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ELIZABETH SCHMITT FREIRE




A IMPLEMENTAÇÃO DAS ATITUDES FACILITADORAS
NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA CENTRADA NO CLIENTE




                  Dissertação apresentada ao Departamento de Pós
                  Graduação em psicologia do Instituto de Psicologia da
                  PUC Campinas como parte dos requisitos para a
                  obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica




        Orientador: Dr. Mauro Martins Amatuzzi




                        Campinas
                          2000
Dedico esta dissertação a
                                            Newton Tambara
                             que não teve medo do meu medo
                                   que confiou na minha luz
                                   e foi parteiro do meu Ser...


e que também me ensinou a ser terapeuta centrada no cliente...




                                                              2
AGRADECIMENTOS




À Mauro Amatuzzi, que orientou-me com sabedoria,
 tolerância, paciência e amor. Que foi compreensivo
  para com os meus erros, me ajudando também nos
              momentos mais difíceis desta trajetória.


À John K. Wood, que me inspirou e me estimulou a
          dar os meus primeiros passos no mundo
                                    acadêmico...


  Aos amigos da Delphos, minha família espiritual...


Aos meus clientes, que me deram muito mais do que
                     eles pensam que eu dei a eles...


                                  À Jerold Bozarth...




                                                     3
RESUMO

        As atitudes de congruência, consideração positiva incondicional e compreensão
empática foram apresentadas por Rogers, em 1957, na sua hipótese sobre as condições
necessárias e suficientes para a mudança terapêutica da personalidade. Apesar da
clareza teórica da formulação das atitudes facilitadoras, sua implementação na prática
clínica tem gerado profundas controvérsias entre teóricos da abordagem centrada na
pessoa. Estas controvérsias apontam para a questão da identidade da terapia centrada no
cliente. Neste sentido, esta dissertação tem como objetivo investigar as formas de
implementação das atitudes facilitadoras que identificam a terapia centrada no cliente.
Esta investigação é realizada através de uma perspectiva clínica. A experiência clínica
da autora e relatos clínicos da literatura são discutidos e analisados a partir de
considerações teóricas que, por sua vez, também são expandidas e clarificadas por estas
experiências. Concluiu-se que a atitude empática apresenta três facetas: a experiência
empática, a compreensão empática e o reflexo de sentimentos. Estas três facetas da
empatia são independentes, isto é, elas podem ocorrer numa relação interpessoal
separadamente. A experiência empática e a experiência de consideração positiva
incondicional são uma mesma e única experiência, sendo esta a atitude do terapeuta
primordialmente facilitadora da mudança terapêutica. A não-diretividade do terapeuta é
uma conseqüência inevitável desta experiência. A congruência foi compreendida como
uma preparação do terapeuta para a experiência empática. As três atitudes postuladas
por Rogers são, na realidade da relação terapêutica, uma única atitude, e esta representa
a essência da terapia centrada na cliente. Esta única atitude pode ser descrita como a
dedicação do terapeuta para estar com o cliente, acompanhando-o em seu mundo, no
seu próprio ritmo e direção, e de acordo com o seu jeito único de ser.

PALAVRAS-CHAVE: Terapia Centrada no Cliente, relação terapêutica, empatia.




                                                                                       4
ABSTRACT


        The attitudes of congruence, unconditional positive regard and empathic
understanding were presented by Rogers, in 1957, in his hypothesis of the necessary and
sufficient conditions for therapeutic personality change. Yet the theoretical clarity of the
statement of the facilitative attitudes, their implementation in the clinical practice has
deep controversies among theoreticians of the person-centered approach. These
controversies point to the issue of the identity of client-centered therapy. Therefore,
this dissertation aims to investigate the ways for implementation of the facilitative
attitudes which identify client-centered therapy. This investigation is taken through a
clinical perspective. The author’s clinical experience and clinical vignettes from the
literature are discussed and analyzed through theoretical considerations which are also
furthered and clarified by theses experiences. The conclusions are that the empathic
attitude presents three facets: empathic experience, empathic understanding and
empathic understanding responses. These three facets of empathy are independent, that
is, they can occur separately in interpersonal relationship. The empathic experience and
the experience of unconditional positive regard are the same and only one experience
and this is the therapist’s attitude primarily facilitative of therapeutic change. The
therapist’s non-directivity is the inevitable consequence of this experience. Congruence
was understood as a therapist’s preparation to the empathic experience. The three
attitudes postulated by Rogers are, within the reality of the therapeutic relationship, only
one attitude, and it represents the essence of client-centered therapy. This unique
attitude can be described as the therapist’s dedication to being with the client in her
world, going with her in her own pace and direction, in accordance with her unique way
of being.

KEY-WORDS: Client-centered therapy; therapeutic relationship, empathy.




                                                                                          5
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 7
1) AS PESQUISAS SOBRE AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS E SUFICIENTES
PARA A MUDANÇA TERAPÊUTICA DA PERSONALIDADE:.............................. 10
2) UMA PREMISSA FUNDAMENTAL: A TENDÊNCIA ATUALIZANTE:........... 12
3) “ NENHUMA OUTRA CONDIÇÃO É NECESSÁRIA”:....................................... 13
4) EMPATIA.................................................................................................................. 15
   4.1. REFLEXO DE SENTIMENTOS .................................................................................. 17
   4.2. A EXPERIÊNCIA EMPÁTICA................................................................................... 24
      4.2.1. A experiência empática e a aceitação incondicional do terapeuta são, em essência, a mesma
      experiência: ........................................................................................................................................25
   4.3. REFLEXO DE SENTIMENTOS SEM EXPERIÊNCIA EMPÁTICA..................... 26
   4.4. EXPERIÊNCIA EMPÁTICA SEM REFLEXO DE SENTIMENTOS..................... 28
      4.4.1. Experiência empática na busca por uma melhor qualidade de vida..........................................29
      4.4.2. Experiência empática no silêncio do terapeuta........................................................................31
   4.5. COMPREENSÃO EMPÁTICA ................................................................................... 32
   4.6. COMPREENSÃO EMPÁTICA SEM EXPERIÊNCIA EMPÁTICA...................... 33
   4.7. A NÃO-DIRETIVIDADE .............................................................................................. 34
   4.8. EXPERIÊNCIA EMPÁTICA SEM COMPREENSÃO EMPÁTICA...................... 38
      4. 8.1. Experiência empática no silêncio do cliente............................................................................40
      4.8.2. As ‘falhas’ na compreensão empática .....................................................................................42
      4.8.3.    Ludoterapia.........................................................................................................................44
5) CONSIDERAÇÃO POSITIVA INCONDICIONAL................................................ 46
6) CONGRUÊNCIA .................................................................................................... 49
   6.1. GENUINIDADE E TRANSPARÊNCIA ..................................................................... 50
   6.2. CONGRUÊNCIA EM RELAÇÃO À EMPATIA E CONSIDERAÇÃO POSITIVA
   INCONDICIONAL ............................................................................................................... 53
7) A ESSÊNCIA DA TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE .................................... 55
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 59
ANEXO I........................................................................................................................ 68
ANEXO II ...................................................................................................................... 69




                                                                                                                                                           6
INTRODUÇÃO


       A teoria da psicoterapia e das relações humanas desenvolvida por Carl Rogers,
com sua ênfase na importância da relação terapêutica, deixou uma marca indelével na
psicoterapia (Bozarth, 1998). Numa pesquisa realizada com psicólogos americanos,
Rogers foi avaliado pela maioria dos entrevistados como o psicólogo mais influente,
antes mesmo de Freud e Skinner (Smith, 1982). Em 1985, na Phoenix Conference on
the Evolution of Psychotherapy, que foi comparada a uma “babel de vozes em conflito”
por reunir experts de diversas abordagens em psicoterapia (Wolpe, 1987), Carl Rogers
foi o único palestrante a ser longamente ovacionado pela audiência (Zeig, 1987).
       As seis condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica da
personalidade postuladas por Rogers em 1957 impulsionaram a pesquisa em
psicoterapia por mais de três décadas e continuam sendo um tópico relevante e discutido
no âmbito da psicoterapia (Stubbs & Bozarth, 1996; Norcross, 1992). Estas condições
tornaram-se um marco de referência não somente para a terapia centrada no cliente
como para a psicoterapia e para as relações de ajuda em geral (Bozarth et al., 2000). As
condições descritas por Rogers são as seguintes:


                  1. Que duas pessoas estejam em contato psicológico;
                  2. Que a primeira, a quem chamaremos cliente, esteja
           num estado de incongruência, estando vulnerável ou ansiosa;
                  3. Que a segunda pessoa, a quem chamaremos de
           terapeuta esteja congruente ou integrada na relação;
                  4. Que o terapeuta experiencie uma consideração
           positiva incondicional pelo cliente;
                  5. Que o terapeuta experiencie uma compreensão
          empática do quadro interno de referência do cliente e se esforce
          por comunicar esta experiência ao cliente;
                  6. Que a comunicação ao cliente da compreensão
           empática do terapeuta e da consideração positiva incondicional
           seja efetivada, pelo menos num grau mínimo. (Rogers, 1957,
           p.96)

       A congruência é o estado do terapeuta, no interior da relação, no qual ele “é livre
e profundamente ele mesmo, com sua experiência real precisamente representada na sua
consciência de si mesmo”. Consideração positiva incondicional é “a medida em que o
terapeuta se encontra experienciando uma calorosa aceitação de cada aspecto da


                                                                                        7
experiência do cliente como sendo parte do cliente”. E compreensão empática é “sentir
o mundo privado do cliente como se fosse o seu, mas sem perder a qualidade de ‘como
se’” (Rogers, 1957, pp.97-99).
        A hipótese de Rogers é de que essas condições são necessárias e suficientes para
promover o processo de mudança construtiva da personalidade. Apesar dessas
condições terem se tornado as atitudes fundamentais para o terapeuta centrada no cliente
(Rogers, 1959), a hipótese de Rogers postula que estas condições são essenciais para
todas as terapias e para todas as relações de ajuda que tenham a mudança terapêutica da
personalidade como objetivo.

    Entretanto, apesar da clareza teórica e da aparente simplicidade da formulação de
Rogers das condições básicas, a implementação das atitudes de consideração positiva
incondicional, compreensão empática e congruência na relação terapêutica representa
um grande desafio para o terapeuta. Em um artigo que escrevi com Tambara (Freire &
Tambara, 2000), afirmamos que existe um grande abismo separando a teoria da terapia
centrada no cliente de sua prática clínica. Ademais, diversas concepções distintas a
respeito da implementação das atitudes facilitadoras se desenvolveram partir da década
de 60, gerando profundas divergências entre teóricos da abordagem centrada na pessoa.
    Segundo Bozarth (1998), não existe um comportamento específico que                             possa
descrever a terapia centrada no cliente ou comunicar as condições necessárias e
suficientes, na medida em que estas condições são atitudes, isto é, experiências internas
e subjetivas do terapeuta:

                 Nem a teoria de Rogers da mudança terapêutica, nem a
             hipótese das condições necessárias e suficientes são expressas em
             termos de comportamento. (...) Todo comportamento que tenha a
             aparência de uma atitude terapêutica pode ou não implementar a
             atitude (Bozarth, 1998, p.55 e p.61) 1


    A implementação das atitudes terapêuticas, segundo Bozarth (1998), é variável,
dentro de limites, dependendo das características pessoais tanto do cliente quanto do
terapeuta. Este é um ponto vital para a terapia centrada no cliente. Não havendo um
comportamento definido, ou uma técnica estabelecida que garanta a implementação das


1
  “Neither Rogers’ theory of therapeutic change nor the hypothesis of the necessary and sufficient
conditions are expressed in terms of behavior. (...) Any behavior that has the appearance of a therapeutic
attitude may or may not implement the attitude”.


                                                                                                        8
atitudes facilitadoras, como podemos reconhecer, dentro desta ampla variabilidade de
expressões idiossincrásicas, quais os limites a que Bozarth se refere? Apesar de não
existirem comportamentos ou técnicas que estabeleçam a priori a presença das
condições básicas, como reconhecer e identificar estes limites que definem a relação
terapêutica como sendo “centrada no cliente”?


    Estas indagações tornaram-se o foco central de minha atividade como pesquisadora.
Neste sentido, realizei uma investigação exploratória a respeito das atitudes facilitadoras
norteada pela seguinte pergunta:


- Como as atitudes facilitadoras podem ser implementadas na relação terapêutica
centrada no cliente?


    Implementar significa “dar execução a” ou “levar à prática por meio de providências
concretas” (Ferreira, 1988). Meu objetivo com esta pesquisa foi investigar a maneira
como as atitudes facilitadoras postuladas por Rogers podem ser postas em prática, de
forma concreta, na relação terapêutica centrada no cliente.




    Esta investigação foi realizada a partir de uma perspectiva clinica. Minha própria
experiência clínica e relatos clínicos da literatura foram discutidos e analisados a partir
de considerações teóricas que, por sua vez, foram expandidas e clarificadas por estas
experiências. Em certa etapa desta investigação, decidi gravar uma de minha sessões
terapêuticas a fim de obter novos dados de pesquisa. A análise desta sessão foi
apresentada no 15º encontro anual da ADPCA 1 (Association for the Development of the
Person-Centered Approach), num pequeno grupo de discussão que me ajudou no
aprimoramento de minhas conclusões. Posteriormente, algumas destas conclusões foram
apresentadas e discutidas na rede da Internet do Person-Centered International
proporcionando um significativo aprofundamento e clarificação da minha perspectiva 2 .
Participaram desta discussão Jerold Bozarth, Ph.D., Barbara Brodley, Ph.D, Godfrey


1
  Realizado na Universidade da California, em San Diego, de 9 a 13 de agosto de 2000.
2
  A Internet tornou-se um instrumento valioso para a minha investigação também por me proporcionar um
contato direto com muitos autores e pesquisadores que me enviaram, através de e-mail, seus trabalhos
teóricos mais recentes. Desta forma, algumas das citações apresentadas ao longo desta dissertação não
contém o número da página pelo fato de terem sido obtidas através deste meio eletrônico.


                                                                                                   9
Barrett-Lennard, Ph.D., Marvin Frankel, Ph.D., e Lisbeth Sommerbeck. Ao longo de
toda esta investigação, Jerold Bozarth foi uma constante fonte de inspiração, tanto
através de seus artigos e discussões na rede do Person-Centered International, como
através de comunicações pessoais por e-mail.




   A trajetória e o resultado desta investigação são apresentados e discutidos nesta
dissertação.




1) AS PESQUISAS SOBRE AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS E
SUFICIENTES PARA A MUDANÇA TERAPÊUTICA DA
PERSONALIDADE:



       Durante os quinze anos seguintes à publicação do artigo de Rogers, as pesquisas
sobre as condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica (conhecidas na
literatura como “condições básicas”) tornaram-se a força dominante do campo da
pesquisa em psicoterapia e permaneceram como uma parte importante da investigação
científica por mais de três décadas (Bozarth et al., 2000). Segundo Patterson (1984), as
pesquisas sobre as condições básicas são volumosas e constituem um corpo de pesquisa
que está entre os maiores no campo da psicologia. As décadas de 60 e 70 foram
caracterizadas por pesquisas que buscavam comprovar que as condições básicas eram
necessárias e suficientes para a mudança terapêutica da personalidade. A hipótese de
Rogers foi consistentemente apoiada pelas       pesquisas deste    período (Truax and
Mitchell, 1971; Patterson, 1984; Bozarth & Stubbs, 1994).
   Barret-Lennard (1962; 1998) desenvolveu o Relationship Inventory como um
instrumento de pesquisa para avaliar as percepções dos clientes das condições
facilitadoras. O Relationship Inventory tornou-se, posteriormente, o instrumento mais
extensivamente utilizado nas pesquisas sobre a relação terapêutica e as condições
facilitadoras (Hill et al, 1994). A conclusão da pesquisa de Barret-Lennard (1962) foi
que os clientes melhoravam na medida em que percebiam seus terapeutas como




                                                                                     10
compreensivos, congruentes, positivos e incondicionais em consideração a eles,
confirmando, portanto, as hipóteses de Rogers.
    Truax & Mitchell (1971), numa revisão das pesquisas sobre as condições básicas
concluíram que:

                 Terapeutas e conselheiros que são acuradamente empáticos,
             não-possessivamente calorosos na atitude e genuínos são
             realmente eficazes. Ademais, estes resultados parecem se aplicar
             a uma ampla variedade de terapeutas e conselheiros,
             independentemente de seu treinamento ou orientação teórica e
             com uma ampla variedade de clientes ou pacientes, incluindo
             estudantes universitários com baixo aproveitamento escolar,
             delinqüentes juvenis, esquizofrênicos hospitalizados, (...),
             pacientes neuróticos severos ou brandos não hospitalizados e
             uma variedade mista de pacientes hospitalizados. Além disso, a
             evidência sugere que estes resultados se aplicam a uma variedade
             de contextos terapêuticos e a psicoterapia e aconselhamento tanto
             individual quanto grupal (Truax & Mitchell, 1971, p.310) 1 .


    Rudolph, Langer & Tausch (1980), realizaram uma pesquisa quasi-experimental
com 149 clientes e 80 terapeutas centrados no cliente e obtiveram como principal
resultado que os terapeutas que exibiam altos níveis de duas das três condições de
empatia, calor e genuinidade tinham clientes com mudanças positivas. Outras
conclusões deste estudo foram: (1) as mudanças nos clientes não dependiam do tipo de
distúrbio; (2) os clientes que abandonavam a terapia o faziam em grande parte por causa
das condições desfavoráveis dos seus terapeutas; (3) a mudança no cliente podia ser
prevista após a quarta sessão por declarações de suas percepções do terapeuta e dos seus
sentimentos sobre as sessões.


    Após a metade da década de 80, as hipóteses de Rogers foram investigadas por onze
estudos (sendo que três destes investigaram somente a empatia) e todos tiveram
resultados positivos (Sexton & Whiston, 1994).
    Lambert, Shapiro e Bergin (1986), numa revisão de pesquisas sobre psicoterapia
concluíram que as qualidades atitudinais do terapeuta constituem uma porção

1
  “Therapists and counselor who are accurately empathic, nonpossessively warm in attitude and genuine
are indeed effective. Also, these findings seem to hold with a wide variety of therapists and counselors,
regardless of their training or theoretic orientation, and with a wide variety of clients or patients,
including college underachievers, juvenile delinquents, hospitalized schizophrenics, college counselees,
mild or severe outpatient neurotics, and a mixed variety of hospitalized patients. Further, the evidence




                                                                                                      11
significativa dos ingredientes eficazes da psicoterapia. Orlinsky e Howard (1986)
concluíram sua revisão de pesquisas sobre as condições atitudinais afirmando que de 50
a 80% dos estudos nesta área eram significativamente positivos, indicando que estas
dimensões estavam relacionadas de maneira muito consistente ao resultado positivo da
terapia. As hipóteses de Rogers foram apoiadas, de forma independente, por Duncan e
Moynihan (1994), que concluíram que a variável operacional mais importante para o
resultado bem-sucedido da terapia é a utilização intencional do marco de referência do
cliente. Esta conclusão ressoa com a concepção rogeriana da empatia (Bozarth et al.,
2000).
    Stubbs & Bozarth (1994) concluíram em sua revisão de pesquisas sobre resultado
de psicoterapia que as únicas variáveis do relacionamento terapêutico consistentemente
relacionadas à eficácia         são as condições de empatia, genuinidade e consideração
positiva incondicional.




2) UMA PREMISSA FUNDAMENTAL: A TENDÊNCIA
ATUALIZANTE:



    O conceito de tendência atualizante é a pedra fundamental da terapia centrada no
cliente (Bozarth & Brodley, 1991; Brodley, 1999):



                 Prática, teoria e pesquisa deixam claro que a abordagem
             centrada na pessoa está construída sobre uma confiança básica na
             pessoa ... (Ela) confia na tendência atualizante presente na
             tendência de todo organismo vivo para crescer, se desenvolver e
             realizar todo seu potencial. Este jeito de ser confia no fluxo
             direcional construtivo do ser humano em direção a um
             desenvolvimento mais complexo e completo. O nosso propósito
             é liberar este fluxo direcional (Rogers, 1986, p.198). 1


suggests that these findings hold in a variety of therapeutic contexts and in both individual and group
psychotherapy or counseling”
1
  “Practice, theory and research make it clear that the person-centered approach is built on a basic trust in
the person... (It) depends on the actualizing tendency present in every living organism’s tendency to grow,
to develop, to realize its full potential. This way of being trusts the constructive directional flow of the
human being toward a more complex and complete development. It is this directional flow that we aim to
release”.


