Neste módulo, principia-se com a apresentação das várias teorias filosóficas que foram propostas para explicar a interacção entre a mente e o corpo, e como este problema da interacção entre mente e corpo surge com o dualismo de René Descartes (1596-1650). Explica-se que a filosofia aristotélico-tomista não cria problemas de interacção entre mente e corpo porque não considera a mente e o corpo como duas substâncias distintas, mas sim como aspectos diferentes de uma mesma substância. De seguida, analisam-se as diferenças fundamentais entre a inteligência humana e a dita "inteligência artificial", mostrando-se como apenas a primeira é genuína inteligência. Hoje em dia, pessoas com pouca ou nenhuma formação em informática ou em engenharia acabam por ficar reféns dos erros e exageros de alguns entusiastas que defendem que uma máquina pode possuir genuína inteligência. Posteriormente são listados vários problemas do fisicalismo, a teoria em filosofia da mente que defende que a inteligência humana é um fenómeno redutível à física e, portanto, algo explicável sem ser necessário supor a imaterialidade da mente. No capítulo final deste módulo, apresenta-se o argumento contra o fisicalismo proposto pelo filósofo John Lucas (“Minds, Machines and Gödel”, 1961) e que se baseia nos Teoremas da Incompletude que o matemático Kurt Gödel (1906-1978) formulou em 1931. O módulo conclui com o argumento aristotélico defendido pelo filósofo David Oderberg (1963-) a favor da imortalidade da alma humana ("Real Essentialism", 2007).
2. Curso Ciência e Fé
I – Introdução
II – Filosofia Grega e Cosmologia Grega
III – Filosofia Medieval e Ciência Medieval
IV – Inquisição e Ciência
V e VI – O Caso Galileu
VII – A Revolução Científica
VIII – Darwin e a Igreja Católica
IX – Os Argumentos Cosmológico e Teleológico
X – Filosofia da Mente e Inteligência Artificial
XI – Milagres e Ciência
XII – Concordância entre Cristianismo e Ciência
3. 3
1. Introdução
2. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
3. Problemas do fisicalismo
4. O argumento de Lucas-Penrose
5. Conclusão
Índice
4. Introdução
Thomas Nagel (1937-), importante filósofo norte-americano e ateu
Mind & Cosmos (2012)
"Why the materialist neo-darwinian conception of Nature
is almost certainly false"
5. Introdução
Thomas Nagel (1937-), importante filósofo norte-americano e ateu
«I speak from experience, being strongly subject to this fear myself:
I want atheism to be true and am made uneasy by the fact that
some of the most intelligent and well-informed people I know are
religious believers. It isn't just that I don't believe in God and,
naturally, hope that I'm right in my belief. It's that I hope there is no
God! I don't want there to be a God; I don't want the universe to be
like that. My guess is that this cosmic authority problem is not a rare
condition and that it is responsible for much of the scientism and
reductionism of our time. One of the tendencies it supports is the
ludicrous overuse of evolutionary biology to explain everything about
human life, including everything about the human mind.» - The Last
Word, Oxford University Press, 1999, pp. 130-131.
6. Teorias mente-corpo
Monistas: não há distinção essencial entre mente e corpo
Fisicalismo: o ser humano é totalmente físico, inclusive a mente humana
Reducionista: tudo o que é mental pode ser descrito de forma física ou material
Outros tipos de monismo (por exemplo: idealismo, advaita-vedanta hindu, etc.)
Dualistas: há distinção essencial entre mente e corpo
Dualismo substancial: mente e corpo são substâncias distintas (Descartes)
Dualismo hilemórfico: mente e corpo são aspectos distintos de uma só substância (Aristóteles)
Dualismo de propriedades: existem propriedades físicas e mentais, mas apenas substância física:
As propriedades (ou eventos) mentais são distintas das propriedades (ou eventos) físicas
As propriedades (ou eventos) mentais são irredutíveis a algo físico ou material
No entanto, as propriedades (ou eventos) mentais são inerentes a uma substância física
Introdução
66
7. O dualismo de René Descartes (1596-1650)
Dualismo substancial: o ser humano é composto por duas substâncias:
“res cogitans”, ou “coisa pensante”: a mente imaterial
“res extensa”, ou “coisa extensa”: o corpo material
A interacção entre mente e corpo ocorreria através da glândula pineal
No aristotelismo-tomismo, a alma é a forma substancial do ser humano…
… mas no dualismo cartesiano, a alma é uma substância distinta do corpo
Descartes via o corpo como uma máquina e não como um organismo
Problemas do dualismo cartesiano:
O problema da interacção corpo-mente: se são substâncias distintas como podem interagir?
