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CURSO DE INSTITUIÇÕES DE DIREITO ROMANO 
Thomas Marky 
*** 
DUAS PALAVRAS 
Distinto especialista em Direito Romano, tendo convivido na 
Itália com sumidades como Riccobono, Arangio-Ruiz e De Francis- 
ci, para mencionarmos alguns dentre OS luminares que conheceu, 
vem o Professor THOMAS Marky lecionando, com invejável êxito, a 
tão árdua e proveitosa ciência de Papiniano, tanto na Faculdade 
Paulista de Direito como em nossa Faculdade de Direito do Largo 
de São Francisco. 
Além do saber notório, possui o Professor Marky inegáveis quali- 
dades didáticas, tendo conseguido formar um grupo de jovens discí- 
pulos voltados, como ele e graças ao seu exemplo, para os estudos 
romanístiCoS em suas relações com o direito atual. 
Oferece, agora, o eminente professor à juventude estudiosa brasi- 
leira o fruto de seu tirocínio, iniciando-a na justi atque injuSti scientia. 
Trata-se de curso de instituições de Direito Romano, destinado 
aos principiantes, sem dúvida, mas revelando em suas linhas sóbrias 
e claras os sinais nítidos do trabalho orientado por inteligente intuito 
pedagógico. 
Só um professor, com efeito, experiente e animado pelo vivo 
amor ao ensino, ao cabo de vários anos de trabalho e de observa- 
ção paciente da psicologia estudantil, consegue elaborar manual digno 
do nome, servindo o objetivo de iniciar as inteligências nos elementos 
duma ciência. dando-lhes o essencial e eliminando o supérfluo. 
"Nada em excesso" já diziam os Sete Sábios. Como tudo, tam- 
bém a ciência se adquire por graus. E saber proporcioná-la ao nível 
do discente é a marca distintiva do verdadeiro professor. 
Por essa razão, temos o prazer de recomendar o curso do Pro- 
fessor Marky à cupida legum juventus, certos, por outro lado, de ver 
corroborado pelos doutos nosso julgamento a respeito de seus méritos 
didáticos. 
São Paulo, 15 de março de 1971. 
ALEXANDRE A. CORRÊA 
Professor catedrático da Faculdade 
de Direito da Universidade de 
SÃo Paulo. 
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO 
Aqui está o fruto de experiências de dois decênios de magistério. 
Ao entregá-lo aos acadêmicos de direito, não posso deixar de 
expressar a minha profunda gratidão aos amigos Antonio Mercado 
Júnior e José Fraga Teixeira de Carvalho, que, com tanta generosi- 
dade e competência, me ajudaram a imprimir-lhe não só forma verna- 
cular aceitável, como, também, a dar-lhe conteúdo condizente com os 
propósitos que nos guiaram. 
São Paulo, nos idos de março de 1971. 
THOMAS MARKY 
ÍNDICE SISTEMÁTICO 
Duas palavras 
Preládo à primeira edição 
INTRODUÇÃO 
Utilidade do estudo do direito romano 
Introdução histórica 
Parte I 
PARTE GERAL 
CAPITULO 1
Direito objetivo. Conceito de direito e suas classificações 
CAPITULO 2 
Fontes do direito 
Costume 
Outras fontes do direito 
- Leis e plebiscitos 
- Senatus-consultos 
- Constituições imperiais 
- Editos dos magistrados 
- Jurisprudencia 
Evolução histórica das fontes do direito 
CAPITULO 3 
Norma jurídica 
Aplicação da norma jurídica 
Eficácia da norma jurídica no tempo e no espaço 
CAPITULO 4 
Direito subjetivo 
Conceito e classificação 
CAPITULO 5 
Sujeitos de direito 
Pessoa física 
Capacidade jurídica de gozo 
- Liberdade (Status libertatis) 
- Cidadania (Status civitatis) 
- Situação familiar (Status familiae) 
Capitis deminutio 
Outras causas restritivas da capacidade 
Pessoa jurídica 
CAPITULO 6 
Objetos de direito 
Conceito 
Coisas corpóreas e incorpóreas 
Res mancipi et res nec mancipi 
Coisas móveis e imóveis 
Coisas fungíveis e infungíveis (não-fungíveis) 
Coisas consumíveis e inconsumíveis 
Coisas divisíveis e indivisíveis 
Coisas simples, compostas, coletivas ou universais 
Coisas acessórias 
Frutos 
Benfeitorias 
CAPITULO 7 
Ato jurídico 
Conceito 
Capacidade de agir 
Classificação dos atos jurídicos 
Vício do ato jurídico 
- Simulação e restrição mental 
-Erro 
-Dolo 
- Coação 
Conteúdo dos atos jurídicos 
- Condição 
- Termo 
-Modo 
Representação 
Parte II 
DIREITOS REAIS 
CAPITULO 8 
Propriedade 
Conceito
Limitações da propriedade 
CAPITULO 9 
História da propriedade romana 
Direito primitivo 
Propriedade quiritária 
Propriedade pretoriana 
Propriedade de terrenos provinciais 
Propriedade de peregrinos 
Unificação dos diversos tipos de propriedade 
CAPITULO 10 
Co-propriedade 
Conceito 
CAPITULO 11 
Posse 
Conceito 
História da posse 
CAPITULO 12 
Aquisição da propriedade 
Conceito 
Modos originários de aquisição da propriedade 
Modos derivados de aquisição da propriedade 
Usucapião (Usucapio) 
Praescriptio longí temporis 
Praescriptio longissimi temporis 
Reforma do usucapião por Justiniano 
Perda da propriedade 
Aquisição e perda da posse 
CAPITULO 13 
Proteção da propriedade 
Rei vindicatio 
Actio negatoria 
CAPITULO 14 
Proteção da posse 
Interdictum uti possidetis 
Interdictum utrubi 
Interdictum unde vi 
Interdictum de vi armata 
Interdictum de precario 
CAPITULO 15 
Direitos reais sobre coisa alheia 
Conceito 
Servidões 
Servidões prediais 
Servidões pessoais 
- Usufruto 
-Uso 
- Habitação e trabalho de escravos e de animais 
Constituição, extinção e proteção das servidões 
Superfície e enfiteuse 
CAPITULO 16 
Direitos reais de garantia 
Conceito 
Fiducia cum creditore 
Pignus 
Hypotheca 
Efeitos dos direitos reais de garantia 
Parte III 
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 
CAPITULO 17 
Obrigações 
Conceito
Partes na obrigação 
Objeto das obrigações 
Efeitos jurídicos da obrigação e responsabilidade pelo ina- 
dimplemento 
Mora 
- Mora do devedor (Mora debitoris, mora solvendi) 
- Mora do credor (Mora creditoris, mora accipiendO 
- Purgação da mora 
Obrigações naturais 
CAPITULO 18 
Fontes das obrigações 
Conceito e evolução histórica 
CAPITULO 19 
Contratos 
Conceito 
Contratos formais 
Contratos do direito clássico 
Contratos reais 
- Mútuo (Mutuum) 
- Depósito (Depositum) 
- Comodato (Commodatum) 
- Penhor (Contractus pignoraticius) 
Contratos inominados 
Contratos consensuais 
- Compra e venda (Emptio venditio) 
- Locação (Locatio conductio) 
- Sociedade (Societas) 
- Mandato (Mandatum) 
Pacta 
Doação 
CAPITULO 20 
Obrigações "ex quasi contractu 
Conceito 
- Gestão de negócios (Negotiorum gestio) 
- Enriquecimento sem causa 
CAPITULO 21 
Delitos 
Conceito e evolução histórica 
- Furto (Furtum) 
- Roubo (Rapina) 
- Dano, danificação (Damnum injuria datum) 
- Injúria (Injuria) 
- Dolo (Dolus malus) 
- Coação (Metus) 
Obrigações ex quasi delicto 
CAPITULO 22 
Garantia das obrigações 
Conceito 
- Arras (Arrha) 
- Multa contratual 
Outras garantias 
- Fiança 
CAPITULO 23 
Transmissão das obrigações 
Conceito 
(Poena conventionalis) 
Delegatio 
Procuração em causa própria (Procuratio im rem suam) 
Sistema das actiones utiles 
CAPITULO 24 
Extinção das obrigações
Conceito 
- Pagamento (Solutio) 
- Compensação (Compensatio) 
- Novação (Novatio) 
- Extinção da obrigação por acordo das partes 
- Fatos extintivos das obrigações, independentes da 
vontade das partes 
Parte IV 
DIREITO DE FAMÍLIA 
CAPITULO 25 
Família 
A família romana: conceito e histórico 
Pátrio poder 
- Aquisição e perda do pátrio poder 
CAPITULO 26 
Casamento 
Conceito do matrimônio romano 
Esponsais 
Requisitos e impedimentos para contrair matrimônio . 
Efeitos do matrimônio 
Dissolução do matrimônio 
Dote 
- Constituição do dote 
- Restituição do dote 
Doações entre cônjuges 
CAPITULO 27 
Tutela e curatela 
Conceito e histórico 
Espécies de tutela 
Poderes e obrigações do tutor 
Curatela 
Parte V 
DIREITO DAS SUCESSÕES 
CAPITULO 28 
Sucessão ("Successio in universum ius") 
Conceito e breve histórico 
Herança (Hereditas) 
Abertura da sucessão (Delatio hereditatis) 
Aquisição da herança (Acquisitio hereditatis) 
Hereditas jacens e usucapio pro herede 
Hereditas - bonorum possessio 
CAPITULO 29 
Sucessão testamentãria ("Successio secundum tabulas") 
Testamento 
Capacidade de testar (Testamenti factio activa) 
Capacidade de herdar (Testamenti factio passiva) 
Formas de testamento 
Conteúdo do testamento 
Testamentos inválidos 
CAPITULO 30 
Sucessão legítima ("successio ab intestato") 
Conceito e histórico 
Sucessão legítima no direito quiritário 
Sucessão legítima no direito pretoriano 
Sucessão legítima no direito justinianeu 
CAPITULO 31 
Sucessão necessária ("successio contra tabulas") 
Sucessão necessária formal no direito quiritário 
Sucessão necessária material 
Reformas de Justiniano na sucessão necessária 
CAPITULO 32
Colação ("Collatio") 
Conceito e histórico 
CAPITULO 33 
Sucessão singular ("Successio Singularis mortis causa") 
Conceito 
Legado (Legatum) 
Fideicomisso (Fideicommissum) 
Indice alfabético-remissivo 
Indice das fontes 
INTRODUÇÃO 
UTILIDADE DO ESTUDO 
DO DIREITO ROMANO 
A importância do estudo do direito romano não precisa ser 
explicada, pois é de conhecimento mesmo do leigo que o nosso di- 
reito e o de todos os povos do Ocidente derivam do direito romano. 
Portanto, ao estudá-lo, vamos às origens do nosso próprio direito 
vigente. 
Por outro lado, não é simples saudosismo ou preocupação eso- 
térica esse retorno às origens do nosso direito. Tem esse estudo um 
papel importante no currículo do curso de bacharelado das nossas 
Faculdades de Direito. 
O direito, como regulamentação do comportamento humano 
dentro da sociedade, é também um fenômeno histórico. Suas regras 
não são fruto de pura especulação, nem conseqüência de inexoráveis 
forças da natureza. Essas regras são produtos, sim, da longa expe- 
riência humana e, por isso, para compreendê-las, é muito útil, senão 
imprescindível, conhecer sua evolução histórica. 
Além dessas considerações teóricas há outras, de valor prático 
também, que falam da utilidade, senão da necessidade do estudo do 
direito romano no início do curso jurídico. 
O curso elementar de direito romano é um curso introdutório. 
Corresponde às Institutas de Justiniano (século VI d.C.) e, respecti- 
vamente, ao modelo destas, que eram as Institutas de Gaio (século 
II d.C.). 