                                                                                                          12
A teoria de Rogers da tendência atualizante é uma teoria organísmica onde as
qualidades fundamentais da natureza humana são as de crescimento, processo e
mudança. Rogers (1980) afirma que toda motivação e a fonte central de energia do
organismo está na tendência organísmica em direção à auto-atualização. O processo de
atualização é dirigido ao crescimento e inclui o movimento em direção à realização,
desenvolvimento e aperfeiçoamento das capacidades e potencialidades inerentes do
indivíduo (Rogers, 1963). A tendência atualizante, segundo Rogers (1980), não pode ser
destruída sem que se destrua também o organismo.
   De acordo com Bozarth (1998), a posição básica da terapia centrada no cliente é de
que o terapeuta confia na tendência atualizante do cliente e acredita verdadeiramente
que o cliente que experiencia a liberdade de uma clima psicológico que promova a
liberação da sua tendência atualizante será capaz de resolver, de forma autônoma, seus
próprios problemas. O terapeuta confia na autoridade do cliente sobre si mesmo e se
relaciona com ele como um igual, respeitando as suas percepções. O terapeuta não
intervêm e não tem a intenção de interferir pois o papel do terapeuta é somente o de
criar um clima interpessoal que promova a liberação da tendência atualizante do cliente.
Para Bozarth, este é o aspecto mais revolucionário da teoria de Rogers.




3) “ NENHUMA OUTRA CONDIÇÃO É NECESSÁRIA”:



   Entre o final dos anos 70 e o início dos anos 80 surgiram diversas revisões de
pesquisas que tentaram provar que as condições formuladas por Rogers eram
necessárias mas não suficientes para a mudança terapêutica da personalidade (Stubbs &
Bozarth, 1994). Entretanto, Stubbs e Bozarth (1994) não encontraram nenhum estudo
que apoiasse diretamente a afirmação de que as condições de Rogers são insuficientes
em si mesmas. Segundo Patterson (1984), as conclusões destas revisões estão
completamente equivocadas devido à tendenciosidade e aos preconceitos destes
pesquisadores. Apesar da direção das evidências, as conclusões destas revisões não
reflete acurada ou adequamente o próprio parecer dos revisores em relação às pesquisas
analisadas:


                                                                                     13
Os revisores são mais do que cautelosos em suas conclusões
             – eles são freqüentemente inconsistentes, ambivalentes e
             incapazes de aceitar os resultados de suas próprias revisões
             (Patterson, 1984). 1



    Bozarth (1993) considera que esta equivocada conclusão de que as condições
básicas não são suficientes baseia-se numa incompreensão e não-aceitação da suposição
básica da teoria da terapia centrada no cliente de que o cliente conhece melhor sobre
sua vida e progride quando certa atmosfera é proporcionada por um terapeuta que opera
nessa premissa. Segundo Bozarth, estes autores são incapazes de descartar a noção que
o terapeuta tem que intervir de alguma maneira, em algum ponto, para colocar o cliente
na direção apropriada. Ou seja, a conclusão de que as condições básicas não são
suficientes é uma visão oriunda de outros marcos de referência (comportamental ou
psicanalítico) que não se baseiam na pressuposição da tendência atualizante. O modelo
operacional nestas abordagens predispõe o terapeuta a agir ou intervir para influenciar o
cliente, na medida em que considera que a responsabilidade do terapeuta é saber o que
está acontecendo com o cliente e o que necessita ser feito em relação a isto (Schaff,
1992). Na perspectiva da abordagem centrada no cliente, ao contrário, o terapeuta
recorre e confia na tendência atualizante, que permeia toda a vida organizada (Rogers,
1980). Só que isto não é reconhecido por estes outros paradigmas em psicologia. Assim,
devido a esta falha na compreensão da posição de Rogers, diversos autores se referem
às condições básicas como sendo apenas as condições preparatórias para as
‘intervenções’ do terapeuta (Lazarus, 1993; Norcross, 1992; Quinn, 1993). Bozarth
(1998) conclui que a postura revolucionária de Rogers, que identifica o cliente como o
melhor expert sobre sua vida, não tem sido bem compreendida ou assimilada nem pelos
mais brilhantes scholars no campo da psicoterapia.




1
 “The reviewers are more than cautious in their conclusions - they are often inconsistent, ambivalent, and
unable to accept the results of their own reviews”.


                                                                                                       14
4) EMPATIA


   Em 1975, Rogers escreveu um artigo entitulado “Uma maneira negligenciada de
ser: a maneira empática” no qual ele revisita o conceito de empatia e propõe uma nova
definição para o termo. Empatia, então, é definida como sendo um processo, uma
maneira de ser numa relação com outra pessoa que apresenta várias facetas:

              Significa penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se
          totalmente à vontade dentro dele. Requer sensibilidade constante
          para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em relação
          aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à
          confusão ou ao que quer que ele esteja vivenciando. Significa
          viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro
          dela sem julgar, perceber os significados que ele quase não
          percebe, tudo isto sem tentar revelar sentimentos dos quais a
          pessoa não tem consciência, pois isto poderia ser muito
          ameaçador. Implica em transmitir a maneira como você sente o
          mundo dele à medida que examina sem viés e sem medo os
          aspectos que a pessoa teme. Significa, freqüentemente, avaliar
          com ele a precisão do que sentimos e nos guiarmos pelas
          respostas obtidas. Passamos a ser um companheiro confiante
          dessa pessoa em seu mundo interior. Mostrando os possíveis
          significados presentes no fluxo de suas vivências, ajudamos a
          pessoa a focalizar esta modalidade útil de ponto de referência, a
          vivenciar os significados de forma mais plena e a progredir nesta
          vivência. Estar com o outro desta maneira significa deixar de
          lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores,
          para entrar no mundo do outro sem preconceitos; num certo
          sentido, significa pôr de lado nosso próprio eu... (Rogers &
          Rosenberg, 1977, p.73)



   Analisando esta definição apresentada por Rogers, percebemos que ela engloba ao
mesmo tempo três facetas distintas do modo de ser empático, que chamaremos de
‘experiência empática’, ‘compreensão empática’ e ‘reflexo de sentimentos’:


   (1) experiência empática:
       É uma maneira de estar na relação com o outro que, na definição acima,
Rogers descreve como:

 - penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro dele;
 - viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro dela sem julgar;



                                                                                    15
- passamos a ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior;
 - deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para
  entrar no mundo do outro sem preconceitos;
 - num certo sentido, significa pôr de lado nosso próprio eu.




   (2) Compreensão empática:
       É um conhecimento dos significados e sentimentos que estão sendo
experienciados pelo outro na relação. Rogers se refere à esta faceta quando afirma que
a empatia:


 - significa perceber os significados que ele quase não percebe;
 - requer sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa
 em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão
 ou ao que quer que ele esteja vivenciando;




   (3) Reflexo de sentimentos:
       É um método ou um modo de comunicação na relação com o cliente. Rogers se
refere ao reflexo de sentimentos quando afirma que a empatia implica em:


 - transmitir a maneira como você sente o mundo dele à medida que examina sem viés
 e sem medo os aspectos que a pessoa teme;
 - freqüentemente, avaliar com ele a precisão do que sentimos e nos guiarmos pelas
 respostas obtidas;
 - sem tentar revelar sentimentos dos quais a pessoa não tem consciência, pois isto
 poderia ser muito ameaçador;
 - mostrando os possíveis significados presentes no fluxo de suas vivências.


   Ao longo de todo o artigo, Rogers se refere indistintamente a estas três facetas como
sendo sinônimos de empatia, como sendo diferentes aspectos de um fenômeno único.
Sendo assim, na concepção de Rogers, estas facetas não existiriam independentemente.
A experiência empática, a compreensão empática e o reflexo de sentimento seriam



                                                                                     16
fenômenos interdependentes, isto é, a presença de um implicaria necessariamente na
presença dos outros.


      Entretanto, alguns relatos clínicos e discussões na literatura    apontam para a
possibilidade de que os fenômenos da experiência empática, compreensão empática e
reflexo de sentimentos sejam independentes. A fim de investigar esta           hipótese,
discutirei, inicialmente, os conceitos de reflexo de sentimentos e o de experiência
empática. A seguir, apresentarei relatos clínicos que apontam para a possibilidade destes
dois fenômenos ocorrerem independentemente. Posteriormente, discutirei o conceito de
compreensão empática e, da mesma forma, apresentarei relatos clínicos que apontam
para a possibilidade da compreensão empática e a experiência empática ocorrerem
independentemente.




4.1. REFLEXO DE SENTIMENTOS


      A imagem da terapia centrada no cliente tornou-se associada ao método focalizado
por Rogers durante os seus anos na Universidade de Chicago, conhecido como
“reflexo” ou “reflexo de sentimentos”. Exemplos de Rogers e outros terapeutas
demonstrando a terapia centrada no cliente freqüentemente ilustram este método e estão
largamente disponíveis na literatura (e.g. Bozarth, 1990; Bozarth & Brodley, 1991;
Brodley, 1993; Ellis and Zimring, 1994; Merry, 1996; Raskin and Rogers, 1989;
Rogers, 1965; Rogers and Segal, 1955; Rogers, 1986a). Shlien (apud Rogers, 1986b),
considera que a terapia centrada no cliente jamais teria progredido sem o
desenvolvimento da técnica do reflexo de sentimentos.


      Ao final da década de 70, Brodley (1977) desenvolveu uma conceitualização mais
elaborada do método do reflexo, que ela denominou de “processo de resposta de
compreensão empática” 1 . Segundo Brodley (1986), este processo é a forma que
caracteriza e distingue a terapia centrada no cliente. Ele ocorre na medida em que o
terapeuta      experencia, com consistência e constância, as atitudes terapêuticas e as


1
    “Empathic understanding response process".


                                                                                      17
expressa para o cliente através de ‘respostas de compreensão empática’ 1 . Brodley
define as respostas de compreensão empática como sendo:

                 As respostas de compreensão empática se referem a uma
             ampla categoria de respostas, todas estas são uma tentativa de
             articular acuradamente a experiência que o cliente expressou ou
             está se esforçando para expressar. As respostas de compreensão
             empática variam de reiterações bastante literais, resumos do que
             o cliente expressou, respostas mais fragmentadas a formas de
             respostas que envolvem maior inferência ou suposição em
             relação ao que o cliente vem expressando. Mas em todas as
             instâncias de respostas de compreensão empática elas
             representam a tentativa do terapeuta de articular o ponto de vista
             do cliente e são uma tentativa de acompanhar o cliente de uma
             maneira empática. Elas não são baseadas numa tentativa de
             interpretar o cliente ou de ficar à frente da consciência do cliente
             de suas experiências” (Brodley, 1998, p. 27) 2


    As respostas empáticas explícitas ocorrem no contexto de um “processo de respostas
de compreensão empática” no interior da relação centrada no cliente. Neste processo,
segundo Bozarth (1998), o terapeuta não tem objetivos para o cliente, sendo, portanto,
um processo inerentemente não-diretivo. Os eventos típicos do ‘processo de respostas
de compreensão empática’, também denominado de ‘interação empática’ por Brodley
(1998), são:


    (1) o cliente fala ao terapeuta e expressa ou descreve alguns de seus sentimentos,
         preocupações, pensamentos ou eventos da sua vida. O cliente articula algo de
         sua experiência pessoal e de sua própria perspectiva que ele deseja comunicar
         naquele momento ao terapeuta (ou que deseja dizer em voz alta para escutar a si
         mesmo);
    (2) Enquanto o cliente está expressando sua experiência, o terapeuta está prestando
         atenção total ao cliente. O terapeuta está tentando receber, absorver e
         compreender os significados e sentimentos que o cliente está dizendo ou

1
  “Empathic understanding responses”.
2
 “Empathic understanding responses (EURs) refer to a broad category of responses all of which are an
attempt to accurately articulate the experience the client has expressed or has been striving to express.
EURs range from very literal restatements or summaries of what the client has expressed, to more
fragmental responses, to forms of response which involves more inference or guessing about what the
client has been expressing. But in all instances of EURs, they represent the therapist’s attempt to
articulate the client’s point of view and are an attempt at an empathic following of the client. They are not




                                                                                                          18
tentando dizer a partir de sua própria perspectiva [do cliente]. O terapeuta se
        apropria da perspectiva do cliente até sentir que o entende em certa medida (ou
        que não tem este sentimento de compreensão e reconhece este fato);
    (3) A seguir, o terapeuta pode ou não fazer uma resposta explícita que comunique
        sua compreensão interna (ou que reconheça a falta de compreensão) do cliente.
        Se o terapeuta não faz uma resposta verbal-oral explícita, ele pode fazer um
        movimento afirmativo com a cabeça, um gesto vocal tal como “Uhm-hm”, ou
        simplesmente permanecer atento e silencioso de uma maneira que implica uma
        compreensão do cliente.
    (4) Finalmente, neste “ciclo empático” 1 , em resposta à presença, à atenção, ou às
        respostas explícitas do terapeuta, o cliente pode ter o sentimento de ser
        compreendido ou aceito. Estas experiências tendem a estimular o cliente a
        avançar na sua auto-reflexão e expressão (Brodley, 1998).


    Segundo Bozarth (1997), qualquer que seja o meio de expressão ou forma das
respostas empáticas, elas são do tipo “seguir-tão-perto-quanto-possível” 2 o cliente
enquanto ele narra e expressa a si mesmo. Ademais, todas as respostas empáticas são
inerentemente “tentativas”, implicando a pergunta do terapeuta para o cliente: “Isto está
correto?” 3 .


        Analisando este processo de respostas de compreensão empática, Barrett-
Lennard (1993) formulou três “fases” para a empatia:

    (1) Na primeira fase uma pessoa (A) está atendendo ativamente com uma atitude
        empática à outra pessoa (B) que de alguma maneira está expressando seu
        próprio experienciar. Esta postura empática inclui uma abertura ativa para
        conhecer a outra pessoa em seu próprio interior, no experienciar imediato do seu
        mundo e engajamento do eu 4 . Esta é uma pré-condição para empatia, e o
        começo da escuta empática. Cedo ou tarde, à medida em que este processo
        continua, A ressoa experiencialmente com B num imediato reconhecimento da

based on an attempt to interpret the client or get ahead of the client’s awareness of his or her
experiences”.
1
  termo formulado por Barrett-Lennard (1981)
2
  “as-close-as-possible-following”.
3
  “Is this accurate?”
4
  “active openness to knowing the other person in their own inside, immediate experiencing of their world
and engagement of self”


                                                                                                      19
experiência e significado sentido que foi compartilhado por B. A principal
          característica da experiência de B, algumas vezes toda a sua qualidade e
          substância tal como foi expressa e subentendida 1 , está agora também viva e em
          movimento na consciência de A. Este processo interno e esta qualidade de
          compreensão experiencial é a primeira essencial fase da empatia. Nesta Fase 1 o
          reconhecimento e compreensão interna não é ainda conhecida por B.

      (2) O próximo passo (que pode se seguir imediatamente) é a expressão
          comunicativa de resposta empática interna de A. Esta comunicação de empatia,
          intencional ou involuntária, verbal ou não-verbal, é identificada como Fase 2 da
          empatia. Se A meramente observou as palavras do outro, e tecnicamente
          espelhou de volta sua substância apenas na forma de uma compreensão
          experiencial, esta resposta não está emergindo de um processo empática interno
          e, portanto, não é Fase 2 da empatia.

      (3) A expressão de uma resposta empática real (de A) potencia a etapa culminante
          de consciência (de B) de ser empaticamente compreendido. Esta crucial terceira
          fase é a de empatia recebida ou apreendida. A consciência de ser literalmente
          escutado e profundamente compreendido, em alguma esfera pessoal vital, tem
          seu impacto direto próprio, seja de alívio, de algo finalmente fazendo sentido,
          um sentimento de uma conexão interna e de estar menos sozinho, e uma maior
          abertura para compartilhar sua expressão ou exploração.


      A experiência de ser escutado através da técnica de ‘reflexo de sentimentos’ é
comparada por Barrett-Lennard (1993) à experiência de ser assistido no nascimento
por uma parteira habilidosa:


                    Escutar de um outro a essência de nosso sentimento e
                significado pessoal que estávamos lutando por articular e
                expressar, que talvez seja como um camaleão que se oculta
                mudando e desaparecendo enquanto o perseguimos, e que pode
                evocar nauseante ansiedade em nós, escutar neste contexto um
                ouvinte, que está devotando sua total atenção para o que nós
                estamos passando, falar-nos de volta o que nós mesmos estamos
                mal e dificilmente compreendendo, pode ter o impacto de uma



1
    “implied”


                                                                                       20
parteira habilidosa assistindo a um nascimento literal (Barrett-
             Lennard, 1993) 1 .


    A formalização do “reflexo de sentimentos” e da “regra da reiteração” provê o
terapeuta com uma ferramenta poderosa para obter uma compreensão empática do
cliente (Rogers, 1980; Teich, 1992) Segundo Bozarth (1997), o processo de resposta de
compreensão empática pode ser considerado como uma provável implementação da
atitude empática aceitadora do terapeuta centrado no cliente 2 , na medida que, para
alguns terapeutas, este processo é a melhor maneira de manter uma postura empática e
de aprender a confiar no cliente. Para Rogers (1986b), o reflexo de sentimentos é uma
forma de checar com o cliente se ele o está compreendendo e de comunicar sua
compreensão ao cliente. Brodley (1986) salienta que o reflexo de sentimentos funciona
como expressão da compreensão empática quando a intenção do terapeuta é perguntar
ao cliente: ‘é isto o que você está me dizendo? Ou ‘é isto o que você quer dizer?’ ou ‘é
isto o que você está sentindo?’.
     Em Kirschenbaum (1979), Rogers afirma que o reflexo de sentimentos comunica
não apenas a compreensão empática, mas também a aceitação incondicional do
terapeuta:

                O reflexo de sentimentos comunica ao cliente que qualquer
             que sejam ou tenha sido seus sentimentos e comportamentos, não
             importa quão problemáticos, assustadores ou socialmente
             desaprovados, ele ainda é aceito como um valioso ser humano
             pelo terapeuta (Rogers em Kirschenbaum, 1979, p.120) 3


    Entretanto, como enfatiza Brodley (1986), a terapia centrada no cliente não é a
técnica de ‘reflexo de sentimento’ ou de ‘respostas de compreensão empática’. O
processo de respostas de compreensão empática, segundo Bozarth (1997), precisa ser
compreendido como uma expressão das atitudes do terapeuta e não como uma técnica
ou estratégia. Neste sentido, afirma Brodley (1986):

1
  “Hearing from another the essence of our personal feeling and meaning which we have been struggling
to articulate and express, which perhaps is like a chameleon that keeps changing and disappearing as we
pursue it, and which may evoke sickening anxiety in us, to hear in this context a listener who is devoting
his/her whole attention to what we are going through speak back to us that which we ourselves are
strenuously and barely grasping can have the impact of a skilful midwife assisting in a literal birth”.
2
  “client-centered therapist’s acceptant empathic attitude”
3
  “Reflection of feelings communicates to the client that whatever his feelings and behavior are or have
been, no matter how troubling or frightening or socially disapproved of, he is still accepted as a worthy
human being by the therapist”.


                                                                                                         21
Somente se as respostas de compreensão empática (ou
             qualquer outro tipo de resposta utilizada no contexto da terapia
             centrada no cliente) forem utilizadas como expressão das atitudes
             genuínas do terapeuta de congruência, aceitação e compreensão
             empática, elas são uma expressão da terapia centrada no cliente
             (Brodley, 1986). 1


         Existe muita confusão em relação ao papel da técnica na terapia centrada no
cliente. Técnicas de ‘reiteração’ 2 ou de ‘escuta ativa’ 3 (Gordon, 1970) são
freqüentemente empregadas como sendo representativas da concepção de Rogers da
compreensão empática. Estas técnicas podem, de fato, ajudar os clientes e produzir um
processo de mudança terapêutica, mas elas não representam a terapia centrada no
cliente. A teoria de Rogers enfatiza claramente as atitudes e sentimentos do terapeuta na
relação terapêutica e não as técnicas (Brodley, 1998).
    Segundo Bozarth (1998), esta confusão entre atitude e técnica se originou do
contexto de pesquisa e da metodologia científica na qual Rogers desenvolveu sua teoria
da terapia. A maior parte do trabalho de Rogers na Universidade de Chicago, apesar de
ter se baseado nos princípios atitudinais, foi focalizado nas respostas do terapeuta,
examinando os efeitos de respostas específicas do terapeuta em comportamentos
específicos do cliente.        Este foco comportamental surgiu em função do                      método
quantitativo utilizado nas pesquisas. Rogers e seus colegas se perguntavam: “O que o
cliente faz quando o terapeuta responde de uma certa maneira? E como o terapeuta
deveria responder?”. Rogers declara (in Kirschenbaum, 1979) que quando ele percebeu
as interpretações tecnológicas dadas ao seu trabalho, ele passou a usar uma referência
mais ampla do que ‘reflexo de sentimentos’ e passou a se referir à “adoção do quadro de
referência do cliente”. Somente nesta época é que Rogers começou a utilizar o termo
empatia:

                 Foi somente quando Rogers ficou preocupado com os mal-
             entendidos em relação ao ‘reflexo’ e ao uso das técnicas de
             reflexo que ele começou a falar do quadro de referência do
             cliente e, assim, começou a usar o termo ‘empatia’. Empatia
             proveu Rogers com um significado mais compreensivo, que

1
  “Only if empathic understanding responses (or any other types of response used in the context of client-
centered therapy) are used as expression of the therapist’s genuine attitudes of congruence, acceptance
and empathic understanding are they an expression of client-centered therapy”.
2
  restatement
3
  active listening


                                                                                                        22
enfatizava a atitude em vez do repertório de respostas (Bozarth,
             1998, p.54). 1



    Assim, em 1957, ao formular a hipótese das condições necessárias e suficientes para
a mudança terapêutica, Rogers salientava que a técnica de reflexo de sentimentos não é
uma condição essencial para a terapia centrada no cliente. A técnica pode servir como
uma canal através do qual o terapeuta comunica empatia e consideração positiva
incondicional, mas não é uma garantia da presença das atitudes facilitadoras, já que um
sentimento também pode ser refletido de uma maneira que comunica uma falta de
empatia do terapeuta.
    Segundo Bozarth (1998), o freqüente foco na técnica e nas estratégias
comportamentais do terapeuta tem sido responsável pelas distorções e pela trivialização
da terapia centrada no cliente e do seu conceito de empatia. Bozarth critica os modelos
de Carkhuff (1971), Cormier e Cormier (1991) Corey (1982) e Egan (1975) que
desenvolveram o conceito de empatia num quadro de referência comportamental.