Como é que a mente actua sobre o corpo?
Como é que certos estados mentais apresentam correlação com certa actividade neuronal?
Porque é que, por vezes, ficamos totalmente inconscientes (por exemplo, quando desmaiamos)?
Porque é que certos danos cerebrais afectam certas faculdades mentais, como a memória?
Introdução
7
O dualismo hilemórfico (aristotélico-tomista) não tem estes problemas!
7
8. Psicologia aristotélico-tomista
São Tomás distingue, na psique humana:
Operações imateriais do intelecto
Operações corpóreas de percepção, memória e imaginação
A compreensão de um conceito preciso, abstracto e universal decorre a par e par com a imaginação, ou
seja, a formação de uma imagem (“phantasma”) a partir de dados sensoriais
Exemplo: o conceito de triangularidade é preciso, abstracto e universal (e por isso é imaterial), mas é
formado através da imaginação e em colaboração com ela, o que requer processos materiais (neuronais)
Não conseguimos inteligir ou pensar sem usar o nosso cérebro (ele é necessário) e sem manipular
informação sensorial, mas o nosso inteligir e o nosso pensar não são redutíveis ao nosso cérebro
O aristotelismo-tomismo prevê correlação entre a actividade intelectual e a actividade neuronal
(activação de zonas específicas do cortex cerebral), mas a primeira não se reduz à segunda
Introdução
8
«No presente estado da vida no qual a alma está unida a um corpo passível, é impossível ao nosso
intelecto entender actualmente alguma coisa, excepto recorrendo aos fantasmas» - Summa Theologica,
Primeira Parte, Questão 84, Artigo 7º.
No futuro, a neurociência poderá aceder a, ou mesmo provocar, imagens dentro do nosso
cérebro mas não acederá a pensamentos abstractos ou universais (como, por exemplo,
quando pensamos nos princípios da Lógica ou na definição do número “pi”)
8
9. 9
Realidade fora
da mente
Conceitos reais (dentro da mente, mas de certa forma
também fora da mente)
Dentro da mente
mas não fora da
mente
DOMÍNIO
PERCEPTUAL
CONCEITOS FÍSICOS CONCEITOS LÓGICOS
OBSERVÁVEIS MÉTRICOS TEÓRICOS
P
~ P
P ∧ Q
P Q, Q, Q
P Q, ~ Q, ~ P
Este enxofre
amarelo
enxofre,
amarelo,
elemento
5745 Å
molécula,
electrão,
partículas-onda
Esta bola de
chumbo
chumbo,
pesado,
quente
7,2 cm, 524 g., 70 °C
força gravítica,
calórico
Este planeta
Marte
planeta,
movimento,
órbita oval
elipse
excêntricos,
epiciclos, espaço-
tempo
Este mamífero
marinho
mulher, peixe,
dungongo
sereia
CONCEITOS MATEMÁTICOS
esfera, cinco, conjunto
Zero
Conjunto vazio
Introdução
11. 11
1. Introdução
2. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
3. Problemas do fisicalismo
4. O argumento de Lucas-Penrose
5. Conclusão
Índice
11
13. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
Uma calculadora tem milhares de interruptores…
Será inteligente?
13
14. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
Um computador tem milhões de interruptores…
Será inteligente?
14
15. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
Um computador tem milhões de interruptores… será inteligente?
Transístores: interruptores de alta frequência
15
16. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
Um computador tem milhões de interruptores… será inteligente?
