho do INCRA é fazer esse levantamento de situações que indiquem haver esse tipo de sobreposição. Esse levantamento é fundamental para que no futuro possa ser feita a titulação, pois vai identificar possíveis obstáculos ao registro do título no cartório.  Parecer conclusivo da área técnica e jurídica do INCRA: Após à elaboração de todos os documentos acima descritos será realizada uma avaliação pelos INCRA. Essa avaliação tem por objetivo verificar possíveis falhas na elaboração dos documentos do RTID. Havendo falhas esses documentos deverão ser refeitos, não havendo falhas encerra-se a fase do RTID.
  • 29. Território quilombola: uma conquista cidadã 29 Novembro de 2012 Terceiro passo – Avaliação do Comitê Regional do INCRA, Publicação do RTID e notificação a interessados Após à elaboração do RTID o grupo de funcionários do INCRA que compõe o Comitê de Decisão Regional fará uma avaliação do RTID. Se não forem encontradas falhas no RTID o processo segue para a fase seguinte. Havendo falhas não percebidas antes o processo deve voltar para a fase de elaboração do RTID. Sendo positiva a avaliação do Comitê de Decisão Regional do INCRA um resumo do RTDI será publicado Diário Oficial da União e no Diário Oficial do estado em que o INCRA estiver. O resumo do RTID também será fixado na prefeitura da cidade onde estiver a comunidade. Além disso, aquelas pessoas que tiverem propriedade dentro da área a ser titulada, assim como os vizinhos da comunidade, serão notificados pessoalmente da elaboração do RTID. O INCRA também deverá providenciar uma notificação a diversos órgão federais, como o IBAMA e a FUNAI. Todas essas notificações e publicações são necessárias para dar publicidade ao trabalho feito no RTID. Essa publicidade é necessária para que aqueles que tiverem interesse e quiserem contestem o que está no RTID. Quarto passo – fase das contestações ao RTID Como o nosso sistema jurídico dá a todos a possibilidade de exercer o direito fundamental de defesa e do contraditório, o INCRA é obrigado a receber contestações de pessoas com interesse no processo de titulação. Essas contestações são contra o RTID e na grande maioria dos casos é feita por pessoas que terão suas terras desapropriadas no processo de titulação. Na contestação aqueles que se opõe à titulação vão tentar apontar falhas no RTID que dificulte ou impeça a titulação. Vale lembrar que a própria comunidade pode apresentar contestação, por exemplo, se não estiver de acordo com a área do território a ser titulado. Essas contestações serão julgadas pelo Comitê de Decisão Regional do INCRA. Se o comitê acatar alguma argumentação exposta na contestação, o processo volta para a fase do RTID para ser refeito. Se o comitê não acatar a contestação os interessados poderão apresentar recurso para o Conselho Diretor do INCRA, em Brasília. Se o conselho julgar acatar alguma argumentação exposta na contestação, o processo volta para a fase do RTID para ser refeito. Caso o conselho não acate os argumentos da contestação o processo volta para o INCRA do estado e o processo segue para a próxima fase.
  • 30. Território quilombola: uma conquista cidadã 30 Novembro de 2012 Quinto passo – portaria de reconhecimento do território quilombola Após o julgamento das contestações o INCRA dos estados devem elaborar resumo do processo contendo informações básicas. Esse documento será enviado para o INCRA de Brasília e o Presidente do INCRA publicará no Diário Oficial da União e no Diário Oficial do estado em que se localiza a comunidade uma portaria reconhecendo e declarando os limites da terra quilombola. Teoricamente o presidente do INCRA tem o prazo de trinta dias para fazer essa publicação, o que quase nunca é respeitado. A portaria de reconhecimento do território quilombola é muito importante, já que é o documento oficial que encerra a parte de estudos e de julgamento do processo de titulação. Com a portaria o território quilombola passa a ser oficialmente reconhecido pelo Estado. Após esse reconhecimento pela portaria do INCRA passa-se para a fase de desapropriação, quando necessário. Sexto passo – As desapropriações Após a publicação da portaria de reconhecimento do território quilombola inicia a fase de desapropriação. Nesta fase o INCRA irá tomar providências para obter as propriedades que estejam registradas em nomes de pessoas que não sejam da comunidade. Para cada propriedade privada existente dentro do território quilombola o INCRA abrirá um processo. Nesse processo o INCRA irá realizar uma avaliação do imóvel e, juntando outros documentos, enviará o processo para que seja feito o decreto de desapropriação. Esse decreto de desapropriação será assinado pela Presidenta da República após avaliação da Casa Civil. Muitos dos processos de titulação de comunidades quilombolas demoram muito tempo para ter seus decretos assinados. Sem a assinatura dos decretos é impossível fazer a desapropriação. Assinado o decreto de desapropriação o INCRA deve ajuizar uma ação de desapropriação para cada propriedade particular que estiver dentro do território quilombola. Nessa ação de desapropriação o juiz deve, num prazo de 48 horas, dar a posse da área para o INCRA. Contudo, na prática existem muitos obstáculos jurídicos que podem ser criados atrasando a desapropriação do imóvel pelo INCRA. Quando o INCRA tiver a posse do imóvel garantida pelo juiz, já poderá repassar a área comunidade essa posse. Contudo, o título definitivo só poderá ser repassado para a comunidade após esgotarem-se todas as fases do processo judicial de desapropriação, o que de regra não é rápido. Caso a o proprietário da área a ser desapropriada não se oponha à titulação do território quilombola poderá fazer um acordo