    Segundo Barrett-Lennard (1993), a ênfase no reflexo e clarificação dos sentimentos
e significados do cliente que tem caracterizado a terapia centrada no cliente traz o risco
de tornar este método um fim em si mesmo e de negligenciar o processo interno crucial
da atitude empática:


                 É o meu ponto de vista de que esta qualidade de reiteração é
             uma modalidade poderosa quando ela reflete a ressonância
             empática genuína do outro. Dito de outra forma, reflexos podem
             ser um excelente canal para o fluxo da empatia, que é o
             ingrediente ativo (Barret-Lennard, 1993) (grifo do autor) 2 .




1
  “It was not until Rogers became concerned about the misunderstandings of ‘reflection’ and use of
reflection techniques that he talked about the client’s frame of reference and, then, began to use the term,
‘empathy’. Empathy provided Rogers with a more comprehensive meaning that emphasized attitude
rather than a response repertoire”
2
  “It is my view that this quality of restatement is a powerful modality when it does reflect the other's
genuine empathic resonation. Put another way, reflections can be an excellent channel for the flow of
empathy, which is the active ingredient”.


                                                                                                          23
4.2. A EXPERIÊNCIA EMPÁTICA


    Denominamos de experiência empática à faceta da empatia que diz respeito à atitude
do terapeuta de “entrar no mundo do cliente”. Retomando a definição de empatia
proposta por Rogers em 1975 1 , vemos que a experiência empática implicaria em:


    - penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro
dele;
    - viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro dela sem julgar;
    - ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior;
    - deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para
    entrar no mundo do outro sem preconceitos;
    - pôr de lado nosso próprio eu (Rogers & Rosenberg, 1977, p73).


    Bozarth (1998) caracteriza esta experiência como:

                 ... o mesclar-se pessoa-a-pessoa do terapeuta, emanharado no
             mundo do cliente, com reações empáticas e ‘total’ sintonia com o
             outro (Bozarth, 1998, p.67) 2 .


         A experiência empática se distingue do reflexo de sentimentos por ser muito
mais do que uma técnica, fórmula, forma ou esquema cognitivo. Ela envolve uma
completa dedicação e compromisso do terapeuta em experienciar, com aceitação, o
mundo interno do cliente (Bozarth, 1998).
         Bozarth (2000) descreve a experiência empática comparando-a                               com a
experiência de um antropólogo que tenta viver em uma outra cultura tendo o
compromisso e o cuidado de não modificá-la:

                [experiência empática] é o caminhar do terapeuta no mundo
             do cliente... estar no mundo do cliente e então responder/reagir
             com maneiras que são um mesclar-se com este mundo, sem ou
             minimamente o violar... como um antropólogo vivendo em outra




1
  cf. item (4).
2
  “... the person-to-person blending of the therapist enmeshed in the world of the client with empathic
reactions and ‘total’ attunement to the other”.


                                                                                                          24
cultura, se adaptando a outra cultura e se acomodando à cultura...
               não tanto em termos de conversação mas de apenas estar.1


    A experiência empática envolve, portanto, uma presença aceitadora do terapeuta
enquanto experencia o mundo interno do cliente. Neste sentido, empatia e consideração
positiva incondicional são completamente inseparáveis (Bozarth, 1997).




4.2.1. A experiência empática e a aceitação incondicional do terapeuta são,
em essência, a mesma experiência 2 :


    Rogers (1980) afirma que a empatia ajuda o indivíduo a se sentir valorizado,
cuidado e aceito como a pessoa que ele é, e que a empatia é sempre livre de qualquer
qualidade avaliativa ou diagnóstica. Consideramos que Rogers, neste momento, se
referia especificamente à          experiência empática e não à empatia em seu sentido
genérico 3 .
    Para Bozarth (1998), esta qualidade não avaliadora e aceitadora que Rogers atribui à
empatia corresponde à própria definição de consideração positiva incondicional.
Bozarth conclui, portanto, que a empatia Rogeriana é a manifestação e o veículo de
comunicação da consideração positiva incondicional:



                  A empatia Rogeriana 4 é primariamente a maneira mais pura
               de comunicar consideração positiva incondicional. A empatia
               Rogeriana é, de fato, inseparável da consideração positiva
               incondicional e eu sugiro que elas são, em última instância, uma
               mesma condição (Bozarth, 1998, pp.51-52). 5


1
  “ [empathic experience is] the therapist walking in the world of the client... being in the world of the
client and so responding/ reacting in ways that are blending with that world without or by minimally
violating it....sort of like an anthropologist living in another culture, adapting to the other culture and
accommodating to the culture... not in terms of conversation so much as just being”.
2
   O conceito de consideração positiva incondicional será discutido no item 5, onde sua relação com a
experiência empática será mais uma vez investigada
3
   A possibilidade da compreensão empática e do reflexo de sentimentos apresentarem uma qualidade
avaliativa e diagnóstica será discutida nos próximos tópicos.
4
   Bozarth se refere à empatia “rogeriana” em contraposição a outros conceitos de empatia, principalmente
à concepção de Kohut, que não subentendem a dimensão da ‘experiência empática’.
5
   “Rogerian empathy is primarily the purest way to communicate unconditional positive regard. Rogerian
empathy is, in fact, inseparable from unconditional positive regard and, ultimately, I suggest that they are
the same condition”.


                                                                                                         25
4.3. REFLEXO DE SENTIMENTOS SEM EXPERIÊNCIA EMPÁTICA



      É possível o terapeuta utilizar o método do reflexo de sentimentos sem ter uma
    experiência empática do cliente na relação?


      Brodley (1986) afirma que o reflexo de sentimentos é um canal para a expressão da
empatia apenas na medida em que o cliente está procurando ser compreendido e
comunica isto ao terapeuta:

                 [o terapeuta] está tentando compreender empaticamente o
             cliente de acordo com a intenção do cliente de ser compreendido
             naquele momento (Brodley, 2000) 1 .


      Em artigo recentemente publicado (Freire, 2000) eu considero que as respostas de
compreensão empática são a melhor maneira de implementar a atitude empática quando
o cliente está em busca de auto-conhecimento:



                 Parece que a intenção do terapeuta com a resposta de
             compreensão empática não é somente a de “checar” a precisão da
             compreensão do terapeuta mas existe também uma intenção de
             “oferecer” esta compreensão ao cliente. Como se o terapeuta
             estivesse dizendo: “É isso o que você está procurando?”... Desta
             forma, o terapeuta está sendo empático com a necessidade do
             cliente de auto-conhecimento (Freire, 2000, p.9) 2


      Mas existem situações nas quais o cliente não tem a intenção de se conhecer ou de
empreender uma exploração do eu. Por exemplo, quando o auto-conhecimento implica
em reconhecer sentimentos ou significados que são experienciados pelo cliente como
extremamente ameaçadores. Segundo Prouty (1999), experienciar estes sentimentos
diretamente pode ser desintegrador para o eu. Somente uma lenta entrega ao processo de
experienciação e integração natural do cliente seria um caminho seguro. Nestes casos, o



1
  “[the therapists] are trying to empathically understand the client in accord with the client's intentions to
be understood at that moment”.
2
  “It seems that the therapist's intention with the empathic understanding responses is not solely to
"check" the accuracy of the therapist's understanding but there is also an intention to "offer" such
understanding to the client. As if the therapist were saying: "Is that what you are looking for?”... So, the
therapist is being empathic with the client's need for self-understanding.”


                                                                                                            26
reflexo de sentimentos expressaria uma total falta de empatia do terapeuta em relação
ao cliente.
         Indivíduos extremamente deprimidos ou cuja noção de eu está extremamente
debilitada também podem não estar dispostos a empreender uma exploração do eu. Esta
foi uma das conclusões do projeto de pesquisa de Wiscosin, empreendido por Rogers,
Gendlin, Truax e Kiesler, no início da década de 60, com o objetivo de examinar os
resultados terapêuticos das atitudes facilitadoras em indivíduos diagnosticados como
‘esquizofrênicos’ e cronicamente hospitalizados (Rogers et. al., 1976). Foi encontrada
uma diferença de ‘foco’, na psicoterapia, entre os clientes denominados ‘neuróticos’ e
os denominados ‘esquizofrênicos’. O foco central dos clientes ‘neuróticos’, segundo
Rogers, seria a exploração do eu ao passo que o foco dos clientes ‘esquizofrênicos’ seria
a formação de um relacionamento:



                  Nossos terapeutas estiveram algumas vezes frustrados pela
              falta de exploração do eu entre nossos clientes esquizofrênicos,
              pois eles haviam chegado a pensar na exploração do eu como
              característica da maioria das psicoterapias. O indivíduo
              esquizofrênico parece estar procurando um relacionamento em
              que ele possa confiar, e é o potencial do terapeuta como uma
              pessoa de confiança e protetora que parecer ser crucial para ele.
              Portanto, (...) sua percepção da congruência e consideração
              positiva do terapeuta é central. Somente mais tarde a
              compreensão empática se torna mais importante, e perceptível
              num grau mais alto (Rogers et al., !976, p.76). 1



         Sommerbeck (2000), por exemplo, ao descrever a sua experiência com pacientes
em hospitais psiquiátricos, avalia que o                  método do reflexo de sentimentos é,
geralmente, inadequado para comunicar a experiência empática do terapeuta:

                  Eles não se sentem compreendidos e não experienciam
              consideração positiva incondicional pela exclusiva aderência do
              terapeuta ao reflexo empático. Ao invés disso, quando “seguimos
              a pista” deles com reflexos empáticos, eles podem se sentir
              perseguidos, invadidos, dominados, oprimidos, e coagidos. A

1
  “Our therapists were sometimes baffled by the lack of self-exploration among our schizophrenic clients,
since they had come to think of self-exploration as characteristics of most psychotherapy. The
schizophrenic individual seems to be seeking a relationship he can trust, and it is the therapist’s potential
as a trustworthy, caring person which appears crucial to him. Hence, in terms of our measures, his
perception of the congruence and positive regard of the therapist are central. Only later does empathic
understanding become more important, and perceptible to a higher degree”.


                                                                                                           27
questão para eles não é primariamente a de liberdade, mas a de
             segurança. Não é primariamente a de se sentir compreendido,
             mas a de se sentir cuidado. Eu sinto isto como o choro de uma
             criança: você não reflete empaticamente, você demonstra
             compreensão empática trocando suas fraldas (Sommerbeck,
             2000) 1


    Na medida em que indivíduos internados em hospitais psiquiátricos buscam,
primariamente, um relacionamento em que possam se sentir cuidados e seguros, a
experiência empática do terapeuta deve, necessariamente,                       ir ao encontro desta
necessidade. Os resultados de Wiscosin, portanto, evidenciam que o reflexo de
sentimentos nem sempre é um veículo para a implementação da atitude empática na
relação terapêutica.




4.4. EXPERIÊNCIA EMPÁTICA SEM REFLEXO DE SENTIMENTOS


    É possível ao terapeuta ter uma experiência empática do cliente na relação sem,
todavia, utilizar o método do reflexo de sentimentos?


    Bozarth (1997) afirma que empatia não é reflexo de sentimentos. Empatia, segundo
o autor, é um processo em que o terapeuta entra no mundo do cliente como se fosse o
cliente. O reflexo é somente uma das maneiras de se entrar no mundo do cliente, ou uma
técnica que pode ajudar neste processo. O que é facilitador para o cliente não é o
reflexo em si, mas o ‘caminhar no mundo do cliente’. Outras formas de respostas
empáticas, verbais ou não-verbais, que tentam representar o quadro de referência
interno do cliente na interação imediata também são possíveis. Bozarth, portanto, sugere
que outros ‘modos’ de empatia também sejam observados e analisados.




1
  “They do not feel understood and they do not experience unconditional positive regard by the therapist's
exclusive adherence to empathic reflection. When "tracking" them with empathic reflections, they may
rather feel persecuted, intruded upon, overwhelmed, oppressed, and coerced. The issue for them is not
primarily one of freedom, it is one of safety. Not primarily one of feeling understood, but one of feeling
cared for. To me it feels like the crying of the infant: you don't empathically reflect, you demonstrate
empathic understanding by changing his diapers”.


                                                                                                        28
4.4.1. Experiência empática na busca por uma melhor qualidade de vida




      Bozarth (1999) apresenta alguns relatos de sua experiência clínica com indivíduos
internados num hospital psiquiátrico público no final da década de 50. Este relatos
demonstram que o compromisso do terapeuta com o quadro de referência do cliente
não envolve necessariamente o repertório usual de respostas de compreensão empática.
O terapeuta, Bozarth, fora contratado pelo hospital como um Psychiatric Rehabilitation
Counselor, com a função de ajudar os pacientes, internados há muitos anos no hospital,
a realizar um treinamento profissionalizante, conseguir um emprego e sair do hospital.
Bozarth era recém-formado e esta era a sua primeira experiência profissional. Diz
Bozarth (1999):

                Sabendo pouco o que fazer, eu dependia dos indivíduos com
             quem eu trabalhava. Eu escutava, cuidava e confiava neles
             (Bozarth, 1999) 1 .


         Confiando na auto-direção e nos recursos dos clientes, Bozarth (1999) se
entregou à experiência de estar com eles, aceitando-os incondicionalmente e
acompanhando-os na sua busca por uma melhor qualidade de vida. Segundo Bozarth
(1999) raramente havia um foco na profundidade da exploração do eu ou
experienciação ou qualquer outro processo particular. (...) Não havia uma maneira
sistemática na qual eu lidava com os indivíduos; eles ditavam os meios, o modo e as
direções do contato 2 . Os seus clientes, que estavam em média há mais de vinte anos
hospitalizados, encontraram maneiras de melhorar sua vida significativamente. Uma
pesquisa realizada com estes indivíduos demonstrou uma grande redução da taxa de re-
internação, um aumento               significativo     nas taxas        de    colocação profissional,
independência e melhoria da qualidade de vida. Os relatos a seguir são exemplos deste
seu trabalho no hospital 3 :




1
   “Knowing little about what to do, I depended upon the individuals with whom I worked. I listened,
cared for and trusted them”.
2
  “there was seldom focus on depth of self exploration or experiencing or any other particular process. (...)
There was no systematic way that I dealt with individuals; they dictated the means, the mode and
directions of contact”.
3
   Ver no Anexo I o texto original em inglês.


                                                                                                          29
Howard havia sido hospitalizado vinte anos antes de eu conhecê-lo, diagnosticado
como Esquizofrênico, tipo Paranóide. Ele apunhalara vários indivíduos anteriormente
à sua admissão. (...) Ele ouviu falar de mim através de outro residente e pediu ao seu
médico para encaminhá-lo a mim. Nós conversamos duas vezes a respeito de seus
pensamentos de sair do hospital. Ele decidiu que isto não era a coisa para ele fazer, era
ameaçador demais! Eu principalmente o escutei, e falei a ele sobre algumas das
possibilidades educacionais e de treinamento com as quais eu poderia ajudá-lo se ele
decidisse desenvolver planos fora do hospital. Aproximadamente um ano depois, ele
retornou para retomar aonde tinha deixado. Ele me perguntou sobre a possibilidade
da “Escola de Barbeiros”. Nós conversamos semanalmente durante vários meses com
ele assumindo o comando. Ele falava sobre sua filha, seus relacionamentos no hospital
e coisas que a maioria de nós falaria em conversas normais. Sua consistência na
procura de treinamento resultou em ele ser aceito num financiamento para ingressar
nessa escola. Havia um período de espera antes de ir para a escola e ele decidiu
procurar emprego na comunidade. Embora houvesse o peso de uma recessão na
comunidade industrial, eu apoiei seu desejo de procurar emprego. Nós conversávamos
antes e depois de viagens para a cidade. A maioria da equipe estava bastante céptica
dele encontrar emprego quando indivíduos “normais” não conseguiam encontrar nem
mesmo trabalho de turno parcial. Uma semana depois, Howard tinha três ofertas de
trabalho. Ele aceitou um trabalho para depilar indivíduos antes de irem para cirurgia.
Mais tarde, ele foi para a escola e trabalhou como barbeiro até sua aposentadoria. Eu
sempre pensei que estes seriam empregos interessantes para ele já que ele foi
originalmente admitido no hospital por um ato de violência com uma faca que resultou
em ferimentos em algumas pessoas (Bozarth, 1999).


    Eleanor foi encaminhada a mim por um atendente da enfermaria. Ela tinha sido
diagnosticada vinte e um anos atrás como Esquizofrênica, tipo Indiferenciado. Ela
estava numa enfermaria fechada do hospital. O atendente disse que ela tinha
expressado um interesse em sair da enfermaria e ele se perguntava se eu poderia ajudá-
la de alguma maneira. Quando eu cheguei, Eleanor estava sentada no chão brincando
com suas fezes. Eu não tinha idéia do que fazer ou dizer. Eu me apresentei e disse a ela
um pouquinho sobre o meu papel no hospital. Ela não foi responsiva exceto por um
arrebatado sorriso de dentes pretos enquanto continuava a brincar com suas fezes. Eu
continuei sem saber o que dizer ou fazer. De vez em quando eu fazia uma pergunta ou
dizia alguma coisa. Eu tentava experienciá-la da melhor maneira que eu podia me
perguntando o que eu poderia fazer para estar mais certo do meu contato com ela. Em
desespero, eu finalmente deixei escapar alguma coisa como: “Você acha que você
poderia gostar de ir para uma escola de beleza?” Talvez eu tivesse lembrado de sua
criatividade e destreza manual enquanto                 brincava com suas fezes.
Surpreendentemente, ela descartou sua atividade com as fezes e sentou-se na cadeira
ao meu lado. Eu lhe falei que poderia voltar na próxima semana para checar com ela
de novo. Pouco tempo depois, ela começou a parar com alguns de seus
comportamentos bizarros. Ela se asseou durante os meses seguintes e mudou para uma
enfermaria aberta. Ela finalmente trabalhou um pouco no comissariado do hospital. Eu
não creio que ela tenha alguma vez saído do hospital mas a qualidade de sua vida
melhorou significativamente (Bozarth, 1999).




                                                                                      30
4.4.2. Experiência empática no silêncio do terapeuta


   O silêncio do terapeuta também pode ser uma expressão da experiência empática.
Um exemplo proveniente da minha experiência clínica pode contribuir para a
compreensão desta forma de experiência empática:

    Teresa iniciou a psicoterapia afirmando que o seu problema era que o seu marido
bebia. Ela se sentia extremamente deprimida, tensa e ansiosa. Ela utilizava os
cinqüenta minutos da sessão para se queixar do marido e para relatar, em minuciosos
detalhes, os fatos acontecidos na sua vida ao longo da semana anterior. Havia
momentos em que ela entrava em contato com seus sentimentos de desespero, mágoa e
raiva, como também havia momentos em que ela simplesmente descrevia fatos e
diálogos, com extremo preciosismo. Teresa falava de forma ininterrupta, não me
deixando ‘espaço’ para dizer nada. Quando eu falava algo na sessão, era no máximo
duas frases que pareciam sequer não serem ouvidas por ela. Ela continuava a seu
fluxo verbal como se eu não tivesse lhe dito nada. Percebi, assim, que ela queria
‘apenas’ ser escutada, ou, talvez, se escutar. Percebi que não havia necessidade de eu
me expressar verbalmente para expressar a minha empatia e aceitação incondicional.
Confesso que eu mesma me surpreendi com o seu progresso ao longo do processo
terapêutico. Dois meses após o primeiro atendimento, Teresa mudou radicalmente sua
atitude em relação a si mesma, ao marido e à própria vida. Reconheceu que o seu
problema não era o seu marido porque era ela que devia ir atrás da sua felicidade.
Ela passou a se valorizar, a ‘cuidar’ de si mesma e a sofrer menos com as atitudes do
marido. Sua qualidade de vida mudou significativamente. E a única coisa que eu ‘fiz’
para ajudá-la foi permanecer em silêncio.