Dos transístores aos cálculos…
Circuitos de transístores permitem implementar qualquer operação lógico-matemática
Nos exemplos abaixo, implementam-se as operações lógicas “E” e “OU”
As entradas lógicas “Verdadeiro” e “Falso” correspondem a tensões eléctricas de +5V e 0V
Em álgebra booleana, “Verdadeiro” é “1” e “Falso” é “0”
Entrada “a” Entrada “b” Saída F=A E B Saída F=A OU B
Falso
(0 = 0V)
Falso
(0 = 0V)
Falso Falso
Falso
(0 = 0V)
Verdadeiro
(1 = +5V)
Falso Verdadeiro
Verdadeiro
(1 = +5V)
Falso
(0 = 0V)
Falso Verdadeiro
Verdadeiro
(1 = +5V)
Verdadeiro
(1 = +5V)
Verdadeiro Verdadeiro
16
17. Todas as funções são computáveis
“Inteligência Artificial” não é inteligência
Processos materiais (electrónica)
Dependência de um intelecto humano
Redutível uma descrição física
“Inteligência” artificial
Resolver problemas aritméticos
Processar e manipular informação
Executar processos cujos objectivos
são pré-programados por um ser humano
Memorizar dados com maior eficiência
e capacidade de armazenamento
Sintaxe sem semântica
Inteligência humana
Compreender (ou entender)
Aplicar conhecimento a novos problemas
Intuir (p.ex.: leis do Universo)
Criar (música, poesia, pintura, etc.)
Pensar em modo abstracto (matemática,
filosofia, linguística, etc.)
Sintaxe e semântica
Nem todas as funções são computáveis
Genuína inteligência
Processos imateriais e materiais
Independência intelectual
Irredutível a uma descrição física
Inteligência Artificial e Inteligência Humana
17
18. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
Existe semântica num computador?
A semântica é uma área da linguística que estuda o significado
A semântica estuda a relação entre símbolos ou signos, e o seu significado
Será que o significado é acessível a um computador, ou a um programa informático?
Circulou pela Internet a mentira de que dois engenheiros da Intel (ex-trabalhadores da Motorola) teriam
gravado a mensagem “Bill sux” num “chip” de um processador (CPU) Pentium da Intel
Apesar de falsa, esta história relembra-nos duas coisas fundamentais:
Um CPU (unidade de processamento central) é feito de silício, óxido de cobre, germânio, etc.
Apenas um intelecto humano pode atribuir significado à mensagem “Bill sux”!
A mensagem “Bill sux” está instanciada no “chip”, mas o seu significado só é acessível a uma mente 18
19. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
Inteligência Animal e Inteligência Humana
A “inteligência” dos primatas não humanos
São muito mais sofisticados que um computador
Podem ser “ensinados” a reagir a uma vasta gama de estímulos
Pode-se falar de finalidade no comportamento animal, mas não de racionalidade
Podem memorizar uma linguagem gestual simplificada, e usá-la para comunicar
desejos ou reagir instintivamente a objectos ou situações
Especialistas de relevo negam que isto reflicta compreensão intelectual
Por exemplo, linguistas de relevo que são ateus: Noam Chomsky, Steven Pinker
A inteligência humana está noutro patamar, e isso vê-se, por exemplo, na Matemática:
Números naturais: 1, 2, 3, 4, …, 1000, 1001, …
Números pares: 2, 4, 6, 8, 10, ….
