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• * L e a r n l n g
Valdemar Augusto Angerami - Gamon (org.)
Fernanda Alves Rodrigues Trucharte
Rosa Berger Knijnik
Ricardo Werner Sebastiani
PSICOLOGIA
HOSPITALAR
Teoria e Prática
Kdo revistb e ampliada
SILVA FREIRE
A r v e P - S J
<232 20//
. I
Biblioteca Silva Freire - UNTVAG
1 3 0 8 8 5
Dados I n t e r n a c i o n a i s de Catalogação na Publicação ( C I P )
(Câmara B r a s i l e i r a do L i v r o , SP, B r a s i l )
T r u c h a r t e , F e r n a n d a A l v e s R o d r i g u e s
P s i c o l o g i a h o s p i t a l a r : t e o r i a e prática / Fernanda A l v e s
R o d r i g u e s T r u c h a r t e , Rosa B e r g e r K n i j n i k , R i c a r d o Werner S e b a s t i a n i
; Valdemar Augusto Angerami — Camon ( o r g a n i z a d o r ) . — 2. e d . r e -
v i s t a e ampliada — São Paulo : Cengage L e a r n i n g , 2010.
B i b l i o g r a f i a .
ISBN 978-85-221-0794-0
1. D o e n t e s - P s i c o l o g i a 2. H o s p i t a i s - A s p e c t o s psicológi-
cos 3. P a c i e n t e s h o s p i t a l i z a d o s - P s i c o l o g i a I . K n i j n i k , Rosa
B e r g e r . I I . S e b a s t i a n i , R i c a r d o Werner. I I I . Angerami — Camon,
V a l d e m a r A u g u s t o . I V . Título.
09-09842 CDD-362.11019
índices p a r a catálogo sistemático:
1. H o s p i t a i s : P s i c o l o g i a 362.11019
Psicologia
Hospitalar
Teoria e Prática
2- edição revista e ampliada
^•Idemar Augusto Angerami - Camon
(organizador)
Fernanda Alves Rodrigues Trucharte
Rosa Berger Knijnik
Ricardo Werner Sebastiani
C E N G A G E
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Psicologia Hospitalar - Teoria e Prática - 2- edição © 2010 Cengage Learning Edições Ltda.
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Os Autores
V a l d e m a r Augusto A n g e r a m i — C a m o n
Psicoterapeuta existencial, professor de pós-graduação em Psicologia da Saúde na l'l'(! SP,
cx-professor de psicoterapia fenomenológico-existencial na PUC-MG, coordenador do Centro
de Psicoterapia Existencial e professor de psicologia da saúde da Universidade l v d n . i l dn
Rio Grande do Norte (UFRN). Autor com o maior número de livros sobre Psicologia pu
blicados no Brasil. Suas obras t a m b é m são adotadas em universidades de Portugal, Méxii 11
c C a n a d á .
F e r n a n d a A l v e s R o d r i g u e s T r u c h a r t e
Psicóloga Clínica. Especialização em Psicologia Hospitalar pelo Instituto Sedes Sapientiae
R o s a B e r g e r K n i j n i k
Psicóloga Clínica. Psicopedagoga. Especialização em Psicologia Hospitalar pelo Insiiiuio
Sedes Sapientiae.
R i c a r d o W e r n e r S e b a s t i a n i
Ex-coordenador do Serviço de Psicologia Hospitalar do Hospital e Maternidade Paii-ame-
ricano. Coordenador do Nêmeton - Centro de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Saúde,
Professor universitário.
Caminho...
os corredores são sombrios, frios...
sem vida, sem cor, sem calor...
os corredores são longos, estreitados com a dor...
são longos mas não o suficiente para acolher a todos os pacientes...
os gemidos são ensurdecedores, amedrontadores como o silvo da serpente...
são gemidos de desespero, de dor, de sofrimento. É o uivo dos umbrais...
Lá de fora ecoam sirenes de ambulâncias, de viaturas policiais...
sirenes de desespero, sirenes de esperança, sirenes apressadas, angustiadas.
Lá de fora brotam cores de harmonia, de luz, de amor...
cores trazidas pela esperança nesse momento de dor.
A saúde também agoniza junto com o paciente, exaurida...
as necessidades do paciente não podem ser supridas...
faltam condições mínimas de atendimento, de unguento...
faltam médicos, profissionais burocráticos, enfermeiros...
falta tudo; e na falta de todos padece o doente.
A doença no Brasil é vexatória...
a doença torna-se constrangedora, predatória...
a doença faz do paciente uma vítima; vítima da falta de condições do sistema de saúde.
Observo...
vejo a saúde padecendo juntamente com um amontoado enorme de doentes...
assisto à s a ú d e enraizando-se como um privilégio de poucos...
vejo a luz da esperança carreada apenas pelas cores da utopia...
a saúde não existe... existe apenas uma maneira paliativa de assistência para alguns
poucos doentes em seu desatino...
O lixo hospitalar mistura-se aos escombros da dignidade humana...
Saúde é dejeto que não pode ser reciclável.
Saúde é bem precioso apenas nas empresas hospitalares.
Quando proporcionam lucros. Grandes lucros...
A mercantilização da saúde exclui aqueles que já foram anteriormente excluídos.
Exclui aqueles que já perderam a dignidade por um nada no mundo.
Lamento...
observo o ritual lento e aterrorizante de todos os envolvidos na saúde... um ritual macabro
feito de desalento e que piora a cada momento...
E observo a tentativa ténue de transformação dessa realidade
por um punhado de idealizadores...
Espectadores dessa vergonha intitulada sistema de sau e...
vergonha nacional tida como prioritária em qualquer planejamento social...
A realidade, a triste realidade, é o escarro da podridão social na dor do doente.
A vergonhosa situação dessa realidade é a constatação odienta de que não existe nenhum
sistema de saúde no Brasil...
"Acordes de um Réquiem
VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI - CAMO
Para Mathilde Neder
Paixão, sonho e esperança...
nas alamedas da vida,
vida regato límpido da
Psicologia Hospitalar
Para Karlinha,
Uma nova guerreira das lides hospitalares
a preservar a luta pela dignidade do
paciente...
Sumário
A p r e s e n t a ç ã o XI
1 O Psicólogo no Hospital 1
Valdemar Augusto Angerami - Camon
Introdução 1
A Despersonalização do Paciente 2
Psicoterapia e Psicologia Hospitalar 4
O Setting Terapêutico 5
A Realidade Institucional 7
A Psicologia H o s p i t a l a r - O b j e t i v o s e Parâmetros 10
C o n s i d e r a ç õ e s Finais 14
2 De Como o Saber Também é Amor 15
Valdemar Augusto Angerami - Camon
Introdução 15
D o c e s Reminiscências 16
Outros T e m p o s 18
3 Atendimento Psicológico no Centro de Terapia Intensiva 21
Ricardo Werner Sebastiani
Introdução 21
Desmistificando o CTI 21
Objetivos Gerais d o A c o m p a n h a m e n t o Psicológico no CTI 24
Fatores Pessoais Decorrentes da Intervenção Cirúrgica c o m o Possíveis
G e r a d o r e s d e C o m p l i c a ç õ e s na Evolução d o Pós-Operatório 27
MC 11.,--I >lt.11.,I
A t e n d i m e n t o a o Paciente e m Pós-Operatório Imediato 28
R e a ç ã o à Cirurgia: Letargia e Apatia 30
Agressividade nos Pacientes Cirúrgicos 32
D e p r e s s õ e s no Paciente Pós-Cirúrgico 34
D e p r e s s õ e s no Hospital Geral 36
R e a ç õ e s d e Perda no Paciente Pós-Cirúrgico 39
A t e n d i m e n t o Psicológico ao Paciente N ã o Cirúrgico 41
Fatores Ambientais c o m o C a u s a d o r e s ou Agravantes d o Q u a d r o
Psico-Orgânico d o Paciente 42
Fatores Orgânicos c o m o Reflexos Decorrentes do Período d e Internação . 42
O Paciente Ansioso 44
O Paciente Agressivo 47
O Paciente c o m Agressividade Latente 48
Pacientes Suicidas no CTI 50
O Paciente c o m Alterações d o P e n s a m e n t o e Senso-Percepção:
C o n s i d e r a ç õ e s Gerais 53
Distúrbios Psicopatológicos e d e C o m p o r t a m e n t o no CTI 55
O Paciente e m C o m a no CTI 60
Referências Bibliográficas 6 3
Roteiro C o m p l e m e n t a r d e Estudos 64
I Estudos Psicológicos do Puerpério 65
Fernanda Alves Rodrigues Trucharte e Rosa Berger Knijnik
Introdução 65
Objetivos 66
Metodologia 66
F u n d a m e n t a ç ã o Teórica 66
C a s o s Ilustrativos 72
C o n c l u s ã o 89
Referências Bibliográficas 90
Pacientes Terminais: Um Breve Esboço 91
Valdemar Augusto Angerami - Camon
Introdução 91
A Problemática Social d o Paciente Terminal 9 2
Alguns D a d o s Relacionados c o m a Vivência d o Paciente Terminal 99
Referências Bibliográficas 106
Apresentação
Dez anos nos separam da nossa primeira publicação em forma de livro. Dez anos da
primeira publicação de Psicologia Hospitalar. As cãs dos nossos cabelos estão a mos-
trar que, apesar de todas as dificuldades encontradas ao longo dessa jornada, muito foi
conquistado, muito foi alcançado.
A Psicologia Hospitalar nesse período deixou de ser u m sonho, uma aventura de u m
punhado de pessoas que acreditavam em uma performance profissional, ao mesmo tempo
em que sonhavam com outra concretitude, algo muito além do próprio sonho. Talvez ainda
sejamos sonhadores. Mas em n ú m e r o muito maior.
Os sonhos de então tornaram-se realidade ou simples abstrações que o indelével n ã o
consegue tocar. Sempre é prazeroso saber que fazemos parte dos processos de transformação
social e o simples fato de estarmos em busca de u m novo a m a n h ã na Psicologia Hospitalar
é alento de novas buscas e esforços.
É praticamente impossível arrolar o n ú m e r o de quilómetros percorridos na divulgação
da Psicologia Hospitalar. U m s e m - n ú m e r o de horas de espera em saguões de aeroportos,
em antessalas de conferência e em noites e pernoites distantes do próprio canto. Quantos
amigos fizemos ao longo desses percursos é outra questão que jamais poderemos detalhar.
Quanto aprendemos com todos esses amigos é nuance que nunca poderemos atingir. E
até mesmo o enriquecimento da nossa própria vida a partir dessas experiências é privi-
légio que nem todas as elegias c cânticos de agradecimentos p o d e r ã o retribuir. Tantos
acontecimentos tão significativos ficaram na m e m ó r i a que a simples ideia de tentar des-
crevê-los é tarefa inconcebível. U m a d é c a d a é uma vida. Vida vivida em intenso frenesi
de e m o ç ã o e paixão. De tantas coisas faladas, efetuadas e apreendidas no farfalhar das
nossas trajetórias.
r-.M ni(ji|i,i 11• >'.|>11.11.<>
Assumir que <> verdadeiro aprendizado li>i aquele realizado com <> paciente em seu
leito hospitalar é talvez a nossa maior conquista. N à o estamos desprezando o aprendizado
académico, tampouco as tantas horas de rellexào e leitura, apenas queremos enfatizar que
se existe algo para ser propagado, é o lato de que aprendemos apreendendo a angústia, a
dor e tantas outras coisas e sentimentos de nosso paciente. Ksse paciente que nos ensina
sobre a força de enfrentamento da dor e do desespero da morte; que nos ensina a tolerar
as próprias vicissitudes da vida; que nos ensina uma nova forma de entender o significado
da existência; que nos ensina sobre a suavidade da doce fragrância existente em cada
momento, em cada encontro.
N ã o houve em momento algum a pretensão de sermos pioneiros, precursores; apenas
sempre fomos sonhadores que idealizaram uma prática alternativa. E assim esperamos
continuar. Aprendendo e crescendo sem nunca esquecer as nossas reais limitações.
Valdemar Augusto Angerami - Camon
XII
0 Psicólogo
no Hospital
Valdemar Augusto Angerami - Camon
Introdução
Aintenção deste trabalho é levantar alguns pontos de reflexão sobre o significado da
Psicologia no Hospital e a a t u a ç ã o do psicólogo nesse contexto. A evidência qu< me
ocorre inicialmente é que, apesar dos inúmeros trabalhos e artigos que hoje norteiam a
prática do psicólogo no hospital, ainda assim é notório o fato de que apenas tartamudeamos
as primeiras palavras nesse contexto. A própria d i n â m i c a da existência parece encontrar
no contexto hospitalar u m novo p a r â m e t r o de sua ocorrência, dando-lhe uma dimensão
na qual questões que envolvem a doença, a morte e a própria perspectiva existencial apre
sentam u m enfeixamento inerentemente peculiar.
A Psicologia, ao ser inserida no hospital, reviu seus próprios postulados adquirindo con-
ceitos e questionamentos que fizeram dela u m novo escoramento na busca da compreensão
da existência humana. Assim, por exemplo, n ã o mais é possível pensar-se em um curso
de g r a d u a ç ã o em psicologia no qual questões como morte, saúde pública, hospitalização <•
outras temáticas, que em princípio eram pertinentes apenas à Psicologia Hospitalar, não
tenham prioridade ou n ã o sejam exigidas como necessárias para a formação do psicólogi >.
O atual quadro da formação do psicólogo difere do que colocamos em texto anterior1 de
1984, quando afirmamos que a atuação do psicólogo no contexto hospitalar, ao menos no Brasil, é
uma das temáticas mais revestidas de polémicas quando se evocam discussões sobre o papel da Psicologia
1 - Angerami, V . A . Psicologia Hospitalar. A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar. S ã o Paulo: Traço, 19K-I.
Psicologia Hoipltalai
na realidade institucional.. [formação académica do psicólogo ifalha cm rtlaçâo aos mbsídios teóricos ata
possam embasá-lo na prática institucional. Essa formação académica, sedimentada em outros modelos de
atuação, não provê o instrumental teórico necessário para uma atuação nessa realidade. K praticamente
prevendo uma m u d a n ç a nesse quadro, o mesmo texto coloca que apenas recentemente a
prática institucional mereceu preocupação dos responsáveis pelos programas académicos
em Psicologia.2 E dentro dessa perspectiva que se abre ao psicólogo no contexto hospitalar
que iremos tecer nossas reflexões na busca de u m melhor dimensionamento dessa prática.
É na fé inquebrantável que o psicólogo adquire cada vez com mais nitidez u m espaço no
hospital a partir de sua compreensão da condição humana. Iremos caminhar por trilhas
e caminhos que nos conduzirão a novos horizontes profissionais.
A Despersonalização do Paciente
Ao ser hospitalizado, o paciente sofre um processo de total despersonalização. Deixa de ter
o seu próprio nome e passa a ser um número de leito ou então alguém portador de uma de-
terminada patologia. O estigma de doente - paciente até mesmo no sentido de sua própria
passividade perante os novos fatos e perspectivas existenciais - irá fazer com que exista a
necessidade premente de uma total reformulação até mesmo de seus valores e conceitos de
homem, mundo e relação interpessoal em suas formas conhecidas. Deixa de ter significado
próprio para significar a partir de diagnósticos realizados sobre sua patologia. Berscheid e
Walster3 destacam que fundamentalmente quando dizemos que sabemos qual a atitude de uma pessoa,
queremos dizer que temos alguns dados, a partir do comportamento passado da pessoa, que nos permitem pre-
dizer seu comportamento em determinadas situações* Tal afirmação, utilizada para embasar muitos
princípios teóricos em psicologia, perde sua força e autenticidade ao ser confrontada com o
comportamento de uma determinada pessoa em uma situação de hospitalização. Embora sem
querer negar que o passado de uma determinada pessoa irá influir não apenas em sua conduta
como até mesmo em sua recuperação física, ainda assim n ã o cometemos erro ao afirmar que
a situação de hospitalização será algo único como vivência, não havendo a possibilidade de
previsão anterior à sua própria ocorrência. Goffman5 coloca que o estigma é um sinal, um
signo utilizado pela sociedade para discriminar os indivíduos portadores de determinadas
2 - Berscheid, E . ; Walster, E . H . Atração Interpessoal. S ã o Paulo: Bliicher, 1973.
3 - Ibid. Op. cit.
4 - Idem, Op. cit..
5 - Goffman, E . Estigma. R i o de Janeiro: Zahar, 1978.
( ) ( > | ( l ( | ( ) I H ) I ll)-.|>il,ll
Características. E o simples lalo (Ir se lotnai "hospitalizada" faz com que a pessoa adquira os
signos que irão cnquadia-la muna nova performance existencial, sendo que até mesmo seus
vínculos interpessoais passarão a existir a partir desse novo signo. Seu espaço vital não é mais
algo que dependa de seu processo de escolha. Seus hábitos anteriores terão de se transformar
diante da realidade da hospitalização e da doença. Se essa doença for algo que a envolva apenas
temporariamente, haverá a possibilidade de uma nova reestruturação existencial quando do
restabelecimento orgânico, fato que, ao contrário das doenças crónicas, implica necessariamente
uma total reestruturação vital. Sebastiani6 explica que "a pessoa deixa de ser oJosé ou Ana
etc. e passa a ser o '21A' ou o 'politraumatizado de leito 4', ou ainda 'a fratura de bacia de l>"
andar'".7 E, tentando aprofundar ainda mais tais colocações, afirma que "essa caracterísl ica,
que felizmente notamos em grande parte das rotinas hospitalares, tem contribuído muito para
ausentar a pessoa de seu processo de tratamento, exacerbando o papel de 'paciente'".8
A despersonalização do paciente deriva ainda da fragmentação ocorrida a partir dos
diagnósticos cada vez mais específicos que, além de n ã o abordarem a pessoa em sua um
plitude existencial, fazem com que apenas u m determinado sintoma exista naquela vida.
Apesar disso, assistimos cada vez mais ao surgimento de novas especialidades que reduzem
o espaço vital de uma determinada pessoa a u m mero determinismo das implicações de
certos diagnósticos, que trazem em seu bojo signos, estigmas e preconceitos. Tal carga de
abordagem e confrontos teórico-práticos faz da pessoa portadora de determinadas pato-
logias alguém que, além da própria patologia, necessitará de cuidados complementares
para livrar-se de tais estigmas e signos. A especialização clínica, na maioria das vezes, ao
aprofundar e segmentar o diagnóstico, deixa de levar em conta até mesmo as implicações
dessa patologia em outros órgãos e membros desse doente, que, embora possam n ã o apre-
sentar sinais evidentes de deterioração e comprometimento orgânico, estarão sujeitos a um
sem-número de alterações.
A situação de hospitalização passa a ser determinante de muitas situações que serão
consideradas invasivas e abusivas na medida em que n ã o se respeitam os limites e imposições
dessa pessoa hospitalizada. E, embora esteja vivendo u m total processo de despersonali-
zação, ainda assim algumas práticas são consideradas ainda mais agressivas pela maneira
como são conduzidas no âmbito hospitalar. Assim, será visto como invasivo o lalo de a
6 - Sebastiani, W . R . Atendimento Psicológico e Ortopedia. Psicologia Hospitalar. A Atuação do Psicólogo no Contexto
Hospitalar, Angerami, V . A . (org.). S ã o Paulo: Traço, 1984.
7 - Ibid. Op. cit.
8 - Ibid. Op. cit.
3
Psicologia Hospital.ir
cnlcrmcira acordar o paciente para aplicar injeção, OU a alcndentr <|ii<' interrompe uma
determinada atividade para servir-llie as relcições. Tudo passa a ser invasivo. Tudo passa
a ser algo abusivo diante de sua necessidade de aceitação desse processo'. K até mesmo a
presença do psicólogo, que, se não se efetivar cercada de alguns cuidados e respeito ã própria
deliberação do doente, implica ser mais u m dos estímulos aversivos e invasivos existentes
no contexto hospitalar, e, em vez de propiciar alívio ao momento da hospitalização, estará
a mlribuindo t a m b é m para o aumento de vetores que tornam o processo de hospitalização
extremamente penoso e difícil de ser vivido. O hospital, o processo de hospitalização e o
tratamento inerente que visa ao restabelecimento, salvo aqueles casos de doenças crónicas
e degenerativas, n ã o fazem parte dos projetos existenciais da maioria das pessoas. Nesse
sentido, toda e qualquer invasão no espaço vital é algo aversivo que, além do caráter abu-
sivo, apresenta ainda componentes de dor e desalento. E até mesmo evidencia que muitos
processos de hospitalização têm o reequilíbrio orgânico prejudicado por causa do processo
de despersonalização do doente, que, ao sentir sua desqualificação existencial, pode conco-
mitantemente, muitas vezes, abandonar seu processo interior de cura orgânica e até mesmo
emocional. Ao trabalhar no sentido de estancar os processos de despersonalização no âmbito
hospitalar, o psicólogo estará ajudando na humanização do hospital, pois seguramente esse
processo é u m dos maiores aniquiladores da dignidade existencial da pessoa hospitaliza-
da. U m trabalho de reflexão que envolva toda a equipe de saúde é uma das necessidades
mais prementes para fazer com que o hospital perca seu caráter meramente curativo para
transformar-se em uma instituição que trabalhe n ã o apenas com a reabilitação orgânica,
mas t a m b é m com o restabelecimento da dignidade humana.
Psicoterapia e Psicologia Hospitalar
A Psicologia Hospitalar, assim como a Psicoterapia, tem seu instrumental teórico de atua-
ção calcado na área clínica." Apesar dessa convergência, haverá pontos de divergência que
mostram os limites de atuação do psicólogo no contexto hospitalar, bem como questões
que tornam totalmente inadequada a intenção de muitos profissionais da área de tentarem
'I - Kxislcm muitos pmlissii mais da área que defendem que a Psicologia Hospitalar, mesmo tendo como referencial
os princípios (la área clínica, seja considerada unia nova ramificação da Psicologia. Assim, além da clássica
divisa» n u (ílinica, Educacional e (Irganizacional, haveria t a m b é m uma quarta ramificação: a Psicologia
Hospitalar. E embora aeja uma questão que envolva bastante celeuma quando de seu aprofundamento, evi-
deni ia IC também I nei euidade de uma nova óli. a sobre a Psicologia Hospitalar, seja pelo seu crescimento,
seja ainda pela sua diversidade teórica.
4
( 1 l  i ( <)lo(|<) n<> I lospil.il
definir a atuação no contexto hospitalar como sendo prática psicoterápica, ainda que rea-
lizai la no contexto institucional. A seguir < (escrevemos alguns desses pontos.
Objetivos da Psicoterapia
A Psicoterapia, independentemente de sua orientação teórica, tem como principais obje-
I ivt >s levar o paciente ao autoamhecimento, ao autocrescimento e à cura de determinados sintomas. O
enleixamento desses objetivos, ou ainda de algum deles isoladamente, desde que leve esse
paciente a um processo pleno de libertação existencial, é, por assim dizer, o ideal que norteia
c i processo psicoterápico. A Psicoterapia, ademais, tem como característica principal o fato
(le ser um processo no qual a procura e a determinação de seu início se d á pela mobilização
do paciente. Assim, u m paciente, ao ser encaminhado para u m processo psicoterápico,
muitas vezes demora u m período bastante longo entre esse encaminhamento e a procura
propriamente dita desse processo. Chessick1 " adverte que a psicoterapia falha quando n ã o
existe uma afinidade precisa entre aquilo que busca o paciente em sua psicoterapia e aquilo
(pie o psicoterapeuta tem condições de oferecer-lhe. Até mesmo a falta de definições precisas
dos objetivos do processo poderá determinar implicações que seguramente e m p e r r a r ã o o
processo, além de arrastá-lo ao longo de u m período de maneira indevida.
Ao decidir pela psicoterapia, o paciente j á realizou u m processo inicial e introspectivo
da necessidade desse tratamento e suas implicações em sua vida. Isso tudo evidentemente
além da inserção de suas necessidades aos objetivos da psicoterapia.