   No livro que escrevi com Tambara (Tambara & Freire,1999), apresentamos o
depoimento de uma cliente sobre uma sessão em que o seu terapeuta permaneceu todo o
tempo em silêncio enquanto ela expressava suas emoções e sentimentos de forma
bastante intensa:

    O silêncio dele fazia eu me sentir profundamente aceita. Eu não precisava me
explicar para ele, não precisava falar de mim, bastava eu ser, eu estar ali. Naquela
hora eu percebi que não precisava ficar me justificando, eu não precisava ficar falando
sobre mim. Eu poderia tanto falar como não falar: eu não “tinha que” fazer nada para
ser aceita. O silêncio dele me permitiu mergulhar muito fundo em mim mesma, nos
meus sentimentos. Eu sentia seu silêncio como uma forma de respeito e como uma
confiança muito profunda em mim, no que eu sou. Ali, junto dele, eu não senti medo de
mergulhar fundo em mim e perceber certas coisas que eu jamais havia me permitido
perceber antes. Ele estava ali, comigo, sem me julgar, sem me avaliar. Sem que ele
falasse uma só palavra, eu me senti acolhida, protegida e segura como nunca havia me
sentido antes, em toda a minha vida. A sua presença me acolhia e me dava segurança
para eu prosseguir no meu mergulho interior. Esta sessão transformou profundamente
minha vida, pois ali eu consegui perceber que posso ser eu mesma. Que não preciso
“fazer força” para ser aceita e amada. Basta eu ser!! (p. 169)

                                                                                    31
Este parece ser um exemplo de experiência empática no silêncio do terapeuta.




4.5. COMPREENSÃO EMPÁTICA


       Estamos denominando de compreensão empática àquela faceta da definição de
empatia de Rogers 1 relacionada à compreensão, por parte do terapeuta, dos significados
presentes na experiência do cliente. Nesta definição, a ‘compreensão empática’ se
apresenta nos seguintes termos:


       -    perceber os significados que ele quase não percebe;
       - sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em
       relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão
       ou ao que quer que ele esteja vivenciando;


       Para Rogers, a compreensão empática não se distingue da experiência empática.
Ambas são usadas indistintamente em seu artigo sobre empatia, como se fossem um
único fenômeno. No entanto, se a compreensão empática e a experiência empática são
o mesmo fenômeno (visto a partir de diferentes perspectivas), isto implica,
necessariamente, que estas não podem ocorrer separadamente. Isto é, sempre que o
terapeuta tiver uma experiência empática do cliente, ele obterá uma compreensão dos
significados presentes na sua experiência e isto também vale para a recíproca.
Entretanto, minha experiência clínica e relatos clínicos da literatura parecem apontar
para a possibilidade da compreensão empática e a experiência empática serem
fenômenos independentes. Nos tópicos seguintes, investigaremos esta relação entre
experiência empática e compreensão empática.




1
    cf. item (4)


                                                                                      32
4.6. COMPREENSÃO EMPÁTICA SEM EXPERIÊNCIA EMPÁTICA


    É possível o terapeuta obter uma compreensão dos significados vividos pelo cliente
sem ter uma experiência empática do cliente na relação?


   A experiência empática, como vimos, envolve necessariamente a experiência de
aceitação ou consideração positiva incondicional. A compreensão empática, entretanto,
nem sempre é obtida neste contexto de aceitação e valorização do outro (Shlien, 1997).
A compreensão empática também é utilizada por outras abordagens terapêuticas,
enquanto uma compreensão dos significados presentes na experiência do cliente, mas
num contexto de avaliação e diagnóstico ( cf. Kohut, 1959).


   Na minha experiência clínica como terapeuta centrada no cliente, uma sessão em
particular foi especialmente importante para a minha compreensão de que a técnica de
reflexo de sentimentos, apesar de me possibilitar uma acurada compreensão empática
dos significados vividos pelo cliente, nem sempre me propicia uma experiência
empática do seu mundo:

     A cliente começou a sessão dizendo que não tinha nada para falar. Então, eu
utilizei a técnica de reflexo de sentimentos e após alguns minutos ela disse que não
sabia quem ela era realmente. Ela não expressou nenhuma emoção ao dizer isto,
parecia, naquele instante, ser uma “casca” morta sem vida interior. A seguir, ela
começou a falar sobre todas as coisas que ela “tinha que ser”. Ela disse que tinha que
ser forte, organizada, responsável, competente, ativa, esperta, etc... Mas eu não
consegui aceitar que ela se impusesse tantas “condições de valor” para si mesma e
quis “convencê-la” que ela deveria se libertar destas auto-imposições. No entanto, eu
não tentei convencê-la através de afirmações diretas, mas fiz isto sutilmente, através
da técnica de reflexo de sentimentos, dizendo-lhe: “Parece que tem sido muito pesado
para você ter que carregar todos esses ‘tenho que’...”. Esta afirmação expressou uma
compreensão empática acurada do seu mundo. Ela estava realmente se sentindo
sobrecarregada e cansada por tantas auto-exigências; ela concordou com minha
percepção/compreensão, mas de alguma maneira ela se sentiu ameaçada por esta
percepção. Então recuou e se fechou ainda mais na sua “casca morta”. E eu me senti
irritada e frustrada porque ela continuou defendendo o seu ponto-de-vista de que ela
tinha que ser isto e aquilo... Neste momento eu percebi que não estava experienciando
consideração positiva incondicional e empatia em relação a ela apesar de eu ter obtido
uma compreensão empática do seu mundo e ter feito um acurado reflexo de sentimento.
Eu teria tido uma experiência empática se tivesse percebido/aceito que ela não queria
olhar para o seu ser real naquele exato momento.




                                                                                   33
Após o término da sessão, eu fiquei me perguntando porquê eu não tinha conseguido
experienciar empatia e consideração positiva incondicional pela cliente, apesar de ter
alcançado uma compreensão do significado vivido de sua experiência. A resposta,
então,    surgiu rápida e claramente à minha mente. Eu não consegui aceitar e ser
empática com a experiência da cliente de se impor rígidas condições de valor porque as
minhas expectativas em relação ao seu processo terapêutico eram que ela se tornasse
uma pessoa aberta à experiência e que conseguisse experienciar auto-consideração
positiva incondicional. Estas expectativas me levaram a assumir uma posição de expert
na relação, tentando guiá-la e conduzi-la na direção de uma maior abertura ao seu fluxo
experiencial. A minha necessidade de me mostrar “competente” profissionalmente, de
fazer com que o seu processo terapêutico fosse ‘bem-sucedido’, não me permitiu aceitar
a sua experiência e respeitar a sua direção e o seu ritmo. Eu tentei conduzi-la em
direção a um maior contato com o seu fluxo experiencial, por ser este o meu “objetivo”
para o seu processo terapêutico e a minha expectativa em relação a um processo
terapêutico bem-sucedido. Percebi, portanto, que ter este objetivo impediu-me de estar
aberta a receber o seu mundo de forma incondicional.
   Desta forma, minha experiência nesta sessão sugeriu-me uma investigação a
respeito dos objetivos na relação terapêutica centrada no cliente, o que acabou por me
conduzir à discussão da não-diretividade no contexto da teoria de Rogers.




4.7. A NÃO-DIRETIVIDADE


         A teoria da terapia de Rogers (1959) postula que, se a experiência do terapeuta
das atitudes facilitadoras for percebida pelo cliente, o processo de auto-atualização do
cliente será promovido. Nesta perspectiva, Patterson (2000) considera como objetivo
último da terapia a liberação e promoção da auto-atualização do cliente. No entanto, ele
ressalva que este não é um objetivo escolhido nem pelo terapeuta nem pelo cliente, mas
que é dado pela natureza do indivíduo como um organismo vivo:



                É a natureza do organismo, uma característica da tendência
            atualizante, crescer, se desenvolver, se esforçar para atualizar
            seus potenciais, se tornar aquilo que é capaz de se tornar – ser
            mais auto-atualizante. (...) A três condições oferecidas pelo


                                                                                     34
terapeuta liberta a operação desta tendência no cliente (Patterson,
             2000, p128 e p. 183) 1 .


    A confiança do terapeuta na direção natural do cliente para o crescimento e a
vivência das atitudes de empatia, consideração positiva incondicional e congruência
criam um clima de liberdade na relação terapeuta/cliente através do qual emergem os
recursos do cliente para a mudança e cura (Bozarth, 1999). Pelo fato da atualização ser
um processo natural do organismo, Bozarth conclui que é equivocado considerar este
processo como sendo o objetivo do terapeuta. Ademais, objetivos normalmente são
definidos em termos de comportamentos, enquanto que a auto-atualização não pode ser
definida em termos de comportamentos específicos. A auto-atualização é sempre única
para cada indivíduo e a cada momento da sua vida. Como Maslow (1962) observa, a
auto-atualização é a atualização de um ‘eu’ e não existem dois eus totalmente iguais.


    Ao considerar o hipotético ponto final máximo do processo terapêutico, Rogers
(1958, 1961, 1963b) formulou o conceito da ‘pessoa em funcionamento pleno’. Uma
das características desta pessoa em funcionamento pleno é que ela estaria mais aberta ao
seu fluxo experiencial. Segundo Bozarth (1998b) estas considerações de Rogers
levaram muitos teóricos da abordagem centrada no cliente a interpretar a abertura ao
fluxo experiencial como objetivo ou ‘instrução’ para o terapeuta centrado no cliente. A
‘experienciação’, que na teoria de Rogers era um resultado provável do processo
terapêutico, passou a ser perseguida como objetivo por estes terapeutas.
    Neste sentido, a abordagem centrada no cliente se diferencia das abordagens
experienciais. O papel do terapeuta nas abordagens experienciais é o de um expert em
‘processo’, que tem o objetivo de ‘guiar’ o cliente na direção do seu processo de
experienciação (Lietaer, 1998). Segundo Prouty (1999), na terapia centrada no cliente,
ao contrário, a intenção do terapeuta é de se ‘entregar’ à auto-direção do cliente2 . Prouty
(1999) observa que o conceito de experienciação está presente na teoria de Rogers
como um resultado da vivência das atitudes facilitadoras, não como uma causa da
mudança terapêutica.



1
  “It is the nature of the organism, a characteristic of the actualizing tendency, to grow, to develop, to
strive to actualize its potentials, to become what it is capable of becoming – to be more self-actualizing.
(...) The three conditions offered by the therapist frees the operation of this drive in the client”
2
  “surrender to client self-direction”


                                                                                                        35
Brodley (1998) afirma que o terapeuta centrado no cliente “por princípio, e no seu
íntimo, não tem a intenção de produzir efeitos no cliente” 1 (p.26). Brodley (2000)
também observa que as respostas de compreensão empática do terapeuta centrado no
cliente, têm como efeito, muitas vezes, com alguns clientes, de promover uma maior
relação da sua expressão comunicativa com seus sentimentos e reações internas. Mas
ela salienta que esta não é a intenção imediata do terapeuta centrado no cliente:

                Nós fazemos respostas do tipo de compreensão empática para
             procurar uma verificação ou modificação de nossa compreensão
             empática interna do quadro de referência imediato do cliente.
             Não é nossa intenção promover um atividade mais
             experiencialmente focalizada no cliente (Brodley, 2000) 2 .


    Rogers (in Baldwin, 1987) é bastante explícito ao afirmar que o seu único objetivo
como terapeuta diz respeito a ele mesmo, ao seu jeito de estar 3 na relação com o cliente.
Para Rogers, o único objetivo apropriado para o terapeuta é o de estar realmente
presente com o cliente naquele momento 4 . Para Bozarth (1999) isto se justifica
teoricamente na medida em que o fundamento da teoria da terapia centrada no cliente é
a existência de um processo construtivo natural em cada indivíduo. Este processo
natural é promovido quando o indivíduo percebe a experiência de consideração positiva
incondicional em relação a ele. O objetivo de Rogers era estar de uma certa maneira na
relação com o cliente porque ele confiava que este jeito de estar promoveria a liberação
da tendência de crescimento do indivíduo. Bozarth, portanto, conclui:

                 Não existem objetivos do terapeuta centrado na pessoa para o
             cliente. O único objetivo do terapeuta é estar de uma certa
             maneira. Não existe um objetivo de experienciação ou de
             profundidade de auto-exploração ou de auto-atualização. Não
             existe um processo particular, comportamentos ou direção que
             se espera que toda pessoa particular deva seguir (Bozarth, 1999).
             (grifo do autor) 5



1
  “in principle and in the heart, not intending to produce effects on or in the client when doing therapy”
2
  “We make empathic understanding type responses primarily to seek verification or modification of our
inner empathic understandings of the client's immediate internal frame of reference. We are not intending
to promote more experientially focused activity in the client”.
3
  way of being
4
  “Am I really with this person in this moment?” (p.48)
5
  “There are no goals of the person-centered therapist for the client. The only goal of the therapist is to be
a certain way. There is not a goal of experiencing, or of depth of self-exploration or of self-actualization.
There is no particular process or behaviors or direction that any particular person is expected to follow”.


                                                                                                           36
Quando o terapeuta tem objetivos para o cliente, ele se coloca numa posição de
autoridade na relação terapêutica. Ao invés de confiar no processo de auto-atualização,
na direção e auto-determinação do cliente, o terapeuta passa a confiar na suas técnicas e
expertise.     Esta falta de confiança impossibilita o terapeuta de experienciar uma
aceitação incondicional do quadro de referência do cliente. Bozarth (1998), ao
considerar a dificuldade que alguns terapeutas enfrentam em implementar a atitude de
consideração positiva incondicional (cf. Lieater, 1984), conclui que esta dificuldade
surge quando o terapeuta assume um papel de expert clínico que pretende influenciar o
cliente a ser de uma certa maneira. A confiança no quadro de referência do cliente e na
tendência atualizante é “contaminada” pela dedicação do terapeuta a influenciar o
cliente numa pré-determinada direção:



                 Existe uma sutil mas crucial diferença entre a visão de que
             existe um processo natural no interior do cliente que o terapeuta
             promove e a visão de que o terapeuta tem que apressar este
             processo. Não é de se admirar que o terapeuta comece a ter
             dificuldades com sua capacidade de sustentar a
             ‘incondicionalidade’... Sua confiança na auto-determinação e
             autoridade do cliente está diminuída (Bozarth, 1998, p.85) 1 .


         Assim, Bozarth (2000b) conclui que a não-diretividade é um corolário
necessário da teoria da terapia centrada no cliente, pois é o resultado comportamental da
aderência do terapeuta à condições de empatia, consideração positiva incondicional e
congruência. O terapeuta que opera na premissa de que as condições básicas são
necessárias e suficientes é inerentemente não-diretivo:

                Para aqueles que acreditam no fundamento crucial da teoria
             centrada no cliente, i.e., que o cliente é o melhor expert sobre sua
             própria vida, a não-diretividade é uma postura natural que
             emerge a partir da teoria (Bozarth, 2000b) 1 .


    A     relação entre experiência empática, compreensão empática e reflexos de
sentimentos pode ser clarificada através da discussão do conceito da não-diretividade. A

1
  “There is a subtle but critical difference between the view that there is a natural process within the client
that the therapist fosters and the view that the therapist must urge this process. No wonder the therapist
begin to have difficulties with their capacity to hold ‘unconditionality’... Their trust in the client’s self-
determination and self-authority is diminished”.




                                                                                                            37
experiência empática, como vimos na definição de Rogers 1 , significa deixar de lado
nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar no mundo do outro sem
preconceitos; significa pôr de lado nosso próprio eu. Esta é uma experiência de entrega
e de aceitação do outro que só é possível na relação terapeuta/cliente se houver uma
confiança do terapeuta na auto-direção e auto-determinação do cliente. É portanto, uma
experiência sem objetivos do terapeuta para o cliente, ou seja, é uma experiência
inerentemente não-diretiva.
    A compreensão empática e o reflexo de sentimentos, portanto, se forem utilizados
como meios para a obtenção dos objetivos do terapeuta para o cliente, então estarão
dissociados da experiência empática propriamente dita.




4.8. EXPERIÊNCIA EMPÁTICA SEM COMPREENSÃO EMPÁTICA




    É possível ao terapeuta ter uma experiência empática do cliente na relação sem
contudo compreender os significados presentes na experiência do cliente?




    Podemos considerar que toda compreensão envolve a apropriação de um fenômeno
através de alguma linguagem.               Desta forma, a experiência empática precisaria ser
‘traduzida’ na linguagem do terapeuta para que pudesse ser compreendida por ele.
Entretanto, existem contextos nas quais esta ‘tradução’ da experiência empática em
compreensão empática não ocorre.


    Os grandes grupos de comunidade da abordagem centrada na pessoa é um destes
contextos em que tipicamente não ocorre uma ‘compreensão’ empática em
correspondência à          experiência empática. Apesar de Rogers reconhecer que a sua
maneira de estar nos grandes grupos é igual à sua maneira de estar numa relação
terapêutica, isto é, que em ambos contextos, ele experencia as mesmas atitudes de

1
 “For those who believe the critical foundation of client-centered theory, i. e., that the client is his or her
own best expert about his or her life, non-directivity is a natural stance that emerges from the theory”.



                                                                                                              38
empatia, consideração positiva incondicional e congruência (Rogers, 1987), Rogers
afirma que, nos grandes grupos “não existe sequer esperança de compreender o que está
acontecendo...” 2 e que “através da entrega de si mesmo ao processo, certas coisas
acontecem” 3 (in Baldwin, 1987, p.50). Ou seja, a experiência empática vivida nos
grandes grupos não dá origem a nenhuma forma de ‘compreensão’ empática. Podemos
afirmar que a implementação ou manifestação da experiência empática nos grandes
grupos centrados na pessoa se dá através da ‘entrega’ ao processo e não através da
compreensão empática ou das respostas de compreensão empática.


    Outro contexto no qual a experiência empática não consegue ser ‘traduzida’ em
compreensão empática é quando o quadro de referência do cliente é diferente ‘demais’
do quadro de referência do terapeuta. O terapeuta não consegue encontrar em sua
linguagem uma maneira de ‘traduzir’ ou de se ‘apropriar’ da sua experiência empática
do quadro de referência do cliente. A experiência empática, nessa situação, é pura
‘entrega’, é um ‘estar junto’ com o outro mesmo sem a possibilidade de ‘compreensão’
do outro.     Se utilizarmos a metáfora do antropólogo sugerida por Bozarth 4                         para
descrever a experiência empática, poderíamos dizer que esta seria a situação na qual a
cultura ‘visitada’ pelo antropólogo é tão ‘estranha’ a ele que, apesar de participar dos
rituais desta cultura, os significados destes rituais lhe escapam à compreensão. Esta
situação foi vivida por Bozarth (2000) em seu trabalho como ‘rehabilitation counselor’
de pacientes de um hospital psiquiátrico:

                 Eu estava interessado apenas em seus mundos... como era
             para eles a partir de suas perspectivas... eu não podia ter clareza
             na minha experiência dos seus mundos na maior parte do tempo
             e quando eu tinha, eu não compreendia... eu não podia relacioná-
             la a minhas próprias experiências... ser abduzido por discos
             voadores... mas, por outro lado, eles falavam de coisas que eu
             compreendia... eles queriam sair do hospital, trabalhar... eles
             podiam falar de suas frustrações no hospital... Eu podia
             responder a isto com compreensão empática, de modo que eu
             usava as respostas de compreensão empática em certa medida,




1
  cf. item (4)
2
  “there is not even hope of understanding what is going on...”
3
  “by surrendering yourself to the process, certain things happen”.
4
  “like an anthropologist living in another culture, adapting to the other culture and accommodating to the
culture... not in terms of conversation so much as just being”


                                                                                                         39
mas ao mesmo tempo eu estava experienciando seus mundos
             perceptuais de outra maneira... (Bozarth, 2000) 1




4. 8.1. Experiência empática no silêncio do cliente


    A experiência empática pode ocorrer na relação terapêutica mesmo quando o cliente
permanece em completo silêncio durante toda a sessão. Sem a expressão verbal do
cliente, o terapeuta fica impossibilitado de obter uma compreensão empática dos
significados daquela experiência,            mas isto não o impede de ter uma experiência
empática do cliente. Apresentaremos dois relatos clínicos que ilustram esta situação de
experiência empática mesmo no silêncio do cliente.