Números primos: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, …
N / ∞ = 0, e outras verdades matemáticas abstractas do mesmo género
O ser humano compreende conceitos abstractos, mesmo conceitos sem quaisquer
instâncias materiais, e depois sabe aplicar os conceitos que compreendeu a novas situações
19
20. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
O teste de Touring e a inteligência artificial
Alan Touring (1912-1954), matemático inglês
“Computing Machinery and Intelligence”, artigo na revista “Mind” (1950)
Touring propõe um teste para detectar comportamento inteligente por parte de
uma máquina: basta que ela se comporte, de certo modo, como um ser humano
Touring quer chegar a um novo conceito de inteligência aplicável a máquinas
No diagrama, o teste está simplificado: C joga contra A ou B e não os distingue
O teste de Touring não estabelece se uma máquina é inteligente, mas sim se
a máquina se comporta, de certo modo, como um ser humano
«Não é difícil imaginar uma máquina que jogará, não muito mal, um jogo
de xadrez. Agora, tomem-se três homens como sujeitos de uma
experiência. A, B e C. A e C são maus jogadores de xadrez e B é o
operador que manuseia a máquina. Duas salas são usadas de forma a
permitir a comunicação [entre elas] dos movimentos [do xadrez], e um
jogo é jogado entre C e, quer A, quer a máquina [através de B]. C pode
achar difícil distinguir contra quem é que está a jogar.» (1948)
20
21. Inteligência humanaInteligência humana
Perspectiva fisicalista
O cérebro é necessário e suficiente
Mente / intelecto = cérebro em operação
Perspectiva cristã
O cérebro é necessário mas não suficiente
Mente / intelecto ≠ cérebro em operação
Cérebro material
Mente / intelecto imaterialCérebro material
A mente / intelecto reduz-se
à actividade neurológica
«(…) temos que reconhecer que somos seres espirituais com almas existindo num
mundo espiritual assim como seres materiais com corpos existindo num corpo
material.» - Sir John Eccles (1903-1997), Prémio Nobel em “Fisiologia ou Medicina”
(1963), citação de “Evolution of the Brain, Creation of the Self”, p. 241
Inteligência Artificial e Inteligência Humana
21
22. 22
1. Introdução
2. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
3. Problemas do fisicalismo
4. O argumento de Lucas-Penrose
5. Conclusão
Índice
22
23. O problema da circularidade
O fisicalismo implica circularidade quando analisamos o nosso próprio cérebro
Os conceitos abstractos seriam redutíveis à matéria cerebral (totalmente explicados nela)
A matéria cerebral seria “compreendida” através desses conceitos abstractos
O conceito de “neurónio”…
… seria redutível a processos
electroquímicos no cérebro
E um neurónio é…
… a célula base dos processos
electroquímicos no cérebro
Problemas do fisicalismo
23
24. O problema dos conceitos abstractos
O intelecto humano é capaz de compreender conceitos abstractos (p. ex.: “esfericidade”, ou “tempo”) de
tal forma gerais que estes representam uma quantidade ilimitada e inesgotável de instâncias concretas
Mas esses conceitos abstractos não se reduzem à soma de todas as instâncias concretas (materiais)
Instâncias concretas
(limite definido)
O Sol, a Lua, etc.
Esta laranja, aquela meloa, etc.
Esta bola de futebol, etc.
Este balão de água, etc.
Este relógio de ponteiros
Este relógio digital
Aquele despertador
Aquela agenda electrónica
Conceito abstracto
(limite indefinido)
Esfericidade
Tempo
Problemas do fisicalismo
Certas operações intelectuais, como a compreensão de conceitos abstractos,
não são redutíveis à matéria ou a processos meramente físicos
24
25. O problema do livre arbítrio
Na Natureza, há sistemas determinísticos e estocásticos:
Determinísticos: os estados futuros do sistema não dependem de factores aleatórios
Exemplo: atracção mútua entre partículas com massa
Exemplo: atracção mútua entre partículas com carga eléctrica oposta
Em geral, qualquer sistema físico descrito por equações diferenciais
Estocásticos: os estados futuros do sistema dependem de factores aleatórios
Exemplo: intensidade e direcção do vento numa tempestade
Exemplo: velocidade e direcção do movimento das moléculas de ar dentro de um pneu
Exemplo: expressão génica (produção de proteínas a partir do ADN)
Segundo o fisicalismo, todas as decisões humanas deveríam ser explicáveis cientificamente:
Serão transições entre estados num sistema determinístico?
Serão transições entre estados num sistema estocástico?
Serão transições entre estados num sistema parte determinístico, parte estocástico?
As opções parecem insuficientes: as nossas decisões não estão pré-determinadas nem são aleatórias!
Problemas do fisicalismo
O fisicalista nega o livre arbítrio, apesar de todos os dias tomar decisões livres!
25
26. O problema do conceito de verdade
O fisicalista identifica a sua actividade intelectual com a sua actividade neuronal
Logo, toda a sua actividade intelectual (neuronal) tem que ser:
Determinística: actividade intelectual (neuronal) descrita por um sistema físico determinístico
Estocástica: actividade intelectual (neuronal) descrita por um sistema físico estocástico
Uma combinação de ambos os tipos
Por outras palavras, toda a actividade intelectual (neuronal) reger-se-ia segundo as leis da Física
Por isso, quando pensamos ou afirmamos alguma coisa, seríamos apenas um sistema físico a operar
Se assim fosse, porque é que a operação do nosso cérebro conduziria a ideias verdadeiras?