O Setting Terapêutico
Ao procurar pela psicoterapia, o paciente será então enquadrado no chamado setting tera-
pêutico. Assim as normas e diretrizes do processo serão colocadas de maneiras bastante
claras e precisas pelo psicoterapeuta, formalizando-se assim as nuances sobre as quais se
norteará esse processo. Detalhes como horário de duração de cada sessão, eventuais re-
posições de sessões, prazo de aviso para eventuais faltas etc. são esboçados e o processo se
desenvolve então em perfeita consonância com esses preceitos. E até mesmo alguma eventual
resistência inicial do paciente em procurar pela psicoterapia, bem como outras implicações,
serão resolvidas em u m processo cujo contrato é estabelecido em acordo com as duas par-
tes envolvidas. Embora seja notório o n ú m e r o de casos encaminhados à psicoterapia que,
10 - Chessick, D . R . Why Psychoiherapists Fail. Nova York: Science House, 1971.
r-.M o i i K | i . i i i o ' . | ) i t , i i , i i
por alguma forma de resistência, demoram muito paia procurar por tal processo, ainda
assim é ti xivei liei Ue estabelecer (|iie, pelo fato de o paeieule estar totalmente fragilizado <•
necessitando desse tipo de tratamento, a busca por tal processo se dará única e tão somente
quando esse paciente romper com determinadas amarras emocionais. Ainda que surjam
outras dificuldades e resistências ao longo do processo, a resistência inicial ao tratamento
é transposta pelo simples fato de o paciente procurar pela psicoterapia.
A psicoterapia ainda tem outra característica bastante peculiar de ser u m processo
em que o psicoterapeuta tem no paciente alguém que caminha sob sua responsabilidade,
mas que de forma simples tem nesse vínculo seu objetivo em si. Assim, u m psicoterapeuta
não precisará prestar conta de seu paciente a nenhuma entidade, salvo naturalmente aqueles
casos nos quais o atendimento é vinculado a algum processo de supervisão. O processo em
si é conduzido pelo psicoterapeuta com anuência do paciente e, no caso de algum impe-
dimento, a relação se resolve apenas e tão somente pelas partes envolvidas nesse processo.
C) setting terapêutico i m p õ e ainda uma privacidade ao relacionamento que torna toda e
qualquer interferência externa ao processo plausível de ser analisada e enquadrada nos
parâmetros desse relacionamento.
Chessick1 1 salienta que o psicoterapeuta descende diretamente do confessor religioso
ou e n t ã o do m é d i c o de família, aquele profissional que, a l é m de cuidar dos males do
organismo, escutava as angústias e dificuldades do paciente. O psicoterapeuta em sua
linhagem apresenta t a m b é m resquícios do curandeiro das antigas formações tribais,
encarregado de trazer bem-estar e alívio aos membros dessa comunidade. A proteção
sentida pelo paciente nos limites do setting terapêutico mostra ainda que essa origem n ã o
é apenas perpetuada, mas apresenta requinte de evolução no resguardo dos aspectos en-
volvidos nesse processo. E até mesmo u m " q u ê " de samaritanismo presente no processo
psicoterápico é t a m b é m resíduo dessas marcas que o psicoterapeuta traz de sua origem e
desenvolvimento. A e m o ç ã o presente na atividade psicoterápica é outro fator que faz com
que nenhuma outra forma de relacionamento possa ser comparada com sua performance.
E nesse sentido temos t a m b é m a colocação de muitos especialistas de que a psicoterapia
é o sustentáculo do homem c o n t e m p o r â n e o dentre outras tantas formas buscadas para
alívio e crescimento emocional.
Ainda no chamado setting terapêutico vamos encontrar a peculiaridade de que a maioria
dos processos jamais tem suas sessões interrompidas, seja por solicitações externas, seja
11 - Ibid. Op. cit.
6
( ) |'i< l)ll)l|(> IH) I l ( )  | ) l l . l l
,linda por outras variáveis decorrentes, muitas vezes, do próprio processo em si. Assim,
i pi atii amenle impossível, por exemplo, que um psicoterapeuta interrompa uma sessão
estancando o choro de angústia do paciente para simplesmente atender uma ligação tele-
li i i i M a. ( ) u ainda que uma sessão seja igualmente interrompida para que o psicoterapeuta
I ii i. .a recepcionar algum amigo que eventualmente vá visitá-lo. O setting terapêutico assim
resguarda a sessão para que todo o material catalisado naqueles momentos seja apreen-
dido e elaborado de maneira plena e absoluta. Tais características fazem, inclusive, com
que seja muito difícil avaliar-se u m processo psicoterápico que n ã o seja fundamentado
nesses moldes.
A Realidade Institucional
l fma das primeiras dificuldades surgidas quando se pensa na atividade do psicólogo na
realidade hospitalar é sua inserção na realidade institucional. J á afirmamos que:1 2
aformação do psicólogo éfalha em relação aos subsídios teóricos que possam embasá-lo na prática
institucional. Essa formação académica, sedimentada em outros modelos de atuação, não o provê com o
instrumental teórico necessário para uma atuação nessa realidade. Torna-se então abismático o hiato que
separa o esboço teórico de sua formação profissional e sua atuação prática. Apenas recentemente a prática
institucional mereceu preocupação dos responsáveis pelos programas académicos em Psicologia.
Ainda que hoje em dia seja notório o n ú m e r o de cursos de g r a d u a ç ã o em Psicologia
que t ê m dedicado grande espaço para o contexto institucional em seus programas de
formação, estamos distantes daquilo que seria o ideal em termos de sedimentação teóri-
co-prática. E na medida em que o hospital surge como uma realidade institucional com
características bastante peculiares, embora reproduzindo as condições de outras realidades
institucionais, apresenta sinais que evidenciam tratar-se de amplitude sequer imaginável
em uma análise que n ã o tenha u m real comprometimento com sua verdadeira d i m e n s ã o . "
12 - Psicologia Hospitalar. A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar. Op. cit.
13 - Escrevemos um trabalho intitulado "Elementos Institucionais Básicos para a Implantação do Serviço de Psicologia
no Hospital" (in A Psicologia no Hospital. S ã o Paulo: Traço, 1988) e surpreendentemente percebemos, a partir de
sua adoção em vários cursos e seminários realizados sobre realidade institucional, não apenas a precariedade de
publicações a respeito como principalmente a maneira como esse trabalho tornou-se um verdadeiro paradigma
a tantos que procuravam pela implantação de um Serviço de Psicologia no Hospital Geral.
7
(>l()()i.l I l(>S|)it,ll.ll
T a m b é m é inegável que, a partir do surgimento das reflexões realizadas principalmente
pelos profissionais da Argentina sobre a realidade institucional, esse aspecto ganhou uma
corporeidade bastante precisa e importante na esfera contemporânea da Psicologia. Assim,
o termo "análise institucional" deixou de ser uma mera citação abstraia cie alguns textos
para tornar-se realidade, ao menos de discussão teórica, para um sem-número de acadé-
micos que, a partir de então, passaram a interessar-se pela temática.
E apesar do psicólogo ainda estar iniciando uma prática institucional nos parâmetros da
eficácia e respeito às condições institucionais que delimitam sua situação nesse contexto, a busca
de determinantes nessa prática o levou de encontro a convergências bastante significativas na
estruturação teórica dessas atividades.u
E fato que a realidade hospitalar apresenta celeumas e condições que exigirão do psi-
cólogo algo além da discussão meramente teórico-acadêmica. Valores éticos e ideológicos
surgirão ao longo do caminho e exigirão performances sequer imaginadas antes de sua
ocorrência. Como ilustração dessa afirmação cito o grande n ú m e r o de crianças que pade-
cem nos hospitais de São Paulo de insuficiência hepática causada por inanição. Deparar
com crianças que padecem vitimadas pela fome em plena cidade de São Paulo é algo que
nenhum a c a d é m i c o imagina quando idealiza efetivamente uma atividade no hospital.
O u então, que dizer dos casos de crianças atacadas por ratazanas enquanto dormem, em
uma evidência da precariedade e da falta de condições m í n i m a s de dignidades existencial
e habitacional em que a falta de saneamento básico é tão abismante que conceituá-lo de
absurdo nada mais é do que aproximar-se da verdadeira realidade dessa população?
0 psicólogo, no contexto hospitalar, depara-se deforma aviltante com um dos direitos básicos
que estão sendo negados à maioria da população, a saúde. A saúde, em princípio um direito de
todos, passou a ser um privilégio de poucos em detrimento de muitos. A precariedade da saúde da
população é, sem dúvida alguma, um agravante que irá provocar posicionamentos contraditórios,
e, na quase totalidade das vezes, irá exigir do psicólogo uma revisão de seus valores académicos,
pessoais e até mesmo sociopolíticos}0
14 - Psicologia Hospitalar. A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar Op cit
15 - Ibid. Op. cit.
8
( I |  i c i>lo<]<> IKI Mti-.|iit.il
( ) contexto hospitalar disla de hu ma significativa daquela idealização leila nas lides
académicas. Assiste-se, nesse contexto, a condição desumana a que a população, ja bas
lanle causada de sofrer todas as lõrmas possíveis de injustiças sociais, leni de se submetei
em busca do recebimento de um tratamento adequado. Cenas ocorrem fruto das mais
lamentáveis situações a que um ser humano pode submeter-se. E o que é mais agravante:
tudo passa a ser considerado normal. Os doentes são obrigados a aceitar como normail
Iodas as formas de agressão com as quais se deparam em busca de saúde.
Tudo é visto como normal; passa a ser normal ficar seis horas em uma fila de espera em
busca de atendimento médico, e muitas vezes após vários retornos â instituição hospitalar,
derivados de encaminhamentos feitos pelos especialistas, por sua vez decorrentes de examei
realizados especulativamente. T a m b é m passa a ser normal o fato de ser atendido i ú
piero imenso de pacientes em um período de tempo absurdamente curto. Tudo passa a n i
normal. E os profissionais que atuam na área de saúde assistem desolados e conformados
a esse estado de coisas. Tornam-se praticamente utópicas outras formas de atendime
que n ã o essas que impiedosamente são impostas à população.
O psicólogo está inserido nesse contexto da saúde de forma tão emaranhada quanto
outros profissionais atuantes na área da saúde e, muitas vezes, sem uma real consi iem ia
dessa realidade.
Contradições inúmeras sucedem em todos os níveis no contexto hospitalar. I - se poi
u m lado os hospitais apresentam essas enormes filas de pacientes que, padecendo em
corredores, minguam por algum tipo precário de atendimento, por outro encontraremos
algumas instituições nesse mesmo contexto que apresentam alta especialização resultante
do enorme processo do conhecimento na área das ciências humanas.
Descobriremos, nessa realidade, profissionais altamente especializados. Sempre muito
bem informados das técnicas existentes, estão constantemente aprimorando-as em cursi >s
e congressos nos centros mais desenvolvidos da Europa e Estados Unidos. É possível, poi
exemplo, a utilização do método Sahling de análise do metabolismo do feto, bem como 0
acompanhamento eletrônico do eletrocardiograma fetal. Os avanços na área da ()bstet ríi ia
permitem ainda a previsão do sexo do feto ou uma possível malformação congénita. No
entanto, em termos de realidade, temos, segundo relatórios sobre estudos realizados em
várias regiões brasileiras, dados alarmantes informando que 95% dos partos são realizai li >s
em casa e sem o menor acompanhamento pré-natal. E o n ú m e r o de pessoas que recebem
algum tipo de assistência é quase nulo. Esse contexto contraditório e incongruente recebe
o psicólogo, que tem sobre si outras contradições que o envolvem diretamenle desde
lides de sua formação académica. E o psicólogo percebe no contexto hospitalar que os ensinamentos
9
o l .1 11ospit.il.il
e leituras teóricas de sua prática académica não serão, poi maiores que tejam as horas de estuda t reflexão
teórica sobre a temática, suficientes para embasar sua atuação. E aprende que terá de aprender apreendendo,
como os pacientes, sua dor, angústia e realidade. PI o paciente, de modo peculiar, ensina ao psicólogo sobre
a doença e sobre como lidar com a própria dor diante do sofri mento.u'
A Psicologia Hospitalar - Objetivos e Parâmetros
A Psicologia Hospitalar tem como objetivo principal a minimização do sofrimento provocado pelo
hospitalização. Se outros objetivos forem alcançados a partir da atuação do psicólogo com o
paciente hospitalizado - inerente aos objetivos da própria psicoterapia antes citados — trata-se
de simples acréscimo ao processo em si. O psicólogo precisa ter muito claro que sua atuação no
contexto hospitalar não é psicoterápica dentro dos moldes do chamado setting terapêutico. Como
minimização do sofrimento provocado pela hospitalização, t a m b é m é necessário abranger
não apenas a hospitalização em si - em termos específicos da patologia que eventualmente
tenha originado a hospitalização —, mas principalmente as sequelas e decorrências emocio-
nais dessa hospitalização. Tomemos como exemplo, arbitrariamente, uma criança de 3 anos
de idade que nunca tenha vivido longe do seio familiar. Em dado momento, simplesmente
coloquemos essa criança em uma escola maternal durante apenas um período do dia. Essa
criança, em que pese a escola ser um ambiente em princípio agradável e repleto de outras
crianças, se desarvorará e entrará em u m processo de pânico e desestruturação emocional ao
se perceber longe da proteção familiar. E tantos casos ocorrem nesse enquadre que a maioria
das escolas possui o chamado período de adaptação, no qual algum dos representantes desse
núcleo familiar se faz presente na escola para acudir essa criança nos momentos agudos de
dificuldade. E isso tudo em u m ambiente agradável de escola onde muitas vezes a criança
irá se deparar com estimulações e recreações sequer imagináveis sem seu universo simbólico.
O que dizer então de uma criança que em um determinado momento se vê hospitalizada1 '
sem a presença dos familiares e em um ambiente na maioria das vezes hostil?! Certamente
ela entrará em um nível de sofrimento emocional e muitas vezes até físico em decorrência
dessa hospitalização. Sofrimento físico que transcende até mesmo a patologia inicial e que
se origina no processo de hospitalização.
16-nu op. HL
17 - E m b o r a seja alentador o fato de que hoje muitos hospitais pediátricos adotem a presença da m ã e ou de algum
outro familiar durante o processo de hospitalização da criança, ainda assim a grande maioria dos hospitais
não apresenta sequer uma maior flexibilização até mesmo quanto ao horário de visitas.
10
( ) r-.u ol()(|t) no I lospil.il
A minimização do sofrimento provocado pela hospitalização implicará um leque
bastante amplo de opções de atuação, < ujas variáveis deverão ser consideradas para que 11
atendimento stja coroado de êxito. I Ima mulher mastectomizada, em outro exemplo, lei a
no processo de extirpação do tumor, na maioria das vezes, a extração dos seios com Iodas
as implicações que tal ato incide. O processo de hospitalização deve ser entendido Fifto
apenas como u m mero processo de institucionalização hospitalar, mas, e principalmente!
i orno um conjunto de fatos que decorrem desse processo e suas implicações na vida do
paciente. N ã o podemos, assim, em u m simples determinismo, aceitar que o problema da
mulher mastectomizada se inicia e se encerra com a hospitalização. Evidentemente que
muitos casos abordados pelo psicólogo no hospital exigirão, após o processo de hospitali
zação, encaminhamentos específicos para processos de psicoterapia tal a complexidade e
o emaranhado de sequelas e comprometimento emocional.
Embora muitas vezes seja bastante ténue a separação que delimita tais aspei los, anula
assim é muito importante o clareamento desse posicionamento para que o processo em a
não se perca em mera e vã digressão teórica.
A Psicologia Hospitalar, por outra parte, contrariamente ao processo psicoterápico, não
possui setting terapêutico tão definido e tão preciso. Nos casos de atendimentos realizados
em enfermarias, o atendimento do psicólogo, muitas vezes, é interrompido pelo pessoal de
base do hospital, seja para aplicação de injeções, prescrição medicamentosa em detei mi
nado horário, seja ainda para processo de limpeza e assepsia hospitalar. O atendimento,
dessa forma, terá de ser efetuado levando-se em conta todas essas variáveis, além de outros
aspectos mais delicados que citaremos a seguir.
Descrevemos no trecho inerente ao setting terapêutico a mobilização do paciente rumo
ao processo psicoterápico: a importância de uma reflexão e de uma posterior constalaçài ida
necessidade de se submeter a esse processo. No hospital, ao contrário do paciente que pn n u r i
pela Psicoterapia após romper eventuais barreiras emocionais, a pessoa hospitalizada será
abordada pelo psicólogo em seu próprio leito. E, em muitos casos, esse paciente sequer I I I I H Iam
qual o papel do psicólogo naquele momento de sua hospitalização e até mesmo de vida."'
18 - Nesse sentido, é muito importante que o psicólogo seja inserido na equipe de profissionais de saúde que aluem
em um determinado contexto hospitalar. T a l inserção determinará que sua abordagem seja fruiu de e m .1
alinhamento realizado por intermédio de outros profissionais com esse paciente com a anuência dele pari
que, acima de qualquer outro preceito, seu arbítrio de querer ou n ã o essa abordagem seja respeitado, Esse
é um aspecto importante a ser observado, pois determina muitas vezes até mesmo o êxito da abordagem d n
psicólogo. A i n d a que o paciente necessite de maneira premente da intervenção psicológica, seu arbítrio de> e
ser considerado para que a c o n d i ç ã o humana seja respeitada em um de seus preceitos fundamentais.
11
IU<||.M|Í.I M<IN|>il.l|.||
I ) i s s . i im i n . i , c muito impoi tinte que <> psicólogo entendi os limites de sua atuação para
não se tornar ele lambem mais um dos elementos abusivamente invasivos que agridem o
processo de hospitalização e que permeiam largamente a instituição hospitalar. Ainda que
0 paciente em seu processo de hospitalização esteja muito necessitado da intervenção
e seguramente muitos dos pacientes encaminhados ao processo de psicoterapia t a m b é m
estão necessitados de tratamento, mas preservam a si o direito de rejeitar tal encaminha-
mento , a opção do paciente de receber ou não esse tipo de intervenção deve ser soberana
e deliberar a prática do psicólogo. Balizar a sua necessidade de intervir em determinado
paciente, a própria necessidade desse paciente em receber tal intervenção, é delimitação
imprescindível para que essa atuação caminhe dentro dos princípios que incidem no real
respeito à condição humana.
De outra parte, é t a m b é m muito importante observar-se o fato de que, ao atuar em uma
instituição, o psicólogo, ao contrário da prática isolada de consultório, tem que ter bastante
claros os limites institucionais de sua atuação. Na instituição o atendimento deverá ser nor-
teado a partir dos princípios institucionais.1 9 Esse aspecto é, por assim dizer, um dos deter-
minantes que mais contribuem para que muitos trabalhos não sejam coroados de êxito na
instituição hospitalar. Ribeiro2 0 pontua que o doente internado é, em síntese, o doente sobre
0 qual a ciência médica exacerba o seu positivismo, e pode afirmar a transposição da linha
demarcatória da normalidade. Sua patologia reconhecida e classificada precisa ser tratada.
Ao contrário do paciente do consultório que m a n t é m seu direito de opção em aceitar ou não
o tratamento e desobedecer à prescrição, o doente acamado perde tudo. Sua vontade é apla-
cada; seus desejos, coibidos; sua intimidade, invadida; seu trabalho, proscrito; seu mundo de
relações, rompido. Ele deixa de ser sujeito. É apenas um objeto da prática médico-hospitalar,
suspensa sua individualidade, transformado em mais um caso a ser contabilizado.2 1
Esse aspecto inerente à institucionalização do paciente enfeixa um dimensionamento
de abrangência de intervenção do psicólogo rumo à h u m a n i z a ç ã o do hospital em seus
aspectos mais profundos e verdadeiros. A Psicologia Hospitalar n ã o pode igualmente per-
der o p a r â m e t r o do significado de adoecer em nossa sociedade, eminentemente marcado
19 - No caso de divergência dos princípios e preceitos da instituição onde o psicólogo desenvolve sua atuação, po-
derá haver um trabalho de direcionamento de transformação desses princípios. A transformação da realidade
institucional, muitas vezes, pode ser determinante de uma reformulação rumo à própria h u m a n i z a ç ã o da
instituição. O que não pode ocorrer é, diante da discordância, negar-se os princípios institucionais e tentar a
efetivação de um trabalho sem levar em conta tais especificidades.
'20 - Ribeiro, H.P. 0 Hospital: História e Crise. São Paulo: Cortez, 1983.
21 - Ibid. Op. cit.
12
( ) li< ol<)(|() no I lospital
iieli i a s p e c
rio pragmático de produção mercantilista. Ou nas palavras de Pitta, o adoecer
nela sociedade c, consequentemente, deixai de produzir e, portarão, de ser; é vergonhoso; logo, deve ser
ocultado e excluído, até porque dificulta que outros, familiares e amigos, também produzam. 0 hospital
perfiz este papel, recuperando quando possível e devolvendo sempre, com ou sem culpa, o doente à sua
situarão anterior. Se um acidente de percurso acontece, administra o evento desmoralizador, deixando que
a mito da continuidade da produção transcorra silenciosa e discretamente A intervenção do psicólogo
nesse sentido não pode prescindir de tais questionamentos com o risco de tornar-se algo
desprovido da profundidade necessária para abraçar a verdadeira essência do sofrimento
do paciente hospitalizado. E a própria direção contemporânea de desospitalização do pa-
ciente tem no psicólogo um de seus grandes aliados na medida em que p o d e r á depender
desse profissional uma avaliação mais precisa sobre as condições emocionais desse paciente.
Não se pode, no entanto, perder o p a r â m e t r o de que a psicologia deve se aliar a outras
forças transformadoras para n ã o se incorrer em meramente ilusionistas. O u nas palavras
de Ribeiro:2 3 há, no entanto, váriosfatores quefavorecem a desospitalização, além daqueles apontados
séculos antes. 0 intervencionismo e a onipotência da medicina são olhados com maiores reservas. Cada vez
mais é contestada por doentes,familiares, instituições seguradoras e pelo Estado a abusiva utilização dos
recursos tecnológicos hospitalares. Novos conhecimentos nas áreas da fisioterapia, propedêutica e terapêutica
vêm permitindo diagnósticos e tratamentos que tornam prescindível a intervenção ou a encurtam.
A Psicologia Hospitalar não pode se colocar dentro do hospital como força isolada solitária
sem contar com outros determinantes para atingir seus preceitos básicos. A h u m a n i z a ç ã o
do hospital necessariamente passa por transformações da instituição hospitalar como um
todo e evidentemente pela própria transformação social. O psicólogo, assim, não pode ser
um profissional que despreze tais variáveis com o risco de tornar-se alijado do processo
de transformação social.
O u ainda, o que é pior, ficar restrito a teorizações que isolam e atomizam o paciente
de conceituações e conflitos sociais mais amplos. O hospital, assim como toda e qualquer
instituição, reproduz as contradições sociais, e toda e qualquer intervenção institucional
n ã o pode prescindir de tais princípios.
O psicólogo reveste-se de u m instrumental muito poderoso no processo de humaniza-
ção do hospital na medida em que traz em seu bojo de atuação a condição de análise das
relações interpessoais. A p r ó p r i a contribuição da psicologia para clarear determinadas
22 - Pitta, A. Hospital, Dor e Morte como Oficio. S ã o Paulo: Hucitec, 1990.
2 3 - 0 Hospital: História e Crise. Op. cit.
13
P i i c o l o g i a H o s p i t . i l . i i
manifestações de somat ização c , i g u a l m e n t e , decisiva p a r a l a / c r c o m < |i i<- seu l u g a r na
e q u i p e de saúde da instituição h o s p i t a l a r esteja assegurado. A s somati/.açòes c a d a v e v
m a i s são aceitas n o bojo das intervenções médicas e a aluação d o psicólogo nesse sentido
é d e t e r m i n a n t e de u m a n o v a p e r f o r m a n c e n a própria relação médieo-paciente. E notória
t a m b é m a evidência c a d a vez m a i o r d e q u e m u i t a s p a t o l o g i a s têm seu q u a d r o clínico
a g r a v a d o a p a r t i r de complicações e m o c i o n a i s d o paciente. I n t e r v i r nesse p o n t e a m e n t n
é o u t r a p e r f o r m a n c e q u e faz d a psicologia u m a força m o t r i z até m e s m o n o diagnóstico e
compreensão de patologias p a r a as quais a própria M e d i c i n a não t e m explicação absoluta.
A s s i m , não se p o d e negar, p o r e x e m p l o , a importância das variáveis e m o c i o n a i s e m u m
q u a d r o d i a g n o s t i c a d o de câncer o u de a l g u m a c a r d i o p a t i a . C o m o também é inegável a
presença de d e t e r m i n a n t e s e m o c i o n a i s q u a n d o a b o r d a d a s patologias não diagnosticadas
c o m precisão... até m e s m o pela falta de s i n t o m a s específicos e v a r i a d o s . P o d e m o s i n c l u i r
nesse r o l aqueles casos e m q u e o paciente queixa-se o r a de cefaleia, o r a de náuseas, o r a de
comiseração e s t o m a c a l etc. O u a i n d a daqueles casos e m q u e o paciente apresenta diversos
sintomas c o n c o m i t a n t e s a diversas patologias s e m , n o e n t a n t o , apresentar tais patologias.