  • 31. Território quilombola: uma conquista cidadã 31 Novembro de 2012 com o INCRA, evitando que seja necessário ajuizar a ação de desapropriação. Além da desapropriação de terras particulares o INCRA também deverá resolver problemas relacionados com a sobreposição, por exemplo, de unidades de conservação que estejam dentro do território quilombola. Sendo a titulação do território quilombola um direito previsto na Constituição, o INCRA, assim como outros órgão, precisam buscar uma saída para superar a situação de sobreposição de áreas, quando isso acontecer. Ocorre, contudo, que é muito difícil de resolver essas situações, haja vista que existem muito interesses em jogo quando se trata de sobreposição se áreas. Sétimo passo – Titulação do território A última fase do processo de titulação dos territórios quilombolas é o registro do território em nome da associação. O INCRA deverá ir no cartório de registro de imóveis onde se localiza o território quilombola e lá irá passar todo o território para o nome da associação quilombola. Feito o registro no cartório a comunidade receberá o título de propriedade definitiva do território. Em alguns casos, quando a comunidade ou parte dela estiver em áreas públicas como ilhas ou beira de rios a comunidade receberá um documento que equivale ao título de propriedade, mas não será propriamente proprietária dessas áreas. Isso pois determinadas áreas, como as ilhas, por definição da própria Constituição são de propriedade do Estado e não podem ser repassadas à associação. Nesses casos o documento fornecido pelo estado, que em geral se chama Concessão Real de Direito de Uso, equivale ao título de propriedade da área. Algumas considerações importantes sobre o processo de titulação. As fases do processo de titulação que acima estão expostas são um esquema simplificado do processo de titulação. Esse esquema simplificado é uma forma de explicar de forma didática o processo de titulação. Na prática, contudo, o processo é mais complexo. Um estudo aprofundado do Decreto Federal 4887/03 e da Instrução Normativa nº 57 do INCRA pode ajudar a compreender melhor o complexo processo de titulação dos territórios quilombolas. O estudo da IN 57 também traz importantes informações sobre o processo de titulação:
  • 32. Território quilombola: uma conquista cidadã 32 Novembro de 2012 Art. 9º - A identificação do território a ser titulado em favor da comunidade quilombola deve ser feito a partir de indicação da própria comunidade interessada. Ou seja, a delimitação dos limites do território deve ser feita com participação ativa da comunidade. Contudo, o território a ser titulado não é necessariamente igual à indicações feitas pela comunidade. Além das indicações o antropólogo tem que justificar a indicação do território com base no uso tradicional que a comunidade faz do território; Art. 10, § 5º - A comunidade quilombola tem o direito de apresentar documentos ao INCRA durante a fase de elaboração do RTID. Os documentos que a comunidade entender que são importante para o estudo antropológico ou outro que se fazem para o RTID devem ser levados em consideração pelo INCRA; Art. 10, § 6º - A comunidade quilombola tem direito de participar de todas as fases do processo de elaboração do RTID. Ela pode participar diretamente ou através de pessoas por ela indicadas, como antropólogos, advogados e engenheiros agrônomos de sua confiança, entre outros; Art. 10 § 7º - Antes de iniciada a elaboração do RTID a comunidade de tem o direito de ser informada de todas as fases do processo de titulação. Os funcionários do INCRA são os responsáveis por prestar todas as informações que forem necessárias à comunidade; Art. 10 § 7º - A comunidade tem direito de preservar sua intimidade, podendo não prestar determinadas informações que entender que não devem ser repassadas ao INCRA. Isso é um direito da comunidade e não pode ser usado para impedir a titulação. Esse direito existe pois durante a elaboração do RTID, especialmente do relatório antropológico, Serpa feita uma pesquisa sobre o modo de vida da comunidade e, às vezes, há coisas que a comunidade não quer contar; Art. 10 § 7º - A comunidade também tem o direito de autorizar ou não a utilização das informações contidas no RTID em estudos e pesquisas acadêmicas. Como a comunidade é dona de sua própria história pode proibir que os estudos feitos pelos funcionários do INCRA sejam usados para finalidades diversas da relacionada com o processo de titulação; Art. 10 § 7º, Art. 12 § 5º e art. 28 - A comunidade quilombola tem direito de ter acesso a todos os documentos que constem do processo de titulação, mesmo que esses documentos ainda não estejam formalmente colocados no processo do INCRA; Art. 24 – Todo o processo de titulação é gratuito, a comunidade não tem que pagar nada por isso.