Elas eram obras didáticas, visando à iniciação dos estudantes 
no aprendizado sistemático da ciência do direito. 
O cabeçalho das Institutas de Justiniano traz o título esclare- 
cedor de "Instituições ou Elementos... ". Assim, o nosso curso, se- 
guindo uma tradição de quase dois milênios, também é um curso 
elementar. E nesse papel de disciplina propedêutica, com a função de 
introduzir os alunos no estudo do direito (especialmente no do direito 
civil), é que o direito romano tem uma utilidade incomparável. 
Ele apresenta as categorias jurídicas fundamentais nas quais o 
direito moderno se baseia e, por isso, se presta magnificamente a dar 
aos principiantes uma visão geral de todo o sistema jurídico, especial- 
mente do direito civil. Ao mesmo tempo os inicia na técnica do racio- 
cínio jurídico. Tudo isto com a vantagem de explicar as categorias 
básicas conforme sua evolução histórica, o que facilita a compreensão. 
INTRODUÇÃO HISTÓRICA 
O direito romano é o complexo de normas vigentes em Roma, 
desde a sua fundação (lendária, no século VIII a.C.) até a codifi- 
cação de Justiniano (século VI d.C.). A evolução posterior não será 
objeto de nossos estudos, porque a codificação justinianéia foi con- 
clusiva: foram recolhidos os resultados das experiências anteriores e 
considerada a obra como definitiva e imutável. 
Realmente, a evolução posterior dos direitos europeus baseou- 
se nessa obra de codificação, tanto assim que os códigos modernos, 
quase todos, trazem a marca da obra de Justiniano.
Por isso consideramos a codificação de Justiniano como termo 
final do período que estudamos. 
Nos treze séculos da história romana, do século VIII a.C. ao 
século VI d.C., assistimos, naturalmente, a uma mudança contínua 
no caráter do direito, de acordo com a evolução da civilização ro- 
mana, com as alterações políticas, econômicas e sociais, que a carac- 
terizavam. 
Para melhor compreender essa evolução, costuma-se fazer uma 
divisão em períodos. 
Tal divisão pode basear-se nas mudanças da organização política 
do Estado Romano, distinguindo-se, então, a época régia (fundação 
de Roma no século VIII a.C. até a expulsão dos reis em 510 a.C.), 
a época republicana (até 27 a.C.), o principado até Diocleciano (que 
iniciou seu reinado em 284 d.C.), e a monarquia absoluta, por este 
último iniciada e que vai até o fim do período por nós estudado, isto 
é, até Justiniano (falecido em 565 d.C.). 
Outra divisão, talvez preferível didaticamente, distingue no es- 
tudo do direito romano, tendo em conta sua evolução interna: o 
período arcaico (da fundação de Roma no século VIII a.C. até o 
século II a.C.), o período clássico (até o século III d.C.) e o pe- 
ríodo pós-clássico (até o século VI d.C.). 
O direito do período arcaico caracterizava-se pelo seu forma- 
lismo e pela sua rigidez, solenidade e primitividade. O Estado tinha 
funções limitadas a questões essenciais para sua sobrevivência: guer- 
ra, punição dos delitos mais graves e, naturalmente, a observância 
das regras religiosas. 
Os cidadãos romanos eram considerados mais como membros 
de uma comunidade familiar do que como indivíduos. A defesa pri- 
vada tinha larga utilização: a segurança dos cidadãos dependia mais 
do grupo a que pertenciam do que do Estado. 
A evolução posterior caracterizou-se por acentuar-se e desen- 
volver-se o poder central do Estado e, conseqüentemente, pela pro- 
gressiva criação de regras que visavam a reforçar sempre mais a 
autonomia do cidadão, como indivíduo. 
O marco mais importante e característico desse período é a codi- 
ficação do direito vigente nas XII Tábuas, codificação feita em 451 
e 450 a.C. por um decenvirato, especialmente nomeado para esse fim. 
As XII Tábuas, chamadas- séculos depois, na época de Augusto 
(sécúlo I), fonte de todo o direito (fons omnis publici privatique 
iuris), nada mais foram que uma codificação de regras provavelmente 
costumeiras, primitivas, e, às vezes, até cruéis. Aplicavam-se exclu- 
sivamente aos cidadãos romanos. 
Esse direito primitivo, intimamente ligado às regras religiosas, 
fixado e promulgado pela publicação das XII Tábuas, já represen- 
tava um avanço na sua época, mas, com o passar do tempo e pela 
mudança de condições, tornou-se antiquado, superado e impeditivo 
de ulterior progresso. 
Mesmo assim, o tradicionalismo dos romanos fez com que esse 
direito arcaico nunca fosse considerado como revogado: o próprio 
Justiniano, 10 séculos depois, fala dele com respeito. 
A conquista do poder, pelos romanos, em todo o Mediterrâneo, 
exigia uma evolução equivalente no campo do direito também. Foi 
aqui que o gênio romano atuou de uma maneira peculiar para a nossa 
mentalidade. 
A partir do século II a.C. assistimos a uma evolução e reno- 
vação constante do direito romano, que vai até o século III d.C., 
durante todo o período clássico. Essa revolução e renovação se fez, 
porem, por meios indiretos, característicos dos romanos e diferentes 
dos métodos modernamente usados. 
A maior parte das inovações e aperfeiçoamentos do direito, no 
período clássico, foi fruto da atividade dos magistrados e dos juris-
consultos que, em princípio, não podiam modificar as regras antigas, 
mas que, de fato, introduziram as mais revolucionárias modificações 
para atender às exigências práticas de seu tempo. 
Entre os magistrados republicanos, o pretor tinha por incum- 
bência funções relacionadas com a administração da Justiça. Nesse 
mister, cuidava da primeira fase do processo entre particulares, veri- 
ficando as alegações das partes e fixando os limites da contenda, 
para remeter o caso posteriormente a um juiz particular. Incumbia, 
então, a esse juiz, verificar a procedência das alegações diante das 
provas apresentadas e tomar, com base nelas, a sua decisão. Havia 
pretor para os casos entre cidadãos romanos - era o pretor urbano 
- e havia também, a partir de 242 a.C., pretor para os casos em 
que figuravam estrangeiros. Era o chamado pretor peregrino. 
O pretor, como magistrado, tinha um amplo poder de mando, 
denominado imperium. Utilizou-se dele, especialmente, a partir da 
lei Aebutia, no século II a.C., que, modificando o processo, lhe deu 
ainda maiores poderes discricionários. Por essas modificações pro- 
cessuais, o pretor, ao fixar os limites da contenda, podia dar instru- 
ções ao juiz particular sobre como ele deveria apreciar as questões 
de direito. Fazia isto por escrito, pela fórmula, na qual podia incluir 
novidades, até então desconhecidas no direito antigo. Não só. Com 
esses poderes discricionários, podia deixar de admitir ações perante ele 
propostas (denegatio actionis) ou, também, admitir ações até então 
desconhecidas no direito antigo. Essas reformas completavam, su- 
priam e corrigiam as regras antigas (Ius praetorium est, quod praeto- 
res introduxerunt adiuvandi vel supplendi vel corrigendi iuris civilis 
gratia. D. 1.1.7.1). 
As diretrizes que o pretor ia observar eram publicadas no seu 
Edito, ao entrar no exercício de suas funções. Como o cargo de pre- 
tor era anual, os editos se sucediam um ao outro, dando oportuni- 
dade a experiências valiosíssimas. 
O resultado dessas experiências foi um corpo estratificado de 
regras, aceitas e copiadas pelos pretores que se sucediam, e que, final- 
mente, por volta de 130 d.C., foram codificadas pelo jurista Sálvio 
Juliano, por ordem do Imperador Adriano. 
Note-se bem, entretanto, que esse direito pretoriano nunca foi 
equiparado ao direito antigo (ius civile). A regra antiga, pela qual 
o pretor não podia criar direito (praetor ius facere non potest), con- 
tinuou em vigor. Assim, esse direito pretoriano, constante do Edito 
e chamado ius honorarium, foi sempre considerado como diferente 
do direito antigo (ius civile) mesmo quando, na prática, o substituiu. 
A essa característica peculiar da evolução do direito romano, 
temos que acrescentar uma outra, de igual relevância. 
A interpretação das regras do direito antigo era tarefa importante 
dos juristas. Originariamente só os sacerdotes conheciam as normas 
jurídicas. A eles incumbia, então, a tarefa de interpretá-las. Depois, a 
partir do fim do século IV a.C., esse monopólio sacerdotal da inter- 
pretação cessou, passando ela a ser feita também pelos peritos leigos. 
Essa interpretação não consistia somente na adaptação das regras ju- 
rídicas às novas exigências, mas importava também na criação de 
novas normas. 
Tal atividade jurisprudencial contribuiu grandemente para o de- 
senvolvimento do direito romano, especialmente pela importância 
social que os juristas tinham em Roma. Eles eram considerados como 
pertencentes a uma aristocracia intelectual, distinção essa devida aos 
seus dotes de inteligência e aos seus conhecimentos técnicos. 
Suas atividades consistiam em emitir pareceres jurídicos sobre 
questões práticas a eles apresentadas (res pondere), instruir as partes 
sobre como agirem em juízo (a gere) e orientar os leigos na realização 
de negócios jurídicos (cavere). Exerciam essa atividade gratuitamente, 
pela fama e, evidentemente, para obter um destaque social, que os
ajudava a galgar os cargos públicos da magistratura. 
Foi Augusto que, procurando utilizar, na nova forma de go- 
verno por ele instalada, os préstimos desses juristas, instituiu um 
privilégio consistente no direito de dar pareceres em nome dele, prín- 
cipe: ius respondendi ex auctoritate principis. Esse direito era conce- 
dido a certos juristas chamados jurisconsultos (Inst. 1.2.8). Seus pare- 
ceres tinham força obrigatória em juízo. Havendo pareceres contras- 
tantes, o juiz estava livre para decidir. 
O método dos jurisconsultos romanos era casuístico. Examina- 
vam, explicavam e solucionavam casos concretos. Nesse trabalho não 
procuravam exposições sistemáticas: eram avessos às abstrações dog- 
máticas e às especulações e exposições teóricas. Isso não impediu, 
entretanto, que o gênio criador dos romanos se manifestasse por inter- 
médio dessa obra casuística dos jurisconsultos clássicos. 
O último período, o pós-clássico, é a época da decadência em 
quase todos os setores. Assim, também no campo do direito. Vivia-se 
do legado dos clássicos, que, porém, teve de sofrer uma vulgarização 
para poder ser utilizado na nova situação caracterizada pelo rebaixa- 
mento de nível em todos os campos. 
Nesse período, pela ausência do gênio criativo, sentiu-se a neces- 
sidade da fixação definitiva das regras vigentes, por meio de uma 
codificação que os romanos em princípio desprezavam. Não é por 
acaso que, exceto aquela codificação das XII Tábuas do século V 
a.C., nenhuma outra foi empreendida pelos romanos até o período 
decadente da era pós-clássica. 
Após tentativas parciais de codificação de partes restritas do di- 
reito vigente (Codex Gregorianus, Codex Hermogenianus, Codex Theo- 
dosianus), foi Justiniano (527 a 565 d.C.) quem empreendeu a gran- 
diosa obra legislativa, mandando colecionar oficialmente as regras de 
direito em vigor na época. 
Encarregou uma comissão de juristas de organizar uma coleção 
completa das constituições imperiais (leis emanadas dos imperadores), 
que foi completada em 529 e publicada sob a denominação de Codex 
(de que não temos texto nenhum). 
No ano seguinte, em 530, determinou Justiniano que se fizesse 
a seleção das obras dos jurisconsultos clássicos, encarregando dessa 
tarefa Triboniano, que convocou uma comissão para proceder ao tra- 
balho ingente. 