O s exames clínicos nesses casos não c o n s e g u e m fazer u m diagnóstico preciso e absoluto,
pois a própria alternância de sintomas d o paciente é algo apenas d i a g n o s t i c a d o q u a n d o se
tenta c o m p r e e n d e r , além dos sintomas, a d o r d ' a l m a q u e acomete tais pacientes.
Nesse sentido, é interessante o b s e r v a r q u e o avanço d a m e d i c i n a , c o m t o d o o seu apa-
r a t o tecnológico, não consegue p r e s c i n d i r d o psicólogo p e l a sua condição de escuta das
manifestações d ' a l m a h u m a n a , imperceptíveis à própria t e c n o l o g i a m o d e r n a .
Considerações Finais
Se é v e r d a d e i r o q u e o psicólogo c o n s e g u i u alçar voos r u m o a u m p r o j e t o d i g n i f i c a n t e de
Psicologia H o s p i t a l a r , é i g u a l m e n t e r e a l q u e u m l o n g o c a m i n h o a i n d a resta a ser t r i l h a d o .
E trilhá-lo exigirá d o psicólogo u m a p e r f o r m a n c e c a d a vez m a i s a m p l a n o s e n t i d o de
a b a r c a r as necessidades d a hospitalização e dos profissionais t o t a l m e n t e e n v o l v i d o s nas
e n t r a n h a s hospitalares. A Psicologia H o s p i t a l a r é r e a l i d a d e que, e m b o r a a i n d a necessite
de b u r i l a m e n t o , aperfeiçoamento e m u i t a s buscas, será, c e r t a m e n t e , a m a i s r i c a das alter-
nâncias d a Psicologia. Será, a i n d a , a m a i s c r i a t i v a das manifestações clínicas d e n t r o não
só d a r e a l i d a d e h o s p i t a l a r , c o m o t a m b é m das lides académicas, q u e , ao a s s u m i r e m - n a ,
assumirão i g u a l m e n t e u m c o m p r o m i s s o c o m o próprio f u t u r o de t o d a u m a geração de
profissionais. Psicologia H o s p i t a l a r , s o n h o t o r n a d o r e a l i d a d e a p a r t i r d a necessidade de
humanização d o h o s p i t a l .
1 4
De Como o Saber
Também é Amor
Valdemar Augusto Angerami - Camon
Introdução
E
ste t r a b a l h o r e t r a t a o desenvolvimento d a PsicologiaHospitalar n o Brasil pela descrição
d o r e l a c i o n a m e n t o pessoal c o m a psicóloga D r a . M a t h i l d e Neder, u m a das p e r s o n a l i -
dades q u e m a i s contribuíram p a r a a implantação e sistematização desse c a m p o de atuação
d o psicólogo. Pelas reminiscências desse r e l a c i o n a m e n t o e m e r g e m as q u a l i d a d e s pessoais
dessa d e s b r a v a d o r a q u e c e r t a m e n t e contribuíram p a r a q u e ela assumisse a liderança q u e
exerce n o c a m p o d a Psicologia d a Saúde, u m interesse e m acolher, além d a c a p a c i d a d e
de l i m i t e s d e f o r m a c o n c i l i a d o r a e c o n s t r u t i v a , sua l o n g a experiência académica e m q u e
inúmeros t r a b a l h o s n o c a m p o d a saúde e n c o n t r a m orientação e, finalmente, sua modés-
t i a , q u e não i n i b e o c r e s c i m e n t o dos profissionais q u e nela se e s p e l h a m . O a p o n t a m e n t o
d o v a l o r d a D r a . M a t h i l d e N e d e r se faz necessário p o r q u e , além de r e t o m a r a história d a
configuração d o c a m p o d a Psicologia H o s p i t a l a r , t e n t a r e p a r a r o r e g i s t r o d e s i g u a l q u e
existe sobre sua influência, j á q u e , o c u p a d a c o m a prática clínica e académica p i o n e i r a e m
Psicologia H o s p i t a l a r , Psicossomática e T e r a p i a F a m i l i a r , ressentimo-nos p o r e x i s t i r p o u c a
produção escrita e m seu n o m e até o m o m e n t o .
U m t r a b a l h o sobre Psicologia H o s p i t a l a r e suas condições e s t r u t u r a i s foi d e i x a d o d e
l a d o pelo afã de escrever o q u e seria m a i s interessante e m u i t o m a i s i n o v a d o r - escrever
sobre u m a das m a i o r e s mestras dessa área e fonte d e i m e n s a t e r n u r a e generosidade.
E eis-me assim, n o v a m e n t e , escrevendo sobre M a t h i l d e Neder.
M a i s u m a vez h o m e n a g e i o nossa m e s t r a c o m esse p u n h a d o de letras, l i n h a s e parágrafos
t r a n s f o r m a d o s e m capítulo de l i v r o .
Il< n l o i . i . l ll.»..|,ll.,l,„
riste t r a b a l h o c u m soneto de .11 m u , n i n . i elegia da a l m a para decantar u m a das mais b r i -
lhantes psicólogas brasileiras, s e g u r a m e n t e u m a das m a i s q u e r i d a s e m nossa realidade.
E simples, sem o u t r a preocupação que apenas e tão somente m o s t r a r o u t r a M a t h i l d e
N e d e r aos olhos d e seus a d m i r a d o r e s , pessoa que se m o s t r a d e u m a generosidade ímpar e
que, n o e n t a n t o , poucos têm o privilégio d e conhecer e conviver. Sua trajetória profissional
lói descrita e m l i v r o anterior,1 n o q u a l seu p i o n e i r i s m o está d e t a l h a d a m e n t e n a r r a d o , c o n -
f i g u r a n d o - s e assim n a v e r d a d e i r a história d a prática d a psicologia h o s p i t a l a r n o Brasil.
O objetivo a q u i é m o s t r a r o u t r a figura, d i s t a n t e d o a c a d e m i c i s m o e d a vivência hos-
pitalar. U m a M a t h i l d e N e d e r q u e tive o privilégio d e c o n h e c e r e d e conviver. E a p a r t i r
de convivências c o m o essa é que t e n h o certeza d e que se t r a t a de alguém m u i t o especial,
pois t a l convívio só m e fez crescer c o m o pessoa e m todos os sentidos d a m i n h a experiência
h u m a n a . N ã o é m i n h a pretensão esgotar os detalhes que possam ser atribuídos à M a t h i l d e ,
t a m p o u c o c o l o c a r - m e c o m o o único que os conhecesse e que, p o r t a n t o , se não estiverem
a q u i registrados, n ã o existem. Trata-se apenas d e u m a p e q u e n a descrição, r e d u z i d a e m
seu espaço d e escrita, e estabelecida e m u m t e m p o m u i t o c u r t o e m razão d a nossa própria
d i f i c u l d a d e d e tantos e demasiados c o m p r o m i s s o s profissionais. E n f i m , u m t r a b a l h o e m
que o a m o r é b a l i z a m e n t o p r i n c i p a l , e o afeto d e seu ser é a e s t r u t u r a m a i o r d e seu bojo e
de seu c o m p r o m i s s o e d i t o r i a l .
Doces Reminiscências
A i n d a era académico de psicologia, e ela notória professora n a PUC-SP, q u a n d o o u v i falar
d e M a t h i l d e N e d e r p e l a p r i m e i r a vez. Nesse período n ã o p o d i a i m a g i n a r que p o d e r i a
c o n v i v e r c o m ela de m o d o tão estreito, p a r t i l h a n d o m o m e n t o s dos m a i s diferentes matizes.
A i n d a académico, c o m e c e i a d e s p e r t a r m e u interesse p a r a a área h o s p i t a l a r e p a r a todos
os lados p a r a os quais m e d i r e c i o n a v a , a proeminência m a i o r de referência teórico-prática
sempre era M a t h i l d e N e d e r .
Nesse m o m e n t o ela e r a p a r a m i m apenas u m a figura m i t i f i c a d a pelo seu desenvolvi-
m e n t o académico e p o r sua p e r f o r m a n c e profissional. A l g u é m q u e v e n e r a m o s , m a s q u e
acreditamos ser d i s t a n t e daqueles q u e apenas estão c o m e ç a n d o a d a r os p r i m e i r o s passos
e m suas trajetórias profissionais. Frisa-se o t e r m o " a c r e d i t a m o s " , pois essa é a v e r d a d e i r a
definição p a r a expressar a r e d o m a e m q u e m u i t o s a c r e d i t a m q u e M a t h i l d e N e d e r se e n -
I - A n g e r a m i , V . A . Tendências em Psicologia Hospitalar. S ã o P a u l o : C e n g a g e L e a r n i n g , 2 0 0 4 .
1 6
I ),• ( I I I I I I I 11 S u b i u l . u n h o m o A m o i
1 i i i i i i .1 A I H n 11ii .11 , n i , n.i n i . i i i i i I . I i l . i s vezes, o c o r r e e m nosso imaginário e n a d a t e m a ver
1 u n i .1 própria realidade dc nossos personagens. N o caso de M a t h i l d e Neder, é isso o que
t t l i i i s surpreende q u a n d o a c o n h e c e m o s e m sua i n t i m i d a d e .
A n t e r m i n a r a faculdade iniciei u m a a t i v i d a d e c o m pacientes que t e n t a v a m suicídio
r e r a m a t e n d i d o s n o P r o n t o - S o c o r r o d o I n s t i t u t o C e n t r a l d o H o s p i t a l das Clínicas d a
r M t ISI* f a c u l d a d e de M e d i c i n a d a U n i v e r s i d a d e dc São Paulo. D e p o i s d e a l g u m t e m p o
nessa a t i v i d a d e , h o u v e u m a unificação dos diversos serviços d e psicologia existentes n o
I lospital das Clínicas, que estava sendo c o o r d e n a d a p o r M a t h i l d e N e d e r . F o i aí o nosso
p r i m e i r o c o n t a t o .
E desde esse p r i m e i r o e n c o n t r o não m a i s nos l a r g a m o s . A p r e n d i a respeitá-la e admirá-la
p r i n c i p a l m e n t e p e l a h u m i l d a d e d e m o n s t r a d a e m seus atos e até m e s m o gestos t r i v i a i s .
Fui p r o c u r a d o p o r ela p a r a ser avisado das mudanças que estavam o c o r r e n d o naquele
m o m e n t o no H o s p i t a l das Clínicas. A m i n h a p r i m e i r a reação foi a de que seria s u m a r i a m e n t e
escorraçado d o hospital, pois não fazia p a r t e de seu g r u p o de t r a b a l h o . E c o m esse estado d e
espírito f u i encontrá-la. E u , u m p r i n c i p i a n t e n a realidade hospitalar, e m b o r a coordenasse
u m t r a b a l h o que começava a despontar e ter bastante projeção e m nível teórico-prático, e
M a t h i l d e Neder, a m a i o r autoridade e m Psicologia H o s p i t a l a r no Brasil, sua p r i n c i p a l pioneira,
e que nesse m o m e n t o r e f o r m u l a v a os serviços de psicologia daquela u n i d a d e hospitalar.
Surpreendentemente, q u a n d o a encontrei, sua reação foi tão afetiva e amistosa que fiquei
simplesmente atónito, completamente sem reação, pois havia m e p r e p a r a d o p a r a u m encontro
beligerante, d o q u a l c e r t a m e n t e r e s u l t a r i a u m g r a n d e número de perdas irreparáveis. M a s
não, lá estava M a t h i l d e Neder, c o m aquele sorriso a m i g o e que i n i c i a l m e n t e fez questão de
reverenciar o nosso t r a b a l h o , fazendo grandes elogios às atividades d o g r u p o .
Surpreso fiquei e surpreso p e r m a n e c i p o r longos m o m e n t o s , pois de fato estava simples-
m e n t e sendo elogiado pela m a i o r a u t o r i d a d e n a r e a l i d a d e h o s p i t a l a r , elogios esses q u e r e -
p e r c u t i r a m tão p r a z e r o s a m e n t e e m m e u ser q u e não tive c o m o não m e e n c a n t a r p o r ela.
Falamos, r i m o s , acertamos c o m o seria nossa participação nessa reformulação e, p r i n c i p a l -
mente, como seria a transição do nosso modelo de atuação p a r a o que estava sendo i m p l a n t a d o
naquele m o m e n t o . T u d o m u i t o simples, m u i t o n a t u r a l , de tal f o r m a que me senti também u m
g r a n d e n o m e d a Psicologia H o s p i t a l a r que discutia c o m o u t r o g r a n d e n o m e d a área.
C o r r i a então o a n o d e 1982. Nessa ocasião, e u t a m b é m c o o r d e n a v a o c u r s o d e espe-
cialização e m Psicologia H o s p i t a l a r d o I n s t i t u t o Sedes Sapientiae, e a c o n v i d e i p a r a falar
aos nossos a l u n o s sobre sua trajetória profissional. E d u r a n t e m u i t o s anos essa r o t i n a foi
i n a l t e r a d a , c o m sua fala aos alunos sobre a m a n e i r a c o m o h a v i a se desenvolvido n a prá-
tica h o s p i t a l a r , c o m o h a v i a e s t r u t u r a d o sua atuação profissional d e n t r o dessa r e a l i d a d e .
1 7
Psi< <)l()(|i.l U ( ) S | > i l . l l . l l
1 )a m e s m a f o r m a , também passei a l a l a r p a r a os a l u n o s dos cursos de a p c r l c i ç o a m e n t i M I M
u n i d a d e de p s i c o l o g i a h o s p i t a l a r d o H o s p i t a l das Clínicas d a F M l FSP;
Outros Tempos
E m 1 9 8 8 o c o r r e u , e m R e c i f e / O l i n d a , o I I I E n c o n t r o N a c i o n a l d e Psicólogos d a A r c a
H o s p i t a l a r . L e v e i m e u filho m a i s v e l h o , E v a n d r o , n a ocasião c o m 8 anos d e i d a d e , para
q u e conhecesse aqueles cantos tão q u e r i d o s .
Nessa v i a g e m , M a t h i l d e c o n h e c e u E v a n d r o e passou a fazer p a r t e d a nossa família.
P o s t e r i o r m e n t e c o n h e c e u a m i n h a f i l h a , P a u l a , e i g u a l m e n t e não m a i s h o u v e r u p t u r a no
estreitamento de nossas relações. A s s i m , bastava t e r a l g u m congresso f o r a de São P a u l o que
i m e d i a t a m e n t e M a t h i l d e q u e r i a saber q u a l dos meus filhos i r i a c o m i g o e se p r e p a r a v a para
c u r t i - l o s n o v e r d a d e i r o sentido d o t e r m o . E não só e m congressos, pois M a t h i l d e passou
a ser figura obrigatória nas festas q u e r e a l i z a m o s e m casa, b e m c o m o e m m u i t o s almoços
d o m i n i c a i s . E v a n d r o hoje é a r t i s t a plástico e u m a de suas obras m a i s q u e r i d a s presenteou
à M a t h i l d e c o m o f o r m a de r e v e r e n c i a r o afeto q u e todos temos p o r ela.
M a t h i l d e d e i x o u então de ser u m a a m i g a q u e r i d a p a r a t o r n a r - s e alguém d a família,
alguém cuja presença é indispensável e m todas as ocasiões especiais e até m e s m o r o t i n e i r a s .
U m a presença forte, m a r c a n t e e q u e , antes de q u a l q u e r o u t r a característica, t r a n s m i t e u m a
h u m i l d a d e q u e t o r n a m u i t o difícil i d e n t i f i c a r n a sua figura simples u m a das maiores perso-
nalidades n a área d a psicologia. É difícil constatar q u e aquela pessoa de riso m e i g o e o l h a r
doce e suave é i g u a l m e n t e a p r e c u r s o r a t a n t o d a Psicologia H o s p i t a l a r c o m o até m e s m o da
psicossomática n o Brasil. É difícil estabelecer o p a r a l e l o de q u e aquela m u l h e r sempre tão
disposta a o u v i r os mais diferentes interlocutores é, sem s o m b r a de dúvida, u m a das mais n o -
táveis professoras de nossa realidade académica, alguém que não sabe de p r o n t o o número de
orientações que possui n a a t u a l i d a d e . E que seguramente dependerá de u m a g r a n d e pesquisa
bibliográfica p a r a se a p u r a r o número de teses académicas escritas sob sua orientação. M a s
c e r t a m e n t e não será de sua b o c a q u e o u v i r e m o s q u a l q u e r eloquência sobre a m a g n i t u d e dos
t r a b a l h o s que o r i e n t o u ao l o n g o de sua trajetória profissional. C o m o também, se não fosse
o t r a b a l h o q u e o r g a n i z a m o s 2 r e l a t a n d o sua trajetória profissional n a r e a l i d a d e hospitalar,
c e r t a m e n t e seus feitos e conquistas se p e r d e r i a m ao l o n g o d o t e m p o e d o espaço, pois ela não
seria capaz de registrá-los o u até m e s m o de narrá-los de m o d o sistematizado.
2 - Tendências em Psicologia Hospitalar. Op. cit.
1 8
I V I o i n n o S . I I H I I l . i m l m i n «'. A m i n
A l u a h u m i l d a d e a t r o p e l a a g r a n d i o s i d a d e dc suas realizações, pois, p o r m a i s i m r í -
i I (|ue possa parecer, n e m m e s m o suas p r i m e i r a s publicações ela m a n t e v e g u a r d a d a s c
i M I I M i V . M l a s . E isso posso a f i r m a r sem t i t u b e i o , pois p a r a escrever a historia de sua I r a j e -
l u i i . i profissional tive de l a p i d a r m u i t o m a t e r i a l q u e se a c h a v a m i s t u r a d o a outras l a u t a s
piililu ações, b e m c o m o g a r i m p a r t r a b a l h o s q u e se a c h a v a m p e r d i d o s nos lugares m a i s
IIIuu.mináveis. Para se ter u m a i d e i a d a dimensão dessas colocações, c i t o u m a ocasião, pc II
Volta de I 9 9 l , q u a n d o estava t r a b a l h a n d o n a descrição dc sua trajetória e precisava dc u m a
coiileiência q u e ela h a v i a p r o f e r i d o n o início de seu d e s e m p e n h o profissional. Fui até S I I . I
i usa, c depois de m u i t o p r o c u r a r e n a d a e n c o n t r a r , levei-a p a r a assistir a u m c o m c i t o que
p.n , i m i m e r a imperdível. Q u a n d o v o l t a m o s à sua casa, p r o c u r a m o s p o r t o d a I I I . K I I Ugada
. i h f i n a l m e n t e encontrá-la.
E assim foi d u r a n t e t o d a a elaboração desse t r a b a l h o , u m incessante g a r i m p o m> q u a l
cada peça e n c o n t r a d a e r a f a r t a m e n t e c o m e m o r a d a pelas d i f i c u l d a d e s apresentadas. E n a u
pense o l e i t o r de m o d o p r e c i p i t a d o q u e isso possa ser evidência de u m a desorganizaç&i 111<
sua p a r t e , pois o u t r o s t r a b a l h o s indispensáveis à sua prática profissional estão d e v i d a i i i c n i i
g u a r d a d o s e c o m fácil acesso e m seu escritório de t r a b a l h o . O r e g i s t r o d c suas a t i v i d a d e i
li ii d e i x a d o d e l a d o p o r sua característica de h u m i l d a d e , q u e a i m p e d e d c se r c c o n h e i n
c o m o alguém cujos passos são d e e x t r e m a importância p a r a a própria história d a p i i i O
logia n o B r a s i l .
E m u m a ocasião ela simplesmente falou: " Q u e m v a i se interessar p o r u m a conferem l l
que p r o f e r i n o final(fim) dos anos 1950?" E , n a verdade, fazia referência a u m a conferem ia
que registra a p r i m e i r a participação de u m psicólogo e m u m evento o r g a n i z a d o p o r médii i il
no H o s p i t a l das Clínicas d a F M U S P e no q u a l estavam registrados os seus primeiros passi i
b e m c o m o o nível de aceitação ao seu t r a b a l h o p o r outros profissionais d a saúde. O u de o u i r a
situação e m q u e simplesmente f a l o u : " N ã o sei p a r a que você está interessado e m saber os de
talhes d o m e u t r a b a l h o n o h o s p i t a l " . E novamente estávamos d i a n t e de u m a situação em l [UC
tais detalhes c o l o c a v a m e m evidência u m p o u c o d a história d a psicologia no Brasil,
A t é m e s m o u m a foto dc u m congresso r e a l i z a d o n a E u r o p a , q u a n d o a i n d a era j o v e m ,
e q u e t i n h a g r a n d e s personagens d a p s i c o l o g i a m u n d i a l , c o m o M e l a i n e K l e i n e Ernest
Becker, e n t r e o u t r o s , só é m o s t r a d a depois de m u i t a insistência. D o contrário, g u a o l . u l . i
está, g u a r d a d a permanecerá. I m a g i n o de o u t r a p a r t e q u e se essa foto pertencesse a m u
meros o u t r o s colegas, estaria e m destaque e m suas salas de visitas, c o m o u m dos maiores
t r i u n f o s d a própria trajetória p r o f i s s i o n a l .
U m a das faces m a i s m a r c a n t e s de sua generosidade é o m o d o c o m o acolhe colegas de
outros Estados, hospedando-os e m sua própria residência. A s s i m , é m u i t o c o m u m encontrar
1 9
(>l( >< ]1.1 I l o r . p i t . t l . i l
colegas dos m a i s diferentes cantos q u e , ao passarem p o r São Paulo, são recepcionados poi
M a t h i l d e , t e n d o então e m sua residência o local de referência c proteção. E não pense qui
se t r a t a apenas de notórios de o u t r a s localidades, m a s de q u a l q u e r colega, académico q m
seja, e q u e simplesmente necessite de u m a acomodação p o r esses cantos. É c o m o já u m i
de u m colega de M a c e i ó q u e lá estava hospedado: " A l é m de t u d o , a i n d a t e n h o o privilegie >
de c o n v i v e r c o m o d i a a d i a de M a t h i l d e N e d e r " .
M a t h i l d e , e m sua generosidade, g u a r d a hábitos de e x t r e m a valorização d o convívio
f a m i l i a r . E frequente ouvir-se dela sobre a necessidade de i r até o i n t e r i o r p a r a c u i d a r de
parentes. E l a t a m b é m é m u i t o religiosa, e u m de nossos passeios frequentes é levá-la para
assistir à missa d o c a n t o g r e g o r i a n o n o M o s t e i r o de São B e n t o , n o c e n t r o histórico de São
Paulo. E de q u a l q u e r m a n e i r a ela é sempre g r a t a a q u a l q u e r gesto q u e façamos e m seu
benefício. T u d o é m u i t o c o n s i d e r a d o e não há ação e m q u e não se d e r r a m e e m agradeci-
m e n t o s q u a n d o se sente a c a r i n h a d a pelos nossos gestos.
S e m m e d o de e r r o é possível a f i r m a r q u e o g r a n d e e, p o r assim dizer, o seu p r i n c i p a l
defeito é a sua escassez de publicações. Pela m a g n i t u d e de sua vivência é u m a p e r d a i r r e -
parável u m número tão r e d u z i d o de t r a b a l h o s académicos. E m b o r a esteja c o n s t a n t e m e n t e
o r i e n t a n d o as m a i s diferentes dissertações e teses académicas, c e r t a m e n t e teríamos u m a
g r a n d e contribuição se ela dedicasse u m t e m p o de suas atividades p a r a a publicação de
sua vasta experiência profissional. M a s os e n s i n a m e n t o s q u e ela nos lega a c a d a e n c o n t r o
nos t o r n a m responsáveis p e l a sua difusão. E também não p o d e m o s p e r d e r de v i s t a q u e dois
dos m a i o r e s pensadores d a h u m a n i d a d e - C r i s t o e Sócrates - n a d a p u b l i c a r a m , c h e g a n d o
suas ideias e e n s i n a m e n t o s até os dias de hoje graças àqueles d e n t r e os seus discípulos que
r e c o l h e r a m u m vasto m a t e r i a l de seus ensinamentos e os p u b l i c a r a m . E assim, o saber p o d e
se t r a n s f o r m a r e m u m a das m a i s belas manifestações d o amor...