  • 33. Território quilombola: uma conquista cidadã 33 Novembro de 2012 3.3 - Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (C 169 OIT) é uma lei internacional muito importante e com validade no Brasil. Ela se aplica a comunidades indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Essa lei é importante pois garante muitos direitos, aqui vamos abordar dois deles: direito à terra e direito à consulta livre, prévia e informada. Porque a Convenção 169 da OIT se aplica às comunidades quilombolas? A Convenção 169 da Organização Internacional do trabalho defini em seu artigo primeiro quem são os beneficiários dos direitos nela previstos. Assim está na convenção: Como se vê a convenção se aplica a dois grandes grupos que são denominados pelo texto de indígenas e tribais. Contudo, como se pode ver acima, não é o nome que a convenção deu a esses grupos (indígenas e tribais) que define a quem a convenção se aplica. Isto pois não seria possível colocar numa lei que vale em diversos países do mundo o nome de cada povo. Um exemplo dessa dificuldade é a própria designação de comunidades rurais afrodescendentes na América latina, pois no Brasil são chamadas de quilombolas e em outros países da América latina de palenques, cumbes, maroons e cimarrones. Assim, para observar quem são os beneficiários da convenção é necessário ver a definição que a própria convenção traz. É possível observar que a convenção tem dois grandes grupos e que em comuns esses grupos o fato de serem viverem total ou parcialmente por meio de seus próprios costumes ou tradições ou por uma legislação ou regulações especiais. A grande diferença entre os grupos está no fato de serem ou A 1. A presente Convenção aplica-se a; a) povos tribais em países independentes cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros segmentos da comunidade nacional e cuja situação seja regida, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por uma legislação ou regulações especiais; b) povos em países independentes considerados indígenas pelo fato de descenderem de populações que viviam no país ou região geográfica na qual o país estava inserido no momento da sua conquista ou colonização ou do estabelecimento de suas fronteiras atuais e que, independente de sua condição jurídica, mantêm algumas de suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas ou todas elas. 2. A autoidentificação como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério fundamental para a definição dos grupos aos quais se aplicam as disposições da presente Convenção.