A comissão conseguiu no prazo surpreendente de três anos con- 
feccionar o Digesto (ou Pandectas), composto de 50 livros, no qual 
foram recolhidos trechos escolhidos de 2.000 livros (com três milhões 
de linhas) de jurisconsultos clássicos. 
Os codificadores tiveram autorização de alterar os textos esco- 
lhidos, para harmonizá-los com os novos princípios vigentes. 
Essas alterações tiveram o nome de emblemata Triboniani e 
hoje são chamadas interpolações. A descoberta de tais interpolações e 
a restituição do texto original clássico é uma das preocupações da 
ciência romanística dos últimos tempos. 
Paralelamente à compilação do Digesto, Justiniano mandou pre- 
parar uma nova edição do Codex, isto por causa da vasta obra legis- 
lativa por ele empreendida naqueles últimos anos. Em 534 foi publi- 
cado, então, o Codex repetitae praelectionis, o Código revisado, cujo 
conteúdo foi harmonizado com as novas normas expedidas no curso 
dos trabalhos. Somente temos o texto desta segunda edição do Código 
Justinianeu. 
Além dessas obras legislativas, Triboniano, Teófilo e Doroteu, 
estes últimos professores das escolas de Constantinopla e de Bento, 
elaboraram, por ordem de Justiniano, um manual de direito para estu- 
dantes, que foi modelado na obra clássica de Gaio, do século II a.C. 
Esse manual foi intitulado Institutiones, como o de Gaio, e foi publi- 
cado em 533.
Depois de terminada a codificação, a qual, especialmente o 
Código, continha a proibição de se invocar qualquer regra que nela 
não estivesse prevista, Justiniano reservou-se a faculdade de baixar 
novas leis. 
Nos anos subseqüentes a 535, até sua morte em 565 d.C., Jus- 
tiniano publicou efetivamente um grande número de novas leis, cha- 
madas novellae constitutiones. A coleção destas, intitulada Novellae, 
constitui o quarto volume da codificação justinianéia. 
O Código, o Digesto, as Institutas e as Novellae formam, então, 
o Corpus Iuris Civilis, nome esse dado por Dionísio Godofredo, no 
fim do século XVI d.C. 
Foi mérito dessa codificação a preservação do direito romano 
para a posteridade. 
Parte I 
PARTE GERAL 
CAPÍTULO 1 
DIREITO OBJETIVO. CONCEITO 
DE DIREITO E SUAS CLASSIFICAÇÕES 
O termo "direito", entre outros, tem dois sentidos técnicos. 
Significa, primeiramente, a norma agendi, a regra jurídica. Assim, 
falamos de direito romano, de direito civil brasileiro, como com- 
plexo de normas. Noutra acepção, a palavra significa a facultas 
agendi, que é o poder de exigir um comportamento alheio. Assim 
a entendemos quando falamos em "direito à nossa casa", "direito 
aos filhos", "direito à remuneração de nosso trabalho". No primeiro 
sentido trata-se do direito objetivo e no segundo, do direito subjetivo. 
No momento interessa-nos apenas o direito no sentido de di- 
reito objetivo, que é o preceito hipotético e abstrato, cuja finalidade 
é regulamentar o comportamento humano na sociedade e cuja carac- 
terística essencial é a força coercitiva que a própria sociedade lhe 
atribui. 
A famosa definição romana, pela qual os mandamentos do di- 
reito são: viver honestamente, não lesar a ninguém e dar a cada um 
o seu (Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, 
suum cuique tribuere, D. 1.1.10), não faz referência a essa impor- 
tante característica. Nós, entretanto, ao estudarmos o conceito, não 
podemos prescindir da análise dessa sua característica e de sua expli- 
cação. 
A força coercitiva atribuída à norma jurídica significa que a 
organização social, o Estado, interfere para que o preceito seja obe- 
decido. Para esse fim, a regra jurídica contém, normalmente, além 
do mandamento regulamentador da conduta humana (norma agende, 
uma outra disposição: a de estabelecer as conseqüências para o caso 
de transgressão da norma. Essa outra disposição da regra jurídica se 
chama sanção (sanctio). 
A sanção pode ser de dois tipos: de nulidade ou de penalidade. 
Pela primeira, a inobservância do preceito legal gera, como conse- 
qüência, a invalidade do ato, que será, assim, ineficaz. Por exemplo, 
o impúbere não tem capacidade para vender, sozinho, seus bens. Ven- 
dendo nessas condições sua casa, o ato será nulo, isto é, sem eficácia 
jurídica. Por isso mesmo, tal sanção se denomina restitutiva, pois visa 
ao restabelecimento da situação anterior à transgressão. O outro tipo 
de sanção é a punitiva, que prevê uma pena para o transgressor. 
Comumente a norma jurídica estabelece a sanção de nulidade: 
a tal espécie de norma as fontes romanas chamavam lei perfeita (lex 
perfecta, Regulae Ulpiani, 1.1). A lex Aelia Sentia, por exemplo, do 
ano 4 d.C., declarava nulas as alforrias feitas contrariamente às suas
disposições (Gaio 1 .37 e 47). 
A lei menos que perfeita (lex minus quam perfecta, Reg. Ulp. 
1.2) era, conforme as mesmas fontes romanas, a regra cuja sanção 
não previa a anulação dos efeitos do ato transgressor, mas cominava 
uma punição. Era o que se dava no caso do casamento de viúva antes 
de decorridos 10 meses da morte do marido; o casamento seria válido, 
mas os cônjuges sofriam certas restrições no campo do direito 
(D. 3.2.1). 
Por outro lado, a falta de sanção caracterizava a lei imperfeita 
(lex imperfecta), que não cominava nem a nulidade do ato infrin- 
gente, nem qualquer penalidade. Por exemplo, a lei Cincia, que, em 
204 a.C., proibiu a doação além de certo valor sem estipular sanção 
alguma para os transgressores. 
Logicamente, a regra de direito pode prever sanção de nulidade 
e, também, punição, concomitantemente. À lei desse tipo dá-se hoje 
a denominação de lei mais que perfeita. Outros, contudo, enquadram 
essa modalidade entre as leis perfeitas. Assim eram as disposições da 
lei Julia de vi privata, de 17 a.C., que, proibindo o uso da força, 
mesmo no exercício de um direito, declarava nulo o ato e, além disso, 
aplicava penalidade: um credor que, fazendo justiça com as próprias 
mãos, tomasse pela força, em pagamento de seu crédito, um objeto 
pertencente ao seu devedor, perdia o crédito e tinha que devolver o 
objeto também. 
O direito, no sentido objetivo, pode ser classificado do ponto de 
vista histórico e sistemático. 
Historicamente, temos que distinguir o ius civile do ius gentium. 
Na verdade, a distinção baseia-se na diversidade dos destinatários das 
respectivas regras. O antigo ius civile, também denominado nas fontes 
como ius Quiritium, destinava-se, exclusivamente, aos cidadãos ro- 
manos (Quirites): quod quisque populus ipse sibi ius constituit, id 
ipsius proprium est vocatUrque ius civile, quasi ius proprium civitatis 
(Gai. 1.1). Por outro lado, as normas consuetudinárias romanas, con- 
sideradas como comuns a todos os povos e por isso aplicáveis não 
só aos cidadãos romanos (Quirites), como também aos estrangeiros 
em Roma, constituíam o ius gentium: id quod apud omnes populos 
peraeque custoditur, vocaturque ius gentium, quasi quo iure omnes 
gentes utuntur. Populus itaque Romanus partim suo proprio, partim 
communi omnium hominum iure utitur (Gai. 1.1, cf. também Inst. 
1.2.1). 
Para os juristas romanos da época clássica, o ius gentium era um 
direito universal, baseado na razão natural (naturalis ratio, Gai. 1.1). 
Por outro lado, encontramos na codificação justinianéia outra 
distinção que contrapõe o ius gentium ao ius naturale (Inst. 1.2.2). 
Este seria constituído de regras da natureza, comuns a todos os seres 
vivos, como as relativas ao matrimônio, procriação e educação dos 
filhos. 
Também havia distinção entre ius civile, de um lado, e ius hono- 
rarium, de outro. A distinção baseava-se na diversidade de origem das 
respectivas regras. O ius honorarium era o direito elaborado e intro- 
duzido pelo pretor que, com base no seu imperium (poder de mando), 
introduzia novidades, criava novas regras e modificava substancial- 
mente as antigas do ius civile. Essas regras, contidas no edito, eram 
as do ius honorarium, do direito pretoriano. 
Em contraposição, as regras do ius civile provinham do costu- 
me, das leis, dos plebiscitos e, mais tarde, também dos senatus-con- 
sultos e constituições imperiais. Assim, nesse contexto, o termo ius 
civile abrangia não só o antigo direito quiritário, como, também, o 
mais novo ius gentium. 
Ainda a respeito da divisão de regras, quanto à sua origem, 
pode-se falar de ius extraordinarium, que era o direito elaborado na 
época imperial, mediante a atividade jurisdicional (quase legiferante)
do imperador e de seus funcionários, que então tinham substituído o 
pretor nesse mister. 
Por outro lado, examinando as classificações sistemáticas, encon- 
tramos a distinção entre direito público e direito privado. O primeiro 
regula a atividade do Estado e suas relações com particulares e outros 
Estados. O direito privado, por sua vez, trata das relações entre parti- 
culares: Publicum ius est quod ad statum rei Romanae spectat, pri- 
vatum quod ad singulorum utilitatem pertinet (Inst. 1.1.4 - D. 
1.1.1.2). 
Relacionada ainda com esta distinção é aquela de ius cogens 
e de ius dispositivum (direito cogente e direito dispositivo). Cogen- 
te é a regra que é absoluta e cuja aplicação não pode depender da 
vontade das partes interessadas. Tem que ser obedecida fielmente; as 
partes não podem excluí-la, nem modificá-la. Neste sentido os romanos 
diziam: ius publicum privatorum pactis mutari non potest (D. 2.14.38): 
o direito público não pode ser alterado por acordo entre particulares. 
Assim, para que houvesse compra e venda, precisava-se do acordo das 
partes sobre a mercadoria e preço. As partes não podiam alterar essa 
regra, celebrando compra e venda sem estipular o preço, por exemplo. 
O direito dispositivo, por sua vez, admitia uma autonomia de 
vontade dos particulares: suas regras podiam ser postas de lado ou 
modificadas pela vontade das partes. Assim, na compra e venda, o 
vendedor respondia pelos defeitos da coisa vendida. Essa era uma 
regra dispositiva, pois, por acordo expresso, as partes podiam excluir 
essa responsabilidade do vendedor. 
A distinção entre ius commune e ius singulare referia-se, de um 
lado, às regras que visavam a uma regulamentação generalizada, apli- 
cável a todas as pessoas e a todas as situações nela previstas (ius 
commune). Por outro lado, as regras que valiam somente com relação 
a determinadas pessoas ou grupos de pessoas, bem como a situações 
específicas, eram do ius singulare. Estas últimas constituíam, portan- 
to, exceções às regras gerais e comuns. Por exemplo, as normas rela- 
tivas ao usucapião das coisas furtadas (já conhecidas pelas XII Tá- 
buas e reafirmadas pela lei Atínia do século II a.C.) eram regras do 
ius singulare. 
Outra classificação do direito objetivo se baseava na sua forma 
de criação. É aquela feita de acordo com as fontes do direito. 
CAPÍTULO 2 
FONTES DO DIREITO 
A produção das regras jurídicas se faz pelas fontes do direito. 
Elas são os órgãos que têm a função ou poder de criar a norma 
jurídica e, por isso mesmo, se chamam "fontes de produção". Exem- 
plo: os comícios (comitia), que votavam as leis em Roma. Por outro 
lado, podemos denominar "fontes de revelação" o produto da atividade 
dos órgãos que têm aquele poder ou função de legislar. Assim, a 
própria regra jurídica, na forma como ela aparece ou se revela. 
Exemplo, a lei (lex rogata) resultante de uma proposta feita pelos 
magistrados e votada pelos comícios em Roma. 