S e r r a d a C a n t a r e i r a , e m u m a manhã de i n v e r n o .
2 0
Atendimento Psicológico
no Centro de Terapia Intensiva
Ricardo Werner Sebastiani
3
Introdução
O
C T I t r a z c o m o sério estereótipo v i n c u l a d o à sua ideia a i m a g e m de sofrimento e t(
i m i n e n t e . N a verdade, p o r ser u m a u n i d a d e n o hospital que se dedica a o a t c n d i m e n t i i
i le casos e m que o c u i d a d o intensivo e a gravidade dos p r o b l e m a s exigem sei < is constante!
e especializados, esse t i p o de i m a g e m acaba t e n d o u m b o m c u n h o de realidade.
As características intrínsecas ao C T I , c o m o a r o t i n a dc t r a b a l h o m a i s acelerada, 11 c l i m a
constante de apreensão, as situações de m o r t e i m i n e n t e , a c a b a m p o r exacerbar 0 estado
de "estresse" e tensão q u e t a n t o o paciente q u a n t o a e q u i p e v i v e m nas 24 horas d o d i a
Esses aspectos, somados à dimensão i n d i v i d u a l d o s o f r i m e n t o d a pessoa nela intei n.id.i,
lais c o m o a d o r , o m e d o , a ansiedade, o i s o l a m e n t o d o m u n d o , t r a z e m , sem dúvida, várioi
e lõrtes fatores psicológicos q u e i n t e r a t u a m de m a n e i r a m u i t a s vezes grave p o r sobre 0
manifestação orgânica d a e n f e r m i d a d e q u e a pessoa possui.
P a r a t a n t o , discorrer-se-á s o b r e os aspectos m a i s i m p o r t a n t e s desse m o m e n t o da
história d o indivíduo, c o m e ç a n d o p o r d e s m i s t i f i c a r o q u e se a c r e d i t a ser u m ( l e n t r o de
T e r a p i a I n t e n s i v a .
Desmistificando o CTI
O C T I é m a i s u m dos frutos d o extraordinário avanço q u e as ciências médicas c sua te< n< i
l o g i a a t i n g i r a m n o século X X . O b j e t i v a d o p a r a u m t r a t a m e n t o i n t e n s i v o d o e n f e r m o , vei( >
se e v i d e n c i a n d o c o m o u m a u n i d a d e indispensável p a r a o t r a t a m e n t o de doentes graves.
l > l l l l | l . l H ( ) S | ) i t . l l . l l
Equipamentos sofisticados, pessoal técnico qualificado, atenção constante, 21 horas diái iu
dc medicações, exames, lesies, letisào, r o t i n a , visando a u m só fator: a pessoa eniérma.
N ã o obstante essas conotações c l o d o a p a r a t o científico c tecnológico, observa-sc u m
l a l o q u e se repete nas centenas de C T I s espalhados pelo nosso País.
Existe, n a m a i o r i a das pessoas, u m estereótipo bastante a r r a i g a d o , associado o u c u
l o c a d o c o m o sinónimo de C T I : A M O R T E I M I N E N T E . O fator m o r t e , c o n t r o v e r t i d a
r e a l i d a d e de nossa existência d e n t r o d a c u l t u r a o c i d e n t a l , é, p o r p a r a d o x a l q u e pareça,
v i v i d o t o d o o t e m p o n a r o t i n a diária d o C T I , e x i g i n d o das pessoas q u e nele t r a b a l h a m e
l u t a m p e l a v i d a u m p o s i c i o n a m e n t o m u i t o d u r o p e r a n t e este, m u i t a s vezes o b r i g a n d o - a i
a refugiar-se e m u m u n i v e r s o r a c i o n a l i s t a p a r a a g u e n t a r a pressão e m o c i o n a l q u e isto
t u d o causa.
A história d a M e d i c i n a t r a z situações q u e se r e p e t e m c o m o passar dos séculos, sem-
p r e q u e s t i o n a n d o o f a t o r m o r t e e a importância d a atenção afetiva d o t e r a p e u t a d i a n t e
d o e n f e r m o .
Asclépio, médico d a b a t a l h a de Tróia (2), c i t a d o p o r H o m e r o e g l o r i f i c a d o depois c o m o
deus d a M e d i c i n a , p r e c o n i z a v a e m seus ensinamentos a importância de u m a b o a a c o l h i d a
ao enfermo, interessando-se p o r seu todo; a m b i e n t e , interesses, família, c u l t u r a , motivações
e sintomas e r a m condições básicas p a r a sua recuperação.
F i r m a d o neste código de respeito à pessoa h u m a n a , levanta-se então a necessidade i m i -
nente de u m a ampliação n a a b o r d a g e m à pessoa e n f e r m a , q u e b r a n d o a defesa r a c i o n a l e,
ao l a d o dela, v i v e n d o o c o n f l i t o entre v i d a e m o r t e . N ã o se t r a t a dc u m a entrega i m e d i a t a
ao s o f r i m e n t o , pois se c a i r i a então n o m e s m o p r i s m a e x t r e m i s t a d a racionalização, m a s
sim de u m "estar c o m " e m q u e se p o d e , c o m o m e d i a d o r , a c o m p a n h a r a v i d a e a m o r t e ,
l u t a n d o p o r aquela o u c o m p r e e n d e n d o , nesta, nossa limitação, a b a n d o n a n d o a onipotência
que m u i t a s vezes nos assola c o m o u m d o m d i v i n o de " s e n h o r d a existência".
Tem-se, p o r t a n t o , c o m o objeto d a atenção d o psicólogo n o C T I , u m a tríade constituída
dc: paciente, sua família e a própria e q u i p e de saúde, todos envolvidos n a m e s m a luta, m a s
cada u m c o m p o n d o u m dos ângulos desse processo.
O s o f r i m e n t o físico c e m o c i o n a l d o paciente precisa ser e n t e n d i d o c o m o coisa única,
pois os dois aspectos que o c o n s t i t u e m i n t e r f e r e m u m sobre o o u t r o , c r i a n d o u m círculo
vicioso d o t i p o : a d o r a u m e n t a a tensão e o m e d o que, p o r sua vez, e x a c e r b a m a atenção d o
paciente à própria d o r que, a u m e n t a d a , gera m a i s tensão e m e d o , e assim sucessivamente
(9). Essa compreensão ajuda o psicólogo a q u e b r a r esse círculo vicioso de f o r m a a t e n t a r
resgatar, c o m o paciente, u m c a m i n h o de saída p a r a o s o f r i m e n t o , e m eme, de u m l a d o , as
m a n o b r a s médicas, medicamentos, exames, introdução de aparelhos i n t r a e extracorpóreos
2 2
A t l i l l l l l l l l D I l t i i l ' ' . U i i l i i l | l i CI n u ( e l l l l i i c i e I . • r , 11 > I. I I n t l M l s i v . l
v.Hi i i ' somai às d o psicólogo, I I I I C litvorccc a inanileslaçài > dos medos c lantasias d o pacien-
h i I I I I I I I I . I sua participação i m t r a t a m e n t o , ouve e p o n d e r a sobre questões q u e o a f l i j a m
' . I I I I M I S I ia, desesperança, mudanças estruturais na sua relação c o m a v i d a , e x p e c t a t i v a d a
l e e l e . ) , l o d o s e s s e s cslõrços v i s a m mais d o que a u m fim p u r o e simples: v i s a m a u m
i . o i u u l i u dc e n f r e n t a m e n t o d a dor, d o s o f r i m e n t o , e e v e n t u a l m e n t e d a própria m o r t e , m a i s
< 111 - o menos sofrido possível.
N u m a s e pode esquecer q u e d o l a d o de fora d o C T I , n o corredor, n a sala de espera,
• M l e u m a família i g u a l m e n t e a n g u s t i a d a e sofrida, q u e se sente i m p o t e n t e p a r a a j u d a r
leu f a m i l i a r , q u e também se d e s o r g a n i z o u c o m a doença e q u e também se assusta c o m o
cspeeiro d a m o r t e que m u i t a s vezes r o n d a seus pensamentos.
Essas pessoas também p r e c i s a m d a atenção d o psicólogo e constituem-se e m u m a p o -
l e u i e força afetiva q u e p o d e e deve ser e n v o l v i d a n o t r a b a l h o c o m o paciente, pois são os
icpiesentantes p r i n c i p a i s de seus vínculos c o m a v i d a e, não r a r o , u m a das poucas fontes
de motivação que este t e m p a r a e n f r e n t a r o s o f r i m e n t o e a v i r t u a l i d a d e d a m o r t e .
Sabe-se m u i t o b e m q u e o p a l c o p r i n c i p a l d o t r a t a m e n t o n o C T I acontece n o p l a n o
biológico; a infecção sendo c o m b a t i d a pelos antibióticos, as falências dos sistemas sendo
01 impensadas p o r máquinas e fármacos, a vigilância d o f u n c i o n a m e n t o d o o r g a n i s m o feita
I ii >r exames e testes l a b o r a t o r i a i s ; às vezes esse processo nos faz esquecer de q u e t u d o isso
tem u m único objetivo: preservar a v i d a . E o q u e é essa v i d a senão esse i n t r i n c a d o sistema
dc emoções, afetos, vínculos, motivações que sentimos e m nosso c o r p o e de nossa a l m a ,
que acontece d e n t r o de u m a m b i e n t e q u e nos c r i a e c r i a m o s c h a m a d o família, r e l a c i o -
namentos, t r a b a l h o , m u n d o , enfim...? É, p o r t a n t o , pela q u a l i d a d e desta v i d a que se luta,
às vezes g a n h a n d o , às vezes p e r d e n d o . Nesse p o n t o a equipe de saúde, q u e , antes de mais
n a d a , é também c o m p o s t a de pessoas, vivência n o seu c o t i d i a n o esse significado de v i v e r c
de m o r r e r . O profissional de saúde não d e i x a de ser assolado p o r sentimentos ambivalentes
de onipotência e impotência, a própria finitude que é d e n u n c i a d a a cada m o m e n t o , as ex-
pectativas de todos (família, paciente, colegas...) são jogadas sobre eles. P a r a s u p o r t a r isso,
m u i t a s vezes se r e f u g i a m e m suas defesas, o r a c i o n a l i s m o , o não e n v o l v i m e n t o , a própria
onipotência, m a s m e s m o assim todos esses estímulos estão a l i , presentes n o seu d i a a d i a .
O psicólogo p o d e então a t u a r c o m o f a c i l i t a d o r d o f l u x o dessas emoções e reflexões, detec-
t a r os focos de "estresse", s i n a l i z a r q u a n d o suas defesas se e x a c e r b a r a m t a n t o , a p o n t o de
alienarem-se de si mesmas, de seus próprios sentimentos, e favorecer a compreensão de
sua onipotência (que é falsa).
Esse trinòmio merece atenção, merece respeito; o psicólogo o compõe sendo ao mesmo tempo
agente e paciente de t u d o que se m e n c i o n o u anteriormente; sua presença pode ser inestimável
2 3
I  ( i l o q i . i I l i i s p i t . l l . l l
nesse m o m e n t o , quase sempre cronicamente erítiro, e c a b e também a ele estar atento não
ao o u t r o , m a s a si mesmo, p a r a p o d e r atuar sempre que puder, respeitando seus limites.
Objetivos Gerais do Acompanhamento Psicológico no CTI
O presente t r a b a l h o visa discutir os aspectos psicológicos de pacientes submetidos a c i r u r g i a i
de grande porte, pós-operatório i m e d i a t o , b e m c o m o discorrer sobre as reações emocionais de
o u t r o g r u p o de pacientes (não cirúrgicos) d u r a n t e sua permanência n o C T I .
T e n d o isso c o m o m e t a de t r a b a l h o , buscar-se-á m o s t r a r a intervenção psicológica no
e n f e r m o , q u e p r o c u r a p o s s i b i l i t a r u m a diminuição e/ou amenização das intercorrências
q u e p o d e r ã o v i r a c o m p l i c a r o u r e t a r d a r a recuperação e a reabilitação dele.
Para q u e se possa c o m p r e e n d e r c o m m a i s clareza o processo psicofísico d o e n f e r m o , é de
e x t r e m a importância que sejam abordados os g r u p o s de fatores que intervêm de f o r m a direta
o u i n d i r e t a n a evolução d o q u a d r o psico-orgânico d o paciente, c o m o será visto a seguir.
O b s e r v a m o s q u e a situação d o paciente não t e m somente o ângulo de v i d a e m o r t e ,
mas t a m b é m o s e n t i m e n t o de a b a n d o n o e dicotomitização, pois é r e g r a c o m u m , n a m a i o r
p a r t e dos C T I s , a proibição das visitas, e é " r e g r a " e m hospitais, p o r u m provável vício d o
c o t i d i a n o , t r a t a r as pessoas c o m o s i n t o m a s , órgãos o u números (o " 2 0 2 A " , a "esterose"
d o leito 0 1 , o " n e u r o " d o 5" andar...), r e s u l t a n d o n a despersonalização, o q u e e v i d e n c i a a
importância d o t r a b a l h o d o psicólogo, ressaltando " o t e m p o e o interesse h u m a n o s " c o m o
p r e p o n d e r a n t e s p a r a o auxílio n a recuperação a m p l a d a pessoa e n f e r m a .
P a r a t a n t o , o t r a b a l h o d o psicólogo h o s p i t a l a r baseia-se nos seguintes aspectos:
1. A t e n d e r i n t e g r a l m e n t e o paciente e a sua família, considerando-se os parâmetros
de saúde d a O r g a n i z a ç ã o M u n d i a l de Saúde (3):
a) t o t a l b e m - e s t a r biopsicossocial d o paciente;
b) atenção primária, secundária, terciária à saúde.
L o g i c a m e n t e , u m a pessoa i n t e r n a d a n o C T I não t e m c o m o p r i n c i p a l necessidade a
atenção primária, mas a preocupação c o m a profilática de u m a orientação a d e q u a d a
antes d a a l t a ; u m p r e p a r o p a r a q u e as limitações a d v i n d a s d a doença (tanto físicas
q u a n t o psíquicas) não t r a g a m à pessoa sentimentos de i n u t i l i d a d e p a r a si e p a r a o
m u n d o são m u i t o i m p o r t a n t e s .
2. Desenvolver as atividades sob u m a visão i n t e r d i s c i p l i n a r (médico, e n f e r m e i r a , assis-
tente social, fisioterapeuta, biomédico, n u t r i c i o n i s t a etc. ), baseadas n a integração
dos serviços de saúde voltados p a r a o paciente e sua família.
2 4
A l u i i i l l m n i i t o I ' M < c>lo<|i( D n o l « M i m < l o I m . i p i . t I n t m r . i v . i
I P o s s i b i l i t a r a c o m p r e e n s ã o e n 1 1 . i l . m i e t i t i ) d o s a s p e i t o s p s i c o l ó g i c o s (psicOgênil 0 1
n a s diferentes situações, t a i s c o m o :
.i quadros psicorreativos;
b ) síndromes psicológicas;
c) distúrbios psicossomáticos;
d) q u a d r o s conversivos;
c) fantasias mórbidas c angústia de m o r t e ;
F) ansiedade d i a n t e das internações (doenças, evolução, alta).
O Paciente C i r ú r g i c o 1
I r e a l m e n t e notável a q u a l i d a d e das reações d o s p a c i e n t e s d i a n t e d a cirurgia. N e i H
silnação, as pessoas t e n d e m a m u d a r . Elas se refazem, r e f i n a m seu a u t o c o n t r o l e , delibera
i l a m e n t e l i m i t a m suas percepções e sentimentos, n e g a m o p e r i g o , a c e i t a m c o m est» ii( ismo
o inevitável e c o n s e g u e m , até m e s m o , u m a aparência de satisfação. A considerável valia
dessa mudança i n t e r n a , e m b o r a não seja u n i v e r s a l , é talvez m a i o r d o q u e s e p e n s a . Com
lua ajuda, o paciente não apenas se protege c o n t r a u m m e d o e s o f r i m e n t o a v a s s a l a i l . n l
mas se e n t r e g a também a u m p a p e l m a i s passivo, c o o p e r a t i v o e tratável.
Q u e ninguém se deixe e n g a n a r pela contenção e m o c i o n a l de u m paciente cirúrgii 0
Não i m p o r t a n d o o g r a u de i m p e r t u r b a b i l i d a d e de sua aparência, subjacente a e l a , h;
m e d o e u m p a v o r terríveis. O p a c i e n t e s u b m e t i d o a p r o c e d i m e n t o cirúrgico apresenta
aspectos psicológicos i m p o r t a n t e s p r i n c i p a l m e n t e c o m relação a o m e d o . T e m triedo da
dor, d a anestesia, de ficar d e s f i g u r a d o o u i n c a p a c i t a d o . T e m m e d o de m o s t r a r m e d o , e
m e d o d e m i l e u m a coisas. S o b r e t u d o , t e m m e d o de m o r r e r . E , d i f e r e n t e m e n t e d c a l g u m a s
outras coisas t e m i d a s pelas pessoas, o m e d o d a c i r u r g i a t e m , p e l o m e n o s e m p a r t e , u m a
base c o n c r e t a . E m b o r a a r e a l i d a d e seja sempre e n r i q u e c i d a pela imaginação, o m e d o da
c i r u r g i a n u n c a é t o t a l m e n t e imaginário.
O t i p o d e freio q u e os pacientes e x e r c e m sobre o seu m e d o faz m u i t a diferença c m
relação a o seu b e m - e s t a r . A l g u n s o têm firme, r e l a t i v a m e n t e inquebrável e m u i t o útil,
( ) u t r o s o têm tão frágil q u e p r e c i s a m de reforço, e m g e r a l , p o r m e i o de a c o m p a n h i i
psicológico e e v e n t u a l m e n t e d r o g a s . O u t r o s a i n d a dispõem d e métodos especiais p a r a
c o n t r o l a r a ansiedade, e n e m todos são benéficos. U m m o d o p a r t i c u l a r é aquele d o pai iente
q u e , t e n t a n d o a l i v i a r a a n s i e d a d e c o n c e n t r a d a sobre a p a r t e d o c o r p o c i r u r g i c a m e n t e
1 - Excraído, a d a p t a d o e c o m p l e m e n t a d o a p a r t i r d e B i r d , B . (1), Conversando com o Paciente. S ã o P a u l o : M a n o l e , 1978.
2 S
I ' M I o l o u i . i I l o s | ) i l . i l , n
afetada, torna-sc p r e o c u p a d o c o m o u t r a s parles dc seu c o r p o , o u cria p r o b l e m a s a r l i l i i iul
e m o u t r a s regiões orgânicas. Se esse d e s l o c a m e n t o d c u m a p a r t e p a r a o u t r a parece nau
ser p r e j u d i c i a l , não há necessidade de interferência. E m a l g u n s casos, p o r é m , o l i e m
-estar d o p a c i e n t e é m a i s b e m p r e s e r v a d o se a e q u i p e o a j u d a a d e v o l v e r a ansiedade , i u
seu l u g a r originário.
O fato de u m paciente e m p a r t i c u l a r t e n t a r deslocar a preocupação de u m órgão afetado
p a r a o u t r o n o r m a l depende n o r m a l m e n t e d o v a l o r q u e a t r i b u i ao órgão afetado. A c i r u r g i l
d a face e das mãos p o d e causar g r a n d e ansiedade entre pacientes cujo t a l e n t o depende d l
i n t e g r i d a d e dessas e x t r e m i d a d e s . É óbvio q u e os órgãos v i t a i s são m a i s cotados. E m geral,
q u a n t o mais v a l o r i z a d o for o órgão, m a i o r será a ansiedade d o paciente d i a n t e d a c i r u r g i a i
p o r t a n t o , q u a n d o esses órgãos f o r e m operados, será m u i t o provável q u e o paciente desloque
sua ansiedade deste p a r a o u t r o s órgãos saudáveis e menos i m p o r t a n t e s .
T a n t o o paciente q u a n t o o cirurgião devem ser providos de u m representante pessoal i >
psicólogo - cujas funções seriam, de u m lado, representar o paciente que, e m seu estado mental
e físico afetado, não t e m condições p a r a representar a si mesmo e, p o r o u t r o lado, o cirurgiài i,
que n e m sempre consegue ser tão útil q u a n t o gostaria ao l i d a r c o m os medos e fantasias do
paciente e m relação ao que v a i acontecer. O representante seria alguém que n a d a faria - come i
c o r t a r o u suturar —, caso contrário também ele se veria o b r i g a d o a esconder e r e p r i m i r seus
sentimentos e angústias. É o que se entende c o m o "privilégio" d o psicólogo no hospital, na
m e d i d a e m que ele não representa ameaça (organicamente falando).
Essa p o n t e , o u facilitação de vínculos, t e m g r a n d e importância, s o b r e t u d o p a r a o
p a c i e n t e , pois ela é u m a das p o s s i b i l i d a d e s c o n c r e t a s de se desenvolver dois s e n t i m e n -
tos imprescindíveis p a r a o b o m prognóstico e m o c i o n a l d a relação d o indivíduo c o m a
c i r u r g i a e o processo, m u i t a s vezes l o n g o , d e pós-operatório e reabilitação, q u e são a
confiança e a autorização. Essa última n e m s e m p r e c o n s i d e r a d a c o m o f a t o r i m p o r t a n -
te, m a s sabe-se q u e , se não h o u v e r p o r p a r t e d o p a c i e n t e u m a autorização explícita e
implícita p a r a q u e se i n t e r v e n h a sob seu c o r p o e, e m u m a instância m a i s p r o f u n d a , e m
sua própria v i d a , os riscos de intercorrências e p r , b l e m a s n o t r a n s c u r s o de t r a t a m e n t o
a u m e n t a m s i g n i f i c a t i v a m e n t e .
A questão d a confiança e d a autorização remete-se a u m dos aspectos m a i s i m p o r t a n t e s
n a relação entre a e q u i p e de saúde e o paciente q u e se p o d e d e n o m i n a r de " e n t r e g a p a r t i -
c i p a t i v a " : o u seja, ao m e s m o t e m p o e m q u e c o n f i a n a e q u i p e e a " a u t o r i z a " a c u i d a r dele,
manipulá-lo, m e s m o e m u m m o m e n t o e m q u e está inconsciente, p o r t a n t o s e m n e n h u m
c o n t r o l e , age p o r o u t r o l a d o m o s t r a n d o - s e interessado p e l o seu estado, sua evolução, e
esforça-se p a r a ajudar-se n o t r a t a m e n t o e recuperação.
2 6
A l n n d i m i M i t c i l'si< o l o q ú o 111> C e n t r o d e l e r . i p i a I n t e n s i v a
I . . . . i aparentemente pequena preoi upaçào que a equipe deve l e r e m relação à estruturação
I|I seu v i n c u l o c o m o paciente, a despeito dc colocações adversas c o m o " f a l t a de t e m p o " ,
I Lides m a i o r e s " cie., não so o t i m i z a as respostas ao t r a t a m e n t o t a n t o d o p o n t o de
v i .1.1 psíquico q u a n t o físico, c o m o l a m b e m reduz o t e m p o de reabilitação e reintegração
|jii paciente, o q u e , c m última instância, acaba p o r c o n t r a d i z e r os próprios obstáculos q u e
,i i • 1111 j >< - coloca p a r a e m p e n h a r - s e nesse vínculo.
Putores Pessoais Decorrentes da Intervenção Cirúrgica como
Possíveis Geradores de Complicações na Evolução do Pós-Operatório
I e g r u p o d c fatores pessoais, i n d i v i d u a i s , p o d e ser d i v i d i d o e m dois m o m e n t o s b e m
• Ir.i mios, c a d a u m c o m características próprias.
N o p r i m e i r o m o m e n t o , considera-se:
( ) Pós-Operatório I m e d i a t o , q u a n d o o p a c i e n t e p o d e apresentar, d e n t r e o u t r a s , as
leguintes reações:
a) reação à c i r u r g i a ;
• l e t a r g i a
• a p a t i a
b) agressividade;
c) depressão reativa;
d) reações de p e r d a .
N o segundo m o m e n t o j á se considera o pós-operatório p r o p r i a m e n t e d i t o , n o q u a l as
manifestações e a s i n t o m a t o l o g i a são diversas:
a) elaboração i n a d e q u a d a das limitações i m p o s t a s pelo ato cirúrgico;
• c o n c r e t a
• imaginária
b) d i f i c u l d a d e de c o r r e s p o n d e r ao processo de reabilitação e reintegração s o c i o f a m i -
l i a r a c u r t o , médio e l o n g o prazos, considerando-se também os l i m i t e s q u a n t o às
possibilidades d o paciente.