    O primeiro relato é apresentado em Calia & Corsini (1973). A terapeuta era
counselor numa escola secundária 2 .               Uma aluna a procurou dizendo que tinha
“problemas”. Como a terapeuta não tinha tempo para conversar com ela naquele
momento, combinaram um atendimento para o dia seguinte num horário conveniente
para ambas 3 :


        [Jill] não disse nada quando chegou. Eu digo isto literalmente. Ela bateu na
porta, eu fui abri-la e a cumprimentei agradavelmente. A meu convite, ela se sentou, e
olhamos uma para a outra. Eu esperei ela dizer alguma coisa, se explicar, se queixar,
ou fazer perguntas. Eu olhei para ela tentando ser tão agradável e aceitadora quanto
eu podia. Seus olhos se encheram de lágrimas e as lágrimas rolaram por suas faces,
mas ela não disse nada. Eu me perguntei o que eu deveria fazer. A coisa mais simples e
mais natural poderia ter sido dizer: “O que está lhe aborrecendo?” Mas há que ser
lembrar que eu tinha sido treinada precisamente a não fazer perguntas ou dar
conselhos, e então, me sentindo bastante tola, eu simplesmente me mantive olhando
para a garota. Durante meia hora, nada aconteceu. Eu então lhe disse: “Está na hora
de terminar nossa sessão. Você gostaria de me ver novamente?” Um tanto para minha
surpresa e alívio, ela concordou com um movimento de cabeça, e quando eu sugeri
outro encontro na mesma hora na próxima semana, ela novamente concordou com a
cabeça e saiu sem ter dito uma única palavra.
1
  “I was only interested in their world... what it was like for them from their perspective... I could not be
clear on my experience of their worlds most of the time and when I did I did not understand... I could not
relate it to experiences of my own....being abducted by flying saucers... but on the other hand they did talk
about things I understood...they wanted to get out of the hospital, work...could talk about the frustrations
in the hospital... I could respond to this with empathic understanding so then I would use empathic
understanding responses to some extent but at the same time I was experiencing their perceptual world in
another way...”
2
  high school
3
  Ver no Anexo II o texto original em inglês.


                                                                                                          40
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As atitudes facilitadoras