COSTUME 
Entre as fontes do direito romano, no segundo sentido, está o 
costume, que, no período arcaico, foi quase que exclusivamente a 
sua única fonte. O costume (mos, consuetudo, mores maiorum) é a 
observância constante e espontânea de determinadas normas de com- 
portamento humano na sociedade. Cícero o definiu como sendo apro- 
vado, sem lei, pelo decurso de longuíssimo tempo e pela vontade de 
todos: quod valunt ate omnium sine lege vetustas compro bavit (De 
inv. 2.22.67). Juliano o caracterizava como "inveterado": inveterata 
consuetudo (D. 1 .3.32. 1) e Ulpiano como "diuturno": diuturna con-
suetudo (D. 1.3.33). De qualquer modo, a observância da regra con- 
suetudináría deve ser constante e universal. 
OUTRAS FONTES DO DIREITO 
Ao tratar das fontes do direito na época clássica, Gaio, nas 
Institutas (Gai. 1.2), nem sequer menciona o costume entre elas. Para 
ele, as fontes são somente a lei (lex), os plebiscitos (plebiscita), os 
senatus-consultos (senatusconsulta), as constituições imperiais (consti- 
tutiones principum), os editos dos magistrados (edicta magistratuum) 
e a jurisprudência (responsa prudentium). 
Leis e plebiscitos 
As leis e plebiscitos eram manifestações coletivas do povo. As 
primeiras, leges rogatae, tomadas nos comícios, de que só participavam 
cidadãos romanos (populus romanus). Os comícios eram convocados 
pelos magistrados para deliberar sobre texto de lei por eles proposto. 
Os segundos, plebiscita, forma anômala de fonte de direito, eram 
decisões da plebe, reunida sem os patrícios. Essas deliberações passa- 
ram a ser válidas para a comunidade toda desde que a lei Hortensia, 
em 286 a.C., assim determinou. 
Interessante observar que são pouquíssimas as leis romanas de 
real importância para o direito privado: não mais de 25. Conservou-se 
o nome de aproximadamente 800 leis nos 500 anos em que tais 
fontes produziram direito. 
Senatus-consultos 
Os senatus-consultos (senatusconsulta) eram deliberações do 
senado, cuja função legiferante foi somente reconhecida no início 
do Principado (27 a.C. - 284 d.C.). Na República, os senatus-consul- 
tos eram deliberações do senado, dirigidas mormente aos magistrados. 
No Principado, eram propostos pelos imperadores e, no início, consis- 
tiam, também, em instruções aos magistrados sobre o exercício de suas 
funções. Mais tarde, a partir do imperador Adriano (117 - 138 d.C.), 
passou-se a aprovar simplesmente, por aclamação, a proposta do impe- 
rador (oratio principis), transformando-se, destarte, o senatus-consulto 
numa forma indireta de legislação imperial. 
Constituições imperiais 
As constituições imperiais eram disposições do imperador que não 
só interpretavam a lei, mas, também, a estendiam ou inovavam. As 
denominações variavam, conforme o conteúdo ou natureza delas: 
edicta - ordenações de caráter geral, à semelhança das ordenações 
dos magistrados republicanos, de que trataremos logo a seguir; decreta 
- decisões do imperador, proferidas num processo; rescripta - res- 
postas dadas pelo imperador a questões jurídicas a ele propostas por 
particulares em litígio ou por magistrados; mandata - instruções 
dadas pelo imperador, na qualidade de chefe supremo, aos funcioná- 
rios subalternos. 
Editos dos magistrados 
Os editos dos magistrados são fonte de direito importantíssima 
na República (510 - 27 a.C.). A determinação da regra jurídica a 
ser aplicada pelo juiz na decisão de uma questão controvertida cabia 
ao magistrado, especialmente ao pretor. Essa função se chamava 
jurisdição (jus dicere) e, no desempenho dela, os pretores tiveram 
prerrogativas bastante amplas, baseadas no poder de mando, denomi- 
nado imperium. Podiam eles, quando julgavam necessário ou oportuno, 
denegar a tutela jurídica, mesmo contra as regras do direito quiritário, 
ou, inversamente, conceder meios processuais a pretensões que não 
tinham amparo legal no mesmo direito. Assim, dependia de seu poder 
discricionário a aplicação ou não daquelas regras do direito quiritário.
Tinham eles outros meios processuais também para introduzir inova- 
ções, a fim de ajudar, suprir e até corrigir as regras do direito 
quiritáriO. 
Nesse mister, o pretor, tal qual os outros magistrados, promul- 
gava seu programa ao assumir o cargo, revelando como pretendia agir 
durante o ano de seu exercício. Essa atividade normativa manifesta- 
va-se através do edito, como era chamado aquele programa. Com o 
edito, na realidade, o pretor criava novas normas jurídicas, ao lado 
das do direito quiritário. Essas novas normas pretorianas não podiam 
derrogar o direito quiritário, mas existiam paralelamente a ele. 
Embora houvesse a mudança anual dos magistrados, o edito 
passava a conter um texto estratificado, fruto da experiência dos ante- 
cessores, formando o chamado edictum tralaticium. Inovações também 
podiam ser introduzidas pelo novo pretor, mediante o edito chamado 
repentinum. 
A redação definitiva do edito do pretor foi obra do jurista Sálvio 
Juliano, por ordem do Imperador Adriano, por volta do ano 130 d.C. 
(Edictum Perpetuum Salvii Juliani). Tal compilação representou o 
fim da evolução desta fonte de direito. 
Jurisprudência 
Os pareceres dos jurisconsultos exerceram papel importante na 
evolução do direito romano, desde os tempos antigos. As regras con- 
suetudinárias do direito primitivo, bem como as das XII Tábuas e 
e outras, todas bastante simples e rígidas, tinham que ser interpretadas 
para que pudessem servir às exigências de uma vida social e econômica 
cada vez mais evoluída. Essa interpretação, nas origens remotas do 
direito romano, estava afeta aos pontífices, que eram chefes religiosos. 
Mais tarde, porém, passou a ser obra de juristas leigos (prudentes), 
conhecedores do direito. Eles inovavam, criavam novas normas, par- 
tindo das existentes: isto por meio dà interpretação extensiva destas. 
Por exemplo: as XII Tábuas conheceram uma regra que punia, com 
a perda do pátrio poder, o pai de família que vendesse três vezes 
o filho. Desta regra, a interpretação jurisprudencial criou o instituto 
da emancipação. Para isso, o pai deveria vender, formal e ficticia- 
mente, três vezes seu filho a um amigo de confiança. Este o libertava 
imediatamente após cada venda, com o que o filho voltava automati- 
camente para o poder do pai. Após a terceira venda, porém, o filho 
libertado já não retomava à sujeição do pai, cujo poder sobre ele 
assim se extinguia. 
A interpretatio prudentium, entretanto, não foi enquadrada entre 
as fontes do direito na época republicana, que somente conheceu 
uma influência de fato dos juristas de renome. 
O papel oficial dos juristas na atividade produtora de normas 
jurídicas começou com o imperador Augusto (27 a.C. - 14 d.C.), que 
conferiu a jurisconsultos mais conhecidos e apreciados o privilégio 
de darem pareceres sobre questões de direito. Nesse mistér, eles 
podiam agir como expressamente autorizados pelo imperador: ius res- 
pondendi ex auctoritate principis. Por isso mesmo, esses pareceres 
vinculavam o juiz que decidia a causa, a não ser que houvesse pare- 
ceres contraditórios de igual valor. Posteriormente, os pareceres dos 
jurisconsultos (responsa), versando sobre a aplicação das regras jurí- 
dicas aos mais variados fatos da vida, concorreram para a elaboração 
dos princípios fundamentais do direito e representaram, desse modo, 
a manifestação mais original do gênio criador dos romanos nesse 
campo. Durante o Principado, nos primeiros séculos de nossa era, 
uma plêiade de ilustres juristas deu sua contribuição grandiosa à ela- 
boração do direito de Roma. 
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS FONTES DO DIREITO 
Historicamente considerando, o costume, as leis e os plebiscitos,
com a respectiva interpretação jurisprudencial, representaram as fontes 
do direito quiritário (ius civile) na República (510 a.C. - 27 a.C.) 
e o edito do pretor, evidentemente influenciado pelos senatus-consultos 
antigos, a fonte do direito pretoríano (ius honorarium) na mesma 
época. 
Essas fontes continuaram formalmente no período do Principado 
(27 a.C. - 284 d.C.). Entretanto, decaindo a importância dos comí- 
cios legislativos e estratificando-se o edito pretoriano com o Edito 
Perpétuo de Sálvio Juliano, a atividade legislativa passou à alçada 
do imperador. Ele a exercia, então, pelos senatus-consultos por ele 
propostos e simplesmente aclamados pelos senadores. Depois, cada 
vez com menor disfarce, o imperador legislava por meio das constitui- 
ções imperiais, que eram as normas jurídicas por ele expedidas. 
Na época pós-clássica, de organização política monárquica abso- 
luta (284 d.C. - 565 d.C.), a única fonte de direito era, pratica- 
mente, a vontade do imperador, expressa em suas constituições. O 
conjunto de regras de direito por ele editadas chamou-se de leges, 
em contraposição ao direito elaborado pelos pareceres dos juriscon- 
sultos da época clássica, cuja importância jurídica e validade os impe- 
radores reconheceram e que se denominou jura. As compilações pós- 
clássicas, culminando com a de Justiniano (527 d.C. 565 d.C.), con- 
tinham justamente leges e jura. O Código de Justiniano compõe-se das 
constituições imperiais. O Digesto é uma coleção de fragmentos das 
obras e pareceres dos jurisconsultos clássicos. 
CAPÍTULO 3 
NORMA JURÍDICA 
APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA 
A norma jurídica contém disposições abstratas a serem aplicadas 
aos casos concretos que a vida apresenta. 
Por isso, sua aplicação pressupõe o conhecimento perfeito, seguro 
e completo da norma jurídica abstrata e dos fatos concretos. 
A norma jurídica abstrata é de conhecimento do juiz (iura novit 
cur ia). Não a conhecendo, deve procurar conhecê-la. 
Para esse conhecimento da norma jurídica o aplicador tem de 
proceder, de início, a um trabalho de "crítica", para verificar se a 
norma é válida e se o texto é autêntico. 
Além dessa "crítica externa" da norma jurídica, o aplicador tem 
que procurar estabelecer o verdadeiro sentido e alcance de seu texto. 
Essa atividade se chama "interpretação" da regra jurídica. Por ela 
se efetua a avaliação das palavras do texto da norma para conseguir 
obter-se seu significado verdadeiro e certo. 
A "interpretação" pode ser autêntica ou doutrinal. A primeira 
é a que se faz mediante uma nova norma jurídica expedida pelo órgão 
legiferante competente. A segunda, por meio do trabalho dos cultores 
do direito. Pode basear-se no exame gramatical, lógico, histórico ou 
dogmático-sistemático do texto e de sua origem. 
Quanto aos resultados da "interpretação", pode ela simplesmente 
confirmar o sentido (interpretatio declarativa), estendê-lo (interpre- 
tatio extensiva) ou restringi-lo (interpretatio restrictiva). 
A arte de bem interpretar a norma jurídica é a grande virtude do 
verdadeiro jurista: conhecer as leis não é considerar seu texto, mas, 
sim, sua força e majestade (scire leges non hoc est verba earum 
tenere, sed vim ac potest atem) (Celso, D. 1 .3. 17). 
Às vezes não bastam os métodos de crítica e interpretação para 
o conhecimento do direito aplicável, porque pode acontecer que não 
exista preceito abstrato para um determinado caso concreto. Verifi- 
cando-se tal hipótese, o aplicador do direito tem que suprir a lacuna da 
norma jurídica. Essa atividade se chama "analogia": por semelhança, 
presume-se a vontade do legislador.