A p e s a r de esses fatores pessoais estarem ligados d i r e t a m e n t e c o m o a t o cirúrgico e m
si, isso não e l i m i n a n e m desvaloriza a importância dos aspectos a m b i e n t a i s c o m o i n t e r v e -
nientes p a r a a b o a evolução e recuperação d o paciente.
2 7
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  • 2. SILVA FREIRE A r v e P - S J <232 20// . I Biblioteca Silva Freire - UNTVAG 1 3 0 8 8 5 Dados I n t e r n a c i o n a i s de Catalogação na Publicação ( C I P ) (Câmara B r a s i l e i r a do L i v r o , SP, B r a s i l ) T r u c h a r t e , F e r n a n d a A l v e s R o d r i g u e s P s i c o l o g i a h o s p i t a l a r : t e o r i a e prática / Fernanda A l v e s R o d r i g u e s T r u c h a r t e , Rosa B e r g e r K n i j n i k , R i c a r d o Werner S e b a s t i a n i ; Valdemar Augusto Angerami — Camon ( o r g a n i z a d o r ) . — 2. e d . r e - v i s t a e ampliada — São Paulo : Cengage L e a r n i n g , 2010. B i b l i o g r a f i a . ISBN 978-85-221-0794-0 1. D o e n t e s - P s i c o l o g i a 2. H o s p i t a i s - A s p e c t o s psicológi- cos 3. P a c i e n t e s h o s p i t a l i z a d o s - P s i c o l o g i a I . K n i j n i k , Rosa B e r g e r . I I . S e b a s t i a n i , R i c a r d o Werner. I I I . Angerami — Camon, V a l d e m a r A u g u s t o . I V . Título. 09-09842 CDD-362.11019 índices p a r a catálogo sistemático: 1. H o s p i t a i s : P s i c o l o g i a 362.11019 Psicologia Hospitalar Teoria e Prática 2- edição revista e ampliada ^•Idemar Augusto Angerami - Camon (organizador) Fernanda Alves Rodrigues Trucharte Rosa Berger Knijnik Ricardo Werner Sebastiani C E N G A G E Learning" Austrália • Brasil • Japão • C o t e i a . México • Cingapura • Espanha • Reino Unido • Estados Unidos"
  • 3. •% C E N G A G E Learning" Psicologia Hospitalar - Teoria e Prática - 2- edição © 2010 Cengage Learning Edições Ltda. revista e ampliada Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro Valdemar Augusto Angerami - Camon (org.) poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meios Fernanda Alves Rodrigues Trucharte empregados, sem a permissão, por escrito, da Editora. Rosa Berger Knijnik Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos Ricardo Werner Sebastiani artigos 102,104,106 e 107 da Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Gerente Editorial: Patrícia La Rosa Para informações sobre nossos produtos, entre em Gerente Editorial: Patrícia La Rosa contato pelo telefone 08001119 39 Editoras de Desenvolvimento: Ligia Cosmo Cantarelli Gisele Gonçalves Bueno Quirino de Souza Para permissão de uso de material desta obra, envie Supervisora de Produção Editorial: Fabiana Alencar seu pedido para direitosautorais@cengage.com Albuquerque Produtora Editorial: Monalisa Neves © 2010 Cengage Learning. Todos os direitos reservados. Copidesque: Adriane Peçanha Revisão: Alexandra Costa ISBN-13: 978-85-221-0794-0 Fernanda Batista dos Santos ISBN-10: 85-221-0794-7 Diagramação: Ponto & Linha Cengage LearningDiagramação: Ponto & Linha Condomínio E-Business Park Capa: Eduardo Bertolini Rua Werner Siemens, 111 - Prédio 20 - Espaço 04 Lapa de Baixo - CEP 05069-900 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3665-9900 - Fax: (11) 3665-9901 SAC: 0800 1119 39 Para suas soluções de curso e aprendizado, visite www.cengage.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil 2 3 4 5 6 7 8 14 13 12 11 10 Os Autores V a l d e m a r Augusto A n g e r a m i — C a m o n Psicoterapeuta existencial, professor de pós-graduação em Psicologia da Saúde na l'l'(! SP, cx-professor de psicoterapia fenomenológico-existencial na PUC-MG, coordenador do Centro de Psicoterapia Existencial e professor de psicologia da saúde da Universidade l v d n . i l dn Rio Grande do Norte (UFRN). Autor com o maior número de livros sobre Psicologia pu blicados no Brasil. Suas obras t a m b é m são adotadas em universidades de Portugal, Méxii 11 c C a n a d á . F e r n a n d a A l v e s R o d r i g u e s T r u c h a r t e Psicóloga Clínica. Especialização em Psicologia Hospitalar pelo Instituto Sedes Sapientiae R o s a B e r g e r K n i j n i k Psicóloga Clínica. Psicopedagoga. Especialização em Psicologia Hospitalar pelo Insiiiuio Sedes Sapientiae. R i c a r d o W e r n e r S e b a s t i a n i Ex-coordenador do Serviço de Psicologia Hospitalar do Hospital e Maternidade Paii-ame- ricano. Coordenador do Nêmeton - Centro de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Saúde, Professor universitário.
  • 4. Caminho... os corredores são sombrios, frios... sem vida, sem cor, sem calor... os corredores são longos, estreitados com a dor... são longos mas não o suficiente para acolher a todos os pacientes... os gemidos são ensurdecedores, amedrontadores como o silvo da serpente... são gemidos de desespero, de dor, de sofrimento. É o uivo dos umbrais... Lá de fora ecoam sirenes de ambulâncias, de viaturas policiais... sirenes de desespero, sirenes de esperança, sirenes apressadas, angustiadas. Lá de fora brotam cores de harmonia, de luz, de amor... cores trazidas pela esperança nesse momento de dor. A saúde também agoniza junto com o paciente, exaurida... as necessidades do paciente não podem ser supridas... faltam condições mínimas de atendimento, de unguento... faltam médicos, profissionais burocráticos, enfermeiros... falta tudo; e na falta de todos padece o doente. A doença no Brasil é vexatória... a doença torna-se constrangedora, predatória... a doença faz do paciente uma vítima; vítima da falta de condições do sistema de saúde. Observo... vejo a saúde padecendo juntamente com um amontoado enorme de doentes... assisto à s a ú d e enraizando-se como um privilégio de poucos... vejo a luz da esperança carreada apenas pelas cores da utopia... a saúde não existe... existe apenas uma maneira paliativa de assistência para alguns poucos doentes em seu desatino... O lixo hospitalar mistura-se aos escombros da dignidade humana... Saúde é dejeto que não pode ser reciclável. Saúde é bem precioso apenas nas empresas hospitalares. Quando proporcionam lucros. Grandes lucros... A mercantilização da saúde exclui aqueles que já foram anteriormente excluídos. Exclui aqueles que já perderam a dignidade por um nada no mundo. Lamento... observo o ritual lento e aterrorizante de todos os envolvidos na saúde... um ritual macabro feito de desalento e que piora a cada momento... E observo a tentativa ténue de transformação dessa realidade por um punhado de idealizadores... Espectadores dessa vergonha intitulada sistema de sau e... vergonha nacional tida como prioritária em qualquer planejamento social... A realidade, a triste realidade, é o escarro da podridão social na dor do doente. A vergonhosa situação dessa realidade é a constatação odienta de que não existe nenhum sistema de saúde no Brasil... "Acordes de um Réquiem VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI - CAMO Para Mathilde Neder Paixão, sonho e esperança... nas alamedas da vida, vida regato límpido da Psicologia Hospitalar Para Karlinha, Uma nova guerreira das lides hospitalares a preservar a luta pela dignidade do paciente...
  • 5. Sumário A p r e s e n t a ç ã o XI 1 O Psicólogo no Hospital 1 Valdemar Augusto Angerami - Camon Introdução 1 A Despersonalização do Paciente 2 Psicoterapia e Psicologia Hospitalar 4 O Setting Terapêutico 5 A Realidade Institucional 7 A Psicologia H o s p i t a l a r - O b j e t i v o s e Parâmetros 10 C o n s i d e r a ç õ e s Finais 14 2 De Como o Saber Também é Amor 15 Valdemar Augusto Angerami - Camon Introdução 15 D o c e s Reminiscências 16 Outros T e m p o s 18 3 Atendimento Psicológico no Centro de Terapia Intensiva 21 Ricardo Werner Sebastiani Introdução 21 Desmistificando o CTI 21 Objetivos Gerais d o A c o m p a n h a m e n t o Psicológico no CTI 24 Fatores Pessoais Decorrentes da Intervenção Cirúrgica c o m o Possíveis G e r a d o r e s d e C o m p l i c a ç õ e s na Evolução d o Pós-Operatório 27
  • 6. MC 11.,--I >lt.11.,I A t e n d i m e n t o a o Paciente e m Pós-Operatório Imediato 28 R e a ç ã o à Cirurgia: Letargia e Apatia 30 Agressividade nos Pacientes Cirúrgicos 32 D e p r e s s õ e s no Paciente Pós-Cirúrgico 34 D e p r e s s õ e s no Hospital Geral 36 R e a ç õ e s d e Perda no Paciente Pós-Cirúrgico 39 A t e n d i m e n t o Psicológico ao Paciente N ã o Cirúrgico 41 Fatores Ambientais c o m o C a u s a d o r e s ou Agravantes d o Q u a d r o Psico-Orgânico d o Paciente 42 Fatores Orgânicos c o m o Reflexos Decorrentes do Período d e Internação . 42 O Paciente Ansioso 44 O Paciente Agressivo 47 O Paciente c o m Agressividade Latente 48 Pacientes Suicidas no CTI 50 O Paciente c o m Alterações d o P e n s a m e n t o e Senso-Percepção: C o n s i d e r a ç õ e s Gerais 53 Distúrbios Psicopatológicos e d e C o m p o r t a m e n t o no CTI 55 O Paciente e m C o m a no CTI 60 Referências Bibliográficas 6 3 Roteiro C o m p l e m e n t a r d e Estudos 64 I Estudos Psicológicos do Puerpério 65 Fernanda Alves Rodrigues Trucharte e Rosa Berger Knijnik Introdução 65 Objetivos 66 Metodologia 66 F u n d a m e n t a ç ã o Teórica 66 C a s o s Ilustrativos 72 C o n c l u s ã o 89 Referências Bibliográficas 90 Pacientes Terminais: Um Breve Esboço 91 Valdemar Augusto Angerami - Camon Introdução 91 A Problemática Social d o Paciente Terminal 9 2 Alguns D a d o s Relacionados c o m a Vivência d o Paciente Terminal 99 Referências Bibliográficas 106 Apresentação Dez anos nos separam da nossa primeira publicação em forma de livro. Dez anos da primeira publicação de Psicologia Hospitalar. As cãs dos nossos cabelos estão a mos- trar que, apesar de todas as dificuldades encontradas ao longo dessa jornada, muito foi conquistado, muito foi alcançado. A Psicologia Hospitalar nesse período deixou de ser u m sonho, uma aventura de u m punhado de pessoas que acreditavam em uma performance profissional, ao mesmo tempo em que sonhavam com outra concretitude, algo muito além do próprio sonho. Talvez ainda sejamos sonhadores. Mas em n ú m e r o muito maior. Os sonhos de então tornaram-se realidade ou simples abstrações que o indelével n ã o consegue tocar. Sempre é prazeroso saber que fazemos parte dos processos de transformação social e o simples fato de estarmos em busca de u m novo a m a n h ã na Psicologia Hospitalar é alento de novas buscas e esforços. É praticamente impossível arrolar o n ú m e r o de quilómetros percorridos na divulgação da Psicologia Hospitalar. U m s e m - n ú m e r o de horas de espera em saguões de aeroportos, em antessalas de conferência e em noites e pernoites distantes do próprio canto. Quantos amigos fizemos ao longo desses percursos é outra questão que jamais poderemos detalhar. Quanto aprendemos com todos esses amigos é nuance que nunca poderemos atingir. E até mesmo o enriquecimento da nossa própria vida a partir dessas experiências é privi- légio que nem todas as elegias c cânticos de agradecimentos p o d e r ã o retribuir. Tantos acontecimentos tão significativos ficaram na m e m ó r i a que a simples ideia de tentar des- crevê-los é tarefa inconcebível. U m a d é c a d a é uma vida. Vida vivida em intenso frenesi de e m o ç ã o e paixão. De tantas coisas faladas, efetuadas e apreendidas no farfalhar das nossas trajetórias.
  • 7. r-.M ni(ji|i,i 11• >'.|>11.11.<> Assumir que <> verdadeiro aprendizado li>i aquele realizado com <> paciente em seu leito hospitalar é talvez a nossa maior conquista. N à o estamos desprezando o aprendizado académico, tampouco as tantas horas de rellexào e leitura, apenas queremos enfatizar que se existe algo para ser propagado, é o lato de que aprendemos apreendendo a angústia, a dor e tantas outras coisas e sentimentos de nosso paciente. Ksse paciente que nos ensina sobre a força de enfrentamento da dor e do desespero da morte; que nos ensina a tolerar as próprias vicissitudes da vida; que nos ensina uma nova forma de entender o significado da existência; que nos ensina sobre a suavidade da doce fragrância existente em cada momento, em cada encontro. N ã o houve em momento algum a pretensão de sermos pioneiros, precursores; apenas sempre fomos sonhadores que idealizaram uma prática alternativa. E assim esperamos continuar. Aprendendo e crescendo sem nunca esquecer as nossas reais limitações. Valdemar Augusto Angerami - Camon XII 0 Psicólogo no Hospital Valdemar Augusto Angerami - Camon Introdução Aintenção deste trabalho é levantar alguns pontos de reflexão sobre o significado da Psicologia no Hospital e a a t u a ç ã o do psicólogo nesse contexto. A evidência qu< me ocorre inicialmente é que, apesar dos inúmeros trabalhos e artigos que hoje norteiam a prática do psicólogo no hospital, ainda assim é notório o fato de que apenas tartamudeamos as primeiras palavras nesse contexto. A própria d i n â m i c a da existência parece encontrar no contexto hospitalar u m novo p a r â m e t r o de sua ocorrência, dando-lhe uma dimensão na qual questões que envolvem a doença, a morte e a própria perspectiva existencial apre sentam u m enfeixamento inerentemente peculiar. A Psicologia, ao ser inserida no hospital, reviu seus próprios postulados adquirindo con- ceitos e questionamentos que fizeram dela u m novo escoramento na busca da compreensão da existência humana. Assim, por exemplo, n ã o mais é possível pensar-se em um curso de g r a d u a ç ã o em psicologia no qual questões como morte, saúde pública, hospitalização <• outras temáticas, que em princípio eram pertinentes apenas à Psicologia Hospitalar, não tenham prioridade ou n ã o sejam exigidas como necessárias para a formação do psicólogi >. O atual quadro da formação do psicólogo difere do que colocamos em texto anterior1 de 1984, quando afirmamos que a atuação do psicólogo no contexto hospitalar, ao menos no Brasil, é uma das temáticas mais revestidas de polémicas quando se evocam discussões sobre o papel da Psicologia 1 - Angerami, V . A . Psicologia Hospitalar. A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar. S ã o Paulo: Traço, 19K-I.
  • 8. Psicologia Hoipltalai na realidade institucional.. [formação académica do psicólogo ifalha cm rtlaçâo aos mbsídios teóricos ata possam embasá-lo na prática institucional. Essa formação académica, sedimentada em outros modelos de atuação, não provê o instrumental teórico necessário para uma atuação nessa realidade. K praticamente prevendo uma m u d a n ç a nesse quadro, o mesmo texto coloca que apenas recentemente a prática institucional mereceu preocupação dos responsáveis pelos programas académicos em Psicologia.2 E dentro dessa perspectiva que se abre ao psicólogo no contexto hospitalar que iremos tecer nossas reflexões na busca de u m melhor dimensionamento dessa prática. É na fé inquebrantável que o psicólogo adquire cada vez com mais nitidez u m espaço no hospital a partir de sua compreensão da condição humana. Iremos caminhar por trilhas e caminhos que nos conduzirão a novos horizontes profissionais. A Despersonalização do Paciente Ao ser hospitalizado, o paciente sofre um processo de total despersonalização. Deixa de ter o seu próprio nome e passa a ser um número de leito ou então alguém portador de uma de- terminada patologia. O estigma de doente - paciente até mesmo no sentido de sua própria passividade perante os novos fatos e perspectivas existenciais - irá fazer com que exista a necessidade premente de uma total reformulação até mesmo de seus valores e conceitos de homem, mundo e relação interpessoal em suas formas conhecidas. Deixa de ter significado próprio para significar a partir de diagnósticos realizados sobre sua patologia. Berscheid e Walster3 destacam que fundamentalmente quando dizemos que sabemos qual a atitude de uma pessoa, queremos dizer que temos alguns dados, a partir do comportamento passado da pessoa, que nos permitem pre- dizer seu comportamento em determinadas situações* Tal afirmação, utilizada para embasar muitos princípios teóricos em psicologia, perde sua força e autenticidade ao ser confrontada com o comportamento de uma determinada pessoa em uma situação de hospitalização. Embora sem querer negar que o passado de uma determinada pessoa irá influir não apenas em sua conduta como até mesmo em sua recuperação física, ainda assim n ã o cometemos erro ao afirmar que a situação de hospitalização será algo único como vivência, não havendo a possibilidade de previsão anterior à sua própria ocorrência. Goffman5 coloca que o estigma é um sinal, um signo utilizado pela sociedade para discriminar os indivíduos portadores de determinadas 2 - Berscheid, E . ; Walster, E . H . Atração Interpessoal. S ã o Paulo: Bliicher, 1973. 3 - Ibid. Op. cit. 4 - Idem, Op. cit.. 5 - Goffman, E . Estigma. R i o de Janeiro: Zahar, 1978. ( ) ( > | ( l ( | ( ) I H ) I ll)-.|>il,ll Características. E o simples lalo (Ir se lotnai "hospitalizada" faz com que a pessoa adquira os signos que irão cnquadia-la muna nova performance existencial, sendo que até mesmo seus vínculos interpessoais passarão a existir a partir desse novo signo. Seu espaço vital não é mais algo que dependa de seu processo de escolha. Seus hábitos anteriores terão de se transformar diante da realidade da hospitalização e da doença. Se essa doença for algo que a envolva apenas temporariamente, haverá a possibilidade de uma nova reestruturação existencial quando do restabelecimento orgânico, fato que, ao contrário das doenças crónicas, implica necessariamente uma total reestruturação vital. Sebastiani6 explica que "a pessoa deixa de ser oJosé ou Ana etc. e passa a ser o '21A' ou o 'politraumatizado de leito 4', ou ainda 'a fratura de bacia de l>" andar'".7 E, tentando aprofundar ainda mais tais colocações, afirma que "essa caracterísl ica, que felizmente notamos em grande parte das rotinas hospitalares, tem contribuído muito para ausentar a pessoa de seu processo de tratamento, exacerbando o papel de 'paciente'".8 A despersonalização do paciente deriva ainda da fragmentação ocorrida a partir dos diagnósticos cada vez mais específicos que, além de n ã o abordarem a pessoa em sua um plitude existencial, fazem com que apenas u m determinado sintoma exista naquela vida. Apesar disso, assistimos cada vez mais ao surgimento de novas especialidades que reduzem o espaço vital de uma determinada pessoa a u m mero determinismo das implicações de certos diagnósticos, que trazem em seu bojo signos, estigmas e preconceitos. Tal carga de abordagem e confrontos teórico-práticos faz da pessoa portadora de determinadas pato- logias alguém que, além da própria patologia, necessitará de cuidados complementares para livrar-se de tais estigmas e signos. A especialização clínica, na maioria das vezes, ao aprofundar e segmentar o diagnóstico, deixa de levar em conta até mesmo as implicações dessa patologia em outros órgãos e membros desse doente, que, embora possam n ã o apre- sentar sinais evidentes de deterioração e comprometimento orgânico, estarão sujeitos a um sem-número de alterações. A situação de hospitalização passa a ser determinante de muitas situações que serão consideradas invasivas e abusivas na medida em que n ã o se respeitam os limites e imposições dessa pessoa hospitalizada. E, embora esteja vivendo u m total processo de despersonali- zação, ainda assim algumas práticas são consideradas ainda mais agressivas pela maneira como são conduzidas no âmbito hospitalar. Assim, será visto como invasivo o lalo de a 6 - Sebastiani, W . R . Atendimento Psicológico e Ortopedia. Psicologia Hospitalar. A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar, Angerami, V . A . (org.). S ã o Paulo: Traço, 1984. 7 - Ibid. Op. cit. 8 - Ibid. Op. cit. 3
  • 9. Psicologia Hospital.ir cnlcrmcira acordar o paciente para aplicar injeção, OU a alcndentr <|ii<' interrompe uma determinada atividade para servir-llie as relcições. Tudo passa a ser invasivo. Tudo passa a ser algo abusivo diante de sua necessidade de aceitação desse processo'. K até mesmo a presença do psicólogo, que, se não se efetivar cercada de alguns cuidados e respeito ã própria deliberação do doente, implica ser mais u m dos estímulos aversivos e invasivos existentes no contexto hospitalar, e, em vez de propiciar alívio ao momento da hospitalização, estará a mlribuindo t a m b é m para o aumento de vetores que tornam o processo de hospitalização extremamente penoso e difícil de ser vivido. O hospital, o processo de hospitalização e o tratamento inerente que visa ao restabelecimento, salvo aqueles casos de doenças crónicas e degenerativas, n ã o fazem parte dos projetos existenciais da maioria das pessoas. Nesse sentido, toda e qualquer invasão no espaço vital é algo aversivo que, além do caráter abu- sivo, apresenta ainda componentes de dor e desalento. E até mesmo evidencia que muitos processos de hospitalização têm o reequilíbrio orgânico prejudicado por causa do processo de despersonalização do doente, que, ao sentir sua desqualificação existencial, pode conco- mitantemente, muitas vezes, abandonar seu processo interior de cura orgânica e até mesmo emocional. Ao trabalhar no sentido de estancar os processos de despersonalização no âmbito hospitalar, o psicólogo estará ajudando na humanização do hospital, pois seguramente esse processo é u m dos maiores aniquiladores da dignidade existencial da pessoa hospitaliza- da. U m trabalho de reflexão que envolva toda a equipe de saúde é uma das necessidades mais prementes para fazer com que o hospital perca seu caráter meramente curativo para transformar-se em uma instituição que trabalhe n ã o apenas com a reabilitação orgânica, mas t a m b é m com o restabelecimento da dignidade humana. Psicoterapia e Psicologia Hospitalar A Psicologia Hospitalar, assim como a Psicoterapia, tem seu instrumental teórico de atua- ção calcado na área clínica." Apesar dessa convergência, haverá pontos de divergência que mostram os limites de atuação do psicólogo no contexto hospitalar, bem como questões que tornam totalmente inadequada a intenção de muitos profissionais da área de tentarem 'I - Kxislcm muitos pmlissii mais da área que defendem que a Psicologia Hospitalar, mesmo tendo como referencial os princípios (la área clínica, seja considerada unia nova ramificação da Psicologia. Assim, além da clássica divisa» n u (ílinica, Educacional e (Irganizacional, haveria t a m b é m uma quarta ramificação: a Psicologia Hospitalar. E embora aeja uma questão que envolva bastante celeuma quando de seu aprofundamento, evi- deni ia IC também I nei euidade de uma nova óli. a sobre a Psicologia Hospitalar, seja pelo seu crescimento, seja ainda pela sua diversidade teórica. 4 ( 1 l i ( <)lo(|<) n<> I lospil.il definir a atuação no contexto hospitalar como sendo prática psicoterápica, ainda que rea- lizai la no contexto institucional. A seguir < (escrevemos alguns desses pontos. Objetivos da Psicoterapia A Psicoterapia, independentemente de sua orientação teórica, tem como principais obje- I ivt >s levar o paciente ao autoamhecimento, ao autocrescimento e à cura de determinados sintomas. O enleixamento desses objetivos, ou ainda de algum deles isoladamente, desde que leve esse paciente a um processo pleno de libertação existencial, é, por assim dizer, o ideal que norteia c i processo psicoterápico. A Psicoterapia, ademais, tem como característica principal o fato (le ser um processo no qual a procura e a determinação de seu início se d á pela mobilização do paciente. Assim, u m paciente, ao ser encaminhado para u m processo psicoterápico, muitas vezes demora u m período bastante longo entre esse encaminhamento e a procura propriamente dita desse processo. Chessick1 " adverte que a psicoterapia falha quando n ã o existe uma afinidade precisa entre aquilo que busca o paciente em sua psicoterapia e aquilo (pie o psicoterapeuta tem condições de oferecer-lhe. Até mesmo a falta de definições precisas dos objetivos do processo poderá determinar implicações que seguramente e m p e r r a r ã o o processo, além de arrastá-lo ao longo de u m período de maneira indevida. Ao decidir pela psicoterapia, o paciente j á realizou u m processo inicial e introspectivo da necessidade desse tratamento e suas implicações em sua vida. Isso tudo evidentemente além da inserção de suas necessidades aos objetivos da psicoterapia. O Setting Terapêutico Ao procurar pela psicoterapia, o paciente será então enquadrado no chamado setting tera- pêutico. Assim as normas e diretrizes do processo serão colocadas de maneiras bastante claras e precisas pelo psicoterapeuta, formalizando-se assim as nuances sobre as quais se norteará esse processo. Detalhes como horário de duração de cada sessão, eventuais re- posições de sessões, prazo de aviso para eventuais faltas etc. são esboçados e o processo se desenvolve então em perfeita consonância com esses preceitos. E até mesmo alguma eventual resistência inicial do paciente em procurar pela psicoterapia, bem como outras implicações, serão resolvidas em u m processo cujo contrato é estabelecido em acordo com as duas par- tes envolvidas. Embora seja notório o n ú m e r o de casos encaminhados à psicoterapia que, 10 - Chessick, D . R . Why Psychoiherapists Fail. Nova York: Science House, 1971.