  • 34. Território quilombola: uma conquista cidadã 34 Novembro de 2012 não a população que habitava o país quando do início do processo de colonização. É por essa diferença que a convenção diz que se aplica aos indígenas, que é o povo originário, e aos povos tribais que apesar de não serem originários vivem total ou parcialmente através de seus próprios costumes e em condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros segmentos da comunidade nacional. O Estado brasileiro já informou oficialmente à OIT que a convenção de aplica aos quilombolas, assim como a própria OIT também já se manifestou dizendo que também entende que a convenção se aplica aos quilobolas. Direito à Terra na convenção Além do art. 68 do ADCT da Constituição a C 169 OIT também garante aos quilombolas o direito à terra. Entre os artigos 13 e 19 da C 169 da OIT estão os importantes dispositivos que garantem acesso à terra Art. 13 – Neste ponto garante-se na aplicação da convenção o Estado deve respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possua sua a relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. Ou seja, essa parte do texto determina que o estado deve levar em consideração, para aplicar a convenção, que os quilombolas tem uma forma própria de se relacionar com a terra e isso deve ser respeitado. Assim, o Estado tem que respeitar, por exemplo, os valores espirituais que estão ligados ao território, diferente do que ocorre com a maior parte dos fazendeiros que só quer usar a terra para ganhar dinheiro. Art. 14 – Esse artigo determina que o Estado os direitos de posse e propriedade que as comunidades quilombolas tem sobre e aterra, complementando o que diz o art. 68 do ADCT da Constituição. Nesse mesmo artigo se vê que o Estado está obrigado a criar meios para efetivar esse direito, inclusive ajudando a proteger os quilombolas de ameaças ao território, como nos casos em que nau quilombola tentar se apropriar do território Art. 15 – essa parte do texto garante que além da terra as comunidades quilombolas tem direito sobre os recursos naturais que existam na terra e, assim, podem participar da utilização, administração e conservação dos recursos mencionados. Essa parte do texto da convenção também garante que os quilombolas devem ser consultados em caso de o estado querer explorar a mineração no território. Caso a mineração venha a ocorrer no território os quilombolas tem direito à participação nos lucros, assim como de indenização por prejuízos decorrentes da realização da mineração
  • 35. Território quilombola: uma conquista cidadã 35 Novembro de 2012 Art. 16 – Garante que em regra as comunidades quilombolas não podem ser retiradas de seu território. Nos casos em que a saída dos quilombolas do território for necessária só poderá com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de causa. Quando a comunidade não consentir com a saída do território, o Estado só poderá fazer a retirada após a realização do processo de consulta. Esse artigo também garante que as comunidades tem direito de voltar às suas terras quando isso for possível. Em caso de retirada forçada da comunidade do território o estado tem a obrigação de encontrar outra terra semelhante para que a comunidade viva. Art. 19 – garante que as comunidades quilombolas tem direito de acesso à terra que seja suficiente para a existência da comunidade, ai incluindo também questão relacionada com o aumento de número de pessoas na comunidade e a necessidade de mais terras. Direito de consulta livre prévia e informada na convenção Um dos mais importantes direitos previstos na convenção 169 da OIT está no art. 6º. Esse artigo garante que as comunidades quilombolas devem ser consultadas sempre que alguma medida administrativa ou legal for tomada pelo Estado e tenha possibilidade de afetar a vida da comunidade. Se esse direito for respeitado as comunidades quilombolas terão a oportunidade de participar das decisões do Estado que forem capazes de afetar a vida da comunidade. Por ser esse direito tão importante vale a pena transcrever o que está na convenção: “Artigo 6° 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.”
  • 36. Território quilombola: uma conquista cidadã 36 Novembro de 2012 Desse artigo se pode entender que; 1) O processo de consulta à comunidade tem que envolver uma instituição representativa, ou seja, a associação da comunidade. Não se pode, por exemplo, consultar apenas alguns membros da comunidade; 2) O Direito de consulta não será respeitado realizando-se apenas uma audiência pública. É necessário que o Estado realize a consulta através de um procedimento que possibilite ampla participação e tempo para que a comunidade realmente forme uma opinião sobre o tema em debate; 3) Para a realização do processo de consulta o Estado deve fornecer às comunidades meios para participação. Se por exemplo a realização da consulta envolver a construção de uma grande obra como uma barragem, o Estado te que dar à comunidade tempo para estudar o projetos e, se necessário, dar suporte técnico para que a comunidade consiga entender plenamente os impactos da obra; 4) Ad consultas devem ser feitas de modo a buscar um acordo com a comunidade. A consulta não pode ser feita apenas como se fosse um passo inevitável de, por exemplo, uma obra que vai ser feita com ou sem o consentimento da comunidade. Ocorre que esse direito de consulta não vem sendo respeitado pelo Estado brasileiro. Por mais de uma vez a Organização internacional do Trabalho recomendou ao Brasil o respeito ao direito de consulta. Por causa de várias pressões que o Brasil tem recebido para respeitar o direito de consulta, está em curso um processo de regulamentação desse direito de consulta. Como não existe atualmente uma regra para dizer como esse direito de consulta deve ser exercitado pela comunidade está sendo preparada uma regra que diga como as consultas devem ser feitas. A princípio essa regra deve ser definida até o fim do ano de 2013 e a participação das comunidades quilombolas é fundamental para que esse direito de consulta se efetive na prática. Questões para debate: A Convenção 169 da OIT, sendo uma lei, é respeitada e os direitos das comunidades quilombolas são realizados na prática? Se não há respeito, quem desrespeita? Diante do desrespeito à lei o que podem as comunidades quilombolas fazer?