Chama-se analogia legis quando se estende a aplicação de deter- 
minada regra a fatos nela não previstos. Chama-se analogia iuris, por 
sua vez, o processo de se criar uma nova norma para ser aplicada a 
um caso concreto, com base nos princípios gerais do sistema jurídico 
vigente. 
Voltando, agora, ao segundo aspecto da aplicação da norma jurí- 
dica, pode-se dizer que ela pressupõe o conhecimento objetivo dos 
fatos em discussão no caso concreto. 
Os fatos são comprovados por todos os meios de prova em 
direito permitidos, especialmente por documentos, testemunhas, depoi- 
mentos das partes, perícias etc. 
Entretanto, às vezes, o direito se contenta com um aconteci- 
mento provável, mas não provado, dos fatos e, até, com fatos inverí- 
dicos. 
No primeiro caso fala-se da presunção e no segundo, da ficção. 
Presunção (praesumptio) é a aceitação como verdadeiro de um 
fato provável. Aceitação com base numa simples alegação, sem neces- 
sidade de prova do fato. Por exemplo, a legitimidade do filho é presu- 
mida quando é ele nascido entre 180 e 300 dias depois da convivência 
conjugal. 
Normalmente a presunção não é absoluta; quer dizer, o contrário 
pode ser provado. Em tal hipótese falamos da presunção simples 
(praesuniptio iuris tantum), pois, no exemplo, pode o marido apre- 
sentar contraprova. 
Às vezes, porém, a contraprova não é permitida. É o caso da 
presunção de direito (praesumptio iuris et de iure). Por exemplo: a 
verdade da coisa julgada ou a presunção de se considerar ilegítimo o 
filho nascido além de 300 dias após a dissolução da sociedade conju- 
gal pela morte do pai. 
Note-se que, na realidade, a presunção simples (praesumptio 
iuris) nada mais é que a inversão do ônus da prova: aceita-se uma 
situação provável como verdadeira, dispensando-se a comprovação. 
Daí decorre que cabe à parte interessada a produção de prova con- 
trária para derrubar a presunção. 
A ficção é diferente da presunção, pois nela o direito considera 
verdadeiro um fato inverídico: fecha conscientemente os olhos diante 
da realidade. Assim era, no direito romano, a ficção de considerar o 
nascituro como já nascido, sempre que se tratava de seus interesses 
(nasciturus pro iam nato habetur, quotiens de commodis ipsius partus 
agatur) ou a fictio legis Corneliae, que considerava o cidadão romano 
que caía prisioneiro do inimigo e em seu poder falecia como tendo 
morrido antes de ser capturado. 
EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA 
NO TEMPO E NO ESPAÇO 
O direito romano destinava-se aos cidadãos romanos, pois ele 
se baseava no princípio da personalidade, em contraposição ao do 
território, pelo qual o direito se aplica a todos os que residem no 
respectivo território. Note-se; entretanto, que os estrangeiros também 
podiam estar em relações jurídicas com cidadãos romanos, ou entre 
si, no território romano, caso em que o direito a eles aplicável seria 
o ius gentium. 
A eficácia da regra jurídica se inicia comumente com a promul- 
gação, a não ser que ela disponha diferentemente a respeito da data 
em que deva entrar em vigor. 
A regra geral no direito romano era a da irretroatividade da 
norma jurídica, que assim se aplicava apenas aos acontecimentos e 
fatos posteriores à sua entrada em vigor (C. 1.14.7). Esse princípio 
não era, contudo, absoluto. Admitia-se, também, a possibilidade de 
ter a norma efeito retroativo, desde que o legislador assim o quisesse. 
Entretanto, os casos já findos, com sentença ou por acordo entre as
partes, não podiam estar sujeitos a normas retroativas, pois nessas 
hipóteses a lei que retroagisse estaria ferindo direitos adquiridos 
(C. 1.17.2.23). 
A regra jurídica em vigor é aplicável a todos. A ignorância dela 
não isenta ninguém de suas sanções: iuris ignorantiam cuique nocere 
(D. 22.6.9. pr.). Não se aplicava, porém, essa norma rigorosa, no 
direito romano, aos menores de 25 anos, às mulheres, aos soldados 
e aos camponeses (rustici). 
A norma jurídica deixa de produzir seus efeitos quando termina 
sua vigência, se o prazo estiver nela estipulado. Não havendo estipu- 
lação de prazo, revoga-se a norma por uma que lhe seja contrária: 
lex posterior revocat priori. A revogação pode dar-se também pelo 
costume: quer por regra contrária por ele introduzida, quer pela 
simples inaplicação constante da norma (desuetudo). Esta última 
forma foi a característica da evolução do direito em Roma. As regras 
antiquadas, caindo em desuso, eram praticamente abolidas, ainda que 
não expressamente. 
CAPÍTULO 4 
DIREITO SUBJETIVO 
CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO 
Direito, no sentido subjetivo, significa a facultas agendi, que 
é um poder de exigir determinado comportamento de outrem, po- 
der esse conferido pela norma jurídica. Assim, o direito subjetivo 
é o lado ativo de uma relação jurídica, cujo lado passivo é a obri- 
gação. Por exemplo, a regra que responsabiliza o vendedor pelos 
vícios ocultos da coisa vendida é um direito no sentido objetivo. O 
direito de pedir rescisão da venda pelo vício descoberto na coisa 
recém-comprada é um direito subjetivo do comprador. 
Os direitos subjetivos, por sua vez, não têm todos as mesmas 
características. Conforme o tipo do poder que representam e, por 
outro lado, de acordo com a obrigação que geram, podem ser clas- 
sificados. E, com essa classificação, na realidade, fazemos a divisão 
da matéria do direito privado romano em conformidade com os con- 
ceitos da dogmática moderna e traçamos os planos de nosso estudo. 
Em grandes linhas, os direitos subjetivos (e obrigações) são de 
dois tipos, decorrentes de relações familiares ou patrimoniais. Os 
primeiros incluem os relativos ao casamento, ao pátrio poder e à 
tutela e curatela. 
Os direitos subjetivos (e obrigações) patrimoniais dividem-se 
em dois grupos: os direitos reais e as obrigações. 
Os direitos reais são direitos que conferem um poder absoluto 
sobre as coisas do mundo externo. Sua característica essencial é 
valerem erga omnes: "contra todos". O comportamento alheio que 
o titular do direito subjetivo pode exigir é o de todos, que são obri- 
gados a respeitar o exercício de seu direito (poder) absoluto sobre 
a coisa. 
Os direitos obrigacionais, por sua vez, existem tão-somente 
entre pessoas determinadas e vinculam uma (o devedor) à outra (o 
credor). 
Por exemplo, o proprietário tem um direito real sobre o prédio 
em que mora. Todos devem respeitá-lo. Por outro lado, o locatário de 
um prédio só tem direito obrigacional contra a pessoa que o alugou 
a ele. Pode exigir dele que o deixe morar no prédio, mas não tem 
direito nenhum contra outros, entre os quais pode estar o verdadeiro 
proprietário também. 
Naturalmente, há direitos patrimoniais relacionados com os de 
família ou deles decorrentes. 
As relações e modificações patrimoniais decorrentes do faleci- 
mento de uma pessoa, intimamente ligadas também ao direito de
família, são tratadas pelo direito das sucessões. 
O nosso plano é tratar desses direitos, iniciando pelo estudo dos 
direitos patrimoniais, por razões didáticas, e continuando com os de 
família e das sucessões. 
Antes de examiná-los, porém, é necessário explicar os conceitos 
e princípios gerais de nossa ciência, cujo conhecimento é pressuposto 
necessário para o bom entendimento da matéria. Assim, estudaremos, 
como parte geral introdutória, o sujeito de direito, depois os objetos 
de relações jurídicas e, ainda, os fatos jurídicos, que criam, modifi- 
cam ou extinguem direitos subjetivos. 
A defesa dos direitos subjetivos, que é feita pelo processo, não 
será tratada expressamente, mas seus princípios gerais serão mencio- 
nados sempre que necessários ou úteis para a melhor compreensão 
do assunto. 
CAPÍTULO 5 
SUJEITOS DE DIREITO 
São as pessoas que possam ter relações jurídicas e, portanto, 
direitos subjetivos, tanto do lado ativo (poder de exigir o comporta- 
mento de outrem), como do lado passivo (obrigação ao referido com- 
portamento nessa relação). 
Pessoa natural é a pessoa humana. O direito, contudo, reconhece 
também personalidade, isto é, a qualidade de sujeito de direito, a 
entidades artificiais, que são chamadas pessoas jurídicas. 
PESSOA FÍSICA 
A pessoa natural, também chamada pessoa física, é o homem. 
Sua existência se inicia com o nascimento. 
O nascituro não é ainda pessoa, mas é protegido desde a concep- 
ção e durante toda a gestação, que o direito presume durar o prazo 
mínimo de 180 dias e o máximo de 300 dias (praesumptio iuris et 
de jure). Já o direito romano conheceu essa proteção: considerava o 
nascituro como já nascido (ficção), para fins de reservar-lhe vanta- 
gens: nasciturus pro iam nato habetur, quotiens de commodis ipsius 
partus agatur (cf. Gai. 1.147 e D. 1.5.7). 
O feto tem que nascer com vida e com forma perfeita. Não 
é pessoa o nati-morto. Por isso havia discussões entre os jurisconsultos 
romanos sobre o que significava sinal de vida do parto: seriam neces- 
sários vagidos ou bastariam quaisquer movimentos do corpo? O 
aborto e o monstro não eram considerados pessoas para fins de direito. 
Extingue-se a pessoa física com a morte do indivíduo. Sua veri- 
ficação não dependia de formalidades no direito romano, que não co- 
nhecia o registro civil como nossa época. Desconhecia, também, o 
direito romano, a declaração e a presunção de morte pelo desapareci- 
mento durante longo tempo. Quem tivesse interesse relacionado com 
o falecimento de alguma pessoa teria que produzir a respectiva prova. 
No direito justinianeu estabeleceram-se regras para o caso de 
várias pessoas, principalmente da mesma família, perecerem em um 
mesmo acidente. Presumia-se que o filho impúbere morrera antes do 
pai e o filho púbere depois (D. 34.5.9, D. h.t. 23). Essa presunção 
era simples (praesumptio iuris tantum), admitindo prova em contrário. 
CAPACIDADE JURÍDICA DE GOZO 
Capacidade jurídica de gozo, também chamada capacidade de 
direito, significa a aptidão do homem para ser sujeito de direitos e 
obrigações. Modernamente todo homem tem capacidade de direito, 
desde o nascimento. Não era assim no direito romano, pois nele se 
distinguiam diversas categorias de homens. 
Para ter a completa capacidade jurídica de gozo, isto é, para 
ter a idoneidade de ter direitos e obrigações, era necessário, no di-
reito romano, que a pessoa fosse: 1.o) livre; 2.o) cidadão romano; e 
3.o) independente do pátrio poder (sui iuris, paterfamilias). 
Verifiquemos, pois, esses três requisitos, examinando a liberdade 
(status libertatis), a cidadania (status civitatis) e a situação familiar 
(status familiae), pressupostos da capacidade jurídica de gozo em 
Roma. 
Liberdade (Status libertatis) 
Os homens podiam ser livres ou escravos, conforme as regras 
do direito romano. 
Eram livres aqueles que não eram escravos. Esses últimos não 
podiam ser sujeitos de direito; eram apenas objeto de relações jurí- 
dicas. Não podiam ter direitos ou obrigações, nem, tampouco, rela- 
ções familiares no campo do direito. 
A escravidão era um instituto reconhecido por todos os povos 
da antiguidade. Sua origem vem da guerra: os inimigos capturados 
passavam a ser escravos dos vencedores. Mas não só os prisioneiros 
de guerra. Todos os estrangeiros que pertencessem a um país que não 
fosse reconhecido por Roma, ainda que não estivesse em estado de 
guerra, eram considerados escravos, se caíssem no poder dos romanos. 
