O documento discute como a escola pode preparar melhor os estudantes para o mercado de trabalho. Mário Sérgio Cortella argumenta que a escola deve desenvolver habilidades como aprendizado contínuo, pensamento crítico e capacidade de trabalhar em equipe, ao invés de apenas transmitir informações. Também defende que a escola deve cuidar da formação integral do estudante, sem separar vida profissional e pessoal. Por fim, ele lista cinco competências essenciais: humildade, sinceridade, integridade, pluralidade e solidariedade.
1. Entrevista
[MÁRIO SÉRGIO CORTELLA]
O jovem de hoje descobre, cada vez efetivamente preparando os jovens
mais cedo, que não basta apenas para o mundo que o espera. O
ser um bom aluno e tirar boas no- mundo do trabalho, com suas ca-
tas para garantir um futuro profis- racterísticas e dinâmicas próprias,
sional de qualidade. Há uma série é totalmente diferente do mundo
de habilidades e competências que escolar. É possível aos educadores
devem ser desenvolvidas, já nessa fazer com que a escola, sem per-
fase, para que o estudante possa der a sua essência de formação
desenvolver-se pessoal e profissio- educacional, desenvolva habilida-
nalmente de maneira correta. des necessárias à sobrevivência do
É preciso avaliar se a escola está estudante no mundo real?
POR NAIRA PASSONI
| março 2008 13
2. ATIVIDADES & EXPERIÊNCIAS
O ser humano Atualmente, as organizações buscam
a rapidez das transformações impeça
uma previsão infalível sobre postos de
não deve se profissionais com dinamismo, auto- trabalho a ser sustentados com mais
nomia, habilidade para trabalhar em perenidade. Um exemplo? A indústria
considerar equipe. A escola de hoje forma um aeronáutica vivia um de seus melhores
qualificado, mas aluno com essas características? momentos em 2001; em setembro da-
MÁRIO SÉRGIO CORTELLA quele ano, um único e impactante fato
em permanente Nem sempre; algumas escolas estão ini- quebrou parte das empresas. Outro
estado de ciando agora um trabalho pedagógico
que escape de arcaísmos e, ao mesmo
exemplo? O agronegócio brasileiro se
deslocou fortemente para a produção
qualificação tempo, não deixe de proteger o tradicio- e exportação de grãos nos anos 1990;
nal. No mais das vezes a escolarização hoje, há uma substituição acelera-
pública ou privada é feita sem a eman- da por uso da terra na elaboração de
cipação epistemológica dos discentes, combustível vegetal.
fazendo, por isso, com que se tornem
meros depositários de informações acu- A&E A escolaridade básica deixou de
muladas em quantidades soterrantes. ser diferencial nos dias de hoje. Quais
habilidades devem ser desenvolvidas
A&E É papel da escola preparar o alu- para garantir a empregabilidade?
no para a vida profissional? CORTELLA A primeira delas é a ca-
CORTELLA A vida profissional é par- pacidade de estar permeável para o
te integrante da vida; desse modo, se- aprendizado contínuo; nenhum e ne-
ria estranho que a escola se omitisse nhuma de nós está mais qualificado,
nessa dimensão. Evidentemente, com e sim em “estado permanente de qua-
exceção das escolas de profissionali- lificação”. A segunda é aumentar ao
zação específica (que preparam mais máximo o repertório de conhecimen-
diretamente para trabalhar em algo), tos, por meio da ciência, da técnica,
cabe ao restante preparar para o Tra- da arte, da filosofia, etc; um diferen-
balho em geral. Uma sólida formação cial hoje é a criatividade e a iniciativa
científica, consciência crítica e autô- e essas decorrem de uma mente mais
noma e laços de cidadania e solidarie- multidisciplinar, capaz de enxergar
dade social são os elementos que aju- para além do óbvio.
dam nessa tarefa quando partilhados
com discentes. A&E A preocupação em preparar para
o lado profissional não deixa de lado a
A&E O bom resultado na escola ga- formação pessoal?
rante um bom lugar no mercado de CORTELLA Nós somos uma pessoa, e
trabalho? só uma; a isso chamamos “indivíduo”,
CORTELLA De forma alguma. O bom ou seja, o que não se divide. Por isso,
resultado na escola é pré-requisito não existe vida “profissional”, vida
para o aproveitamento de oportuni- “familiar”, vida “pessoal”. O que há é
dades melhores, mas não há garantia a vida da pessoa, com inúmeras ocor-
em um mercado volátil e que se altera rências concomitantes. Uma escola
com velocidade. O mercado tem in- que ajude a preparar para um aspecto
terfaces com o deslocamento do Ca- exclusivo e imediatista, está falhando
pital pelo planeta, o que faz com que na tarefa da formação integral.