Uma ideia, necessariamente gerada por um intelecto, é verdadeira se corresponder à realidade
Para “procurar” uma verdade, o intelecto tem que ter uma certa liberdade face às leis da Física
É inútil contra-argumentar dizendo que a evolução biológica leva ao surgimento de seres inteligentes
Se somos máquinas biológicas regidas pelas leis da Física não podemos defender tese alguma
Se o fisicalista quer ser coerente, tem que dizer que o seu fisicalismo é o resultado das leis da Física
O fisicalista, se quiser ser coerente, não tem condições epistémicas para pretender ter razão
Problemas do fisicalismo
O fisicalismo refuta-se a si mesmo: destrói qualquer certeza intelectual!
26
27. Problemas do fisicalismo
O problema da intencionalidade
P: O João tem toda a colecção de filmes da série “James Bond”
Como se explica a intenção do João?
Explicação científica (ou empírica): explica as causas materiais e eficientes
Em casa do João há uma gaveta adequada para guardar DVDs
Nessa gaveta há 22 DVDs diferentes da série “James Bond”
A série “James Bond” conta com 22 filmes, e todos foram editados em DVD
Os 22 DVDs são propriedade do João (ele guardou os talões de compra)
Logo, o João tem toda a colecção de filmes da série “James Bond”
A explicação científica não explica a intenção do João!
Explicação pessoal (ou intencional): explica as causas finais
O João é um fã da série “James Bond”
O João gosta de rever os filmes, e por isso, comprou a colecção toda
As explicações pessoais não se reduzem a explicações científicas!
27
28. O problema da criatividade
Robô PR2 a jogar “snooker”, um projecto da equipa Willow Garage (www.willowgarage.com)
Toda a “criatividade” do PR2 tem origem humana: é incorrecto dizer ele é criativo na forma como joga
A liberdade do PR2 é uma ilusão: está totalmente condicionada pelos objectivos que lhe deram
Problemas do fisicalismo
28
29. O problema da criatividade
A violinista polaca Ida Haendel (1928-) a executar o primeiro andamento do Concerto para Violino e
Orquestra em Ré menor, Op. 47, do compositor finlandês Jean Sibelius (1865-1957)
Por volta dos 5 minutos e 20 segundos, vê-se que Ida Haendel verte uma lágrima
Este tipo de criatividade artística e expressão livre das emoções é impossível para qualquer máquina
Problemas do fisicalismo
29
30. 30
1. Introdução
2. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
3. Problemas do fisicalismo
4. O argumento de Lucas-Penrose
5. Conclusão
Índice
30
31. Teoremas da Incompletude (1931) de Kurt Gödel (1906-1978)
Os antecessores de Kurt Gödel: Frege, Russell e Hilbert
Gottlob Frege (1848-1925)
Na sua obra Fundamentos da Aritmética, propõe um sistema
axiomático para formalizar a aritmética e a álgebra
Bertrand Russell (1872-1970)
Co-autor (com Alfred North Whitehead) dos Principia Mathematica
Aponta uma inconsistência fatal na obra de Frege, o chamado
“Paradoxo de Russell” (conjunto R com todos os conjuntos R’
que não são membros deles próprios: será que R pertence a R’?)
Russell: «O barbeiro faz a barba a todos os homens da aldeia que
não se barbeiam a eles mesmos: mas quem barbeia o barbeiro?»
David Hilbert (1862-1943)
Em 1928, lança o desafio de formalizar a Matemática, com o
objectivo de demonstrar que era formalmente completa e consistente
O argumento de Lucas-Penrose
31
32. Teoremas da Incompletude (1931) de Kurt Gödel (1906-1978)
Um sistema formal é como um jogo com regras e axiomas
Seguem-se as definições de algumas propriedades desejáveis para sistemas formais…
Completude
Num dado sistema formal, todas as proposições sintacticamente válidas são
dedutíveis a partir dos axiomas e usando as regras do sistema
Consistência
Num dado sistema formal, não é possível deduzir simultaneamente P e ~P - ou
seja, um sistema é inconsistente se permitir deduzir P e ~P a partir dos seus
axiomas, e usando correctamente as suas regras
Decidibilidade
Num dado sistema formal, uma proposição P é decidível se for possível prová-la
a partir dos axiomas e usando as regras do sistema
O argumento de Lucas-Penrose
32
33. Teoremas da Incompletude (1931) de Kurt Gödel (1906-1978)
O que Kurt Gödel provou…
Num sistema formal consistente apenas com regras básicas de lógica e de aritmética…
… é possível encontrar proposições que não podem ser nem provadas nem
refutadas partindo dos axiomas e usando as regras internas do sistema –
proposições indecidíveis
… e Gödel demonstrou matematicamente que tais proposições são verdadeiras!