  • 1. ELIZABETH SCHMITT FREIRE A IMPLEMENTAÇÃO DAS ATITUDES FACILITADORAS NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA CENTRADA NO CLIENTE Dissertação apresentada ao Departamento de Pós Graduação em psicologia do Instituto de Psicologia da PUC Campinas como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica Orientador: Dr. Mauro Martins Amatuzzi Campinas 2000
  • 2. Dedico esta dissertação a Newton Tambara que não teve medo do meu medo que confiou na minha luz e foi parteiro do meu Ser... e que também me ensinou a ser terapeuta centrada no cliente... 2
  • 3. AGRADECIMENTOS À Mauro Amatuzzi, que orientou-me com sabedoria, tolerância, paciência e amor. Que foi compreensivo para com os meus erros, me ajudando também nos momentos mais difíceis desta trajetória. À John K. Wood, que me inspirou e me estimulou a dar os meus primeiros passos no mundo acadêmico... Aos amigos da Delphos, minha família espiritual... Aos meus clientes, que me deram muito mais do que eles pensam que eu dei a eles... À Jerold Bozarth... 3
  • 4. RESUMO As atitudes de congruência, consideração positiva incondicional e compreensão empática foram apresentadas por Rogers, em 1957, na sua hipótese sobre as condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica da personalidade. Apesar da clareza teórica da formulação das atitudes facilitadoras, sua implementação na prática clínica tem gerado profundas controvérsias entre teóricos da abordagem centrada na pessoa. Estas controvérsias apontam para a questão da identidade da terapia centrada no cliente. Neste sentido, esta dissertação tem como objetivo investigar as formas de implementação das atitudes facilitadoras que identificam a terapia centrada no cliente. Esta investigação é realizada através de uma perspectiva clínica. A experiência clínica da autora e relatos clínicos da literatura são discutidos e analisados a partir de considerações teóricas que, por sua vez, também são expandidas e clarificadas por estas experiências. Concluiu-se que a atitude empática apresenta três facetas: a experiência empática, a compreensão empática e o reflexo de sentimentos. Estas três facetas da empatia são independentes, isto é, elas podem ocorrer numa relação interpessoal separadamente. A experiência empática e a experiência de consideração positiva incondicional são uma mesma e única experiência, sendo esta a atitude do terapeuta primordialmente facilitadora da mudança terapêutica. A não-diretividade do terapeuta é uma conseqüência inevitável desta experiência. A congruência foi compreendida como uma preparação do terapeuta para a experiência empática. As três atitudes postuladas por Rogers são, na realidade da relação terapêutica, uma única atitude, e esta representa a essência da terapia centrada na cliente. Esta única atitude pode ser descrita como a dedicação do terapeuta para estar com o cliente, acompanhando-o em seu mundo, no seu próprio ritmo e direção, e de acordo com o seu jeito único de ser. PALAVRAS-CHAVE: Terapia Centrada no Cliente, relação terapêutica, empatia. 4
  • 5. ABSTRACT The attitudes of congruence, unconditional positive regard and empathic understanding were presented by Rogers, in 1957, in his hypothesis of the necessary and sufficient conditions for therapeutic personality change. Yet the theoretical clarity of the statement of the facilitative attitudes, their implementation in the clinical practice has deep controversies among theoreticians of the person-centered approach. These controversies point to the issue of the identity of client-centered therapy. Therefore, this dissertation aims to investigate the ways for implementation of the facilitative attitudes which identify client-centered therapy. This investigation is taken through a clinical perspective. The author’s clinical experience and clinical vignettes from the literature are discussed and analyzed through theoretical considerations which are also furthered and clarified by theses experiences. The conclusions are that the empathic attitude presents three facets: empathic experience, empathic understanding and empathic understanding responses. These three facets of empathy are independent, that is, they can occur separately in interpersonal relationship. The empathic experience and the experience of unconditional positive regard are the same and only one experience and this is the therapist’s attitude primarily facilitative of therapeutic change. The therapist’s non-directivity is the inevitable consequence of this experience. Congruence was understood as a therapist’s preparation to the empathic experience. The three attitudes postulated by Rogers are, within the reality of the therapeutic relationship, only one attitude, and it represents the essence of client-centered therapy. This unique attitude can be described as the therapist’s dedication to being with the client in her world, going with her in her own pace and direction, in accordance with her unique way of being. KEY-WORDS: Client-centered therapy; therapeutic relationship, empathy. 5
  • 6. INTRODUÇÃO................................................................................................................ 7 1) AS PESQUISAS SOBRE AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS E SUFICIENTES PARA A MUDANÇA TERAPÊUTICA DA PERSONALIDADE:.............................. 10 2) UMA PREMISSA FUNDAMENTAL: A TENDÊNCIA ATUALIZANTE:........... 12 3) “ NENHUMA OUTRA CONDIÇÃO É NECESSÁRIA”:....................................... 13 4) EMPATIA.................................................................................................................. 15 4.1. REFLEXO DE SENTIMENTOS .................................................................................. 17 4.2. A EXPERIÊNCIA EMPÁTICA................................................................................... 24 4.2.1. A experiência empática e a aceitação incondicional do terapeuta são, em essência, a mesma experiência: ........................................................................................................................................25 4.3. REFLEXO DE SENTIMENTOS SEM EXPERIÊNCIA EMPÁTICA..................... 26 4.4. EXPERIÊNCIA EMPÁTICA SEM REFLEXO DE SENTIMENTOS..................... 28 4.4.1. Experiência empática na busca por uma melhor qualidade de vida..........................................29 4.4.2. Experiência empática no silêncio do terapeuta........................................................................31 4.5. COMPREENSÃO EMPÁTICA ................................................................................... 32 4.6. COMPREENSÃO EMPÁTICA SEM EXPERIÊNCIA EMPÁTICA...................... 33 4.7. A NÃO-DIRETIVIDADE .............................................................................................. 34 4.8. EXPERIÊNCIA EMPÁTICA SEM COMPREENSÃO EMPÁTICA...................... 38 4. 8.1. Experiência empática no silêncio do cliente............................................................................40 4.8.2. As ‘falhas’ na compreensão empática .....................................................................................42 4.8.3. Ludoterapia.........................................................................................................................44 5) CONSIDERAÇÃO POSITIVA INCONDICIONAL................................................ 46 6) CONGRUÊNCIA .................................................................................................... 49 6.1. GENUINIDADE E TRANSPARÊNCIA ..................................................................... 50 6.2. CONGRUÊNCIA EM RELAÇÃO À EMPATIA E CONSIDERAÇÃO POSITIVA INCONDICIONAL ............................................................................................................... 53 7) A ESSÊNCIA DA TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE .................................... 55 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 59 ANEXO I........................................................................................................................ 68 ANEXO II ...................................................................................................................... 69 6
  • 7. INTRODUÇÃO A teoria da psicoterapia e das relações humanas desenvolvida por Carl Rogers, com sua ênfase na importância da relação terapêutica, deixou uma marca indelével na psicoterapia (Bozarth, 1998). Numa pesquisa realizada com psicólogos americanos, Rogers foi avaliado pela maioria dos entrevistados como o psicólogo mais influente, antes mesmo de Freud e Skinner (Smith, 1982). Em 1985, na Phoenix Conference on the Evolution of Psychotherapy, que foi comparada a uma “babel de vozes em conflito” por reunir experts de diversas abordagens em psicoterapia (Wolpe, 1987), Carl Rogers foi o único palestrante a ser longamente ovacionado pela audiência (Zeig, 1987). As seis condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica da personalidade postuladas por Rogers em 1957 impulsionaram a pesquisa em psicoterapia por mais de três décadas e continuam sendo um tópico relevante e discutido no âmbito da psicoterapia (Stubbs & Bozarth, 1996; Norcross, 1992). Estas condições tornaram-se um marco de referência não somente para a terapia centrada no cliente como para a psicoterapia e para as relações de ajuda em geral (Bozarth et al., 2000). As condições descritas por Rogers são as seguintes: 1. Que duas pessoas estejam em contato psicológico; 2. Que a primeira, a quem chamaremos cliente, esteja num estado de incongruência, estando vulnerável ou ansiosa; 3. Que a segunda pessoa, a quem chamaremos de terapeuta esteja congruente ou integrada na relação; 4. Que o terapeuta experiencie uma consideração positiva incondicional pelo cliente; 5. Que o terapeuta experiencie uma compreensão empática do quadro interno de referência do cliente e se esforce por comunicar esta experiência ao cliente; 6. Que a comunicação ao cliente da compreensão empática do terapeuta e da consideração positiva incondicional seja efetivada, pelo menos num grau mínimo. (Rogers, 1957, p.96) A congruência é o estado do terapeuta, no interior da relação, no qual ele “é livre e profundamente ele mesmo, com sua experiência real precisamente representada na sua consciência de si mesmo”. Consideração positiva incondicional é “a medida em que o terapeuta se encontra experienciando uma calorosa aceitação de cada aspecto da 7
  • 8. experiência do cliente como sendo parte do cliente”. E compreensão empática é “sentir o mundo privado do cliente como se fosse o seu, mas sem perder a qualidade de ‘como se’” (Rogers, 1957, pp.97-99). A hipótese de Rogers é de que essas condições são necessárias e suficientes para promover o processo de mudança construtiva da personalidade. Apesar dessas condições terem se tornado as atitudes fundamentais para o terapeuta centrada no cliente (Rogers, 1959), a hipótese de Rogers postula que estas condições são essenciais para todas as terapias e para todas as relações de ajuda que tenham a mudança terapêutica da personalidade como objetivo. Entretanto, apesar da clareza teórica e da aparente simplicidade da formulação de Rogers das condições básicas, a implementação das atitudes de consideração positiva incondicional, compreensão empática e congruência na relação terapêutica representa um grande desafio para o terapeuta. Em um artigo que escrevi com Tambara (Freire & Tambara, 2000), afirmamos que existe um grande abismo separando a teoria da terapia centrada no cliente de sua prática clínica. Ademais, diversas concepções distintas a respeito da implementação das atitudes facilitadoras se desenvolveram partir da década de 60, gerando profundas divergências entre teóricos da abordagem centrada na pessoa. Segundo Bozarth (1998), não existe um comportamento específico que possa descrever a terapia centrada no cliente ou comunicar as condições necessárias e suficientes, na medida em que estas condições são atitudes, isto é, experiências internas e subjetivas do terapeuta: Nem a teoria de Rogers da mudança terapêutica, nem a hipótese das condições necessárias e suficientes são expressas em termos de comportamento. (...) Todo comportamento que tenha a aparência de uma atitude terapêutica pode ou não implementar a atitude (Bozarth, 1998, p.55 e p.61) 1 A implementação das atitudes terapêuticas, segundo Bozarth (1998), é variável, dentro de limites, dependendo das características pessoais tanto do cliente quanto do terapeuta. Este é um ponto vital para a terapia centrada no cliente. Não havendo um comportamento definido, ou uma técnica estabelecida que garanta a implementação das 1 “Neither Rogers’ theory of therapeutic change nor the hypothesis of the necessary and sufficient conditions are expressed in terms of behavior. (...) Any behavior that has the appearance of a therapeutic attitude may or may not implement the attitude”. 8
  • 9. atitudes facilitadoras, como podemos reconhecer, dentro desta ampla variabilidade de expressões idiossincrásicas, quais os limites a que Bozarth se refere? Apesar de não existirem comportamentos ou técnicas que estabeleçam a priori a presença das condições básicas, como reconhecer e identificar estes limites que definem a relação terapêutica como sendo “centrada no cliente”? Estas indagações tornaram-se o foco central de minha atividade como pesquisadora. Neste sentido, realizei uma investigação exploratória a respeito das atitudes facilitadoras norteada pela seguinte pergunta: - Como as atitudes facilitadoras podem ser implementadas na relação terapêutica centrada no cliente? Implementar significa “dar execução a” ou “levar à prática por meio de providências concretas” (Ferreira, 1988). Meu objetivo com esta pesquisa foi investigar a maneira como as atitudes facilitadoras postuladas por Rogers podem ser postas em prática, de forma concreta, na relação terapêutica centrada no cliente. Esta investigação foi realizada a partir de uma perspectiva clinica. Minha própria experiência clínica e relatos clínicos da literatura foram discutidos e analisados a partir de considerações teóricas que, por sua vez, foram expandidas e clarificadas por estas experiências. Em certa etapa desta investigação, decidi gravar uma de minha sessões terapêuticas a fim de obter novos dados de pesquisa. A análise desta sessão foi apresentada no 15º encontro anual da ADPCA 1 (Association for the Development of the Person-Centered Approach), num pequeno grupo de discussão que me ajudou no aprimoramento de minhas conclusões. Posteriormente, algumas destas conclusões foram apresentadas e discutidas na rede da Internet do Person-Centered International proporcionando um significativo aprofundamento e clarificação da minha perspectiva 2 . Participaram desta discussão Jerold Bozarth, Ph.D., Barbara Brodley, Ph.D, Godfrey 1 Realizado na Universidade da California, em San Diego, de 9 a 13 de agosto de 2000. 2 A Internet tornou-se um instrumento valioso para a minha investigação também por me proporcionar um contato direto com muitos autores e pesquisadores que me enviaram, através de e-mail, seus trabalhos teóricos mais recentes. Desta forma, algumas das citações apresentadas ao longo desta dissertação não contém o número da página pelo fato de terem sido obtidas através deste meio eletrônico. 9
  • 10. Barrett-Lennard, Ph.D., Marvin Frankel, Ph.D., e Lisbeth Sommerbeck. Ao longo de toda esta investigação, Jerold Bozarth foi uma constante fonte de inspiração, tanto através de seus artigos e discussões na rede do Person-Centered International, como através de comunicações pessoais por e-mail. A trajetória e o resultado desta investigação são apresentados e discutidos nesta dissertação. 1) AS PESQUISAS SOBRE AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS E SUFICIENTES PARA A MUDANÇA TERAPÊUTICA DA PERSONALIDADE: Durante os quinze anos seguintes à publicação do artigo de Rogers, as pesquisas sobre as condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica (conhecidas na literatura como “condições básicas”) tornaram-se a força dominante do campo da pesquisa em psicoterapia e permaneceram como uma parte importante da investigação científica por mais de três décadas (Bozarth et al., 2000). Segundo Patterson (1984), as pesquisas sobre as condições básicas são volumosas e constituem um corpo de pesquisa que está entre os maiores no campo da psicologia. As décadas de 60 e 70 foram caracterizadas por pesquisas que buscavam comprovar que as condições básicas eram necessárias e suficientes para a mudança terapêutica da personalidade. A hipótese de Rogers foi consistentemente apoiada pelas pesquisas deste período (Truax and Mitchell, 1971; Patterson, 1984; Bozarth & Stubbs, 1994). Barret-Lennard (1962; 1998) desenvolveu o Relationship Inventory como um instrumento de pesquisa para avaliar as percepções dos clientes das condições facilitadoras. O Relationship Inventory tornou-se, posteriormente, o instrumento mais extensivamente utilizado nas pesquisas sobre a relação terapêutica e as condições facilitadoras (Hill et al, 1994). A conclusão da pesquisa de Barret-Lennard (1962) foi que os clientes melhoravam na medida em que percebiam seus terapeutas como 10
  • 11. compreensivos, congruentes, positivos e incondicionais em consideração a eles, confirmando, portanto, as hipóteses de Rogers. Truax & Mitchell (1971), numa revisão das pesquisas sobre as condições básicas concluíram que: Terapeutas e conselheiros que são acuradamente empáticos, não-possessivamente calorosos na atitude e genuínos são realmente eficazes. Ademais, estes resultados parecem se aplicar a uma ampla variedade de terapeutas e conselheiros, independentemente de seu treinamento ou orientação teórica e com uma ampla variedade de clientes ou pacientes, incluindo estudantes universitários com baixo aproveitamento escolar, delinqüentes juvenis, esquizofrênicos hospitalizados, (...), pacientes neuróticos severos ou brandos não hospitalizados e uma variedade mista de pacientes hospitalizados. Além disso, a evidência sugere que estes resultados se aplicam a uma variedade de contextos terapêuticos e a psicoterapia e aconselhamento tanto individual quanto grupal (Truax & Mitchell, 1971, p.310) 1 . Rudolph, Langer & Tausch (1980), realizaram uma pesquisa quasi-experimental com 149 clientes e 80 terapeutas centrados no cliente e obtiveram como principal resultado que os terapeutas que exibiam altos níveis de duas das três condições de empatia, calor e genuinidade tinham clientes com mudanças positivas. Outras conclusões deste estudo foram: (1) as mudanças nos clientes não dependiam do tipo de distúrbio; (2) os clientes que abandonavam a terapia o faziam em grande parte por causa das condições desfavoráveis dos seus terapeutas; (3) a mudança no cliente podia ser prevista após a quarta sessão por declarações de suas percepções do terapeuta e dos seus sentimentos sobre as sessões. Após a metade da década de 80, as hipóteses de Rogers foram investigadas por onze estudos (sendo que três destes investigaram somente a empatia) e todos tiveram resultados positivos (Sexton & Whiston, 1994). Lambert, Shapiro e Bergin (1986), numa revisão de pesquisas sobre psicoterapia concluíram que as qualidades atitudinais do terapeuta constituem uma porção 1 “Therapists and counselor who are accurately empathic, nonpossessively warm in attitude and genuine are indeed effective. Also, these findings seem to hold with a wide variety of therapists and counselors, regardless of their training or theoretic orientation, and with a wide variety of clients or patients, including college underachievers, juvenile delinquents, hospitalized schizophrenics, college counselees, mild or severe outpatient neurotics, and a mixed variety of hospitalized patients. Further, the evidence 11
  • 12. significativa dos ingredientes eficazes da psicoterapia. Orlinsky e Howard (1986) concluíram sua revisão de pesquisas sobre as condições atitudinais afirmando que de 50 a 80% dos estudos nesta área eram significativamente positivos, indicando que estas dimensões estavam relacionadas de maneira muito consistente ao resultado positivo da terapia. As hipóteses de Rogers foram apoiadas, de forma independente, por Duncan e Moynihan (1994), que concluíram que a variável operacional mais importante para o resultado bem-sucedido da terapia é a utilização intencional do marco de referência do cliente. Esta conclusão ressoa com a concepção rogeriana da empatia (Bozarth et al., 2000). Stubbs & Bozarth (1994) concluíram em sua revisão de pesquisas sobre resultado de psicoterapia que as únicas variáveis do relacionamento terapêutico consistentemente relacionadas à eficácia são as condições de empatia, genuinidade e consideração positiva incondicional. 2) UMA PREMISSA FUNDAMENTAL: A TENDÊNCIA ATUALIZANTE: O conceito de tendência atualizante é a pedra fundamental da terapia centrada no cliente (Bozarth & Brodley, 1991; Brodley, 1999): Prática, teoria e pesquisa deixam claro que a abordagem centrada na pessoa está construída sobre uma confiança básica na pessoa ... (Ela) confia na tendência atualizante presente na tendência de todo organismo vivo para crescer, se desenvolver e realizar todo seu potencial. Este jeito de ser confia no fluxo direcional construtivo do ser humano em direção a um desenvolvimento mais complexo e completo. O nosso propósito é liberar este fluxo direcional (Rogers, 1986, p.198). 1 suggests that these findings hold in a variety of therapeutic contexts and in both individual and group psychotherapy or counseling” 1 “Practice, theory and research make it clear that the person-centered approach is built on a basic trust in the person... (It) depends on the actualizing tendency present in every living organism’s tendency to grow, to develop, to realize its full potential. This way of being trusts the constructive directional flow of the human being toward a more complex and complete development. It is this directional flow that we aim to release”. 12
  • 13. A teoria de Rogers da tendência atualizante é uma teoria organísmica onde as qualidades fundamentais da natureza humana são as de crescimento, processo e mudança. Rogers (1980) afirma que toda motivação e a fonte central de energia do organismo está na tendência organísmica em direção à auto-atualização. O processo de atualização é dirigido ao crescimento e inclui o movimento em direção à realização, desenvolvimento e aperfeiçoamento das capacidades e potencialidades inerentes do indivíduo (Rogers, 1963). A tendência atualizante, segundo Rogers (1980), não pode ser destruída sem que se destrua também o organismo. De acordo com Bozarth (1998), a posição básica da terapia centrada no cliente é de que o terapeuta confia na tendência atualizante do cliente e acredita verdadeiramente que o cliente que experiencia a liberdade de uma clima psicológico que promova a liberação da sua tendência atualizante será capaz de resolver, de forma autônoma, seus próprios problemas. O terapeuta confia na autoridade do cliente sobre si mesmo e se relaciona com ele como um igual, respeitando as suas percepções. O terapeuta não intervêm e não tem a intenção de interferir pois o papel do terapeuta é somente o de criar um clima interpessoal que promova a liberação da tendência atualizante do cliente. Para Bozarth, este é o aspecto mais revolucionário da teoria de Rogers. 3) “ NENHUMA OUTRA CONDIÇÃO É NECESSÁRIA”: Entre o final dos anos 70 e o início dos anos 80 surgiram diversas revisões de pesquisas que tentaram provar que as condições formuladas por Rogers eram necessárias mas não suficientes para a mudança terapêutica da personalidade (Stubbs & Bozarth, 1994). Entretanto, Stubbs e Bozarth (1994) não encontraram nenhum estudo que apoiasse diretamente a afirmação de que as condições de Rogers são insuficientes em si mesmas. Segundo Patterson (1984), as conclusões destas revisões estão completamente equivocadas devido à tendenciosidade e aos preconceitos destes pesquisadores. Apesar da direção das evidências, as conclusões destas revisões não reflete acurada ou adequamente o próprio parecer dos revisores em relação às pesquisas analisadas: 13
  • 14. Os revisores são mais do que cautelosos em suas conclusões – eles são freqüentemente inconsistentes, ambivalentes e incapazes de aceitar os resultados de suas próprias revisões (Patterson, 1984). 1 Bozarth (1993) considera que esta equivocada conclusão de que as condições básicas não são suficientes baseia-se numa incompreensão e não-aceitação da suposição básica da teoria da terapia centrada no cliente de que o cliente conhece melhor sobre sua vida e progride quando certa atmosfera é proporcionada por um terapeuta que opera nessa premissa. Segundo Bozarth, estes autores são incapazes de descartar a noção que o terapeuta tem que intervir de alguma maneira, em algum ponto, para colocar o cliente na direção apropriada. Ou seja, a conclusão de que as condições básicas não são suficientes é uma visão oriunda de outros marcos de referência (comportamental ou psicanalítico) que não se baseiam na pressuposição da tendência atualizante. O modelo operacional nestas abordagens predispõe o terapeuta a agir ou intervir para influenciar o cliente, na medida em que considera que a responsabilidade do terapeuta é saber o que está acontecendo com o cliente e o que necessita ser feito em relação a isto (Schaff, 1992). Na perspectiva da abordagem centrada no cliente, ao contrário, o terapeuta recorre e confia na tendência atualizante, que permeia toda a vida organizada (Rogers, 1980). Só que isto não é reconhecido por estes outros paradigmas em psicologia. Assim, devido a esta falha na compreensão da posição de Rogers, diversos autores se referem às condições básicas como sendo apenas as condições preparatórias para as ‘intervenções’ do terapeuta (Lazarus, 1993; Norcross, 1992; Quinn, 1993). Bozarth (1998) conclui que a postura revolucionária de Rogers, que identifica o cliente como o melhor expert sobre sua vida, não tem sido bem compreendida ou assimilada nem pelos mais brilhantes scholars no campo da psicoterapia. 1 “The reviewers are more than cautious in their conclusions - they are often inconsistent, ambivalent, and unable to accept the results of their own reviews”. 14
  • 15. 4) EMPATIA Em 1975, Rogers escreveu um artigo entitulado “Uma maneira negligenciada de ser: a maneira empática” no qual ele revisita o conceito de empatia e propõe uma nova definição para o termo. Empatia, então, é definida como sendo um processo, uma maneira de ser numa relação com outra pessoa que apresenta várias facetas: Significa penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro dele. Requer sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que ele esteja vivenciando. Significa viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro dela sem julgar, perceber os significados que ele quase não percebe, tudo isto sem tentar revelar sentimentos dos quais a pessoa não tem consciência, pois isto poderia ser muito ameaçador. Implica em transmitir a maneira como você sente o mundo dele à medida que examina sem viés e sem medo os aspectos que a pessoa teme. Significa, freqüentemente, avaliar com ele a precisão do que sentimos e nos guiarmos pelas respostas obtidas. Passamos a ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior. Mostrando os possíveis significados presentes no fluxo de suas vivências, ajudamos a pessoa a focalizar esta modalidade útil de ponto de referência, a vivenciar os significados de forma mais plena e a progredir nesta vivência. Estar com o outro desta maneira significa deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar no mundo do outro sem preconceitos; num certo sentido, significa pôr de lado nosso próprio eu... (Rogers & Rosenberg, 1977, p.73) Analisando esta definição apresentada por Rogers, percebemos que ela engloba ao mesmo tempo três facetas distintas do modo de ser empático, que chamaremos de ‘experiência empática’, ‘compreensão empática’ e ‘reflexo de sentimentos’: (1) experiência empática: É uma maneira de estar na relação com o outro que, na definição acima, Rogers descreve como: - penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro dele; - viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro dela sem julgar; 15
  • 16. - passamos a ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior; - deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar no mundo do outro sem preconceitos; - num certo sentido, significa pôr de lado nosso próprio eu. (2) Compreensão empática: É um conhecimento dos significados e sentimentos que estão sendo experienciados pelo outro na relação. Rogers se refere à esta faceta quando afirma que a empatia: - significa perceber os significados que ele quase não percebe; - requer sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que ele esteja vivenciando; (3) Reflexo de sentimentos: É um método ou um modo de comunicação na relação com o cliente. Rogers se refere ao reflexo de sentimentos quando afirma que a empatia implica em: - transmitir a maneira como você sente o mundo dele à medida que examina sem viés e sem medo os aspectos que a pessoa teme; - freqüentemente, avaliar com ele a precisão do que sentimos e nos guiarmos pelas respostas obtidas; - sem tentar revelar sentimentos dos quais a pessoa não tem consciência, pois isto poderia ser muito ameaçador; - mostrando os possíveis significados presentes no fluxo de suas vivências. Ao longo de todo o artigo, Rogers se refere indistintamente a estas três facetas como sendo sinônimos de empatia, como sendo diferentes aspectos de um fenômeno único. Sendo assim, na concepção de Rogers, estas facetas não existiriam independentemente. A experiência empática, a compreensão empática e o reflexo de sentimento seriam 16