  • 10. r-.M o i i K | i . i i i o ' . | ) i t , i i , i i por alguma forma de resistência, demoram muito paia procurar por tal processo, ainda assim é ti xivei liei Ue estabelecer (|iie, pelo fato de o paeieule estar totalmente fragilizado <• necessitando desse tipo de tratamento, a busca por tal processo se dará única e tão somente quando esse paciente romper com determinadas amarras emocionais. Ainda que surjam outras dificuldades e resistências ao longo do processo, a resistência inicial ao tratamento é transposta pelo simples fato de o paciente procurar pela psicoterapia. A psicoterapia ainda tem outra característica bastante peculiar de ser u m processo em que o psicoterapeuta tem no paciente alguém que caminha sob sua responsabilidade, mas que de forma simples tem nesse vínculo seu objetivo em si. Assim, u m psicoterapeuta não precisará prestar conta de seu paciente a nenhuma entidade, salvo naturalmente aqueles casos nos quais o atendimento é vinculado a algum processo de supervisão. O processo em si é conduzido pelo psicoterapeuta com anuência do paciente e, no caso de algum impe- dimento, a relação se resolve apenas e tão somente pelas partes envolvidas nesse processo. C) setting terapêutico i m p õ e ainda uma privacidade ao relacionamento que torna toda e qualquer interferência externa ao processo plausível de ser analisada e enquadrada nos parâmetros desse relacionamento. Chessick1 1 salienta que o psicoterapeuta descende diretamente do confessor religioso ou e n t ã o do m é d i c o de família, aquele profissional que, a l é m de cuidar dos males do organismo, escutava as angústias e dificuldades do paciente. O psicoterapeuta em sua linhagem apresenta t a m b é m resquícios do curandeiro das antigas formações tribais, encarregado de trazer bem-estar e alívio aos membros dessa comunidade. A proteção sentida pelo paciente nos limites do setting terapêutico mostra ainda que essa origem n ã o é apenas perpetuada, mas apresenta requinte de evolução no resguardo dos aspectos en- volvidos nesse processo. E até mesmo u m " q u ê " de samaritanismo presente no processo psicoterápico é t a m b é m resíduo dessas marcas que o psicoterapeuta traz de sua origem e desenvolvimento. A e m o ç ã o presente na atividade psicoterápica é outro fator que faz com que nenhuma outra forma de relacionamento possa ser comparada com sua performance. E nesse sentido temos t a m b é m a colocação de muitos especialistas de que a psicoterapia é o sustentáculo do homem c o n t e m p o r â n e o dentre outras tantas formas buscadas para alívio e crescimento emocional. Ainda no chamado setting terapêutico vamos encontrar a peculiaridade de que a maioria dos processos jamais tem suas sessões interrompidas, seja por solicitações externas, seja 11 - Ibid. Op. cit. 6 ( ) |'i< l)ll)l|(> IH) I l ( ) | ) l l . l l ,linda por outras variáveis decorrentes, muitas vezes, do próprio processo em si. Assim, i pi atii amenle impossível, por exemplo, que um psicoterapeuta interrompa uma sessão estancando o choro de angústia do paciente para simplesmente atender uma ligação tele- li i i i M a. ( ) u ainda que uma sessão seja igualmente interrompida para que o psicoterapeuta I ii i. .a recepcionar algum amigo que eventualmente vá visitá-lo. O setting terapêutico assim resguarda a sessão para que todo o material catalisado naqueles momentos seja apreen- dido e elaborado de maneira plena e absoluta. Tais características fazem, inclusive, com que seja muito difícil avaliar-se u m processo psicoterápico que n ã o seja fundamentado nesses moldes. A Realidade Institucional l fma das primeiras dificuldades surgidas quando se pensa na atividade do psicólogo na realidade hospitalar é sua inserção na realidade institucional. J á afirmamos que:1 2 aformação do psicólogo éfalha em relação aos subsídios teóricos que possam embasá-lo na prática institucional. Essa formação académica, sedimentada em outros modelos de atuação, não o provê com o instrumental teórico necessário para uma atuação nessa realidade. Torna-se então abismático o hiato que separa o esboço teórico de sua formação profissional e sua atuação prática. Apenas recentemente a prática institucional mereceu preocupação dos responsáveis pelos programas académicos em Psicologia. Ainda que hoje em dia seja notório o n ú m e r o de cursos de g r a d u a ç ã o em Psicologia que t ê m dedicado grande espaço para o contexto institucional em seus programas de formação, estamos distantes daquilo que seria o ideal em termos de sedimentação teóri- co-prática. E na medida em que o hospital surge como uma realidade institucional com características bastante peculiares, embora reproduzindo as condições de outras realidades institucionais, apresenta sinais que evidenciam tratar-se de amplitude sequer imaginável em uma análise que n ã o tenha u m real comprometimento com sua verdadeira d i m e n s ã o . " 12 - Psicologia Hospitalar. A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar. Op. cit. 13 - Escrevemos um trabalho intitulado "Elementos Institucionais Básicos para a Implantação do Serviço de Psicologia no Hospital" (in A Psicologia no Hospital. S ã o Paulo: Traço, 1988) e surpreendentemente percebemos, a partir de sua adoção em vários cursos e seminários realizados sobre realidade institucional, não apenas a precariedade de publicações a respeito como principalmente a maneira como esse trabalho tornou-se um verdadeiro paradigma a tantos que procuravam pela implantação de um Serviço de Psicologia no Hospital Geral. 7
  • 11. (>l()()i.l I l(>S|)it,ll.ll T a m b é m é inegável que, a partir do surgimento das reflexões realizadas principalmente pelos profissionais da Argentina sobre a realidade institucional, esse aspecto ganhou uma corporeidade bastante precisa e importante na esfera contemporânea da Psicologia. Assim, o termo "análise institucional" deixou de ser uma mera citação abstraia cie alguns textos para tornar-se realidade, ao menos de discussão teórica, para um sem-número de acadé- micos que, a partir de então, passaram a interessar-se pela temática. E apesar do psicólogo ainda estar iniciando uma prática institucional nos parâmetros da eficácia e respeito às condições institucionais que delimitam sua situação nesse contexto, a busca de determinantes nessa prática o levou de encontro a convergências bastante significativas na estruturação teórica dessas atividades.u E fato que a realidade hospitalar apresenta celeumas e condições que exigirão do psi- cólogo algo além da discussão meramente teórico-acadêmica. Valores éticos e ideológicos surgirão ao longo do caminho e exigirão performances sequer imaginadas antes de sua ocorrência. Como ilustração dessa afirmação cito o grande n ú m e r o de crianças que pade- cem nos hospitais de São Paulo de insuficiência hepática causada por inanição. Deparar com crianças que padecem vitimadas pela fome em plena cidade de São Paulo é algo que nenhum a c a d é m i c o imagina quando idealiza efetivamente uma atividade no hospital. O u então, que dizer dos casos de crianças atacadas por ratazanas enquanto dormem, em uma evidência da precariedade e da falta de condições m í n i m a s de dignidades existencial e habitacional em que a falta de saneamento básico é tão abismante que conceituá-lo de absurdo nada mais é do que aproximar-se da verdadeira realidade dessa população? 0 psicólogo, no contexto hospitalar, depara-se deforma aviltante com um dos direitos básicos que estão sendo negados à maioria da população, a saúde. A saúde, em princípio um direito de todos, passou a ser um privilégio de poucos em detrimento de muitos. A precariedade da saúde da população é, sem dúvida alguma, um agravante que irá provocar posicionamentos contraditórios, e, na quase totalidade das vezes, irá exigir do psicólogo uma revisão de seus valores académicos, pessoais e até mesmo sociopolíticos}0 14 - Psicologia Hospitalar. A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar Op cit 15 - Ibid. Op. cit. 8 ( I | i c i>lo<]<> IKI Mti-.|iit.il ( ) contexto hospitalar disla de hu ma significativa daquela idealização leila nas lides académicas. Assiste-se, nesse contexto, a condição desumana a que a população, ja bas lanle causada de sofrer todas as lõrmas possíveis de injustiças sociais, leni de se submetei em busca do recebimento de um tratamento adequado. Cenas ocorrem fruto das mais lamentáveis situações a que um ser humano pode submeter-se. E o que é mais agravante: tudo passa a ser considerado normal. Os doentes são obrigados a aceitar como normail Iodas as formas de agressão com as quais se deparam em busca de saúde. Tudo é visto como normal; passa a ser normal ficar seis horas em uma fila de espera em busca de atendimento médico, e muitas vezes após vários retornos â instituição hospitalar, derivados de encaminhamentos feitos pelos especialistas, por sua vez decorrentes de examei realizados especulativamente. T a m b é m passa a ser normal o fato de ser atendido i ú piero imenso de pacientes em um período de tempo absurdamente curto. Tudo passa a n i normal. E os profissionais que atuam na área de saúde assistem desolados e conformados a esse estado de coisas. Tornam-se praticamente utópicas outras formas de atendime que n ã o essas que impiedosamente são impostas à população. O psicólogo está inserido nesse contexto da saúde de forma tão emaranhada quanto outros profissionais atuantes na área da saúde e, muitas vezes, sem uma real consi iem ia dessa realidade. Contradições inúmeras sucedem em todos os níveis no contexto hospitalar. I - se poi u m lado os hospitais apresentam essas enormes filas de pacientes que, padecendo em corredores, minguam por algum tipo precário de atendimento, por outro encontraremos algumas instituições nesse mesmo contexto que apresentam alta especialização resultante do enorme processo do conhecimento na área das ciências humanas. Descobriremos, nessa realidade, profissionais altamente especializados. Sempre muito bem informados das técnicas existentes, estão constantemente aprimorando-as em cursi >s e congressos nos centros mais desenvolvidos da Europa e Estados Unidos. É possível, poi exemplo, a utilização do método Sahling de análise do metabolismo do feto, bem como 0 acompanhamento eletrônico do eletrocardiograma fetal. Os avanços na área da ()bstet ríi ia permitem ainda a previsão do sexo do feto ou uma possível malformação congénita. No entanto, em termos de realidade, temos, segundo relatórios sobre estudos realizados em várias regiões brasileiras, dados alarmantes informando que 95% dos partos são realizai li >s em casa e sem o menor acompanhamento pré-natal. E o n ú m e r o de pessoas que recebem algum tipo de assistência é quase nulo. Esse contexto contraditório e incongruente recebe o psicólogo, que tem sobre si outras contradições que o envolvem diretamenle desde lides de sua formação académica. E o psicólogo percebe no contexto hospitalar que os ensinamentos 9
  • 12. o l .1 11ospit.il.il e leituras teóricas de sua prática académica não serão, poi maiores que tejam as horas de estuda t reflexão teórica sobre a temática, suficientes para embasar sua atuação. E aprende que terá de aprender apreendendo, como os pacientes, sua dor, angústia e realidade. PI o paciente, de modo peculiar, ensina ao psicólogo sobre a doença e sobre como lidar com a própria dor diante do sofri mento.u' A Psicologia Hospitalar - Objetivos e Parâmetros A Psicologia Hospitalar tem como objetivo principal a minimização do sofrimento provocado pelo hospitalização. Se outros objetivos forem alcançados a partir da atuação do psicólogo com o paciente hospitalizado - inerente aos objetivos da própria psicoterapia antes citados — trata-se de simples acréscimo ao processo em si. O psicólogo precisa ter muito claro que sua atuação no contexto hospitalar não é psicoterápica dentro dos moldes do chamado setting terapêutico. Como minimização do sofrimento provocado pela hospitalização, t a m b é m é necessário abranger não apenas a hospitalização em si - em termos específicos da patologia que eventualmente tenha originado a hospitalização —, mas principalmente as sequelas e decorrências emocio- nais dessa hospitalização. Tomemos como exemplo, arbitrariamente, uma criança de 3 anos de idade que nunca tenha vivido longe do seio familiar. Em dado momento, simplesmente coloquemos essa criança em uma escola maternal durante apenas um período do dia. Essa criança, em que pese a escola ser um ambiente em princípio agradável e repleto de outras crianças, se desarvorará e entrará em u m processo de pânico e desestruturação emocional ao se perceber longe da proteção familiar. E tantos casos ocorrem nesse enquadre que a maioria das escolas possui o chamado período de adaptação, no qual algum dos representantes desse núcleo familiar se faz presente na escola para acudir essa criança nos momentos agudos de dificuldade. E isso tudo em u m ambiente agradável de escola onde muitas vezes a criança irá se deparar com estimulações e recreações sequer imagináveis sem seu universo simbólico. O que dizer então de uma criança que em um determinado momento se vê hospitalizada1 ' sem a presença dos familiares e em um ambiente na maioria das vezes hostil?! Certamente ela entrará em um nível de sofrimento emocional e muitas vezes até físico em decorrência dessa hospitalização. Sofrimento físico que transcende até mesmo a patologia inicial e que se origina no processo de hospitalização. 16-nu op. HL 17 - E m b o r a seja alentador o fato de que hoje muitos hospitais pediátricos adotem a presença da m ã e ou de algum outro familiar durante o processo de hospitalização da criança, ainda assim a grande maioria dos hospitais não apresenta sequer uma maior flexibilização até mesmo quanto ao horário de visitas. 10 ( ) r-.u ol()(|t) no I lospil.il A minimização do sofrimento provocado pela hospitalização implicará um leque bastante amplo de opções de atuação, < ujas variáveis deverão ser consideradas para que 11 atendimento stja coroado de êxito. I Ima mulher mastectomizada, em outro exemplo, lei a no processo de extirpação do tumor, na maioria das vezes, a extração dos seios com Iodas as implicações que tal ato incide. O processo de hospitalização deve ser entendido Fifto apenas como u m mero processo de institucionalização hospitalar, mas, e principalmente! i orno um conjunto de fatos que decorrem desse processo e suas implicações na vida do paciente. N ã o podemos, assim, em u m simples determinismo, aceitar que o problema da mulher mastectomizada se inicia e se encerra com a hospitalização. Evidentemente que muitos casos abordados pelo psicólogo no hospital exigirão, após o processo de hospitali zação, encaminhamentos específicos para processos de psicoterapia tal a complexidade e o emaranhado de sequelas e comprometimento emocional. Embora muitas vezes seja bastante ténue a separação que delimita tais aspei los, anula assim é muito importante o clareamento desse posicionamento para que o processo em a não se perca em mera e vã digressão teórica. A Psicologia Hospitalar, por outra parte, contrariamente ao processo psicoterápico, não possui setting terapêutico tão definido e tão preciso. Nos casos de atendimentos realizados em enfermarias, o atendimento do psicólogo, muitas vezes, é interrompido pelo pessoal de base do hospital, seja para aplicação de injeções, prescrição medicamentosa em detei mi nado horário, seja ainda para processo de limpeza e assepsia hospitalar. O atendimento, dessa forma, terá de ser efetuado levando-se em conta todas essas variáveis, além de outros aspectos mais delicados que citaremos a seguir. Descrevemos no trecho inerente ao setting terapêutico a mobilização do paciente rumo ao processo psicoterápico: a importância de uma reflexão e de uma posterior constalaçài ida necessidade de se submeter a esse processo. No hospital, ao contrário do paciente que pn n u r i pela Psicoterapia após romper eventuais barreiras emocionais, a pessoa hospitalizada será abordada pelo psicólogo em seu próprio leito. E, em muitos casos, esse paciente sequer I I I I H Iam qual o papel do psicólogo naquele momento de sua hospitalização e até mesmo de vida."' 18 - Nesse sentido, é muito importante que o psicólogo seja inserido na equipe de profissionais de saúde que aluem em um determinado contexto hospitalar. T a l inserção determinará que sua abordagem seja fruiu de e m .1 alinhamento realizado por intermédio de outros profissionais com esse paciente com a anuência dele pari que, acima de qualquer outro preceito, seu arbítrio de querer ou n ã o essa abordagem seja respeitado, Esse é um aspecto importante a ser observado, pois determina muitas vezes até mesmo o êxito da abordagem d n psicólogo. A i n d a que o paciente necessite de maneira premente da intervenção psicológica, seu arbítrio de> e ser considerado para que a c o n d i ç ã o humana seja respeitada em um de seus preceitos fundamentais. 11
  • 13. IU<||.M|Í.I M<IN|>il.l|.|| I ) i s s . i im i n . i , c muito impoi tinte que <> psicólogo entendi os limites de sua atuação para não se tornar ele lambem mais um dos elementos abusivamente invasivos que agridem o processo de hospitalização e que permeiam largamente a instituição hospitalar. Ainda que 0 paciente em seu processo de hospitalização esteja muito necessitado da intervenção e seguramente muitos dos pacientes encaminhados ao processo de psicoterapia t a m b é m estão necessitados de tratamento, mas preservam a si o direito de rejeitar tal encaminha- mento , a opção do paciente de receber ou não esse tipo de intervenção deve ser soberana e deliberar a prática do psicólogo. Balizar a sua necessidade de intervir em determinado paciente, a própria necessidade desse paciente em receber tal intervenção, é delimitação imprescindível para que essa atuação caminhe dentro dos princípios que incidem no real respeito à condição humana. De outra parte, é t a m b é m muito importante observar-se o fato de que, ao atuar em uma instituição, o psicólogo, ao contrário da prática isolada de consultório, tem que ter bastante claros os limites institucionais de sua atuação. Na instituição o atendimento deverá ser nor- teado a partir dos princípios institucionais.1 9 Esse aspecto é, por assim dizer, um dos deter- minantes que mais contribuem para que muitos trabalhos não sejam coroados de êxito na instituição hospitalar. Ribeiro2 0 pontua que o doente internado é, em síntese, o doente sobre 0 qual a ciência médica exacerba o seu positivismo, e pode afirmar a transposição da linha demarcatória da normalidade. Sua patologia reconhecida e classificada precisa ser tratada. Ao contrário do paciente do consultório que m a n t é m seu direito de opção em aceitar ou não o tratamento e desobedecer à prescrição, o doente acamado perde tudo. Sua vontade é apla- cada; seus desejos, coibidos; sua intimidade, invadida; seu trabalho, proscrito; seu mundo de relações, rompido. Ele deixa de ser sujeito. É apenas um objeto da prática médico-hospitalar, suspensa sua individualidade, transformado em mais um caso a ser contabilizado.2 1 Esse aspecto inerente à institucionalização do paciente enfeixa um dimensionamento de abrangência de intervenção do psicólogo rumo à h u m a n i z a ç ã o do hospital em seus aspectos mais profundos e verdadeiros. A Psicologia Hospitalar n ã o pode igualmente per- der o p a r â m e t r o do significado de adoecer em nossa sociedade, eminentemente marcado 19 - No caso de divergência dos princípios e preceitos da instituição onde o psicólogo desenvolve sua atuação, po- derá haver um trabalho de direcionamento de transformação desses princípios. A transformação da realidade institucional, muitas vezes, pode ser determinante de uma reformulação rumo à própria h u m a n i z a ç ã o da instituição. O que não pode ocorrer é, diante da discordância, negar-se os princípios institucionais e tentar a efetivação de um trabalho sem levar em conta tais especificidades. '20 - Ribeiro, H.P. 0 Hospital: História e Crise. São Paulo: Cortez, 1983. 21 - Ibid. Op. cit. 12 ( ) li< ol<)(|() no I lospital iieli i a s p e c rio pragmático de produção mercantilista. Ou nas palavras de Pitta, o adoecer nela sociedade c, consequentemente, deixai de produzir e, portarão, de ser; é vergonhoso; logo, deve ser ocultado e excluído, até porque dificulta que outros, familiares e amigos, também produzam. 0 hospital perfiz este papel, recuperando quando possível e devolvendo sempre, com ou sem culpa, o doente à sua situarão anterior. Se um acidente de percurso acontece, administra o evento desmoralizador, deixando que a mito da continuidade da produção transcorra silenciosa e discretamente A intervenção do psicólogo nesse sentido não pode prescindir de tais questionamentos com o risco de tornar-se algo desprovido da profundidade necessária para abraçar a verdadeira essência do sofrimento do paciente hospitalizado. E a própria direção contemporânea de desospitalização do pa- ciente tem no psicólogo um de seus grandes aliados na medida em que p o d e r á depender desse profissional uma avaliação mais precisa sobre as condições emocionais desse paciente. Não se pode, no entanto, perder o p a r â m e t r o de que a psicologia deve se aliar a outras forças transformadoras para n ã o se incorrer em meramente ilusionistas. O u nas palavras de Ribeiro:2 3 há, no entanto, váriosfatores quefavorecem a desospitalização, além daqueles apontados séculos antes. 0 intervencionismo e a onipotência da medicina são olhados com maiores reservas. Cada vez mais é contestada por doentes,familiares, instituições seguradoras e pelo Estado a abusiva utilização dos recursos tecnológicos hospitalares. Novos conhecimentos nas áreas da fisioterapia, propedêutica e terapêutica vêm permitindo diagnósticos e tratamentos que tornam prescindível a intervenção ou a encurtam. A Psicologia Hospitalar não pode se colocar dentro do hospital como força isolada solitária sem contar com outros determinantes para atingir seus preceitos básicos. A h u m a n i z a ç ã o do hospital necessariamente passa por transformações da instituição hospitalar como um todo e evidentemente pela própria transformação social. O psicólogo, assim, não pode ser um profissional que despreze tais variáveis com o risco de tornar-se alijado do processo de transformação social. O u ainda, o que é pior, ficar restrito a teorizações que isolam e atomizam o paciente de conceituações e conflitos sociais mais amplos. O hospital, assim como toda e qualquer instituição, reproduz as contradições sociais, e toda e qualquer intervenção institucional n ã o pode prescindir de tais princípios. O psicólogo reveste-se de u m instrumental muito poderoso no processo de humaniza- ção do hospital na medida em que traz em seu bojo de atuação a condição de análise das relações interpessoais. A p r ó p r i a contribuição da psicologia para clarear determinadas 22 - Pitta, A. Hospital, Dor e Morte como Oficio. S ã o Paulo: Hucitec, 1990. 2 3 - 0 Hospital: História e Crise. Op. cit. 13
  • 14. P i i c o l o g i a H o s p i t . i l . i i manifestações de somat ização c , i g u a l m e n t e , decisiva p a r a l a / c r c o m < |i i<- seu l u g a r na e q u i p e de saúde da instituição h o s p i t a l a r esteja assegurado. A s somati/.açòes c a d a v e v m a i s são aceitas n o bojo das intervenções médicas e a aluação d o psicólogo nesse sentido é d e t e r m i n a n t e de u m a n o v a p e r f o r m a n c e n a própria relação médieo-paciente. E notória t a m b é m a evidência c a d a vez m a i o r d e q u e m u i t a s p a t o l o g i a s têm seu q u a d r o clínico a g r a v a d o a p a r t i r de complicações e m o c i o n a i s d o paciente. I n t e r v i r nesse p o n t e a m e n t n é o u t r a p e r f o r m a n c e q u e faz d a psicologia u m a força m o t r i z até m e s m o n o diagnóstico e compreensão de patologias p a r a as quais a própria M e d i c i n a não t e m explicação absoluta. A s s i m , não se p o d e negar, p o r e x e m p l o , a importância das variáveis e m o c i o n a i s e m u m q u a d r o d i a g n o s t i c a d o de câncer o u de a l g u m a c a r d i o p a t i a . C o m o também é inegável a presença de d e t e r m i n a n t e s e m o c i o n a i s q u a n d o a b o r d a d a s patologias não diagnosticadas c o m precisão... até m e s m o pela falta de s i n t o m a s específicos e v a r i a d o s . P o d e m o s i n c l u i r nesse r o l aqueles casos e m q u e o paciente queixa-se o r a de cefaleia, o r a de náuseas, o r a de comiseração e s t o m a c a l etc. O u a i n d a daqueles casos e m q u e o paciente apresenta diversos sintomas c o n c o m i t a n t e s a diversas patologias s e m , n o e n t a n t o , apresentar tais patologias. O s exames clínicos nesses casos não c o n s e g u e m fazer u m diagnóstico preciso e absoluto, pois a própria alternância de sintomas d o paciente é algo apenas d i a g n o s t i c a d o q u a n d o se tenta c o m p r e e n d e r , além dos sintomas, a d o r d ' a l m a q u e acomete tais pacientes. Nesse sentido, é interessante o b s e r v a r q u e o avanço d a m e d i c i n a , c o m t o d o o seu apa- r a t o tecnológico, não consegue p r e s c i n d i r d o psicólogo p e l a sua condição de escuta das manifestações d ' a l m a h u m a n a , imperceptíveis à própria t e c n o l o g i a m o d e r n a . Considerações Finais Se é v e r d a d e i r o q u e o psicólogo c o n s e g u i u alçar voos r u m o a u m p r o j e t o d i g n i f i c a n t e de Psicologia H o s p i t a l a r , é i g u a l m e n t e r e a l q u e u m l o n g o c a m i n h o a i n d a resta a ser t r i l h a d o . E trilhá-lo exigirá d o psicólogo u m a p e r f o r m a n c e c a d a vez m a i s a m p l a n o s e n t i d o de a b a r c a r as necessidades d a hospitalização e dos profissionais t o t a l m e n t e e n v o l v i d o s nas e n t r a n h a s hospitalares. A Psicologia H o s p i t a l a r é r e a l i d a d e que, e m b o r a a i n d a necessite de b u r i l a m e n t o , aperfeiçoamento e m u i t a s buscas, será, c e r t a m e n t e , a m a i s r i c a das alter- nâncias d a Psicologia. Será, a i n d a , a m a i s c r i a t i v a das manifestações clínicas d e n t r o não só d a r e a l i d a d e h o s p i t a l a r , c o m o t a m b é m das lides académicas, q u e , ao a s s u m i r e m - n a , assumirão i g u a l m e n t e u m c o m p r o m i s s o c o m o próprio f u t u r o de t o d a u m a geração de profissionais. Psicologia H o s p i t a l a r , s o n h o t o r n a d o r e a l i d a d e a p a r t i r d a necessidade de humanização d o h o s p i t a l . 1 4 De Como o Saber Também é Amor Valdemar Augusto Angerami - Camon Introdução E ste t r a b a l h o r e t r a t a o desenvolvimento d a PsicologiaHospitalar n o Brasil pela descrição d o r e l a c i o n a m e n t o pessoal c o m a psicóloga D r a . M a t h i l d e Neder, u m a das p e r s o n a l i - dades q u e m a i s contribuíram p a r a a implantação e sistematização desse c a m p o de atuação d o psicólogo. Pelas reminiscências desse r e l a c i o n a m e n t o e m e r g e m as q u a l i d a d e s pessoais dessa d e s b r a v a d o r a q u e c e r t a m e n t e contribuíram p a r a q u e ela assumisse a liderança q u e exerce n o c a m p o d a Psicologia d a Saúde, u m interesse e m acolher, além d a c a p a c i d a d e de l i m i t e s d e f o r m a c o n c i l i a d o r a e c o n s t r u t i v a , sua l o n g a experiência académica e m q u e inúmeros t r a b a l h o s n o c a m p o d a saúde e n c o n t r a m orientação e, finalmente, sua modés- t i a , q u e não i n i b e o c r e s c i m e n t o dos profissionais q u e nela se e s p e l h a m . O a p o n t a m e n t o d o v a l o r d a D r a . M a t h i l d e N e d e r se faz necessário p o r q u e , além de r e t o m a r a história d a configuração d o c a m p o d a Psicologia H o s p i t a l a r , t e n t a r e p a r a r o r e g i s t r o d e s i g u a l q u e existe sobre sua influência, j á q u e , o c u p a d a c o m a prática clínica e académica p i o n e i r a e m Psicologia H o s p i t a l a r , Psicossomática e T e r a p i a F a m i l i a r , ressentimo-nos p o r e x i s t i r p o u c a produção escrita e m seu n o m e até o m o m e n t o . U m t r a b a l h o sobre Psicologia H o s p i t a l a r e suas condições e s t r u t u r a i s foi d e i x a d o d e l a d o pelo afã de escrever o q u e seria m a i s interessante e m u i t o m a i s i n o v a d o r - escrever sobre u m a das m a i o r e s mestras dessa área e fonte d e i m e n s a t e r n u r a e generosidade. E eis-me assim, n o v a m e n t e , escrevendo sobre M a t h i l d e Neder. M a i s u m a vez h o m e n a g e i o nossa m e s t r a c o m esse p u n h a d o de letras, l i n h a s e parágrafos t r a n s f o r m a d o s e m capítulo de l i v r o .
