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NO FIM DÁ CERTO
                                                                        Fernando Sabino

       AINDA bem que já não se fala no malfadado livro “A Lei de Murphy e
Outros Motivos Por Que Tudo Dá Errado”. É uma lei segundo a qual, por
exemplo, seja qual for a fila em que você estiver, a outra andará mais rápido;
todo arame cortado do tamanho indicado será curto demais; toda entrega de
mercadoria que normalmente levaria um dia, levará cinco quando dependemos
dela; todo telefonema importante vem no momento exato ( ou pior, um minuto
depois) em que o interessado se sentou no vaso sanitário.

       Quanto a este exemplo escatológico de incidência da famigerada lei,
entretanto, o advento do telefone sem fio, podendo ser levado para o banheiro,
representou uma forma segura de neutralizá-la.

        De minha parte, poderia mencionar outras instâncias em que prevalece
a Lei de Murphy, nos inconvenientes que somos forçados a enfrentar ao longo
do dia – e principalmente da noite. Houve uma época em que eu acreditava
seriamente haver o demônio designado um de seus menos categorizados
capetas do inferno, verdadeiro fichinha das maquinações diabólicas, para ficar
aqui pela terra mesmo, incumbido da mesquinha missão de nos infernizar a
vida em pequenos acidentes cotidianos: seria ele o inventor do famoso ferrinho
de dentista. É quem nos faz pisar em cocô de cachorro, ser atingido por um
perdigoto e ter de continuar a conversar como se nada houvesse acontecido,
responder a um cumprimento dirigido a alguém atrás de nós, dar aquele
ridículo pulinho no meio da rua ao ouvir uma buzinada às nossas costas, ou
aquela patada no chão ao fim da escada pensando ainda haver um degrau,
encontrar um fio de cabelo na sopa em jantar de cerimônia, despencar de
cabeça no abismo das gafes imperdoáveis, enfim: expor-nos diariamente a
pequeninos tormentos diabólicos. Mas resolvi mandar o diabo ao diabo, e
desmoralizar seus enredos infernais.

       Agora volta ele, encarnado nesse Murphy e sua lei abominável.

        Pois me disponho a enfrentá-lo, lançando os fundamentos das Lei Anti-
Murphy, cujos corolários serão por mim oportunamente enunciados. Por ora me
limito a colher inspiração em fonte mais que judiciosa, qual ser a que emanava
da sabedoria de meu pai, cujos oito baixos sempre respeitei. São os princípios
otimistas da Lei de Seu Domingos que não me cansou de enaltecer (Como
Dizia Meu Pai, em “A Volta Por Cima”), e que aqui enumero, devidamente
resumidos:

     1 – As coisas são como são e não como deviam ser – e muito menos
como gostaríamos que elas fossem.
5º Encontro de Diretores – Municipio de Francisco Morato – 23/08/2011
Leitura feita pela formadora: Débora Martins
2 – O que não tem solução, solucionado está – não adianta gastar boa
vela com mau defunto.

      3 – Se quiser que alguma coisa mude, e não puder fazer nada, espere,
que ela mudará por si.

       4 – Toda mudança é para melhor: se mudou, é porque não deu certo.

       5 – Mais vale passar por um apertinho agora que por um apertão o resto
da vida.

       6 – Antes de entrar, veja por onde vai sair.

       7 – Faça somente o que gosta. Para isso, passe a gostar do que faz.

       8 – Trate os outros como gostaria de ser tratado.

       9 – Não se deve aumentar a aflição dos aflitos.

       10 – A única forma de resolver um problema nosso é resolver primeiro o
do outro.

       Os dois últimos princípios decorrem daquela sábia observação de Carlos
Drummond, no filme que fiz sobre ele, e que até parece inspirada por meu pai:
não exigir das pessoas mais do que elas podem dar. Eu acrescentaria o que
resolvi assumir a partir de hoje: todo mundo tem seu lado bom, ainda que
pequenino; descobrir o de cada um com quem temos de conviver e não sair
dele.

       Seu Domingos jamais deixaria levar por esse murphysmo nefando que
tenta se impor em nossos dias. Sem saber, enunciava a fórmula capa de
exterminá-lo, quando dizia, de maneira ponderada e categórica, ensinando-me
a ter paciência:

      - Meu filho, tudo nesse mundo no fim dá certo. Se não deu, é porque
ainda não chegou ao fim.