  • 37. Território quilombola: uma conquista cidadã 37 Novembro de 2012 3.4 - Políticas públicas para efetivação dos direitos previstos na lei – Programa Brasil Quilombola Através das políticas públicas que o Estado se organiza para efetivar direitos reconhecidos na lei. Dessa forma, políticas públicas podem ser consideradas como conjuntos de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado, que direta ou indiretamente, para buscar a realização de um direito. Assim, para que o direito de acesso ao território das comunidades quilombolas seja efetivado é imprescindível a existência de uma política pública que trabalhe com esse objetivo. A política pública que trabalha com o tema quilombola de acesso à terra é o Programa Brasil Quilombola O Programa Brasil Quilombola5 foi lançado em 12 de março de 2004, com o objetivo de consolidar os marcos da política de Estado para as áreas quilombolas, constituindo a Agenda Social Quilombola, que agrupa as ações voltadas às comunidades em várias áreas: acesso a terra, saúde, educação, saneamento básico, eletrificação, entre outras, conforme segue: Eixo 1: ACESSO A TERRA – execução e acompanhamento dos trâmites necessários para a regularização fundiária das áreas de quilombo, que constituem título coletivo de posse das terras tradicionalmente ocupadas. O processo se inicia com a certificação da comunidades e se encerra na titulação, que é a base para a implementação de alternativas de desenvolvimento para as comunidades, além de garantir a sua reprodução física, social e cultural; Eixo 2: INFRAESTRUTURA E QUALIDADE DE VIDA – consolidação de mecanismos efetivos para destinação de obras de infraestrutura (habitação, saneamento, eletrificação, comunicação e vias de acesso) e construção de equipamentos sociais destinados a atender as demandas, notadamente as de saúde, educação e assistência social; Eixo 3: INCLUSÃO PRODUTIVA E DESENVOLVIMENTO LOCAL - apoio ao desenvolvimento produtivo local e autonomia econômica, baseado na identidade cultural e nos recursos naturais presentes no território, visando a sustentabilidade ambiental, social, cultural, econômica e política das comunidades; Eixo 4: DIREITOS E CIDADANIA - fomento de iniciativas de garantia de direitos promovidas por diferentes órgãos públicos e organizações da sociedade civil, estimulando a participação ativa dos representantes quilombolas nos espaços coletivos de controle e participação social, como os conselhos e fóruns locais e nacionais de políticas públicas, de modo a promover o acesso das comunidades ao conjunto das ações definidas pelo governo e seu envolvimento no monitoramento daquelas que são implementadas em cada município onde houver comunidades remanescentes de quilombos. 5 O texto abaixo é do site da SEPPIR
  • 38. Território quilombola: uma conquista cidadã 38 Novembro de 2012 Para o trabalho junto às comunidades quilombolas são utilizados alguns critérios de priorização: 1. Comunidades Quilombolas em situação de difícil acesso; 2. Comunidades Quilombolas impactadas por grandes obras; 3. Comunidades em conflitos agrários; 4. Comunidade sem acesso à água; 5. Comunidades sem energia elétrica; 6. Comunidades sem escola. As ações são executadas pelos 23 ministérios, que compõem o Comitê Gestor do Programa, sendo a coordenação geral de responsabilidade da SEPPIR em conjunto com a Casa Civil da Presidência da República, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério da Cultura e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A partir de novembro de 2011, por reivindicação da CONAQ, um representante quilombola passará a integrar o Comitê. A Gestão Descentralizada do PBQ ocorre com a articulação dos entes federados, a partir da estruturação de comitês estaduais. Sua gestão estabelece interlocução com órgãos estaduais e municipais de promoção da igualdade racial (PIR), associações representativas das comunidades quilombolas e outros parceiros não governamentais. A SEPPIR tem acompanhado e estimulado a instituição de Comitês Gestores Estaduais, sendo que ao longo de 2008 a 2010 foram formalizados 11 Comitês Estaduais: Amapá, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Sergipe Tocantins. Questões para debate: A existência do Programa Brasil Quilombola é importante? O Programa Brasil quilombola atinge seus objetivos? O que pode ser feito para aprimorar o Programa Brasil Quilombola?