  • 15. Il< n l o i . i . l ll.»..|,ll.,l,„ riste t r a b a l h o c u m soneto de .11 m u , n i n . i elegia da a l m a para decantar u m a das mais b r i - lhantes psicólogas brasileiras, s e g u r a m e n t e u m a das m a i s q u e r i d a s e m nossa realidade. E simples, sem o u t r a preocupação que apenas e tão somente m o s t r a r o u t r a M a t h i l d e N e d e r aos olhos d e seus a d m i r a d o r e s , pessoa que se m o s t r a d e u m a generosidade ímpar e que, n o e n t a n t o , poucos têm o privilégio d e conhecer e conviver. Sua trajetória profissional lói descrita e m l i v r o anterior,1 n o q u a l seu p i o n e i r i s m o está d e t a l h a d a m e n t e n a r r a d o , c o n - f i g u r a n d o - s e assim n a v e r d a d e i r a história d a prática d a psicologia h o s p i t a l a r n o Brasil. O objetivo a q u i é m o s t r a r o u t r a figura, d i s t a n t e d o a c a d e m i c i s m o e d a vivência hos- pitalar. U m a M a t h i l d e N e d e r q u e tive o privilégio d e c o n h e c e r e d e conviver. E a p a r t i r de convivências c o m o essa é que t e n h o certeza d e que se t r a t a de alguém m u i t o especial, pois t a l convívio só m e fez crescer c o m o pessoa e m todos os sentidos d a m i n h a experiência h u m a n a . N ã o é m i n h a pretensão esgotar os detalhes que possam ser atribuídos à M a t h i l d e , t a m p o u c o c o l o c a r - m e c o m o o único que os conhecesse e que, p o r t a n t o , se não estiverem a q u i registrados, n ã o existem. Trata-se apenas d e u m a p e q u e n a descrição, r e d u z i d a e m seu espaço d e escrita, e estabelecida e m u m t e m p o m u i t o c u r t o e m razão d a nossa própria d i f i c u l d a d e d e tantos e demasiados c o m p r o m i s s o s profissionais. E n f i m , u m t r a b a l h o e m que o a m o r é b a l i z a m e n t o p r i n c i p a l , e o afeto d e seu ser é a e s t r u t u r a m a i o r d e seu bojo e de seu c o m p r o m i s s o e d i t o r i a l . Doces Reminiscências A i n d a era académico de psicologia, e ela notória professora n a PUC-SP, q u a n d o o u v i falar d e M a t h i l d e N e d e r p e l a p r i m e i r a vez. Nesse período n ã o p o d i a i m a g i n a r que p o d e r i a c o n v i v e r c o m ela de m o d o tão estreito, p a r t i l h a n d o m o m e n t o s dos m a i s diferentes matizes. A i n d a académico, c o m e c e i a d e s p e r t a r m e u interesse p a r a a área h o s p i t a l a r e p a r a todos os lados p a r a os quais m e d i r e c i o n a v a , a proeminência m a i o r de referência teórico-prática sempre era M a t h i l d e N e d e r . Nesse m o m e n t o ela e r a p a r a m i m apenas u m a figura m i t i f i c a d a pelo seu desenvolvi- m e n t o académico e p o r sua p e r f o r m a n c e profissional. A l g u é m q u e v e n e r a m o s , m a s q u e acreditamos ser d i s t a n t e daqueles q u e apenas estão c o m e ç a n d o a d a r os p r i m e i r o s passos e m suas trajetórias profissionais. Frisa-se o t e r m o " a c r e d i t a m o s " , pois essa é a v e r d a d e i r a definição p a r a expressar a r e d o m a e m q u e m u i t o s a c r e d i t a m q u e M a t h i l d e N e d e r se e n - I - A n g e r a m i , V . A . Tendências em Psicologia Hospitalar. S ã o P a u l o : C e n g a g e L e a r n i n g , 2 0 0 4 . 1 6 I ),• ( I I I I I I I 11 S u b i u l . u n h o m o A m o i 1 i i i i i i .1 A I H n 11ii .11 , n i , n.i n i . i i i i i I . I i l . i s vezes, o c o r r e e m nosso imaginário e n a d a t e m a ver 1 u n i .1 própria realidade dc nossos personagens. N o caso de M a t h i l d e Neder, é isso o que t t l i i i s surpreende q u a n d o a c o n h e c e m o s e m sua i n t i m i d a d e . A n t e r m i n a r a faculdade iniciei u m a a t i v i d a d e c o m pacientes que t e n t a v a m suicídio r e r a m a t e n d i d o s n o P r o n t o - S o c o r r o d o I n s t i t u t o C e n t r a l d o H o s p i t a l das Clínicas d a r M t ISI* f a c u l d a d e de M e d i c i n a d a U n i v e r s i d a d e dc São Paulo. D e p o i s d e a l g u m t e m p o nessa a t i v i d a d e , h o u v e u m a unificação dos diversos serviços d e psicologia existentes n o I lospital das Clínicas, que estava sendo c o o r d e n a d a p o r M a t h i l d e N e d e r . F o i aí o nosso p r i m e i r o c o n t a t o . E desde esse p r i m e i r o e n c o n t r o não m a i s nos l a r g a m o s . A p r e n d i a respeitá-la e admirá-la p r i n c i p a l m e n t e p e l a h u m i l d a d e d e m o n s t r a d a e m seus atos e até m e s m o gestos t r i v i a i s . Fui p r o c u r a d o p o r ela p a r a ser avisado das mudanças que estavam o c o r r e n d o naquele m o m e n t o no H o s p i t a l das Clínicas. A m i n h a p r i m e i r a reação foi a de que seria s u m a r i a m e n t e escorraçado d o hospital, pois não fazia p a r t e de seu g r u p o de t r a b a l h o . E c o m esse estado d e espírito f u i encontrá-la. E u , u m p r i n c i p i a n t e n a realidade hospitalar, e m b o r a coordenasse u m t r a b a l h o que começava a despontar e ter bastante projeção e m nível teórico-prático, e M a t h i l d e Neder, a m a i o r autoridade e m Psicologia H o s p i t a l a r no Brasil, sua p r i n c i p a l pioneira, e que nesse m o m e n t o r e f o r m u l a v a os serviços de psicologia daquela u n i d a d e hospitalar. Surpreendentemente, q u a n d o a encontrei, sua reação foi tão afetiva e amistosa que fiquei simplesmente atónito, completamente sem reação, pois havia m e p r e p a r a d o p a r a u m encontro beligerante, d o q u a l c e r t a m e n t e r e s u l t a r i a u m g r a n d e número de perdas irreparáveis. M a s não, lá estava M a t h i l d e Neder, c o m aquele sorriso a m i g o e que i n i c i a l m e n t e fez questão de reverenciar o nosso t r a b a l h o , fazendo grandes elogios às atividades d o g r u p o . Surpreso fiquei e surpreso p e r m a n e c i p o r longos m o m e n t o s , pois de fato estava simples- m e n t e sendo elogiado pela m a i o r a u t o r i d a d e n a r e a l i d a d e h o s p i t a l a r , elogios esses q u e r e - p e r c u t i r a m tão p r a z e r o s a m e n t e e m m e u ser q u e não tive c o m o não m e e n c a n t a r p o r ela. Falamos, r i m o s , acertamos c o m o seria nossa participação nessa reformulação e, p r i n c i p a l - mente, como seria a transição do nosso modelo de atuação p a r a o que estava sendo i m p l a n t a d o naquele m o m e n t o . T u d o m u i t o simples, m u i t o n a t u r a l , de tal f o r m a que me senti também u m g r a n d e n o m e d a Psicologia H o s p i t a l a r que discutia c o m o u t r o g r a n d e n o m e d a área. C o r r i a então o a n o d e 1982. Nessa ocasião, e u t a m b é m c o o r d e n a v a o c u r s o d e espe- cialização e m Psicologia H o s p i t a l a r d o I n s t i t u t o Sedes Sapientiae, e a c o n v i d e i p a r a falar aos nossos a l u n o s sobre sua trajetória profissional. E d u r a n t e m u i t o s anos essa r o t i n a foi i n a l t e r a d a , c o m sua fala aos alunos sobre a m a n e i r a c o m o h a v i a se desenvolvido n a prá- tica h o s p i t a l a r , c o m o h a v i a e s t r u t u r a d o sua atuação profissional d e n t r o dessa r e a l i d a d e . 1 7
  • 16. Psi< <)l()(|i.l U ( ) S | > i l . l l . l l 1 )a m e s m a f o r m a , também passei a l a l a r p a r a os a l u n o s dos cursos de a p c r l c i ç o a m e n t i M I M u n i d a d e de p s i c o l o g i a h o s p i t a l a r d o H o s p i t a l das Clínicas d a F M l FSP; Outros Tempos E m 1 9 8 8 o c o r r e u , e m R e c i f e / O l i n d a , o I I I E n c o n t r o N a c i o n a l d e Psicólogos d a A r c a H o s p i t a l a r . L e v e i m e u filho m a i s v e l h o , E v a n d r o , n a ocasião c o m 8 anos d e i d a d e , para q u e conhecesse aqueles cantos tão q u e r i d o s . Nessa v i a g e m , M a t h i l d e c o n h e c e u E v a n d r o e passou a fazer p a r t e d a nossa família. P o s t e r i o r m e n t e c o n h e c e u a m i n h a f i l h a , P a u l a , e i g u a l m e n t e não m a i s h o u v e r u p t u r a no estreitamento de nossas relações. A s s i m , bastava t e r a l g u m congresso f o r a de São P a u l o que i m e d i a t a m e n t e M a t h i l d e q u e r i a saber q u a l dos meus filhos i r i a c o m i g o e se p r e p a r a v a para c u r t i - l o s n o v e r d a d e i r o sentido d o t e r m o . E não só e m congressos, pois M a t h i l d e passou a ser figura obrigatória nas festas q u e r e a l i z a m o s e m casa, b e m c o m o e m m u i t o s almoços d o m i n i c a i s . E v a n d r o hoje é a r t i s t a plástico e u m a de suas obras m a i s q u e r i d a s presenteou à M a t h i l d e c o m o f o r m a de r e v e r e n c i a r o afeto q u e todos temos p o r ela. M a t h i l d e d e i x o u então de ser u m a a m i g a q u e r i d a p a r a t o r n a r - s e alguém d a família, alguém cuja presença é indispensável e m todas as ocasiões especiais e até m e s m o r o t i n e i r a s . U m a presença forte, m a r c a n t e e q u e , antes de q u a l q u e r o u t r a característica, t r a n s m i t e u m a h u m i l d a d e q u e t o r n a m u i t o difícil i d e n t i f i c a r n a sua figura simples u m a das maiores perso- nalidades n a área d a psicologia. É difícil constatar q u e aquela pessoa de riso m e i g o e o l h a r doce e suave é i g u a l m e n t e a p r e c u r s o r a t a n t o d a Psicologia H o s p i t a l a r c o m o até m e s m o da psicossomática n o Brasil. É difícil estabelecer o p a r a l e l o de q u e aquela m u l h e r sempre tão disposta a o u v i r os mais diferentes interlocutores é, sem s o m b r a de dúvida, u m a das mais n o - táveis professoras de nossa realidade académica, alguém que não sabe de p r o n t o o número de orientações que possui n a a t u a l i d a d e . E que seguramente dependerá de u m a g r a n d e pesquisa bibliográfica p a r a se a p u r a r o número de teses académicas escritas sob sua orientação. M a s c e r t a m e n t e não será de sua b o c a q u e o u v i r e m o s q u a l q u e r eloquência sobre a m a g n i t u d e dos t r a b a l h o s que o r i e n t o u ao l o n g o de sua trajetória profissional. C o m o também, se não fosse o t r a b a l h o q u e o r g a n i z a m o s 2 r e l a t a n d o sua trajetória profissional n a r e a l i d a d e hospitalar, c e r t a m e n t e seus feitos e conquistas se p e r d e r i a m ao l o n g o d o t e m p o e d o espaço, pois ela não seria capaz de registrá-los o u até m e s m o de narrá-los de m o d o sistematizado. 2 - Tendências em Psicologia Hospitalar. Op. cit. 1 8 I V I o i n n o S . I I H I I l . i m l m i n «'. A m i n A l u a h u m i l d a d e a t r o p e l a a g r a n d i o s i d a d e dc suas realizações, pois, p o r m a i s i m r í - i I (|ue possa parecer, n e m m e s m o suas p r i m e i r a s publicações ela m a n t e v e g u a r d a d a s c i M I I M i V . M l a s . E isso posso a f i r m a r sem t i t u b e i o , pois p a r a escrever a historia de sua I r a j e - l u i i . i profissional tive de l a p i d a r m u i t o m a t e r i a l q u e se a c h a v a m i s t u r a d o a outras l a u t a s piililu ações, b e m c o m o g a r i m p a r t r a b a l h o s q u e se a c h a v a m p e r d i d o s nos lugares m a i s IIIuu.mináveis. Para se ter u m a i d e i a d a dimensão dessas colocações, c i t o u m a ocasião, pc II Volta de I 9 9 l , q u a n d o estava t r a b a l h a n d o n a descrição dc sua trajetória e precisava dc u m a coiileiência q u e ela h a v i a p r o f e r i d o n o início de seu d e s e m p e n h o profissional. Fui até S I I . I i usa, c depois de m u i t o p r o c u r a r e n a d a e n c o n t r a r , levei-a p a r a assistir a u m c o m c i t o que p.n , i m i m e r a imperdível. Q u a n d o v o l t a m o s à sua casa, p r o c u r a m o s p o r t o d a I I I . K I I Ugada . i h f i n a l m e n t e encontrá-la. E assim foi d u r a n t e t o d a a elaboração desse t r a b a l h o , u m incessante g a r i m p o m> q u a l cada peça e n c o n t r a d a e r a f a r t a m e n t e c o m e m o r a d a pelas d i f i c u l d a d e s apresentadas. E n a u pense o l e i t o r de m o d o p r e c i p i t a d o q u e isso possa ser evidência de u m a desorganizaç&i 111< sua p a r t e , pois o u t r o s t r a b a l h o s indispensáveis à sua prática profissional estão d e v i d a i i i c n i i g u a r d a d o s e c o m fácil acesso e m seu escritório de t r a b a l h o . O r e g i s t r o d c suas a t i v i d a d e i li ii d e i x a d o d e l a d o p o r sua característica de h u m i l d a d e , q u e a i m p e d e d c se r c c o n h e i n c o m o alguém cujos passos são d e e x t r e m a importância p a r a a própria história d a p i i i O logia n o B r a s i l . E m u m a ocasião ela simplesmente falou: " Q u e m v a i se interessar p o r u m a conferem l l que p r o f e r i n o final(fim) dos anos 1950?" E , n a verdade, fazia referência a u m a conferem ia que registra a p r i m e i r a participação de u m psicólogo e m u m evento o r g a n i z a d o p o r médii i il no H o s p i t a l das Clínicas d a F M U S P e no q u a l estavam registrados os seus primeiros passi i b e m c o m o o nível de aceitação ao seu t r a b a l h o p o r outros profissionais d a saúde. O u de o u i r a situação e m q u e simplesmente f a l o u : " N ã o sei p a r a que você está interessado e m saber os de talhes d o m e u t r a b a l h o n o h o s p i t a l " . E novamente estávamos d i a n t e de u m a situação em l [UC tais detalhes c o l o c a v a m e m evidência u m p o u c o d a história d a psicologia no Brasil, A t é m e s m o u m a foto dc u m congresso r e a l i z a d o n a E u r o p a , q u a n d o a i n d a era j o v e m , e q u e t i n h a g r a n d e s personagens d a p s i c o l o g i a m u n d i a l , c o m o M e l a i n e K l e i n e Ernest Becker, e n t r e o u t r o s , só é m o s t r a d a depois de m u i t a insistência. D o contrário, g u a o l . u l . i está, g u a r d a d a permanecerá. I m a g i n o de o u t r a p a r t e q u e se essa foto pertencesse a m u meros o u t r o s colegas, estaria e m destaque e m suas salas de visitas, c o m o u m dos maiores t r i u n f o s d a própria trajetória p r o f i s s i o n a l . U m a das faces m a i s m a r c a n t e s de sua generosidade é o m o d o c o m o acolhe colegas de outros Estados, hospedando-os e m sua própria residência. A s s i m , é m u i t o c o m u m encontrar 1 9
  • 17. (>l( >< ]1.1 I l o r . p i t . t l . i l colegas dos m a i s diferentes cantos q u e , ao passarem p o r São Paulo, são recepcionados poi M a t h i l d e , t e n d o então e m sua residência o local de referência c proteção. E não pense qui se t r a t a apenas de notórios de o u t r a s localidades, m a s de q u a l q u e r colega, académico q m seja, e q u e simplesmente necessite de u m a acomodação p o r esses cantos. É c o m o já u m i de u m colega de M a c e i ó q u e lá estava hospedado: " A l é m de t u d o , a i n d a t e n h o o privilegie > de c o n v i v e r c o m o d i a a d i a de M a t h i l d e N e d e r " . M a t h i l d e , e m sua generosidade, g u a r d a hábitos de e x t r e m a valorização d o convívio f a m i l i a r . E frequente ouvir-se dela sobre a necessidade de i r até o i n t e r i o r p a r a c u i d a r de parentes. E l a t a m b é m é m u i t o religiosa, e u m de nossos passeios frequentes é levá-la para assistir à missa d o c a n t o g r e g o r i a n o n o M o s t e i r o de São B e n t o , n o c e n t r o histórico de São Paulo. E de q u a l q u e r m a n e i r a ela é sempre g r a t a a q u a l q u e r gesto q u e façamos e m seu benefício. T u d o é m u i t o c o n s i d e r a d o e não há ação e m q u e não se d e r r a m e e m agradeci- m e n t o s q u a n d o se sente a c a r i n h a d a pelos nossos gestos. S e m m e d o de e r r o é possível a f i r m a r q u e o g r a n d e e, p o r assim dizer, o seu p r i n c i p a l defeito é a sua escassez de publicações. Pela m a g n i t u d e de sua vivência é u m a p e r d a i r r e - parável u m número tão r e d u z i d o de t r a b a l h o s académicos. E m b o r a esteja c o n s t a n t e m e n t e o r i e n t a n d o as m a i s diferentes dissertações e teses académicas, c e r t a m e n t e teríamos u m a g r a n d e contribuição se ela dedicasse u m t e m p o de suas atividades p a r a a publicação de sua vasta experiência profissional. M a s os e n s i n a m e n t o s q u e ela nos lega a c a d a e n c o n t r o nos t o r n a m responsáveis p e l a sua difusão. E também não p o d e m o s p e r d e r de v i s t a q u e dois dos m a i o r e s pensadores d a h u m a n i d a d e - C r i s t o e Sócrates - n a d a p u b l i c a r a m , c h e g a n d o suas ideias e e n s i n a m e n t o s até os dias de hoje graças àqueles d e n t r e os seus discípulos que r e c o l h e r a m u m vasto m a t e r i a l de seus ensinamentos e os p u b l i c a r a m . E assim, o saber p o d e se t r a n s f o r m a r e m u m a das m a i s belas manifestações d o amor... S e r r a d a C a n t a r e i r a , e m u m a manhã de i n v e r n o . 2 0 Atendimento Psicológico no Centro de Terapia Intensiva Ricardo Werner Sebastiani 3 Introdução O C T I t r a z c o m o sério estereótipo v i n c u l a d o à sua ideia a i m a g e m de sofrimento e t( i m i n e n t e . N a verdade, p o r ser u m a u n i d a d e n o hospital que se dedica a o a t c n d i m e n t i i i le casos e m que o c u i d a d o intensivo e a gravidade dos p r o b l e m a s exigem sei < is constante! e especializados, esse t i p o de i m a g e m acaba t e n d o u m b o m c u n h o de realidade. As características intrínsecas ao C T I , c o m o a r o t i n a dc t r a b a l h o m a i s acelerada, 11 c l i m a constante de apreensão, as situações de m o r t e i m i n e n t e , a c a b a m p o r exacerbar 0 estado de "estresse" e tensão q u e t a n t o o paciente q u a n t o a e q u i p e v i v e m nas 24 horas d o d i a Esses aspectos, somados à dimensão i n d i v i d u a l d o s o f r i m e n t o d a pessoa nela intei n.id.i, lais c o m o a d o r , o m e d o , a ansiedade, o i s o l a m e n t o d o m u n d o , t r a z e m , sem dúvida, várioi e lõrtes fatores psicológicos q u e i n t e r a t u a m de m a n e i r a m u i t a s vezes grave p o r sobre 0 manifestação orgânica d a e n f e r m i d a d e q u e a pessoa possui. P a r a t a n t o , discorrer-se-á s o b r e os aspectos m a i s i m p o r t a n t e s desse m o m e n t o da história d o indivíduo, c o m e ç a n d o p o r d e s m i s t i f i c a r o q u e se a c r e d i t a ser u m ( l e n t r o de T e r a p i a I n t e n s i v a . Desmistificando o CTI O C T I é m a i s u m dos frutos d o extraordinário avanço q u e as ciências médicas c sua te< n< i l o g i a a t i n g i r a m n o século X X . O b j e t i v a d o p a r a u m t r a t a m e n t o i n t e n s i v o d o e n f e r m o , vei( > se e v i d e n c i a n d o c o m o u m a u n i d a d e indispensável p a r a o t r a t a m e n t o de doentes graves.