       SABINO,Fernando.No fim dá certo:Se não deu, é porque não chegou ao
fim.10ªed.-Rio de Janeiro:Record,2007




5º Encontro de Diretores – Municipio de Francisco Morato – 23/08/2011
Leitura feita pela formadora: Débora Martins

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A Lei Anti-Murphy de Seu Domingos

  • 1. NO FIM DÁ CERTO Fernando Sabino AINDA bem que já não se fala no malfadado livro “A Lei de Murphy e Outros Motivos Por Que Tudo Dá Errado”. É uma lei segundo a qual, por exemplo, seja qual for a fila em que você estiver, a outra andará mais rápido; todo arame cortado do tamanho indicado será curto demais; toda entrega de mercadoria que normalmente levaria um dia, levará cinco quando dependemos dela; todo telefonema importante vem no momento exato ( ou pior, um minuto depois) em que o interessado se sentou no vaso sanitário. Quanto a este exemplo escatológico de incidência da famigerada lei, entretanto, o advento do telefone sem fio, podendo ser levado para o banheiro, representou uma forma segura de neutralizá-la. De minha parte, poderia mencionar outras instâncias em que prevalece a Lei de Murphy, nos inconvenientes que somos forçados a enfrentar ao longo do dia – e principalmente da noite. Houve uma época em que eu acreditava seriamente haver o demônio designado um de seus menos categorizados capetas do inferno, verdadeiro fichinha das maquinações diabólicas, para ficar aqui pela terra mesmo, incumbido da mesquinha missão de nos infernizar a vida em pequenos acidentes cotidianos: seria ele o inventor do famoso ferrinho de dentista. É quem nos faz pisar em cocô de cachorro, ser atingido por um perdigoto e ter de continuar a conversar como se nada houvesse acontecido, responder a um cumprimento dirigido a alguém atrás de nós, dar aquele ridículo pulinho no meio da rua ao ouvir uma buzinada às nossas costas, ou aquela patada no chão ao fim da escada pensando ainda haver um degrau, encontrar um fio de cabelo na sopa em jantar de cerimônia, despencar de cabeça no abismo das gafes imperdoáveis, enfim: expor-nos diariamente a pequeninos tormentos diabólicos. Mas resolvi mandar o diabo ao diabo, e desmoralizar seus enredos infernais. Agora volta ele, encarnado nesse Murphy e sua lei abominável. Pois me disponho a enfrentá-lo, lançando os fundamentos das Lei Anti- Murphy, cujos corolários serão por mim oportunamente enunciados. Por ora me limito a colher inspiração em fonte mais que judiciosa, qual ser a que emanava da sabedoria de meu pai, cujos oito baixos sempre respeitei. São os princípios otimistas da Lei de Seu Domingos que não me cansou de enaltecer (Como Dizia Meu Pai, em “A Volta Por Cima”), e que aqui enumero, devidamente resumidos: 1 – As coisas são como são e não como deviam ser – e muito menos como gostaríamos que elas fossem. 5º Encontro de Diretores – Municipio de Francisco Morato – 23/08/2011 Leitura feita pela formadora: Débora Martins
  • 2. 2 – O que não tem solução, solucionado está – não adianta gastar boa vela com mau defunto. 3 – Se quiser que alguma coisa mude, e não puder fazer nada, espere, que ela mudará por si. 4 – Toda mudança é para melhor: se mudou, é porque não deu certo. 5 – Mais vale passar por um apertinho agora que por um apertão o resto da vida. 6 – Antes de entrar, veja por onde vai sair. 7 – Faça somente o que gosta. Para isso, passe a gostar do que faz. 8 – Trate os outros como gostaria de ser tratado. 9 – Não se deve aumentar a aflição dos aflitos. 10 – A única forma de resolver um problema nosso é resolver primeiro o do outro. Os dois últimos princípios decorrem daquela sábia observação de Carlos Drummond, no filme que fiz sobre ele, e que até parece inspirada por meu pai: não exigir das pessoas mais do que elas podem dar. Eu acrescentaria o que resolvi assumir a partir de hoje: todo mundo tem seu lado bom, ainda que pequenino; descobrir o de cada um com quem temos de conviver e não sair dele. Seu Domingos jamais deixaria levar por esse murphysmo nefando que tenta se impor em nossos dias. Sem saber, enunciava a fórmula capa de exterminá-lo, quando dizia, de maneira ponderada e categórica, ensinando-me a ter paciência: - Meu filho, tudo nesse mundo no fim dá certo. Se não deu, é porque ainda não chegou ao fim. SABINO,Fernando.No fim dá certo:Se não deu, é porque não chegou ao fim.10ªed.-Rio de Janeiro:Record,2007 5º Encontro de Diretores – Municipio de Francisco Morato – 23/08/2011 Leitura feita pela formadora: Débora Martins