14 março 2008 |
3. A&E O que a escola deve fazer para A&E Os professores estão preparados
não perder sua essência a ainda assim para lidar com essas mudanças?
adequar-se aos novos tempos? CORTELLA Uma pessoa inteligente
CORTELLA A Escola é uma institui- e crítica, sendo professor ou não, está
ção social cuja essência fulcral é a ca- sempre preparada quando se dispõe
pacidade de cuidar: cuidar do conhe- a preparar-se continuamente. Se eu
cimento, cuidar do futuro, cuidar da supuser que já sei o que preciso para
cidadania, cuidar da educação esco- ser docente, esqueci-me que atuamos
lar como instância de formação. Hoje com Vida, e Vida é Processo, e Proces-
temos, inclusive na escola, muitos so é Mudança. Então, não preciso es-
“descuidos”, oriundos especialmente tar “partindo” o tempo todo, mas, isso
de uma certa arrogância de muitos sim, ficar em estado de prontidão para
de nós que, em um mundo de veloz quando for necessário partir...
mudança, supõe já saber o que faz. MARIO SERGIO CORTELLA, filósofo,
com Mestrado e Doutorado em Educa-
Esquece-se (e aí a essência se perde) A&E Para finalizar. Quais competên- ção, professor titular do Departamento
que só é um bom ensinante quem cias os alunos devem desenvolver de Teologia e Ciências da Religião e
da Pós-Graduação em Educação (Cur-
também for um bom aprendente, e para o mercado de trabalho? rículo) da PUC-SP (na qual atua desde
temos muito a aprender. CORTELLA Cinco competências es- 1977); docente convidado da Funda-
ção Dom Cabral e do Gvpec/FGV-SP.
senciais necessitam estar presentes Foi Secretário Municipal de Educação
A&E Como as escolas acompanham entre docentes e discentes: humildade, de São Paulo (1991/1992) e é autor,
entre outras obras, de “A Escola e o
as transformações do mercado de sinceridade, integridade, pluralidade e Conhecimento” (Cortez), “Não Espere
trabalho? As instituições de ensino solidariedade. Humildade para saber pelo Epitáfio...” (Vozes), “Não Nasce-
mos Prontos!” (Vozes), e “Qual é a tua
sabem como incentivar os diferentes que somos qualificantes, em vez de já Obra: Inquietações Propositivas sobre
direcionamentos profissionais? qualificados; sinceridade para impe- Gestão, Liderança e Ética” (Vozes).
CORTELLA Muitas escolas fazem um dir ilusionismos que inundam as pro-
trabalho sério e contínuo de esclareci- messas de um mercado não sempre
mento dos discentes e das famílias. É acolhedor; integridade para recusar a
preciso lembrar que nos nossos novos idéia maléfica do “fazemos qualquer
tempos não há mais uma correspon- negócio”; pluralidade para favorecer o
dência linear entre “graduação” e “car- convívio com as diferenças e o acolhi-
reira”, isto é, nem sempre o curso su- mento das diversidades; solidarieda-
perior feito será traduzido em carreira de, para não abandonarmos o máxima
naquela área. A complexificação do da vida cooperativa: Ex pluribus unum
mercado de trabalho está conduzindo (Um por todos; Todos por um).
mais a uma preocupação com funções
do que com cargos. Desse modo, a
escola mais cuidante promove semi-
nários, chama profissionais, provo-
ca debates em torno da temática das
carreiras e profissões. Não há como a
escola estar acompanhando passo a
passo o mercado, por serem instâncias
com dinâmicas diferentes; o mercado
muda de hoje para amanhã, enquanto
a escola lida com gerações e com um
tempo que não é tão elástico.
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