  • 17. fenômenos interdependentes, isto é, a presença de um implicaria necessariamente na presença dos outros. Entretanto, alguns relatos clínicos e discussões na literatura apontam para a possibilidade de que os fenômenos da experiência empática, compreensão empática e reflexo de sentimentos sejam independentes. A fim de investigar esta hipótese, discutirei, inicialmente, os conceitos de reflexo de sentimentos e o de experiência empática. A seguir, apresentarei relatos clínicos que apontam para a possibilidade destes dois fenômenos ocorrerem independentemente. Posteriormente, discutirei o conceito de compreensão empática e, da mesma forma, apresentarei relatos clínicos que apontam para a possibilidade da compreensão empática e a experiência empática ocorrerem independentemente. 4.1. REFLEXO DE SENTIMENTOS A imagem da terapia centrada no cliente tornou-se associada ao método focalizado por Rogers durante os seus anos na Universidade de Chicago, conhecido como “reflexo” ou “reflexo de sentimentos”. Exemplos de Rogers e outros terapeutas demonstrando a terapia centrada no cliente freqüentemente ilustram este método e estão largamente disponíveis na literatura (e.g. Bozarth, 1990; Bozarth & Brodley, 1991; Brodley, 1993; Ellis and Zimring, 1994; Merry, 1996; Raskin and Rogers, 1989; Rogers, 1965; Rogers and Segal, 1955; Rogers, 1986a). Shlien (apud Rogers, 1986b), considera que a terapia centrada no cliente jamais teria progredido sem o desenvolvimento da técnica do reflexo de sentimentos. Ao final da década de 70, Brodley (1977) desenvolveu uma conceitualização mais elaborada do método do reflexo, que ela denominou de “processo de resposta de compreensão empática” 1 . Segundo Brodley (1986), este processo é a forma que caracteriza e distingue a terapia centrada no cliente. Ele ocorre na medida em que o terapeuta experencia, com consistência e constância, as atitudes terapêuticas e as 1 “Empathic understanding response process". 17
  • 18. expressa para o cliente através de ‘respostas de compreensão empática’ 1 . Brodley define as respostas de compreensão empática como sendo: As respostas de compreensão empática se referem a uma ampla categoria de respostas, todas estas são uma tentativa de articular acuradamente a experiência que o cliente expressou ou está se esforçando para expressar. As respostas de compreensão empática variam de reiterações bastante literais, resumos do que o cliente expressou, respostas mais fragmentadas a formas de respostas que envolvem maior inferência ou suposição em relação ao que o cliente vem expressando. Mas em todas as instâncias de respostas de compreensão empática elas representam a tentativa do terapeuta de articular o ponto de vista do cliente e são uma tentativa de acompanhar o cliente de uma maneira empática. Elas não são baseadas numa tentativa de interpretar o cliente ou de ficar à frente da consciência do cliente de suas experiências” (Brodley, 1998, p. 27) 2 As respostas empáticas explícitas ocorrem no contexto de um “processo de respostas de compreensão empática” no interior da relação centrada no cliente. Neste processo, segundo Bozarth (1998), o terapeuta não tem objetivos para o cliente, sendo, portanto, um processo inerentemente não-diretivo. Os eventos típicos do ‘processo de respostas de compreensão empática’, também denominado de ‘interação empática’ por Brodley (1998), são: (1) o cliente fala ao terapeuta e expressa ou descreve alguns de seus sentimentos, preocupações, pensamentos ou eventos da sua vida. O cliente articula algo de sua experiência pessoal e de sua própria perspectiva que ele deseja comunicar naquele momento ao terapeuta (ou que deseja dizer em voz alta para escutar a si mesmo); (2) Enquanto o cliente está expressando sua experiência, o terapeuta está prestando atenção total ao cliente. O terapeuta está tentando receber, absorver e compreender os significados e sentimentos que o cliente está dizendo ou 1 “Empathic understanding responses”. 2 “Empathic understanding responses (EURs) refer to a broad category of responses all of which are an attempt to accurately articulate the experience the client has expressed or has been striving to express. EURs range from very literal restatements or summaries of what the client has expressed, to more fragmental responses, to forms of response which involves more inference or guessing about what the client has been expressing. But in all instances of EURs, they represent the therapist’s attempt to articulate the client’s point of view and are an attempt at an empathic following of the client. They are not 18
  • 19. tentando dizer a partir de sua própria perspectiva [do cliente]. O terapeuta se apropria da perspectiva do cliente até sentir que o entende em certa medida (ou que não tem este sentimento de compreensão e reconhece este fato); (3) A seguir, o terapeuta pode ou não fazer uma resposta explícita que comunique sua compreensão interna (ou que reconheça a falta de compreensão) do cliente. Se o terapeuta não faz uma resposta verbal-oral explícita, ele pode fazer um movimento afirmativo com a cabeça, um gesto vocal tal como “Uhm-hm”, ou simplesmente permanecer atento e silencioso de uma maneira que implica uma compreensão do cliente. (4) Finalmente, neste “ciclo empático” 1 , em resposta à presença, à atenção, ou às respostas explícitas do terapeuta, o cliente pode ter o sentimento de ser compreendido ou aceito. Estas experiências tendem a estimular o cliente a avançar na sua auto-reflexão e expressão (Brodley, 1998). Segundo Bozarth (1997), qualquer que seja o meio de expressão ou forma das respostas empáticas, elas são do tipo “seguir-tão-perto-quanto-possível” 2 o cliente enquanto ele narra e expressa a si mesmo. Ademais, todas as respostas empáticas são inerentemente “tentativas”, implicando a pergunta do terapeuta para o cliente: “Isto está correto?” 3 . Analisando este processo de respostas de compreensão empática, Barrett- Lennard (1993) formulou três “fases” para a empatia: (1) Na primeira fase uma pessoa (A) está atendendo ativamente com uma atitude empática à outra pessoa (B) que de alguma maneira está expressando seu próprio experienciar. Esta postura empática inclui uma abertura ativa para conhecer a outra pessoa em seu próprio interior, no experienciar imediato do seu mundo e engajamento do eu 4 . Esta é uma pré-condição para empatia, e o começo da escuta empática. Cedo ou tarde, à medida em que este processo continua, A ressoa experiencialmente com B num imediato reconhecimento da based on an attempt to interpret the client or get ahead of the client’s awareness of his or her experiences”. 1 termo formulado por Barrett-Lennard (1981) 2 “as-close-as-possible-following”. 3 “Is this accurate?” 4 “active openness to knowing the other person in their own inside, immediate experiencing of their world and engagement of self” 19
  • 20. experiência e significado sentido que foi compartilhado por B. A principal característica da experiência de B, algumas vezes toda a sua qualidade e substância tal como foi expressa e subentendida 1 , está agora também viva e em movimento na consciência de A. Este processo interno e esta qualidade de compreensão experiencial é a primeira essencial fase da empatia. Nesta Fase 1 o reconhecimento e compreensão interna não é ainda conhecida por B. (2) O próximo passo (que pode se seguir imediatamente) é a expressão comunicativa de resposta empática interna de A. Esta comunicação de empatia, intencional ou involuntária, verbal ou não-verbal, é identificada como Fase 2 da empatia. Se A meramente observou as palavras do outro, e tecnicamente espelhou de volta sua substância apenas na forma de uma compreensão experiencial, esta resposta não está emergindo de um processo empática interno e, portanto, não é Fase 2 da empatia. (3) A expressão de uma resposta empática real (de A) potencia a etapa culminante de consciência (de B) de ser empaticamente compreendido. Esta crucial terceira fase é a de empatia recebida ou apreendida. A consciência de ser literalmente escutado e profundamente compreendido, em alguma esfera pessoal vital, tem seu impacto direto próprio, seja de alívio, de algo finalmente fazendo sentido, um sentimento de uma conexão interna e de estar menos sozinho, e uma maior abertura para compartilhar sua expressão ou exploração. A experiência de ser escutado através da técnica de ‘reflexo de sentimentos’ é comparada por Barrett-Lennard (1993) à experiência de ser assistido no nascimento por uma parteira habilidosa: Escutar de um outro a essência de nosso sentimento e significado pessoal que estávamos lutando por articular e expressar, que talvez seja como um camaleão que se oculta mudando e desaparecendo enquanto o perseguimos, e que pode evocar nauseante ansiedade em nós, escutar neste contexto um ouvinte, que está devotando sua total atenção para o que nós estamos passando, falar-nos de volta o que nós mesmos estamos mal e dificilmente compreendendo, pode ter o impacto de uma 1 “implied” 20
  • 21. parteira habilidosa assistindo a um nascimento literal (Barrett- Lennard, 1993) 1 . A formalização do “reflexo de sentimentos” e da “regra da reiteração” provê o terapeuta com uma ferramenta poderosa para obter uma compreensão empática do cliente (Rogers, 1980; Teich, 1992) Segundo Bozarth (1997), o processo de resposta de compreensão empática pode ser considerado como uma provável implementação da atitude empática aceitadora do terapeuta centrado no cliente 2 , na medida que, para alguns terapeutas, este processo é a melhor maneira de manter uma postura empática e de aprender a confiar no cliente. Para Rogers (1986b), o reflexo de sentimentos é uma forma de checar com o cliente se ele o está compreendendo e de comunicar sua compreensão ao cliente. Brodley (1986) salienta que o reflexo de sentimentos funciona como expressão da compreensão empática quando a intenção do terapeuta é perguntar ao cliente: ‘é isto o que você está me dizendo? Ou ‘é isto o que você quer dizer?’ ou ‘é isto o que você está sentindo?’. Em Kirschenbaum (1979), Rogers afirma que o reflexo de sentimentos comunica não apenas a compreensão empática, mas também a aceitação incondicional do terapeuta: O reflexo de sentimentos comunica ao cliente que qualquer que sejam ou tenha sido seus sentimentos e comportamentos, não importa quão problemáticos, assustadores ou socialmente desaprovados, ele ainda é aceito como um valioso ser humano pelo terapeuta (Rogers em Kirschenbaum, 1979, p.120) 3 Entretanto, como enfatiza Brodley (1986), a terapia centrada no cliente não é a técnica de ‘reflexo de sentimento’ ou de ‘respostas de compreensão empática’. O processo de respostas de compreensão empática, segundo Bozarth (1997), precisa ser compreendido como uma expressão das atitudes do terapeuta e não como uma técnica ou estratégia. Neste sentido, afirma Brodley (1986): 1 “Hearing from another the essence of our personal feeling and meaning which we have been struggling to articulate and express, which perhaps is like a chameleon that keeps changing and disappearing as we pursue it, and which may evoke sickening anxiety in us, to hear in this context a listener who is devoting his/her whole attention to what we are going through speak back to us that which we ourselves are strenuously and barely grasping can have the impact of a skilful midwife assisting in a literal birth”. 2 “client-centered therapist’s acceptant empathic attitude” 3 “Reflection of feelings communicates to the client that whatever his feelings and behavior are or have been, no matter how troubling or frightening or socially disapproved of, he is still accepted as a worthy human being by the therapist”. 21
  • 22. Somente se as respostas de compreensão empática (ou qualquer outro tipo de resposta utilizada no contexto da terapia centrada no cliente) forem utilizadas como expressão das atitudes genuínas do terapeuta de congruência, aceitação e compreensão empática, elas são uma expressão da terapia centrada no cliente (Brodley, 1986). 1 Existe muita confusão em relação ao papel da técnica na terapia centrada no cliente. Técnicas de ‘reiteração’ 2 ou de ‘escuta ativa’ 3 (Gordon, 1970) são freqüentemente empregadas como sendo representativas da concepção de Rogers da compreensão empática. Estas técnicas podem, de fato, ajudar os clientes e produzir um processo de mudança terapêutica, mas elas não representam a terapia centrada no cliente. A teoria de Rogers enfatiza claramente as atitudes e sentimentos do terapeuta na relação terapêutica e não as técnicas (Brodley, 1998). Segundo Bozarth (1998), esta confusão entre atitude e técnica se originou do contexto de pesquisa e da metodologia científica na qual Rogers desenvolveu sua teoria da terapia. A maior parte do trabalho de Rogers na Universidade de Chicago, apesar de ter se baseado nos princípios atitudinais, foi focalizado nas respostas do terapeuta, examinando os efeitos de respostas específicas do terapeuta em comportamentos específicos do cliente. Este foco comportamental surgiu em função do método quantitativo utilizado nas pesquisas. Rogers e seus colegas se perguntavam: “O que o cliente faz quando o terapeuta responde de uma certa maneira? E como o terapeuta deveria responder?”. Rogers declara (in Kirschenbaum, 1979) que quando ele percebeu as interpretações tecnológicas dadas ao seu trabalho, ele passou a usar uma referência mais ampla do que ‘reflexo de sentimentos’ e passou a se referir à “adoção do quadro de referência do cliente”. Somente nesta época é que Rogers começou a utilizar o termo empatia: Foi somente quando Rogers ficou preocupado com os mal- entendidos em relação ao ‘reflexo’ e ao uso das técnicas de reflexo que ele começou a falar do quadro de referência do cliente e, assim, começou a usar o termo ‘empatia’. Empatia proveu Rogers com um significado mais compreensivo, que 1 “Only if empathic understanding responses (or any other types of response used in the context of client- centered therapy) are used as expression of the therapist’s genuine attitudes of congruence, acceptance and empathic understanding are they an expression of client-centered therapy”. 2 restatement 3 active listening 22
  • 23. enfatizava a atitude em vez do repertório de respostas (Bozarth, 1998, p.54). 1 Assim, em 1957, ao formular a hipótese das condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica, Rogers salientava que a técnica de reflexo de sentimentos não é uma condição essencial para a terapia centrada no cliente. A técnica pode servir como uma canal através do qual o terapeuta comunica empatia e consideração positiva incondicional, mas não é uma garantia da presença das atitudes facilitadoras, já que um sentimento também pode ser refletido de uma maneira que comunica uma falta de empatia do terapeuta. Segundo Bozarth (1998), o freqüente foco na técnica e nas estratégias comportamentais do terapeuta tem sido responsável pelas distorções e pela trivialização da terapia centrada no cliente e do seu conceito de empatia. Bozarth critica os modelos de Carkhuff (1971), Cormier e Cormier (1991) Corey (1982) e Egan (1975) que desenvolveram o conceito de empatia num quadro de referência comportamental. Segundo Barrett-Lennard (1993), a ênfase no reflexo e clarificação dos sentimentos e significados do cliente que tem caracterizado a terapia centrada no cliente traz o risco de tornar este método um fim em si mesmo e de negligenciar o processo interno crucial da atitude empática: É o meu ponto de vista de que esta qualidade de reiteração é uma modalidade poderosa quando ela reflete a ressonância empática genuína do outro. Dito de outra forma, reflexos podem ser um excelente canal para o fluxo da empatia, que é o ingrediente ativo (Barret-Lennard, 1993) (grifo do autor) 2 . 1 “It was not until Rogers became concerned about the misunderstandings of ‘reflection’ and use of reflection techniques that he talked about the client’s frame of reference and, then, began to use the term, ‘empathy’. Empathy provided Rogers with a more comprehensive meaning that emphasized attitude rather than a response repertoire” 2 “It is my view that this quality of restatement is a powerful modality when it does reflect the other's genuine empathic resonation. Put another way, reflections can be an excellent channel for the flow of empathy, which is the active ingredient”. 23
  • 24. 4.2. A EXPERIÊNCIA EMPÁTICA Denominamos de experiência empática à faceta da empatia que diz respeito à atitude do terapeuta de “entrar no mundo do cliente”. Retomando a definição de empatia proposta por Rogers em 1975 1 , vemos que a experiência empática implicaria em: - penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro dele; - viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro dela sem julgar; - ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior; - deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar no mundo do outro sem preconceitos; - pôr de lado nosso próprio eu (Rogers & Rosenberg, 1977, p73). Bozarth (1998) caracteriza esta experiência como: ... o mesclar-se pessoa-a-pessoa do terapeuta, emanharado no mundo do cliente, com reações empáticas e ‘total’ sintonia com o outro (Bozarth, 1998, p.67) 2 . A experiência empática se distingue do reflexo de sentimentos por ser muito mais do que uma técnica, fórmula, forma ou esquema cognitivo. Ela envolve uma completa dedicação e compromisso do terapeuta em experienciar, com aceitação, o mundo interno do cliente (Bozarth, 1998). Bozarth (2000) descreve a experiência empática comparando-a com a experiência de um antropólogo que tenta viver em uma outra cultura tendo o compromisso e o cuidado de não modificá-la: [experiência empática] é o caminhar do terapeuta no mundo do cliente... estar no mundo do cliente e então responder/reagir com maneiras que são um mesclar-se com este mundo, sem ou minimamente o violar... como um antropólogo vivendo em outra 1 cf. item (4). 2 “... the person-to-person blending of the therapist enmeshed in the world of the client with empathic reactions and ‘total’ attunement to the other”. 24
  • 25. cultura, se adaptando a outra cultura e se acomodando à cultura... não tanto em termos de conversação mas de apenas estar.1 A experiência empática envolve, portanto, uma presença aceitadora do terapeuta enquanto experencia o mundo interno do cliente. Neste sentido, empatia e consideração positiva incondicional são completamente inseparáveis (Bozarth, 1997). 4.2.1. A experiência empática e a aceitação incondicional do terapeuta são, em essência, a mesma experiência 2 : Rogers (1980) afirma que a empatia ajuda o indivíduo a se sentir valorizado, cuidado e aceito como a pessoa que ele é, e que a empatia é sempre livre de qualquer qualidade avaliativa ou diagnóstica. Consideramos que Rogers, neste momento, se referia especificamente à experiência empática e não à empatia em seu sentido genérico 3 . Para Bozarth (1998), esta qualidade não avaliadora e aceitadora que Rogers atribui à empatia corresponde à própria definição de consideração positiva incondicional. Bozarth conclui, portanto, que a empatia Rogeriana é a manifestação e o veículo de comunicação da consideração positiva incondicional: A empatia Rogeriana 4 é primariamente a maneira mais pura de comunicar consideração positiva incondicional. A empatia Rogeriana é, de fato, inseparável da consideração positiva incondicional e eu sugiro que elas são, em última instância, uma mesma condição (Bozarth, 1998, pp.51-52). 5 1 “ [empathic experience is] the therapist walking in the world of the client... being in the world of the client and so responding/ reacting in ways that are blending with that world without or by minimally violating it....sort of like an anthropologist living in another culture, adapting to the other culture and accommodating to the culture... not in terms of conversation so much as just being”. 2 O conceito de consideração positiva incondicional será discutido no item 5, onde sua relação com a experiência empática será mais uma vez investigada 3 A possibilidade da compreensão empática e do reflexo de sentimentos apresentarem uma qualidade avaliativa e diagnóstica será discutida nos próximos tópicos. 4 Bozarth se refere à empatia “rogeriana” em contraposição a outros conceitos de empatia, principalmente à concepção de Kohut, que não subentendem a dimensão da ‘experiência empática’. 5 “Rogerian empathy is primarily the purest way to communicate unconditional positive regard. Rogerian empathy is, in fact, inseparable from unconditional positive regard and, ultimately, I suggest that they are the same condition”. 25
  • 26. 4.3. REFLEXO DE SENTIMENTOS SEM EXPERIÊNCIA EMPÁTICA É possível o terapeuta utilizar o método do reflexo de sentimentos sem ter uma experiência empática do cliente na relação? Brodley (1986) afirma que o reflexo de sentimentos é um canal para a expressão da empatia apenas na medida em que o cliente está procurando ser compreendido e comunica isto ao terapeuta: [o terapeuta] está tentando compreender empaticamente o cliente de acordo com a intenção do cliente de ser compreendido naquele momento (Brodley, 2000) 1 . Em artigo recentemente publicado (Freire, 2000) eu considero que as respostas de compreensão empática são a melhor maneira de implementar a atitude empática quando o cliente está em busca de auto-conhecimento: Parece que a intenção do terapeuta com a resposta de compreensão empática não é somente a de “checar” a precisão da compreensão do terapeuta mas existe também uma intenção de “oferecer” esta compreensão ao cliente. Como se o terapeuta estivesse dizendo: “É isso o que você está procurando?”... Desta forma, o terapeuta está sendo empático com a necessidade do cliente de auto-conhecimento (Freire, 2000, p.9) 2 Mas existem situações nas quais o cliente não tem a intenção de se conhecer ou de empreender uma exploração do eu. Por exemplo, quando o auto-conhecimento implica em reconhecer sentimentos ou significados que são experienciados pelo cliente como extremamente ameaçadores. Segundo Prouty (1999), experienciar estes sentimentos diretamente pode ser desintegrador para o eu. Somente uma lenta entrega ao processo de experienciação e integração natural do cliente seria um caminho seguro. Nestes casos, o 1 “[the therapists] are trying to empathically understand the client in accord with the client's intentions to be understood at that moment”. 2 “It seems that the therapist's intention with the empathic understanding responses is not solely to "check" the accuracy of the therapist's understanding but there is also an intention to "offer" such understanding to the client. As if the therapist were saying: "Is that what you are looking for?”... So, the therapist is being empathic with the client's need for self-understanding.” 26
  • 27. reflexo de sentimentos expressaria uma total falta de empatia do terapeuta em relação ao cliente. Indivíduos extremamente deprimidos ou cuja noção de eu está extremamente debilitada também podem não estar dispostos a empreender uma exploração do eu. Esta foi uma das conclusões do projeto de pesquisa de Wiscosin, empreendido por Rogers, Gendlin, Truax e Kiesler, no início da década de 60, com o objetivo de examinar os resultados terapêuticos das atitudes facilitadoras em indivíduos diagnosticados como ‘esquizofrênicos’ e cronicamente hospitalizados (Rogers et. al., 1976). Foi encontrada uma diferença de ‘foco’, na psicoterapia, entre os clientes denominados ‘neuróticos’ e os denominados ‘esquizofrênicos’. O foco central dos clientes ‘neuróticos’, segundo Rogers, seria a exploração do eu ao passo que o foco dos clientes ‘esquizofrênicos’ seria a formação de um relacionamento: Nossos terapeutas estiveram algumas vezes frustrados pela falta de exploração do eu entre nossos clientes esquizofrênicos, pois eles haviam chegado a pensar na exploração do eu como característica da maioria das psicoterapias. O indivíduo esquizofrênico parece estar procurando um relacionamento em que ele possa confiar, e é o potencial do terapeuta como uma pessoa de confiança e protetora que parecer ser crucial para ele. Portanto, (...) sua percepção da congruência e consideração positiva do terapeuta é central. Somente mais tarde a compreensão empática se torna mais importante, e perceptível num grau mais alto (Rogers et al., !976, p.76). 1 Sommerbeck (2000), por exemplo, ao descrever a sua experiência com pacientes em hospitais psiquiátricos, avalia que o método do reflexo de sentimentos é, geralmente, inadequado para comunicar a experiência empática do terapeuta: Eles não se sentem compreendidos e não experienciam consideração positiva incondicional pela exclusiva aderência do terapeuta ao reflexo empático. Ao invés disso, quando “seguimos a pista” deles com reflexos empáticos, eles podem se sentir perseguidos, invadidos, dominados, oprimidos, e coagidos. A 1 “Our therapists were sometimes baffled by the lack of self-exploration among our schizophrenic clients, since they had come to think of self-exploration as characteristics of most psychotherapy. The schizophrenic individual seems to be seeking a relationship he can trust, and it is the therapist’s potential as a trustworthy, caring person which appears crucial to him. Hence, in terms of our measures, his perception of the congruence and positive regard of the therapist are central. Only later does empathic understanding become more important, and perceptible to a higher degree”. 27
  • 28. questão para eles não é primariamente a de liberdade, mas a de segurança. Não é primariamente a de se sentir compreendido, mas a de se sentir cuidado. Eu sinto isto como o choro de uma criança: você não reflete empaticamente, você demonstra compreensão empática trocando suas fraldas (Sommerbeck, 2000) 1 Na medida em que indivíduos internados em hospitais psiquiátricos buscam, primariamente, um relacionamento em que possam se sentir cuidados e seguros, a experiência empática do terapeuta deve, necessariamente, ir ao encontro desta necessidade. Os resultados de Wiscosin, portanto, evidenciam que o reflexo de sentimentos nem sempre é um veículo para a implementação da atitude empática na relação terapêutica. 4.4. EXPERIÊNCIA EMPÁTICA SEM REFLEXO DE SENTIMENTOS É possível ao terapeuta ter uma experiência empática do cliente na relação sem, todavia, utilizar o método do reflexo de sentimentos? Bozarth (1997) afirma que empatia não é reflexo de sentimentos. Empatia, segundo o autor, é um processo em que o terapeuta entra no mundo do cliente como se fosse o cliente. O reflexo é somente uma das maneiras de se entrar no mundo do cliente, ou uma técnica que pode ajudar neste processo. O que é facilitador para o cliente não é o reflexo em si, mas o ‘caminhar no mundo do cliente’. Outras formas de respostas empáticas, verbais ou não-verbais, que tentam representar o quadro de referência interno do cliente na interação imediata também são possíveis. Bozarth, portanto, sugere que outros ‘modos’ de empatia também sejam observados e analisados. 1 “They do not feel understood and they do not experience unconditional positive regard by the therapist's exclusive adherence to empathic reflection. When "tracking" them with empathic reflections, they may rather feel persecuted, intruded upon, overwhelmed, oppressed, and coerced. The issue for them is not primarily one of freedom, it is one of safety. Not primarily one of feeling understood, but one of feeling cared for. To me it feels like the crying of the infant: you don't empathically reflect, you demonstrate empathic understanding by changing his diapers”. 28
  • 29. 4.4.1. Experiência empática na busca por uma melhor qualidade de vida Bozarth (1999) apresenta alguns relatos de sua experiência clínica com indivíduos internados num hospital psiquiátrico público no final da década de 50. Este relatos demonstram que o compromisso do terapeuta com o quadro de referência do cliente não envolve necessariamente o repertório usual de respostas de compreensão empática. O terapeuta, Bozarth, fora contratado pelo hospital como um Psychiatric Rehabilitation Counselor, com a função de ajudar os pacientes, internados há muitos anos no hospital, a realizar um treinamento profissionalizante, conseguir um emprego e sair do hospital. Bozarth era recém-formado e esta era a sua primeira experiência profissional. Diz Bozarth (1999): Sabendo pouco o que fazer, eu dependia dos indivíduos com quem eu trabalhava. Eu escutava, cuidava e confiava neles (Bozarth, 1999) 1 . Confiando na auto-direção e nos recursos dos clientes, Bozarth (1999) se entregou à experiência de estar com eles, aceitando-os incondicionalmente e acompanhando-os na sua busca por uma melhor qualidade de vida. Segundo Bozarth (1999) raramente havia um foco na profundidade da exploração do eu ou experienciação ou qualquer outro processo particular. (...) Não havia uma maneira sistemática na qual eu lidava com os indivíduos; eles ditavam os meios, o modo e as direções do contato 2 . Os seus clientes, que estavam em média há mais de vinte anos hospitalizados, encontraram maneiras de melhorar sua vida significativamente. Uma pesquisa realizada com estes indivíduos demonstrou uma grande redução da taxa de re- internação, um aumento significativo nas taxas de colocação profissional, independência e melhoria da qualidade de vida. Os relatos a seguir são exemplos deste seu trabalho no hospital 3 : 1 “Knowing little about what to do, I depended upon the individuals with whom I worked. I listened, cared for and trusted them”. 2 “there was seldom focus on depth of self exploration or experiencing or any other particular process. (...) There was no systematic way that I dealt with individuals; they dictated the means, the mode and directions of contact”. 3 Ver no Anexo I o texto original em inglês. 29