O mesmo se dava com o romano que caísse em mãos do inimigo. Mas 
o cidadão romano que se tornava prisioneiro de guerra do inimigo, ao 
voltar à pátria, recuperava automaticamente a liberdade e todos os 
direitos que tinha antes de ser capturado (D. 49.15.5.2, D. 41.1.7 pr.). 
Isso se chamava ius postliminii. 
Outra fonte da escravidão era o nascimento. Era escravo o filho 
de escrava, independentemente da classe social do pai (livre ou escra- 
vo). Foi somente o direito justinianeu que concedeu o favor da liber- 
dade ao filho de escrava que tivesse estado em liberdade em qualquer 
momento da gestação. Isso com base na ficção estabelecida pela 
regra já mencionada, isto é, a de que o nascituro era considerado co- 
mo já nascido (Inst. 1.4 pr., D. 1.5.5.2). 
Havia outras fontes da escravidão, porém de menor importância. 
Assim é que alguém podia ser reduzido à condição de escravo a 
título de pena, ou por insolvência. O mesmo acontecia no direito 
antigo com o filiusfamilias vendido pelo pai fora dos limites da cidade 
de Roma. O direito clássico considerou os filhos assim vendidos pelo 
pai não mais como escravos, mas sim em situação especial (in causa 
mancipii). Posteriormente, Justiniano aboliu o instituto por completo. 
Quanto ao conteúdo da escravidão, escravo não podia ser su- 
jeito de direitos, por lhe faltar a capacidade jurídica de gozo. Não 
podia ter direitos privados nem públicos. Sua união conjugal (contu- 
bernium) não era casamento no sentido jurídico romano. Não havia, 
assim, entre ele, a mulher e os filhos, relações de parentesco, para 
fins de sucessão e outros. Não tinha patrimônio e tudo que adquiria 
pertencia ao dono (Gai. 1.52). Este tinha sobre ele poderes tão 
amplos como sobre as demais coisas de sua propriedade. Podia aliená- 
lo; em princípio, até matá-lo. Entretanto, mesmo assim, a condição 
humana do escravo o distinguia da das outras coisas do patrimônio 
do dono. O direito romano reconheceu sempre a personalidade humana 
do escravo (persona servilis). Ele também participava, desde as ori- 
gens, do culto religioso da família. Seu túmulo era lugar sagrado, à 
semelhança do dos livres. Matar um escravo era crime, a que, já na 
República, correspondia a pena pública do homicídio, pela lex Come- 
lia de sicariis. No período imperial, ao dono foi proibido seviciar os 
escravos. Podiam estes impetrar a proteção dos magistrados (Gai: 
1.53). Do ponto de vista patrimonial, verificou-se, também, uma evo- 
lução favorável ao escravo. Já na República o escravo podia possuir 
um pequeno pecúlio, cedido pelo seu dono, que ele geria livremente. 
Legalmente o pecúlio continuava a pertencer ao dono, mas na prática 
estava sendo administrado pelo escravo, como se fosse dele.
A condição de escravo era permanente. O escravo sem dono, 
por qualquer razão que fosse (por exemplo, por ter sido abandonado), 
não se tomava livre. Continuava escravo, escravo sem dono (mes 
nullius). 
A atribuição da liberdade ao escravo fazia-se, ordinariamente, 
por meio de um ato voluntário do dono e se chamava manumissão. 
Havia, contudo, a possibilidade de o escravo obter a liberdade por 
direta disposição de lei. 
O direito quiritário (ius civile) conheceu três formas de manu- 
missão, pelas quais o dono conferia a liberdade a seu escravo: a ma- 
numissio vindicta, a manumissio censu e a manumissio testamento. 
A manumissio vindicta nada mais era que a utilização do pro- 
cesso judicial em que se discutia a questão de liberdade. É muito 
instrutivo examinar em que este consistia. 
O problema vital da liberdade de uma pessoa era objeto de um 
processo, que se chamava vindicatio in libertatem ou vindicatio in 
servitutem, conforme se visasse a declaração da liberdade de uma 
pessoa que servia como escravo, ou da condição de escrava de uma 
pessoa que vivesse como livre. Para isso era necessário que a pessoa, 
de cuja liberdade se tratasse, fosse defendida por um terceiro, cidadão 
romano, capaz, chamado defensor da liberdade (adsertor libertatis). 
Assim, as partes no processo eram o dono (que alegava ser escrava 
a pessoa envolvida) e o defensor da liberdade desta. A questão era 
resolvida pelo juiz a quem o pretor remetia o caso para decisão. 
Na manumissio vindicta o dono utilizava esse processo. Pedia 
a um amigo que intentasse uma vindicatio in libertatem perante o 
pretor, como defensor da liberdade. Quando o defensor declarava sua 
fórmula, alegando que o escravo era livre: Hunc ego hominem ex iure 
Quiritum liberum esse aio, tocava-o ao mesmo tempo com a vindicta 
(varinha), sinal do poder. O dono não contestava e o silêncio dele 
era tido, processualmente, como confissão ou admissão da veracidade 
das alegações da outra parte. Em face disto, o pretor declarava livre 
o escravo, sem remeter o caso ao juiz para ulteriores averiguações e 
decisão final. 
Posteriormente, as formalidades tão complicadas da manumissio 
vindicta foram simplificadas, passando ela a ser uma declaração sim- 
ples mas solene do dono perante o pretor e pela qual se conferia a 
liberdade ao escravo (Gai. 1.20, D. 40.2.23). 
A manumissio testamento, ou alforria testamentária, já era conhe- 
cida pelas XII Tábuas. O testador podia determinar no seu testa- 
mento que, com sua morte, o escravo fosse livre: Stichus servus meus 
liber esto (Gai. 2.267). 
A manumissio censu processava-se mediante a inscrição, com 
autorização do dono, do nome do escravo na lista dos cidadãos livres 
da cidade. A lista era elaborada pelos censores a cada cinco anos. 
Além desses modos de alforria do direito quiritário, o pretor 
reconhecia outros, sem solenidades. Tais eram a alforria feita perante 
testemunhas (manumissio inter amicos), por escrito (per epistulam), 
fazendo-se sentar o escravo à mesa (per mensam), colocando-se-lhe o 
chapéu (per pileum). Tais modos também conferiam a liberdade. 
Mas enquanto a alforria, realizada por um dos modos do direito 
quiritário e praticada pelo dono ex jure Quiritum, sem contrariar as 
restrições legais impostas ao direito de manumitir, conferia, além da 
liberdade, também a cidadania romana, a alforria pretoriana colocava 
o escravo libertado numa situação inferior. Neste caso, o liberto pas- 
sava a ter a posição de latino, por força da lei Junia Norbana (19 
d.C.), sendo chamado latino Juniano. 
A legislação de Augusto introduziu reformas em matéria de 
alforria, restringindo-a consideravelmente. A lex Fufia Caninia (2 
a.C.) limitou o número dos que podiam ser alforriados em proporção 
com o total dos escravos pertencentes ao dono (Gai. 1.42-43). A lex
Aelia Sentia (4 d.C.) foi além: restringiu o direito de alforria, condi- 
cionando-o a uma certa idade do dono e dos escravos, declarando, 
por outro lado, nulas as manumissões praticadas em prejuízo dos 
credores do dono (Gai. 1.18 e 37). 
O escravo libertado se chamava liberto (libertinus ou libertus). 
Seus direitos políticos eram limitados. No campo do direito privado, 
encontrava-se sob o patronato do ex-dono. O patronato implicava 
uma relação de interdependência entre o ex-dono, patrono, e o es- 
cravo, alforriado, liberto e até uma espécie de sujeição deste àquele. 
Do patronato decorriam direitos e obrigações recíprocas, mas 
nem sempre equivalentes, entre as duas partes. Essa relação de patro- 
nato subsistiria enquanto o liberto vivesse, não se transmitindo, po- 
rem, aos seus herdeiros. Por parte do patrono, entretanto, a relação 
passava aos filhos, no caso de ele morrer antes do liberto. 
Quanto ao conteúdo do patronato, incluía ele, primacialmente 
o dever recíproco de prestar alimentos no caso de necessidade. O 
liberto passava a ter o nome do patrono e devia a ele respeito e reve- 
rência contínua (obre quium). Por isso, era-lhe proibido intentar ações 
criminais ou infamantes contra o patrono. E a propositura de qual- 
quer outra ação contra ele exigia a autorização prévia do magistrado. 
Além disso, o liberto devia certos serviços ao seu patrono (operae). 
Finalmente, o patrono tinha um direito de sucessão legítima (bona) 
nos bens do liberto, visto que o liberto não tinha legalmente nem 
ascendentes nem parentes colaterais. O pretor garantia ao patrono a 
metade da herança do liberto que morresse sem deixar filhos ou que 
os deserdasse em vida. Essa metade da herança cabia ao patrono, 
mesmo contra outros herdeiros estranhos, nomeados em testamento 
pelo liberto. 
Com o favor imperial chamado natalium restitutio (D. 40.11.1), 
cessam totalmente os direitos do patronato e o liberto adquire, retroa- 
tivamente, a posição de um ingênuo, pessoa nascida livre, que nunca 
foi escrava. O ius aurei anuli era outro favor, também conferido pelo 
imperador, e pelo qual se eliminavam as restrições político-sociais 
impostas aos libertos, como as de não poderem ser magistrados, não 
poderem ser nomeados senadores, não poderem servir nas legiões do 
exército. Do ponto de vista dos direitos privados, o ius aurei anuli 
eliminava o impedimento matrimonial entre liberto e pessoa de classe 
senatorial, mas não extinguia os direitos do patronato. Com ele o 
liberto passava a ser um quase ingênuo. 
Ficavam livres por lei, a título de punição do dono (edictum 
Claudii, D. 40.8.2), os escravos velhos e doentes por ele expostos; 
a título de recompensa, o escravo que delatasse o assassino de seu 
amo (senatusconsultum Silanianum, 10 d.C.). Também ficavam livres 
por lei os escravos que vivessem em liberdade por mais de 20 anos. 
Os ingênuos são os nascidos livres e que nunca deixaram de o 
ser, desde o nascimento. Não sofrem, destarte, nenhuma restrição 
decorrente de seu estado de liberdade. 
Cidadania (Status civitatis) 
Em princípio, o direito romano, tanto público como privado, 
valia só para os cidadãos romanos (Quirites). 
Os estrangeiros (peregrini) não tinham a capacidade jurídica 
de gozo no concernente aos direitos e obrigações do ius civile. Entre- 
tanto, a eles se aplicavam as regras do ius gentium. O estrangeiro 
podia adquirir propriedades pelo direito dele, mesmo em Roma. Tam- 
bém podia fazer testamento, conforme as regras de sua cidade. So- 
mente os peregrini dediticii, os inimigos vencidos, cujo direito e inde- 
pendência política não foram reconhecidos pelos romanos, estavam 
privados do uso de seu direito de origem. Eles se sujeitavam pura e 
exclusivamente às regras do ius gentium romano. 
Entre os estrangeiros, os latinos tinham uma posição especial.
Os latinos, vizinhos de Roma (latini prisci), tinham capacidade jurí- 
dica de gozo semelhante à dos cidadãos romanos. Tinham o direito 
de votar nos comícios (ius suffragii), quando se encontravam em Ro- 
ma, e podiam comerciar e contrair matrimônio: ius commercii e ius 
conubii. Com a extensão da cidadania romana a toda a Itália, em 89 
a.C., essa categoria de latinos deixou de existir. Como segunda cate- 
goria, porém, aparece a dos latini coloniarii, que eram os cidadãos 
das colônias fundadas por Roma e às quais fora dado o ius Latii. 