Um sistema formal só seria completo se não contivesse proposições indecidíveis…
Logo: 1) não há sistemas formais consistentes e completos
Logo: 2) um sistema formal ou é inconsistente ou é incompleto
Não é possível provar a completude de um sistema formal
consistente usando os seus axiomas e as suas regras internas!
O argumento de Lucas-Penrose
33
34. Consequências dos Teoremas da Incompletude de Kurt Gödel
Para a Matemática…
Destroem o sonho “hilbertiano” de formalizar completamente a Matemática
Para a Física…
Uma vez que qualquer teoria física assenta em modelos matemáticos, criam graves
problemas para a tão procurada “Teoria de Tudo” – será talvez possível formulá-la, mas
nunca demonstrar que tal teoria é a “teoria final”
Para a Mente Humana…
Sustentam o argumento do filósofo John Lucas (1929-) contra a teoria de que a mente
humana é apenas um “software” a correr dentro de um computador biológico (cérebro)
John Lucas, “Minds, Machines and Gödel” (1961):
Lucas diz que os Teoremas da Incompletude de Gödel têm que ser aplicáveis a
programas de computador, pois estes baseiam-se em lógica e aritmética
O argumento de Lucas-Penrose
«podemos produzir modelos [da mente humana] e eles serão iluminadores, mas por muito longe que
cheguemos, ficará sempre mais por dizer – não há limite arbitrário para a pesquisa científica; mas ela
nunca pode esgotar a infinita variedade da mente humana» - John Lucas
34
35. O argumento de Lucas-Penrose
John Lucas, “Minds, Machines and Gödel” (1961)
1. Suponha-se um programa P com lógica e aritmética elementares
2. Então, segundo Gödel, há uma proposição G(P) que P não consegue provar, mas que um
matemático humano consegue demonstrar ser verdadeira
3. Faça-se um novo programa P1, que inclua G(P)
4. Então, segundo Gödel, há uma proposição G(P1) que P1 não consegue provar, mas que um
matemático humano consegue demonstrar ser verdadeira
5. Faça-se um novo programa P2, que inclua G(P1)
6. Então, segundo Gödel, há uma proposição G(P2) que P2 não consegue provar, mas que um
matemático humano consegue demonstrar ser verdadeira
E assim por diante!
… a “corrida” entre o matemático e versões melhoradas de P pode prosseguir “ad aeternum”!
O matemático humano leva sempre a dianteira face a qualquer programa de computador
35
36. John Lucas, “Minds, Machines and Gödel” (1961)
Será o intelecto humano algo equivalente a um programa de computador?
Seja H o programa de computador que representaria o intelecto humano em funcionamento…
Então, segundo Gödel, há uma proposição G(H) que H não consegue provar, mas que um
matemático humano (supostamente descrito por H) consegue demonstrar ser verdadeira!
Contradição!
Como é que H não consegue provar G(H), e no entanto consegue prová-la?
Conclusão: por redução ao absurdo…
Como todos os programas de computador são formalizáveis…
… todos os programas de computador estão sob a alçada dos Teoremas de Gödel
Logo, o intelecto humano não pode ser algo equivalente a um programa de computador
O argumento de Lucas-Penrose
«(…) nós não somos máquinas. Podem-se aduzir argumentos para mostrar que as aparências iludem, e
que na verdade somos máquinas, mas argumentos pressupõem racionalidade e, graças ao argumento
godeliano, a única forma sustentável de mecanicismo [fisicalismo] é a de que somos máquinas
inconsistentes; sendo todas as mentes em última análise inconsistentes, então o mecanicismo está
comprometido com a irracionalidade de [qualquer] argumento, e nenhuma sua defesa racional pode ser
sustentada.» - John Lucas
36
37. O argumento de Lucas-Penrose
Como escapar ao argumento de John Lucas?