  • 18. l > l l l l | l . l H ( ) S | ) i t . l l . l l Equipamentos sofisticados, pessoal técnico qualificado, atenção constante, 21 horas diái iu dc medicações, exames, lesies, letisào, r o t i n a , visando a u m só fator: a pessoa eniérma. N ã o obstante essas conotações c l o d o a p a r a t o científico c tecnológico, observa-sc u m l a l o q u e se repete nas centenas de C T I s espalhados pelo nosso País. Existe, n a m a i o r i a das pessoas, u m estereótipo bastante a r r a i g a d o , associado o u c u l o c a d o c o m o sinónimo de C T I : A M O R T E I M I N E N T E . O fator m o r t e , c o n t r o v e r t i d a r e a l i d a d e de nossa existência d e n t r o d a c u l t u r a o c i d e n t a l , é, p o r p a r a d o x a l q u e pareça, v i v i d o t o d o o t e m p o n a r o t i n a diária d o C T I , e x i g i n d o das pessoas q u e nele t r a b a l h a m e l u t a m p e l a v i d a u m p o s i c i o n a m e n t o m u i t o d u r o p e r a n t e este, m u i t a s vezes o b r i g a n d o - a i a refugiar-se e m u m u n i v e r s o r a c i o n a l i s t a p a r a a g u e n t a r a pressão e m o c i o n a l q u e isto t u d o causa. A história d a M e d i c i n a t r a z situações q u e se r e p e t e m c o m o passar dos séculos, sem- p r e q u e s t i o n a n d o o f a t o r m o r t e e a importância d a atenção afetiva d o t e r a p e u t a d i a n t e d o e n f e r m o . Asclépio, médico d a b a t a l h a de Tróia (2), c i t a d o p o r H o m e r o e g l o r i f i c a d o depois c o m o deus d a M e d i c i n a , p r e c o n i z a v a e m seus ensinamentos a importância de u m a b o a a c o l h i d a ao enfermo, interessando-se p o r seu todo; a m b i e n t e , interesses, família, c u l t u r a , motivações e sintomas e r a m condições básicas p a r a sua recuperação. F i r m a d o neste código de respeito à pessoa h u m a n a , levanta-se então a necessidade i m i - nente de u m a ampliação n a a b o r d a g e m à pessoa e n f e r m a , q u e b r a n d o a defesa r a c i o n a l e, ao l a d o dela, v i v e n d o o c o n f l i t o entre v i d a e m o r t e . N ã o se t r a t a dc u m a entrega i m e d i a t a ao s o f r i m e n t o , pois se c a i r i a então n o m e s m o p r i s m a e x t r e m i s t a d a racionalização, m a s sim de u m "estar c o m " e m q u e se p o d e , c o m o m e d i a d o r , a c o m p a n h a r a v i d a e a m o r t e , l u t a n d o p o r aquela o u c o m p r e e n d e n d o , nesta, nossa limitação, a b a n d o n a n d o a onipotência que m u i t a s vezes nos assola c o m o u m d o m d i v i n o de " s e n h o r d a existência". Tem-se, p o r t a n t o , c o m o objeto d a atenção d o psicólogo n o C T I , u m a tríade constituída dc: paciente, sua família e a própria e q u i p e de saúde, todos envolvidos n a m e s m a luta, m a s cada u m c o m p o n d o u m dos ângulos desse processo. O s o f r i m e n t o físico c e m o c i o n a l d o paciente precisa ser e n t e n d i d o c o m o coisa única, pois os dois aspectos que o c o n s t i t u e m i n t e r f e r e m u m sobre o o u t r o , c r i a n d o u m círculo vicioso d o t i p o : a d o r a u m e n t a a tensão e o m e d o que, p o r sua vez, e x a c e r b a m a atenção d o paciente à própria d o r que, a u m e n t a d a , gera m a i s tensão e m e d o , e assim sucessivamente (9). Essa compreensão ajuda o psicólogo a q u e b r a r esse círculo vicioso de f o r m a a t e n t a r resgatar, c o m o paciente, u m c a m i n h o de saída p a r a o s o f r i m e n t o , e m eme, de u m l a d o , as m a n o b r a s médicas, medicamentos, exames, introdução de aparelhos i n t r a e extracorpóreos 2 2 A t l i l l l l l l l l D I l t i i l ' ' . U i i l i i l | l i CI n u ( e l l l l i i c i e I . • r , 11 > I. I I n t l M l s i v . l v.Hi i i ' somai às d o psicólogo, I I I I C litvorccc a inanileslaçài > dos medos c lantasias d o pacien- h i I I I I I I I I . I sua participação i m t r a t a m e n t o , ouve e p o n d e r a sobre questões q u e o a f l i j a m ' . I I I I M I S I ia, desesperança, mudanças estruturais na sua relação c o m a v i d a , e x p e c t a t i v a d a l e e l e . ) , l o d o s e s s e s cslõrços v i s a m mais d o que a u m fim p u r o e simples: v i s a m a u m i . o i u u l i u dc e n f r e n t a m e n t o d a dor, d o s o f r i m e n t o , e e v e n t u a l m e n t e d a própria m o r t e , m a i s < 111 - o menos sofrido possível. N u m a s e pode esquecer q u e d o l a d o de fora d o C T I , n o corredor, n a sala de espera, • M l e u m a família i g u a l m e n t e a n g u s t i a d a e sofrida, q u e se sente i m p o t e n t e p a r a a j u d a r leu f a m i l i a r , q u e também se d e s o r g a n i z o u c o m a doença e q u e também se assusta c o m o cspeeiro d a m o r t e que m u i t a s vezes r o n d a seus pensamentos. Essas pessoas também p r e c i s a m d a atenção d o psicólogo e constituem-se e m u m a p o - l e u i e força afetiva q u e p o d e e deve ser e n v o l v i d a n o t r a b a l h o c o m o paciente, pois são os icpiesentantes p r i n c i p a i s de seus vínculos c o m a v i d a e, não r a r o , u m a das poucas fontes de motivação que este t e m p a r a e n f r e n t a r o s o f r i m e n t o e a v i r t u a l i d a d e d a m o r t e . Sabe-se m u i t o b e m q u e o p a l c o p r i n c i p a l d o t r a t a m e n t o n o C T I acontece n o p l a n o biológico; a infecção sendo c o m b a t i d a pelos antibióticos, as falências dos sistemas sendo 01 impensadas p o r máquinas e fármacos, a vigilância d o f u n c i o n a m e n t o d o o r g a n i s m o feita I ii >r exames e testes l a b o r a t o r i a i s ; às vezes esse processo nos faz esquecer de q u e t u d o isso tem u m único objetivo: preservar a v i d a . E o q u e é essa v i d a senão esse i n t r i n c a d o sistema dc emoções, afetos, vínculos, motivações que sentimos e m nosso c o r p o e de nossa a l m a , que acontece d e n t r o de u m a m b i e n t e q u e nos c r i a e c r i a m o s c h a m a d o família, r e l a c i o - namentos, t r a b a l h o , m u n d o , enfim...? É, p o r t a n t o , pela q u a l i d a d e desta v i d a que se luta, às vezes g a n h a n d o , às vezes p e r d e n d o . Nesse p o n t o a equipe de saúde, q u e , antes de mais n a d a , é também c o m p o s t a de pessoas, vivência n o seu c o t i d i a n o esse significado de v i v e r c de m o r r e r . O profissional de saúde não d e i x a de ser assolado p o r sentimentos ambivalentes de onipotência e impotência, a própria finitude que é d e n u n c i a d a a cada m o m e n t o , as ex- pectativas de todos (família, paciente, colegas...) são jogadas sobre eles. P a r a s u p o r t a r isso, m u i t a s vezes se r e f u g i a m e m suas defesas, o r a c i o n a l i s m o , o não e n v o l v i m e n t o , a própria onipotência, m a s m e s m o assim todos esses estímulos estão a l i , presentes n o seu d i a a d i a . O psicólogo p o d e então a t u a r c o m o f a c i l i t a d o r d o f l u x o dessas emoções e reflexões, detec- t a r os focos de "estresse", s i n a l i z a r q u a n d o suas defesas se e x a c e r b a r a m t a n t o , a p o n t o de alienarem-se de si mesmas, de seus próprios sentimentos, e favorecer a compreensão de sua onipotência (que é falsa). Esse trinòmio merece atenção, merece respeito; o psicólogo o compõe sendo ao mesmo tempo agente e paciente de t u d o que se m e n c i o n o u anteriormente; sua presença pode ser inestimável 2 3
  • 19. I ( i l o q i . i I l i i s p i t . l l . l l nesse m o m e n t o , quase sempre cronicamente erítiro, e c a b e também a ele estar atento não ao o u t r o , m a s a si mesmo, p a r a p o d e r atuar sempre que puder, respeitando seus limites. Objetivos Gerais do Acompanhamento Psicológico no CTI O presente t r a b a l h o visa discutir os aspectos psicológicos de pacientes submetidos a c i r u r g i a i de grande porte, pós-operatório i m e d i a t o , b e m c o m o discorrer sobre as reações emocionais de o u t r o g r u p o de pacientes (não cirúrgicos) d u r a n t e sua permanência n o C T I . T e n d o isso c o m o m e t a de t r a b a l h o , buscar-se-á m o s t r a r a intervenção psicológica no e n f e r m o , q u e p r o c u r a p o s s i b i l i t a r u m a diminuição e/ou amenização das intercorrências q u e p o d e r ã o v i r a c o m p l i c a r o u r e t a r d a r a recuperação e a reabilitação dele. Para q u e se possa c o m p r e e n d e r c o m m a i s clareza o processo psicofísico d o e n f e r m o , é de e x t r e m a importância que sejam abordados os g r u p o s de fatores que intervêm de f o r m a direta o u i n d i r e t a n a evolução d o q u a d r o psico-orgânico d o paciente, c o m o será visto a seguir. O b s e r v a m o s q u e a situação d o paciente não t e m somente o ângulo de v i d a e m o r t e , mas t a m b é m o s e n t i m e n t o de a b a n d o n o e dicotomitização, pois é r e g r a c o m u m , n a m a i o r p a r t e dos C T I s , a proibição das visitas, e é " r e g r a " e m hospitais, p o r u m provável vício d o c o t i d i a n o , t r a t a r as pessoas c o m o s i n t o m a s , órgãos o u números (o " 2 0 2 A " , a "esterose" d o leito 0 1 , o " n e u r o " d o 5" andar...), r e s u l t a n d o n a despersonalização, o q u e e v i d e n c i a a importância d o t r a b a l h o d o psicólogo, ressaltando " o t e m p o e o interesse h u m a n o s " c o m o p r e p o n d e r a n t e s p a r a o auxílio n a recuperação a m p l a d a pessoa e n f e r m a . P a r a t a n t o , o t r a b a l h o d o psicólogo h o s p i t a l a r baseia-se nos seguintes aspectos: 1. A t e n d e r i n t e g r a l m e n t e o paciente e a sua família, considerando-se os parâmetros de saúde d a O r g a n i z a ç ã o M u n d i a l de Saúde (3): a) t o t a l b e m - e s t a r biopsicossocial d o paciente; b) atenção primária, secundária, terciária à saúde. L o g i c a m e n t e , u m a pessoa i n t e r n a d a n o C T I não t e m c o m o p r i n c i p a l necessidade a atenção primária, mas a preocupação c o m a profilática de u m a orientação a d e q u a d a antes d a a l t a ; u m p r e p a r o p a r a q u e as limitações a d v i n d a s d a doença (tanto físicas q u a n t o psíquicas) não t r a g a m à pessoa sentimentos de i n u t i l i d a d e p a r a si e p a r a o m u n d o são m u i t o i m p o r t a n t e s . 2. Desenvolver as atividades sob u m a visão i n t e r d i s c i p l i n a r (médico, e n f e r m e i r a , assis- tente social, fisioterapeuta, biomédico, n u t r i c i o n i s t a etc. ), baseadas n a integração dos serviços de saúde voltados p a r a o paciente e sua família. 2 4 A l u i i i l l m n i i t o I ' M < c>lo<|i( D n o l « M i m < l o I m . i p i . t I n t m r . i v . i I P o s s i b i l i t a r a c o m p r e e n s ã o e n 1 1 . i l . m i e t i t i ) d o s a s p e i t o s p s i c o l ó g i c o s (psicOgênil 0 1 n a s diferentes situações, t a i s c o m o : .i quadros psicorreativos; b ) síndromes psicológicas; c) distúrbios psicossomáticos; d) q u a d r o s conversivos; c) fantasias mórbidas c angústia de m o r t e ; F) ansiedade d i a n t e das internações (doenças, evolução, alta). O Paciente C i r ú r g i c o 1 I r e a l m e n t e notável a q u a l i d a d e das reações d o s p a c i e n t e s d i a n t e d a cirurgia. N e i H silnação, as pessoas t e n d e m a m u d a r . Elas se refazem, r e f i n a m seu a u t o c o n t r o l e , delibera i l a m e n t e l i m i t a m suas percepções e sentimentos, n e g a m o p e r i g o , a c e i t a m c o m est» ii( ismo o inevitável e c o n s e g u e m , até m e s m o , u m a aparência de satisfação. A considerável valia dessa mudança i n t e r n a , e m b o r a não seja u n i v e r s a l , é talvez m a i o r d o q u e s e p e n s a . Com lua ajuda, o paciente não apenas se protege c o n t r a u m m e d o e s o f r i m e n t o a v a s s a l a i l . n l mas se e n t r e g a também a u m p a p e l m a i s passivo, c o o p e r a t i v o e tratável. Q u e ninguém se deixe e n g a n a r pela contenção e m o c i o n a l de u m paciente cirúrgii 0 Não i m p o r t a n d o o g r a u de i m p e r t u r b a b i l i d a d e de sua aparência, subjacente a e l a , h; m e d o e u m p a v o r terríveis. O p a c i e n t e s u b m e t i d o a p r o c e d i m e n t o cirúrgico apresenta aspectos psicológicos i m p o r t a n t e s p r i n c i p a l m e n t e c o m relação a o m e d o . T e m triedo da dor, d a anestesia, de ficar d e s f i g u r a d o o u i n c a p a c i t a d o . T e m m e d o de m o s t r a r m e d o , e m e d o d e m i l e u m a coisas. S o b r e t u d o , t e m m e d o de m o r r e r . E , d i f e r e n t e m e n t e d c a l g u m a s outras coisas t e m i d a s pelas pessoas, o m e d o d a c i r u r g i a t e m , p e l o m e n o s e m p a r t e , u m a base c o n c r e t a . E m b o r a a r e a l i d a d e seja sempre e n r i q u e c i d a pela imaginação, o m e d o da c i r u r g i a n u n c a é t o t a l m e n t e imaginário. O t i p o d e freio q u e os pacientes e x e r c e m sobre o seu m e d o faz m u i t a diferença c m relação a o seu b e m - e s t a r . A l g u n s o têm firme, r e l a t i v a m e n t e inquebrável e m u i t o útil, ( ) u t r o s o têm tão frágil q u e p r e c i s a m de reforço, e m g e r a l , p o r m e i o de a c o m p a n h i i psicológico e e v e n t u a l m e n t e d r o g a s . O u t r o s a i n d a dispõem d e métodos especiais p a r a c o n t r o l a r a ansiedade, e n e m todos são benéficos. U m m o d o p a r t i c u l a r é aquele d o pai iente q u e , t e n t a n d o a l i v i a r a a n s i e d a d e c o n c e n t r a d a sobre a p a r t e d o c o r p o c i r u r g i c a m e n t e 1 - Excraído, a d a p t a d o e c o m p l e m e n t a d o a p a r t i r d e B i r d , B . (1), Conversando com o Paciente. S ã o P a u l o : M a n o l e , 1978. 2 S
  • 20. I ' M I o l o u i . i I l o s | ) i l . i l , n afetada, torna-sc p r e o c u p a d o c o m o u t r a s parles dc seu c o r p o , o u cria p r o b l e m a s a r l i l i i iul e m o u t r a s regiões orgânicas. Se esse d e s l o c a m e n t o d c u m a p a r t e p a r a o u t r a parece nau ser p r e j u d i c i a l , não há necessidade de interferência. E m a l g u n s casos, p o r é m , o l i e m -estar d o p a c i e n t e é m a i s b e m p r e s e r v a d o se a e q u i p e o a j u d a a d e v o l v e r a ansiedade , i u seu l u g a r originário. O fato de u m paciente e m p a r t i c u l a r t e n t a r deslocar a preocupação de u m órgão afetado p a r a o u t r o n o r m a l depende n o r m a l m e n t e d o v a l o r q u e a t r i b u i ao órgão afetado. A c i r u r g i l d a face e das mãos p o d e causar g r a n d e ansiedade entre pacientes cujo t a l e n t o depende d l i n t e g r i d a d e dessas e x t r e m i d a d e s . É óbvio q u e os órgãos v i t a i s são m a i s cotados. E m geral, q u a n t o mais v a l o r i z a d o for o órgão, m a i o r será a ansiedade d o paciente d i a n t e d a c i r u r g i a i p o r t a n t o , q u a n d o esses órgãos f o r e m operados, será m u i t o provável q u e o paciente desloque sua ansiedade deste p a r a o u t r o s órgãos saudáveis e menos i m p o r t a n t e s . T a n t o o paciente q u a n t o o cirurgião devem ser providos de u m representante pessoal i > psicólogo - cujas funções seriam, de u m lado, representar o paciente que, e m seu estado mental e físico afetado, não t e m condições p a r a representar a si mesmo e, p o r o u t r o lado, o cirurgiài i, que n e m sempre consegue ser tão útil q u a n t o gostaria ao l i d a r c o m os medos e fantasias do paciente e m relação ao que v a i acontecer. O representante seria alguém que n a d a faria - come i c o r t a r o u suturar —, caso contrário também ele se veria o b r i g a d o a esconder e r e p r i m i r seus sentimentos e angústias. É o que se entende c o m o "privilégio" d o psicólogo no hospital, na m e d i d a e m que ele não representa ameaça (organicamente falando). Essa p o n t e , o u facilitação de vínculos, t e m g r a n d e importância, s o b r e t u d o p a r a o p a c i e n t e , pois ela é u m a das p o s s i b i l i d a d e s c o n c r e t a s de se desenvolver dois s e n t i m e n - tos imprescindíveis p a r a o b o m prognóstico e m o c i o n a l d a relação d o indivíduo c o m a c i r u r g i a e o processo, m u i t a s vezes l o n g o , d e pós-operatório e reabilitação, q u e são a confiança e a autorização. Essa última n e m s e m p r e c o n s i d e r a d a c o m o f a t o r i m p o r t a n - te, m a s sabe-se q u e , se não h o u v e r p o r p a r t e d o p a c i e n t e u m a autorização explícita e implícita p a r a q u e se i n t e r v e n h a sob seu c o r p o e, e m u m a instância m a i s p r o f u n d a , e m sua própria v i d a , os riscos de intercorrências e p r , b l e m a s n o t r a n s c u r s o de t r a t a m e n t o a u m e n t a m s i g n i f i c a t i v a m e n t e . A questão d a confiança e d a autorização remete-se a u m dos aspectos m a i s i m p o r t a n t e s n a relação entre a e q u i p e de saúde e o paciente q u e se p o d e d e n o m i n a r de " e n t r e g a p a r t i - c i p a t i v a " : o u seja, ao m e s m o t e m p o e m q u e c o n f i a n a e q u i p e e a " a u t o r i z a " a c u i d a r dele, manipulá-lo, m e s m o e m u m m o m e n t o e m q u e está inconsciente, p o r t a n t o s e m n e n h u m c o n t r o l e , age p o r o u t r o l a d o m o s t r a n d o - s e interessado p e l o seu estado, sua evolução, e esforça-se p a r a ajudar-se n o t r a t a m e n t o e recuperação. 2 6 A l n n d i m i M i t c i l'si< o l o q ú o 111> C e n t r o d e l e r . i p i a I n t e n s i v a I . . . . i aparentemente pequena preoi upaçào que a equipe deve l e r e m relação à estruturação I|I seu v i n c u l o c o m o paciente, a despeito dc colocações adversas c o m o " f a l t a de t e m p o " , I Lides m a i o r e s " cie., não so o t i m i z a as respostas ao t r a t a m e n t o t a n t o d o p o n t o de v i .1.1 psíquico q u a n t o físico, c o m o l a m b e m reduz o t e m p o de reabilitação e reintegração |jii paciente, o q u e , c m última instância, acaba p o r c o n t r a d i z e r os próprios obstáculos q u e ,i i • 1111 j >< - coloca p a r a e m p e n h a r - s e nesse vínculo. Putores Pessoais Decorrentes da Intervenção Cirúrgica como Possíveis Geradores de Complicações na Evolução do Pós-Operatório I e g r u p o d c fatores pessoais, i n d i v i d u a i s , p o d e ser d i v i d i d o e m dois m o m e n t o s b e m • Ir.i mios, c a d a u m c o m características próprias. N o p r i m e i r o m o m e n t o , considera-se: ( ) Pós-Operatório I m e d i a t o , q u a n d o o p a c i e n t e p o d e apresentar, d e n t r e o u t r a s , as leguintes reações: a) reação à c i r u r g i a ; • l e t a r g i a • a p a t i a b) agressividade; c) depressão reativa; d) reações de p e r d a . N o segundo m o m e n t o j á se considera o pós-operatório p r o p r i a m e n t e d i t o , n o q u a l as manifestações e a s i n t o m a t o l o g i a são diversas: a) elaboração i n a d e q u a d a das limitações i m p o s t a s pelo ato cirúrgico; • c o n c r e t a • imaginária b) d i f i c u l d a d e de c o r r e s p o n d e r ao processo de reabilitação e reintegração s o c i o f a m i - l i a r a c u r t o , médio e l o n g o prazos, considerando-se também os l i m i t e s q u a n t o às possibilidades d o paciente. A p e s a r de esses fatores pessoais estarem ligados d i r e t a m e n t e c o m o a t o cirúrgico e m si, isso não e l i m i n a n e m desvaloriza a importância dos aspectos a m b i e n t a i s c o m o i n t e r v e - nientes p a r a a b o a evolução e recuperação d o paciente. 2 7