Estes gozavam da capacidade de ter os direitos privados (ius com- 
mercii e ius conubii), mas não os públicos (ius suffragii e ius hono- 
rum). Essa categoria, também, desapareceu com a extensão da cida- 
dania a todos os habitantes livres do império, por Caracalla, em 212 
d.C. (constitutio Antoniniana). Uma terceira categoria de latinos exis- 
tiu desde a lei Junia Norbana (19 d.C.) e sobreviveu às demais. Como 
foi mencionado, os escravos alforriados pelos modos pretorianos ou 
mesmo contra as disposições restritivas das leis de Augusto, adqui- 
riram a posição de latinos e não a de cidadãos romanos. Sua capaci- 
dade jurídica de gozo era mais restrita que a dos pertencentes as 
outras categorias de latinos. Só tinham, os latini Juniani, o ius com- 
mercii inter vivos, o direito de serem sujeitos de relações patrimoniais 
entre vivos. Não podiam eles, pois, casar pelo ius civile, nem fazer 
testamento ou herdar. Diz-se que "viviam como livres, mas morriam 
como escravos" (Salvianus, adv. avar. 3.7). Por falecimento do latinus 
Junianus, seu patrimônio era devolvido ao patrono iure peculii, isto 
é, não a título de sucessão, mas como devolução ao próprio dono. 
A cidadania romana adquiria-se por nascimento de justas núpcias 
ou mesmo fora delas, se a mãe fosse cidadã no momento do parto. 
Os filhos nascidos de matrimônio misto (isto é, em que um dos côn- 
juges fosse estrangeiro) seguiam a condição de estrangeiro, de acordo 
com as disposições da lei Minicia (Gai. 1.78). 
Adquiria-se a cidadania também pela alforria quiritária, como 
já foi explicado. Além disso, a cidadania podia ser conferida pelos 
comícios por determinação dos magistrados e, mais tarde, pelos impe- 
radores. A concessão podia ser feita a estrangeiro, quer em caráter 
individual, quer como medida de ordem geral. Por exemplo, a exten- 
são da cidadania a toda Itália em 89 a.C. e a todos os habitantes 
livres do império em 212 d.C. 
O cidadão romano, desde que preenchesse também o requisito 
da independência do poder familiar, tinha plena capacidade jurídica 
de gozo. Assim, ele podia ter a totalidade dos direitos públicos e pri- 
vados e as obrigações respectivas. 
Perdia-se a cidadania pela perda da liberdade. Podia-se, contu- 
do, perder a cidadania sem a perda da liberdade, como no caso do 
exílio, da deportação, da renúncia. 
Situação familiar (Status familiae) 
Para ter a completa capacidade jurídica de gozo, era preciso que 
o sujeito, além de ser livre e cidadão romano, fosse também indepen- 
dente do pátrio poder. A organização familiar romana distinguia 
entre pessoas sui íuris (paterfamilias), independentes do pátrio poder, 
e pessoas alieni iuris, sujeitas ao poder de um paterfamilias. A inde- 
pendência do pátrio poder não tinha relação com a idade. Um recém- 
nascido, não tendo ascendente masculino, era independente do pátrio 
poder, ao passo que um cidadão de 70 anos, com o pai ainda vivo, 
era alieni iuris, isto é, sujeito, na qualidade de filiusfamilias, ao po- 
der de seu pai. 
Os alieni iuris não eram absolutamente incapazes. Tinham plena 
capacidade no campo dos direitos públicos: podiam votar e ser vo- 
tados para as magistraturas (ius suffragii e ius honorum) e, também, 
servir nas legiões. No campo dos direitos privados podiam casar-se 
(ius conubii), desde que obtivessem consentimento do paterfamilias,
que, aliás, exercia o pátrio poder também sobre os netos. Nas relações 
patrimoniais, tudo o que o alieni iuris adquirisse, adquiria para o 
paterfamilias; nas obrigações assumidas pelos alieni iuris a situação 
era diferente: o paterfamilias somente respondia excepcionalmente por 
elas. A evolução do direito romano se caracterizou pela responsabili- 
zação sempre crescente do paterfamilias no respeitante às obrigações 
contraídas pelos seus familiares. Por outro lado, foi conferida cada 
vez maior independência patrimonial aos alieni iuris por meio do 
desenvolvimento do instituto do pecúlio (peculium). Este era uma 
parte do patrimônio da família, entregue à administração direta dos 
alieni iuris. 
"CAPITIS DEMINUTIO" 
A situação da pessoa, quanto à capacidade jurídica de gozo, 
era determinada pelos três estados: o de liberdade, o de cidadania 
e o de família. Mudando-se qualquer um desses requisitos, mudava- 
se a situação jurídica da pessoa também, mudança essa que se cha- 
mava capitis deminutio. Embora representasse principalmente a perda 
de determinados direitos (sendo equiparada à morte civil, cf. Gai. 
3.153), a idéia básica da capitis deminutio não é essa, mas a de-extin- 
ção da personalidade do ponto de vista jurídico, para ser substituída 
por uma nova. Isso podia significar, também, uma mudança para 
melhor, como a passagem da situação de alieni iuris para sui iuris. 
Assim, pode-se falar de capitis deminutio no caso da emancipação. 
Tendo em vista os três estados (liberdade, cidadania, família), 
requisitos da capacidade jurídica de gozo, três podiam ser as altera- 
ções sofridas por capitis deminutio: 1 .a) a perda da liberdade, que 
acarretava a capitis deminutio maxima; 2.a) a da cidadania, a média; 
e 3.a) a mudança no estado familiar, a capitis deminutio mínima. 
A perda da liberdade verificava-se quando o cidadão romano 
caía prisioneiro do inimigo, servus hostium (Gai. 1.129). Embora ti- 
vesse perdido o prisioneiro sua capacidade de ter direitos e obrigações, 
enquanto ele ficasse em poder do inimigo, sua situação era a de 
pendência, pois, pelo ius postliminii, quando ele voltasse a Roma, 
recuperaria todos os direitos que anteriormente tivesse, como se nunca 
os houvesse perdido. Note-se, entretanto, que o ius postliminii se apli- 
cava tão-somente aos direitos e não às situações de fato. Estas últimas 
tinham que ser restabelecidas. Essa distinção terá sua aplicação com 
relação ao matrimônio e à posse. 
Por outro lado, se o prisioneiro morresse nas mãos do inimigo, 
pela ficção introduzida pela lei Cornelia (fictio legis Corneliae), ele 
seria considerado como falecido antes de ter caído prisioneiro, isto 
é, como falecido no estado de livre. Isso para o efeito de abertura da 
sucessão por sua morte.É que não se podia abrir sucessão de pessoa 
morta na condição de escravo, tornando ineficaz o testamento even- 
tualmente deixado por ela (testamentum irritum factum). 
Perdia-se, também, a liberdade a título de punição, como, por 
exemplo, no caso do ladrão colhido em flagrante (fur manifestus). 
No direito arcaico, o devedor executado, que não conseguisse pagar 
sua dívida, também podia ser vendido como escravo, fora de Roma 
(trans Tiberim). 
A perda da liberdade acarretava a perda da cidadania e da si- 
tuação na família romana também, pois a liberdade era pressuposto 
da cidadania e do status familiae. 
Na capitis deminutio media, o cidadão passava à condição de 
estrangeiro pelo exílio voluntário ou pelo imposto por punição (inter- 
dictio aqua et igni). A pena de deportação foi instituída por Tibério 
(14-37 d.C.). Podia alguém voluntariamente transferir-se para uma 
colônia latina. Era renúncia à cidadania romana, que representava 
capitis deminutio media também (cf. Gai. 1.131). 
A alteração no estado familiar representava a capitis deminutio
minima. Nesse caso o capite deminutus (quem sofreu a mudança) 
perde todas as relações jurídicas (mas não as de consangüinidade) 
com a família anterior, adquirindo novo estado familiar. Pode-se veri- 
ficar pela passagem de uma pessoa alieni iuris de sua família de ori- 
gem para uma nova família (adoção ou conventio in manum) ou para 
o estado de sui iuris (emancipação). Vice-versa, um sui iuris podia 
passar à sujeição, na qualidade de alieni iuris, na família do adrogator 
(espécie de adoção). 
OUTRAS CAUSAS RESTRITIVAS DA CAPACIDADE 
Havia outras circunstâncias que tinham influência na capacidade 
jurídica de gozo. 
As mulheres não tinham capacidade para direitos públicos e 
sofriam restrições no âmbito do direito privado também. A mulher 
não tinha direito ao pátrio poder, nem à tutela, e não podia parti- 
cipar dos atos solenes na qualidade de testemunha. 
Restringiam a capacidade jurídica de gozo a intestabilitas, a 
infamia e a turpitudo, que eram penalidades impostas em conseqüên- 
cia de atos ilícitos, penalidades que importavam na falta de honora- 
bilidade. 
A religião também, com os impedimentos matrimoniais, incapaci- 
dade de testar e de herdar, podia ser fator que concorresse para certas 
restrições da capacidade jurídica. 
PESSOA JURÍDICA 
Como já mencionamos, além da pessoa física, o direito reco- 
nhece personalidade também às pessoas chamadas jurídicas ou mo- 
rais, que são entidades artificiais. 
Trata-se de organizações destinadas a uma finalidade duradou- 
ra, que são consideradas sujeitos de direito, isto é, com capacidade de 
ter direitos e obrigações. 
Pela doutrina moderna, a pessoa jurídica pode ser de duas espé- 
cies: corporação (universitas personarum), que é a associação de pes- 
soas, e fundação (universitas rerum), que é um conjunto de bens, 
destinados a uma determinada finalidade. 
Parece que o direito romano clássico somente conheceu as corpo- 
rações. As origens das fundações, nós as encontramos somente no 
direito pós-clássico. 
A característica essencial das pessoas jurídicas é terem elas perso- 
nalidades distintas da de seus componentes, bem como terem patri- 
mônio e relações de direito distintas das de seus membros: Si quid 
universitati debetur, singulis non debetur, nec quod debet universitas, 
singuli debent (D. 3.4.7.1). 
No direito romano, as corporações incluíam o Estado Romano 
(populus Romanus) e seu erário, as organizações municipais e as 
colônias, todas estas predominantemente de caráter público. Além 
delas, havia associações de caráter privado, chamadas sodalitates, 
collegia e societates, que tinham fins religiosos, como os colégios de 
sacerdotes da era pagã, ou fins econômicos, como as corporações 
profissionais de artesãos, as de comércio e as sociedades dos cole- 
tores de impostos e também as associações visando a garantir fune- 
rais decentes a seus membros. 
As fundações começaram a surgir somente na época cristã. Con- 
siderou-se, então, como sendo sujeito de direito um determinado pa- 
trimônio, vinculado a certas finalidades, especialmente para fins de 
beneficência ou fins religiosos (piae causae). O ato constitutivo, pre- 
vendo a finalidade e regulando a sua organização interna, bastava 
para constituir a fundação. 
Quanto às corporações privadas, exigia-se para seu funciona- 
mento autorização do senado e, posteriormente, do imperador. 
Para sua constituição, era necessário o mínimo de três membros
(tres faciunt collegium, D. 50.16.85). 
Tais corporações eram reguladas pelos seus estatutos (lex colle- 
gii), que tinham que determinar, além do fim social, também os órgãos 
representativos (actores, syndici) da pessoa jurídica. 
O nascimento e extinção das corporações públicas não interessam 
ao direito privado. 
Extinguia-se a pessoa jurídica quando sua finalidade era pre- 
enchida ou quando o senado, e mais tarde o imperador, revogava a 
respectiva autorização para funcionar. Nas corporações privadas, mo- 
tivo de extinção era o desaparecimento de todos os seus membros. A 
fundação extinguia-se pela perda da totalidade do patrimônio. 