Escapatória A: será que a nossa mente é consistente?
Se a nossa mente é inconsistente, teria que ser sempre inconsistente!
Se seguimos esta via, somos irracionais, abdicamos da razão
Escapatória B: seríamos capazes de conhecer tão bem a nossa mente para definirmos H?
Podemos ainda não ser capazes hoje em dia, mas não seríamos, teoricamente?
Escapatória C: seríamos capazes de construir uma proposição de Gödel G(H)? Não seria G(H)
uma proposição demasiado complexa para a nossa capacidade intelectual?
O físico matemático Roger Penrose (1931-) demonstrou que G(H) teria o mesmo grau
de complexidade que H: nada impede, teoricamente, a construção de G(H)
Tendo H, podíamos usar um supercomputador para obter G(H)
Provaríamos que G(H) era verdadeira, e no entanto, indecidível dentro do sistema H!
O argumento de Lucas-Penrose tem resistido a décadas de críticas
A “inteligência” artificial tem que ser diferente da humana: esta não parece ser computável
Há certas funções no intelecto humano que não são computáveis, pelo que
nós não podemos ser apenas complexas máquinas biológicas!
37
38. 38
1. Introdução
2. Inteligência Artificial e Inteligência Humana
3. Problemas do fisicalismo
4. O argumento de Lucas-Penrose
5. Conclusão
Índice
38
39. Da mente imaterial à alma imortal
Perspectiva hilemórfica acerca da psicologia humana (David Oderberg)
1. Todas as substâncias naturais são compostos de matéria e forma
2. A forma é substancial porque actualiza a matéria e dá identidade e essência à substância
3. A pessoa humana, sendo uma substância, é um composto de matéria e forma substancial
4. A pessoa humana define-se como uma substância individual de natureza racional
5. O exercício da racionalidade é, essencialmente, uma operação imaterial
6. Logo, por 4. e 5., a natureza humana é, ela mesma, imaterial
7. Mas dado que é imaterial, a sua existência não depende de estar unida à matéria
8. Assim, uma pessoa pode existir, graças à sua natureza animal-racional (tradicionalmente
chamada de “alma”), independentemente da existência do seu corpo (perecível)
9. Logo, os seres humanos são imortais, mas a sua identidade e individualidade requer que
estejam unidos a um corpo numa qualquer altura da sua existência
Conclusão
«Eu sigo a clássica definição de Boécio (480-524 d.C.): uma pessoa é definida como uma substância
individual de natureza racional. (…) A forma substancial da pessoa – a sua natureza – é apenas a
animalidade racional da pessoa, sendo “animalidade” o género e “racional” a diferença; [a forma
substancial da pessoa] também é chamada de alma da pessoa.» - David Oderberg
39
40. Da mente imaterial à alma imortal
Como pode uma pessoa continuar sem o seu corpo?
Veja-se a seguinte analogia (imperfeita)…
Hoje em dia não há tecnologia adequada para manter viva uma cabeça humana sem corpo
Mas, teoricamente, isso seria possível (com uma tecnologia mais sofisticada)
Poderíamos dizer, em bom rigor, que essa cabeça era uma pessoa humana (incompleta)
Logo, é possível algo continuar a existir, mesmo que esse algo perca várias das suas partes
constituintes, desde que o que persiste seja suficiente para a essência da coisa
Outra analogia imperfeita:
Uma vassoura pode existir sem o cabo: posso varrer só com a escova
Uma vassoura não pode existir sem a escova: não posso varrer só com o cabo
O que persiste após a morte do corpo é a forma substancial desse corpo, a alma
A essência dessa forma substancial é ser racional, e o uso da razão é algo imaterial
São Tomás considerava que uma alma separada do corpo não era uma pessoa completa
Ele recomendava que se rezasse, por exemplo, pelas almas, e não pelas pessoas, no Purgatório
Segundo a teologia católica, a pessoa voltará a ser completa após a ressurreição do corpo
Conclusão
40