  • 30. Howard havia sido hospitalizado vinte anos antes de eu conhecê-lo, diagnosticado como Esquizofrênico, tipo Paranóide. Ele apunhalara vários indivíduos anteriormente à sua admissão. (...) Ele ouviu falar de mim através de outro residente e pediu ao seu médico para encaminhá-lo a mim. Nós conversamos duas vezes a respeito de seus pensamentos de sair do hospital. Ele decidiu que isto não era a coisa para ele fazer, era ameaçador demais! Eu principalmente o escutei, e falei a ele sobre algumas das possibilidades educacionais e de treinamento com as quais eu poderia ajudá-lo se ele decidisse desenvolver planos fora do hospital. Aproximadamente um ano depois, ele retornou para retomar aonde tinha deixado. Ele me perguntou sobre a possibilidade da “Escola de Barbeiros”. Nós conversamos semanalmente durante vários meses com ele assumindo o comando. Ele falava sobre sua filha, seus relacionamentos no hospital e coisas que a maioria de nós falaria em conversas normais. Sua consistência na procura de treinamento resultou em ele ser aceito num financiamento para ingressar nessa escola. Havia um período de espera antes de ir para a escola e ele decidiu procurar emprego na comunidade. Embora houvesse o peso de uma recessão na comunidade industrial, eu apoiei seu desejo de procurar emprego. Nós conversávamos antes e depois de viagens para a cidade. A maioria da equipe estava bastante céptica dele encontrar emprego quando indivíduos “normais” não conseguiam encontrar nem mesmo trabalho de turno parcial. Uma semana depois, Howard tinha três ofertas de trabalho. Ele aceitou um trabalho para depilar indivíduos antes de irem para cirurgia. Mais tarde, ele foi para a escola e trabalhou como barbeiro até sua aposentadoria. Eu sempre pensei que estes seriam empregos interessantes para ele já que ele foi originalmente admitido no hospital por um ato de violência com uma faca que resultou em ferimentos em algumas pessoas (Bozarth, 1999). Eleanor foi encaminhada a mim por um atendente da enfermaria. Ela tinha sido diagnosticada vinte e um anos atrás como Esquizofrênica, tipo Indiferenciado. Ela estava numa enfermaria fechada do hospital. O atendente disse que ela tinha expressado um interesse em sair da enfermaria e ele se perguntava se eu poderia ajudá- la de alguma maneira. Quando eu cheguei, Eleanor estava sentada no chão brincando com suas fezes. Eu não tinha idéia do que fazer ou dizer. Eu me apresentei e disse a ela um pouquinho sobre o meu papel no hospital. Ela não foi responsiva exceto por um arrebatado sorriso de dentes pretos enquanto continuava a brincar com suas fezes. Eu continuei sem saber o que dizer ou fazer. De vez em quando eu fazia uma pergunta ou dizia alguma coisa. Eu tentava experienciá-la da melhor maneira que eu podia me perguntando o que eu poderia fazer para estar mais certo do meu contato com ela. Em desespero, eu finalmente deixei escapar alguma coisa como: “Você acha que você poderia gostar de ir para uma escola de beleza?” Talvez eu tivesse lembrado de sua criatividade e destreza manual enquanto brincava com suas fezes. Surpreendentemente, ela descartou sua atividade com as fezes e sentou-se na cadeira ao meu lado. Eu lhe falei que poderia voltar na próxima semana para checar com ela de novo. Pouco tempo depois, ela começou a parar com alguns de seus comportamentos bizarros. Ela se asseou durante os meses seguintes e mudou para uma enfermaria aberta. Ela finalmente trabalhou um pouco no comissariado do hospital. Eu não creio que ela tenha alguma vez saído do hospital mas a qualidade de sua vida melhorou significativamente (Bozarth, 1999). 30
  • 31. 4.4.2. Experiência empática no silêncio do terapeuta O silêncio do terapeuta também pode ser uma expressão da experiência empática. Um exemplo proveniente da minha experiência clínica pode contribuir para a compreensão desta forma de experiência empática: Teresa iniciou a psicoterapia afirmando que o seu problema era que o seu marido bebia. Ela se sentia extremamente deprimida, tensa e ansiosa. Ela utilizava os cinqüenta minutos da sessão para se queixar do marido e para relatar, em minuciosos detalhes, os fatos acontecidos na sua vida ao longo da semana anterior. Havia momentos em que ela entrava em contato com seus sentimentos de desespero, mágoa e raiva, como também havia momentos em que ela simplesmente descrevia fatos e diálogos, com extremo preciosismo. Teresa falava de forma ininterrupta, não me deixando ‘espaço’ para dizer nada. Quando eu falava algo na sessão, era no máximo duas frases que pareciam sequer não serem ouvidas por ela. Ela continuava a seu fluxo verbal como se eu não tivesse lhe dito nada. Percebi, assim, que ela queria ‘apenas’ ser escutada, ou, talvez, se escutar. Percebi que não havia necessidade de eu me expressar verbalmente para expressar a minha empatia e aceitação incondicional. Confesso que eu mesma me surpreendi com o seu progresso ao longo do processo terapêutico. Dois meses após o primeiro atendimento, Teresa mudou radicalmente sua atitude em relação a si mesma, ao marido e à própria vida. Reconheceu que o seu problema não era o seu marido porque era ela que devia ir atrás da sua felicidade. Ela passou a se valorizar, a ‘cuidar’ de si mesma e a sofrer menos com as atitudes do marido. Sua qualidade de vida mudou significativamente. E a única coisa que eu ‘fiz’ para ajudá-la foi permanecer em silêncio. No livro que escrevi com Tambara (Tambara & Freire,1999), apresentamos o depoimento de uma cliente sobre uma sessão em que o seu terapeuta permaneceu todo o tempo em silêncio enquanto ela expressava suas emoções e sentimentos de forma bastante intensa: O silêncio dele fazia eu me sentir profundamente aceita. Eu não precisava me explicar para ele, não precisava falar de mim, bastava eu ser, eu estar ali. Naquela hora eu percebi que não precisava ficar me justificando, eu não precisava ficar falando sobre mim. Eu poderia tanto falar como não falar: eu não “tinha que” fazer nada para ser aceita. O silêncio dele me permitiu mergulhar muito fundo em mim mesma, nos meus sentimentos. Eu sentia seu silêncio como uma forma de respeito e como uma confiança muito profunda em mim, no que eu sou. Ali, junto dele, eu não senti medo de mergulhar fundo em mim e perceber certas coisas que eu jamais havia me permitido perceber antes. Ele estava ali, comigo, sem me julgar, sem me avaliar. Sem que ele falasse uma só palavra, eu me senti acolhida, protegida e segura como nunca havia me sentido antes, em toda a minha vida. A sua presença me acolhia e me dava segurança para eu prosseguir no meu mergulho interior. Esta sessão transformou profundamente minha vida, pois ali eu consegui perceber que posso ser eu mesma. Que não preciso “fazer força” para ser aceita e amada. Basta eu ser!! (p. 169) 31
  • 32. Este parece ser um exemplo de experiência empática no silêncio do terapeuta. 4.5. COMPREENSÃO EMPÁTICA Estamos denominando de compreensão empática àquela faceta da definição de empatia de Rogers 1 relacionada à compreensão, por parte do terapeuta, dos significados presentes na experiência do cliente. Nesta definição, a ‘compreensão empática’ se apresenta nos seguintes termos: - perceber os significados que ele quase não percebe; - sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que ele esteja vivenciando; Para Rogers, a compreensão empática não se distingue da experiência empática. Ambas são usadas indistintamente em seu artigo sobre empatia, como se fossem um único fenômeno. No entanto, se a compreensão empática e a experiência empática são o mesmo fenômeno (visto a partir de diferentes perspectivas), isto implica, necessariamente, que estas não podem ocorrer separadamente. Isto é, sempre que o terapeuta tiver uma experiência empática do cliente, ele obterá uma compreensão dos significados presentes na sua experiência e isto também vale para a recíproca. Entretanto, minha experiência clínica e relatos clínicos da literatura parecem apontar para a possibilidade da compreensão empática e a experiência empática serem fenômenos independentes. Nos tópicos seguintes, investigaremos esta relação entre experiência empática e compreensão empática. 1 cf. item (4) 32
  • 33. 4.6. COMPREENSÃO EMPÁTICA SEM EXPERIÊNCIA EMPÁTICA É possível o terapeuta obter uma compreensão dos significados vividos pelo cliente sem ter uma experiência empática do cliente na relação? A experiência empática, como vimos, envolve necessariamente a experiência de aceitação ou consideração positiva incondicional. A compreensão empática, entretanto, nem sempre é obtida neste contexto de aceitação e valorização do outro (Shlien, 1997). A compreensão empática também é utilizada por outras abordagens terapêuticas, enquanto uma compreensão dos significados presentes na experiência do cliente, mas num contexto de avaliação e diagnóstico ( cf. Kohut, 1959). Na minha experiência clínica como terapeuta centrada no cliente, uma sessão em particular foi especialmente importante para a minha compreensão de que a técnica de reflexo de sentimentos, apesar de me possibilitar uma acurada compreensão empática dos significados vividos pelo cliente, nem sempre me propicia uma experiência empática do seu mundo: A cliente começou a sessão dizendo que não tinha nada para falar. Então, eu utilizei a técnica de reflexo de sentimentos e após alguns minutos ela disse que não sabia quem ela era realmente. Ela não expressou nenhuma emoção ao dizer isto, parecia, naquele instante, ser uma “casca” morta sem vida interior. A seguir, ela começou a falar sobre todas as coisas que ela “tinha que ser”. Ela disse que tinha que ser forte, organizada, responsável, competente, ativa, esperta, etc... Mas eu não consegui aceitar que ela se impusesse tantas “condições de valor” para si mesma e quis “convencê-la” que ela deveria se libertar destas auto-imposições. No entanto, eu não tentei convencê-la através de afirmações diretas, mas fiz isto sutilmente, através da técnica de reflexo de sentimentos, dizendo-lhe: “Parece que tem sido muito pesado para você ter que carregar todos esses ‘tenho que’...”. Esta afirmação expressou uma compreensão empática acurada do seu mundo. Ela estava realmente se sentindo sobrecarregada e cansada por tantas auto-exigências; ela concordou com minha percepção/compreensão, mas de alguma maneira ela se sentiu ameaçada por esta percepção. Então recuou e se fechou ainda mais na sua “casca morta”. E eu me senti irritada e frustrada porque ela continuou defendendo o seu ponto-de-vista de que ela tinha que ser isto e aquilo... Neste momento eu percebi que não estava experienciando consideração positiva incondicional e empatia em relação a ela apesar de eu ter obtido uma compreensão empática do seu mundo e ter feito um acurado reflexo de sentimento. Eu teria tido uma experiência empática se tivesse percebido/aceito que ela não queria olhar para o seu ser real naquele exato momento. 33
  • 34. Após o término da sessão, eu fiquei me perguntando porquê eu não tinha conseguido experienciar empatia e consideração positiva incondicional pela cliente, apesar de ter alcançado uma compreensão do significado vivido de sua experiência. A resposta, então, surgiu rápida e claramente à minha mente. Eu não consegui aceitar e ser empática com a experiência da cliente de se impor rígidas condições de valor porque as minhas expectativas em relação ao seu processo terapêutico eram que ela se tornasse uma pessoa aberta à experiência e que conseguisse experienciar auto-consideração positiva incondicional. Estas expectativas me levaram a assumir uma posição de expert na relação, tentando guiá-la e conduzi-la na direção de uma maior abertura ao seu fluxo experiencial. A minha necessidade de me mostrar “competente” profissionalmente, de fazer com que o seu processo terapêutico fosse ‘bem-sucedido’, não me permitiu aceitar a sua experiência e respeitar a sua direção e o seu ritmo. Eu tentei conduzi-la em direção a um maior contato com o seu fluxo experiencial, por ser este o meu “objetivo” para o seu processo terapêutico e a minha expectativa em relação a um processo terapêutico bem-sucedido. Percebi, portanto, que ter este objetivo impediu-me de estar aberta a receber o seu mundo de forma incondicional. Desta forma, minha experiência nesta sessão sugeriu-me uma investigação a respeito dos objetivos na relação terapêutica centrada no cliente, o que acabou por me conduzir à discussão da não-diretividade no contexto da teoria de Rogers. 4.7. A NÃO-DIRETIVIDADE A teoria da terapia de Rogers (1959) postula que, se a experiência do terapeuta das atitudes facilitadoras for percebida pelo cliente, o processo de auto-atualização do cliente será promovido. Nesta perspectiva, Patterson (2000) considera como objetivo último da terapia a liberação e promoção da auto-atualização do cliente. No entanto, ele ressalva que este não é um objetivo escolhido nem pelo terapeuta nem pelo cliente, mas que é dado pela natureza do indivíduo como um organismo vivo: É a natureza do organismo, uma característica da tendência atualizante, crescer, se desenvolver, se esforçar para atualizar seus potenciais, se tornar aquilo que é capaz de se tornar – ser mais auto-atualizante. (...) A três condições oferecidas pelo 34
  • 35. terapeuta liberta a operação desta tendência no cliente (Patterson, 2000, p128 e p. 183) 1 . A confiança do terapeuta na direção natural do cliente para o crescimento e a vivência das atitudes de empatia, consideração positiva incondicional e congruência criam um clima de liberdade na relação terapeuta/cliente através do qual emergem os recursos do cliente para a mudança e cura (Bozarth, 1999). Pelo fato da atualização ser um processo natural do organismo, Bozarth conclui que é equivocado considerar este processo como sendo o objetivo do terapeuta. Ademais, objetivos normalmente são definidos em termos de comportamentos, enquanto que a auto-atualização não pode ser definida em termos de comportamentos específicos. A auto-atualização é sempre única para cada indivíduo e a cada momento da sua vida. Como Maslow (1962) observa, a auto-atualização é a atualização de um ‘eu’ e não existem dois eus totalmente iguais. Ao considerar o hipotético ponto final máximo do processo terapêutico, Rogers (1958, 1961, 1963b) formulou o conceito da ‘pessoa em funcionamento pleno’. Uma das características desta pessoa em funcionamento pleno é que ela estaria mais aberta ao seu fluxo experiencial. Segundo Bozarth (1998b) estas considerações de Rogers levaram muitos teóricos da abordagem centrada no cliente a interpretar a abertura ao fluxo experiencial como objetivo ou ‘instrução’ para o terapeuta centrado no cliente. A ‘experienciação’, que na teoria de Rogers era um resultado provável do processo terapêutico, passou a ser perseguida como objetivo por estes terapeutas. Neste sentido, a abordagem centrada no cliente se diferencia das abordagens experienciais. O papel do terapeuta nas abordagens experienciais é o de um expert em ‘processo’, que tem o objetivo de ‘guiar’ o cliente na direção do seu processo de experienciação (Lietaer, 1998). Segundo Prouty (1999), na terapia centrada no cliente, ao contrário, a intenção do terapeuta é de se ‘entregar’ à auto-direção do cliente2 . Prouty (1999) observa que o conceito de experienciação está presente na teoria de Rogers como um resultado da vivência das atitudes facilitadoras, não como uma causa da mudança terapêutica. 1 “It is the nature of the organism, a characteristic of the actualizing tendency, to grow, to develop, to strive to actualize its potentials, to become what it is capable of becoming – to be more self-actualizing. (...) The three conditions offered by the therapist frees the operation of this drive in the client” 2 “surrender to client self-direction” 35
  • 36. Brodley (1998) afirma que o terapeuta centrado no cliente “por princípio, e no seu íntimo, não tem a intenção de produzir efeitos no cliente” 1 (p.26). Brodley (2000) também observa que as respostas de compreensão empática do terapeuta centrado no cliente, têm como efeito, muitas vezes, com alguns clientes, de promover uma maior relação da sua expressão comunicativa com seus sentimentos e reações internas. Mas ela salienta que esta não é a intenção imediata do terapeuta centrado no cliente: Nós fazemos respostas do tipo de compreensão empática para procurar uma verificação ou modificação de nossa compreensão empática interna do quadro de referência imediato do cliente. Não é nossa intenção promover um atividade mais experiencialmente focalizada no cliente (Brodley, 2000) 2 . Rogers (in Baldwin, 1987) é bastante explícito ao afirmar que o seu único objetivo como terapeuta diz respeito a ele mesmo, ao seu jeito de estar 3 na relação com o cliente. Para Rogers, o único objetivo apropriado para o terapeuta é o de estar realmente presente com o cliente naquele momento 4 . Para Bozarth (1999) isto se justifica teoricamente na medida em que o fundamento da teoria da terapia centrada no cliente é a existência de um processo construtivo natural em cada indivíduo. Este processo natural é promovido quando o indivíduo percebe a experiência de consideração positiva incondicional em relação a ele. O objetivo de Rogers era estar de uma certa maneira na relação com o cliente porque ele confiava que este jeito de estar promoveria a liberação da tendência de crescimento do indivíduo. Bozarth, portanto, conclui: Não existem objetivos do terapeuta centrado na pessoa para o cliente. O único objetivo do terapeuta é estar de uma certa maneira. Não existe um objetivo de experienciação ou de profundidade de auto-exploração ou de auto-atualização. Não existe um processo particular, comportamentos ou direção que se espera que toda pessoa particular deva seguir (Bozarth, 1999). (grifo do autor) 5 1 “in principle and in the heart, not intending to produce effects on or in the client when doing therapy” 2 “We make empathic understanding type responses primarily to seek verification or modification of our inner empathic understandings of the client's immediate internal frame of reference. We are not intending to promote more experientially focused activity in the client”. 3 way of being 4 “Am I really with this person in this moment?” (p.48) 5 “There are no goals of the person-centered therapist for the client. The only goal of the therapist is to be a certain way. There is not a goal of experiencing, or of depth of self-exploration or of self-actualization. There is no particular process or behaviors or direction that any particular person is expected to follow”. 36
  • 37. Quando o terapeuta tem objetivos para o cliente, ele se coloca numa posição de autoridade na relação terapêutica. Ao invés de confiar no processo de auto-atualização, na direção e auto-determinação do cliente, o terapeuta passa a confiar na suas técnicas e expertise. Esta falta de confiança impossibilita o terapeuta de experienciar uma aceitação incondicional do quadro de referência do cliente. Bozarth (1998), ao considerar a dificuldade que alguns terapeutas enfrentam em implementar a atitude de consideração positiva incondicional (cf. Lieater, 1984), conclui que esta dificuldade surge quando o terapeuta assume um papel de expert clínico que pretende influenciar o cliente a ser de uma certa maneira. A confiança no quadro de referência do cliente e na tendência atualizante é “contaminada” pela dedicação do terapeuta a influenciar o cliente numa pré-determinada direção: Existe uma sutil mas crucial diferença entre a visão de que existe um processo natural no interior do cliente que o terapeuta promove e a visão de que o terapeuta tem que apressar este processo. Não é de se admirar que o terapeuta comece a ter dificuldades com sua capacidade de sustentar a ‘incondicionalidade’... Sua confiança na auto-determinação e autoridade do cliente está diminuída (Bozarth, 1998, p.85) 1 . Assim, Bozarth (2000b) conclui que a não-diretividade é um corolário necessário da teoria da terapia centrada no cliente, pois é o resultado comportamental da aderência do terapeuta à condições de empatia, consideração positiva incondicional e congruência. O terapeuta que opera na premissa de que as condições básicas são necessárias e suficientes é inerentemente não-diretivo: Para aqueles que acreditam no fundamento crucial da teoria centrada no cliente, i.e., que o cliente é o melhor expert sobre sua própria vida, a não-diretividade é uma postura natural que emerge a partir da teoria (Bozarth, 2000b) 1 . A relação entre experiência empática, compreensão empática e reflexos de sentimentos pode ser clarificada através da discussão do conceito da não-diretividade. A 1 “There is a subtle but critical difference between the view that there is a natural process within the client that the therapist fosters and the view that the therapist must urge this process. No wonder the therapist begin to have difficulties with their capacity to hold ‘unconditionality’... Their trust in the client’s self- determination and self-authority is diminished”. 37
  • 38. experiência empática, como vimos na definição de Rogers 1 , significa deixar de lado nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar no mundo do outro sem preconceitos; significa pôr de lado nosso próprio eu. Esta é uma experiência de entrega e de aceitação do outro que só é possível na relação terapeuta/cliente se houver uma confiança do terapeuta na auto-direção e auto-determinação do cliente. É portanto, uma experiência sem objetivos do terapeuta para o cliente, ou seja, é uma experiência inerentemente não-diretiva. A compreensão empática e o reflexo de sentimentos, portanto, se forem utilizados como meios para a obtenção dos objetivos do terapeuta para o cliente, então estarão dissociados da experiência empática propriamente dita. 4.8. EXPERIÊNCIA EMPÁTICA SEM COMPREENSÃO EMPÁTICA É possível ao terapeuta ter uma experiência empática do cliente na relação sem contudo compreender os significados presentes na experiência do cliente? Podemos considerar que toda compreensão envolve a apropriação de um fenômeno através de alguma linguagem. Desta forma, a experiência empática precisaria ser ‘traduzida’ na linguagem do terapeuta para que pudesse ser compreendida por ele. Entretanto, existem contextos nas quais esta ‘tradução’ da experiência empática em compreensão empática não ocorre. Os grandes grupos de comunidade da abordagem centrada na pessoa é um destes contextos em que tipicamente não ocorre uma ‘compreensão’ empática em correspondência à experiência empática. Apesar de Rogers reconhecer que a sua maneira de estar nos grandes grupos é igual à sua maneira de estar numa relação terapêutica, isto é, que em ambos contextos, ele experencia as mesmas atitudes de 1 “For those who believe the critical foundation of client-centered theory, i. e., that the client is his or her own best expert about his or her life, non-directivity is a natural stance that emerges from the theory”. 38
  • 39. empatia, consideração positiva incondicional e congruência (Rogers, 1987), Rogers afirma que, nos grandes grupos “não existe sequer esperança de compreender o que está acontecendo...” 2 e que “através da entrega de si mesmo ao processo, certas coisas acontecem” 3 (in Baldwin, 1987, p.50). Ou seja, a experiência empática vivida nos grandes grupos não dá origem a nenhuma forma de ‘compreensão’ empática. Podemos afirmar que a implementação ou manifestação da experiência empática nos grandes grupos centrados na pessoa se dá através da ‘entrega’ ao processo e não através da compreensão empática ou das respostas de compreensão empática. Outro contexto no qual a experiência empática não consegue ser ‘traduzida’ em compreensão empática é quando o quadro de referência do cliente é diferente ‘demais’ do quadro de referência do terapeuta. O terapeuta não consegue encontrar em sua linguagem uma maneira de ‘traduzir’ ou de se ‘apropriar’ da sua experiência empática do quadro de referência do cliente. A experiência empática, nessa situação, é pura ‘entrega’, é um ‘estar junto’ com o outro mesmo sem a possibilidade de ‘compreensão’ do outro. Se utilizarmos a metáfora do antropólogo sugerida por Bozarth 4 para descrever a experiência empática, poderíamos dizer que esta seria a situação na qual a cultura ‘visitada’ pelo antropólogo é tão ‘estranha’ a ele que, apesar de participar dos rituais desta cultura, os significados destes rituais lhe escapam à compreensão. Esta situação foi vivida por Bozarth (2000) em seu trabalho como ‘rehabilitation counselor’ de pacientes de um hospital psiquiátrico: Eu estava interessado apenas em seus mundos... como era para eles a partir de suas perspectivas... eu não podia ter clareza na minha experiência dos seus mundos na maior parte do tempo e quando eu tinha, eu não compreendia... eu não podia relacioná- la a minhas próprias experiências... ser abduzido por discos voadores... mas, por outro lado, eles falavam de coisas que eu compreendia... eles queriam sair do hospital, trabalhar... eles podiam falar de suas frustrações no hospital... Eu podia responder a isto com compreensão empática, de modo que eu usava as respostas de compreensão empática em certa medida, 1 cf. item (4) 2 “there is not even hope of understanding what is going on...” 3 “by surrendering yourself to the process, certain things happen”. 4 “like an anthropologist living in another culture, adapting to the other culture and accommodating to the culture... not in terms of conversation so much as just being” 39
  • 40. mas ao mesmo tempo eu estava experienciando seus mundos perceptuais de outra maneira... (Bozarth, 2000) 1 4. 8.1. Experiência empática no silêncio do cliente A experiência empática pode ocorrer na relação terapêutica mesmo quando o cliente permanece em completo silêncio durante toda a sessão. Sem a expressão verbal do cliente, o terapeuta fica impossibilitado de obter uma compreensão empática dos significados daquela experiência, mas isto não o impede de ter uma experiência empática do cliente. Apresentaremos dois relatos clínicos que ilustram esta situação de experiência empática mesmo no silêncio do cliente. O primeiro relato é apresentado em Calia & Corsini (1973). A terapeuta era counselor numa escola secundária 2 . Uma aluna a procurou dizendo que tinha “problemas”. Como a terapeuta não tinha tempo para conversar com ela naquele momento, combinaram um atendimento para o dia seguinte num horário conveniente para ambas 3 : [Jill] não disse nada quando chegou. Eu digo isto literalmente. Ela bateu na porta, eu fui abri-la e a cumprimentei agradavelmente. A meu convite, ela se sentou, e olhamos uma para a outra. Eu esperei ela dizer alguma coisa, se explicar, se queixar, ou fazer perguntas. Eu olhei para ela tentando ser tão agradável e aceitadora quanto eu podia. Seus olhos se encheram de lágrimas e as lágrimas rolaram por suas faces, mas ela não disse nada. Eu me perguntei o que eu deveria fazer. A coisa mais simples e mais natural poderia ter sido dizer: “O que está lhe aborrecendo?” Mas há que ser lembrar que eu tinha sido treinada precisamente a não fazer perguntas ou dar conselhos, e então, me sentindo bastante tola, eu simplesmente me mantive olhando para a garota. Durante meia hora, nada aconteceu. Eu então lhe disse: “Está na hora de terminar nossa sessão. Você gostaria de me ver novamente?” Um tanto para minha surpresa e alívio, ela concordou com um movimento de cabeça, e quando eu sugeri outro encontro na mesma hora na próxima semana, ela novamente concordou com a cabeça e saiu sem ter dito uma única palavra. 1 “I was only interested in their world... what it was like for them from their perspective... I could not be clear on my experience of their worlds most of the time and when I did I did not understand... I could not relate it to experiences of my own....being abducted by flying saucers... but on the other hand they did talk about things I understood...they wanted to get out of the hospital, work...could talk about the frustrations in the hospital... I could respond to this with empathic understanding so then I would use empathic understanding responses to some extent but at the same time I was experiencing their perceptual world in another way...” 2 high school 3 Ver no Anexo II o texto original em inglês. 40