CAPÍTULO 6 
OBJETOS DE DIREITO 
CONCEITO 
Coisa é um termo de significado muito amplo. Usa-se para de- 
signar todo e qualquer objeto do nosso pensamento. Isto significa 
que a noção vulgar de coisa vale tanto para o que existe no mundo 
das idéias, como no da realidade sensível. 
Na linguagem jurídica, porém, coisa (res) é o objeto de relações 
jurídicas que tenha valor econômico. Não o é, portanto, aquilo que 
não possa ser objeto de tais relações. Assim, não é res o corpo celes- 
tial. Podem sê-lo, contudo, no direito moderno, certas idéias que repre- 
sentem valor econômico: patentes de invenção, obras de arte, direitos 
autorais. 
Os romanos faziam distinção entre coisas em comércio (res in 
commercio) e fora dele (res extra commercium). As primeiras eram 
equelas que podiam ser apropriadas por particulares. As segundas 
não podiam ser objeto de relações jurídicas entre particulares pela 
sua natureza física ou por sua destinação jurídica. Assim, estavam 
excluídas do comércio as coisas dedicadas aos deuses, res extra com- 
merciunz divini iuris, e outras por razões profanas, res extra commer- 
cium humani iuris. Na primeira categoria encontramos as coisas sa- 
gradas, dedicadas diretamente ao culto religioso, como os templos 
(res sacrae), as coisas santas (res sanctae), que eram as consideradas 
sob a proteção dos deuses, como as portas e os muros da cidade, e as 
coisas religiosas (res religiosae), que eram os túmulos. Por razões de 
ordem profana, eram consideradas fora do comércio (res extra com- 
mercium humani iuris) as coisas comuns a todos (res communes 
omnium), isto é, as indispensáveis à vida coletiva ou a ela úteis, como 
o ar, a água corrente, o mar e as praias. Além dessas eram conside- 
radas fora do comércio as coisas públicas, pertencentes ao povo ro- 
mano (res publicae), como as estradas e o Fórum. 
Res in commercio podiam realmente estar no patrimônio de 
alguém, ou encontrar-se fora de qualquer relação patrimonial. As ex- 
pressões romanas res in patrimOnio e res extra patrimonium são usa- 
das nas fontes em dois sentidos: às vezes indicam a mesma distinção 
que já fizemos entre coisas in commercio, suscetíveis de serem objeto 
de relações jurídicas, e coisas extra commercium; outras vezes ser- 
vem para distinguir aquelas que se situam efetivamente no patrimô- 
nio de alguém ou fora dele. Por razões didáticas, preferimos a se- 
gunda interpretação. 
Portanto, as coisas extra patrimonium eram as que, em dado 
momento, não se encontravam no patrimônio de ninguém, mas que 
poderiam ser apropriadas. Assim, as res nullius (coisas sem dono), as 
res hostium (coisas dos inimigos de Roma). 
No que se refere às coisas in commercio e ao mesmo tempo in 
patrimonio, há várias outras classificações que até hoje sobrevivem, 
feitas pelos romanos.
COISAS CORPÓREAS E INCORPÓREAS 
Já Gaio (2.12-14) distingue entre as coisas corpóreas e incor- 
póreas (res corporales et incorporales). A diferença para ele reside 
na tangibilidade, sendo corpóreas aquelas que podem ser tocadas e 
existem corporeamente. As outras, isto é, as incorpóreas, somente 
existem intelectualmente. A mesma distinção foi conhecida por Cí- 
cero (Top. 5.27) e Sêneca (Ep. ad Luc. 58.14), além de outros. Na 
realidade, essa classificação jurídica servia para distinguir entre coi- 
sas e direitos, pois as primeiras são corpóreas e os segundos incor- 
póreos. 
"RES MANCIPI ET RES NEC MANCIPI" 
A distinção entre res mancipi e res nec mancipi tem bases histó- 
ricas. As primeiras, para se lhes transferir a respectiva propriedade, 
requeriam a prática das formalidades da mancipatio, ato solene do 
direito arcaico. As segundas podiam ser transferidas pela simples en- 
trega, sem formalidades (traditio). 
Faziam parte da categoria das res mancipi os terrenos itálicos 
(não os provinciais), os animais de tiro e carga (como o cavalo, a 
vaca, o burro), os escravos e as quatro servidões prediais rústicas 
mais antigas, que eram via, iter, actus e aquaeductus. As demais coisas 
eram nec mancipi. 
COISAS MÓVEIS E IMÓVEIS 
O terreno e o que estivesse definitivamente ligado a ele distin- 
guiam-se das coisas transportáveis e semoventes. Já as XII Tábuas 
(450 a.C.) conheceram essa distinção ao estabelecer prazo diferente pa- 
ra o usucapião delas. A terminologia coisas imóveis e móveis (res immo- 
biles et res mobiles) é mais recente. Ela data do período pós-clássico, 
quando modos especiais de aquisição de propriedade foram exigidos 
para as primeiras. 
COISAS FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS (NÃO-FUNGÍVEIS) 
O termo "fungível" não é romano. Foi criado no século XVI por 
Úlrico Zásio, com base na definição romana de Paulo, que procurava 
precisar o princípio da substituibilidade das coisas: res quae in genere 
suo functionem recipiunt (D. 12.1.2.1) (coisas cuja função consiste 
em serem determinadas pelo seu gânero). 
Fungíveis são as coisas substituíveis por outras do mesmo genero, 
qualidade e quantidade. Aparecem normalmente no comércio como 
determinadas apenas pela sua quantidade, peso e medida: quae pon- 
dere numero mensura constant (Gai. 2. 196). São elas caracterizadas 
por pertencerem a um genero extenso, para o qual a individualidade 
de cada unidade componente não tem relevância jurídica. Por isso 
são coisas facilmente substituíveis entre si. Assim, o arroz, a farinha, 
o metal. Infungíveis são as coisas especificamente consideradas, cujas 
características individuais impedem sejam substituídas por outras do 
mesmo gênero. Assim um quadro, uma estátua. 
COISAS CONSUMÍVEIS E INCONSUMÍVEIS 
Há coisas que podem ser usadas uma só vez e outras que per- 
mitem uso repetido. As primeiras se exaurem com o seu uso normal 
e são chamadas coisas consumíveis (quae usu consumuntur), porque 
quem as usou fica privado de utilizá-las mais de uma vez. É o caso 
dos alimentos e das bebidas, que desaparecem com o uso normal; do 
dinheiro, que se gasta. Inconsumíveis são as coisas suscetíveis de uti- 
lização constante, sem que sejam destruídas. Conservam, assim, mes- 
mo quando usadas, sua utilidade econômico-social anterior. Exemplo: 
um quadro, uma estátua, um vestido, um carro. 
Entre as coisas inconsumíveis, os romanos da época pós-clássica 
propuseram uma subclassificação, distinguindo as coisas realmente
inconsumíveis das que perdem lentamente seu valor pelo uso repetido: 
quae usu minuuntur (D. 75. ruhr.). Assim, um vestido, um carro, em 
contraposição a um quadro, a uma estátua. Tratava-se, pois, de uma 
categoria intermediária entre as coisas consumíveis e inconsumíveis. 
COISAS DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS 
O conceito jurídico da divisibilidade está intimamente ligado ao 
do valor econômico das coisas. Físicamente toda e qualquer coisa 
pode ser dividida. Juridicamente, porém, a divisibilidade depende da 
circunstância de a coisa repartida conservar ou não o valor propor- 
cional ao do todo. Divisíveis são as coisas que podem ser repartidas 
sem perder esse valor proporcional, como um terreno, o arroz. Indi- 
visíveis são aquelas cujo valor sócio-econômico se reduz ou se perde 
com a divisão. É o caso de uma estátua, de um carro. 
COISAS SIMPLES, COMPOSTAS, COLETIVAS 
OU UNIVERSAIS 
A distinção é romana e se refere a coisas simples - quod conti- 
netur uno spiritu (D. 41. 3. 30 e 6. 1. 23. 5) -, representando uma 
unidade orgânica, natural ou artificial. As coisas compostas - quod 
ex contingentibus, hoc est pluribus inter se cohaerentibus constat (D. 
41.3.30) - são formadas da união artificial de várias coisas sim- 
ples. Assim, são simples um bloco ou uma estátua de mármore, um 
escravo, e são compostas um edifício, um carro. 
A terceira categoria, ou seja, a das coisas coletivas ou univer- 
sais, abrange um aglomerado de coisas simples, que só juridicamente 
estão ligadas entre si. Assim, um rebanho, uma biblioteca, constituí- 
dos respectivamente de várias ovelhas ou de vários livros, cujo único 
liame é a sua destinação jurídica comum. 
COISAS ACESSÓRIAS 
Ligado ao conceito de coisa composta, temos que examinar o 
dos acessórios e pertenças. A reunião de várias coisas simples pode 
criar uma coisa completamente nova, que absorva todos os seus com- 
ponentes. Exemplo: um carro, que é composto de centenas de ele- 
mentos. Mas pode verificar-se uma união diferente, na qual uma coisa 
principal absorva uma outra coisa, considerada acessória. Por exem- 
plo: o terreno é sempre principal e tudo o que a ele se junte é aces- 
sório. Assim, as construções, as plantações nele feitas. 
O acessório segue sempre a sorte da coisa principal: accessio 
cedit principali (D. 34. 2. 19. 13). 
Podemos distinguir do conceito do acessório o das pertenças 
(instrumenta), onde há um liame menos íntimo de uma coisa com 
outra principal. As pertenças conservam certa autonomia, mas sua 
destinação jurídica está ligada à da coisa principal. Assim, os instru- 
mentos de trabalho (instrumenta fundi), destinados ao cultivo da ter- 
ra, estão ligados a ela, embora conservem certa independência. 
FRUTOS 
Frutos são coisas novas produzidas natural e periodicamente por 
uma outra, que, por isso mesmo, se chama coisa frugífera. Por exem- 
plo: os frutos do solo, da árvore, o leite, as ovelhas do rebanho (assim 
consideradas, no direito romano, aquelas excedentes após a compen- 
sação das ovelhas mortas pelas novas). Todas essas coisas são chama- 
das frutos naturais. As rendas obtidas com a locação ou o arrenda- 
mento de coisas são também consideradas frutos. São os frutos civis 
(loco fructuum, pro fructibus). Por razões filosóficas, o parto da es- 
crava não era considerado fruto pelos romanos. Ele passava a per- 
tencer ao dono da escrava-mãe pelo nascimento. 
Enquanto faz parte da coisa frugífera, o fruto, por isso chamado 
pendente, não tem individualidade própria, seguindo, assim, a sorte
da coisa principal. Destacado o fruto da coisa frugífera, fruto sepa- 
rado, passa ele a ter individualidade própria e pode, então, ser objeto 
de relações jurídicas separadamente da coisa produtora. Neste último 
aspecto, do ponto de vista jurídico, os frutos separados podem ser 
considerados como colhidos (percepti), a serem colhidos (percipiendi), 
já consumidos (consumpti) e também extantes, que são os colhidos e 
existentes no patrimônio de alguém, aguardando o consumo oportuno 
e posterior. 
BENFEITORIAS 
Benfeitorias são os gastos com as coisas acessórias ou pertenças 
juntas à coisa principal, para melhorar e aumentar a utilidade desta. 
Podem ser elas necessárias, quando imprescindíveis para garantir a 
existência e subsistência da coisa principal. Por exemplo: telhado novo. 
São úteis, quando aumentam a utilidade da coisa principal, que, po- 
rém, pode subsistir sem elas. Por exemplo: uma pintura nova no pré- 
dio. Voluptuárias são as de mero luxo, como uma piscina ao lado da 
residência. 
CAPÍTULO 7 
ATO JURÍDICO 
CONCEITO 
A doutrina do ato jurídico não é obra dos romanos. As cons- 
truções dogmáticas modernas a ela referentes, entretanto, têm bases 
romanísticas. Expô-las-emos numa forma simplificada, a fim de servir 
de fundamento aos estudos posteriores. 
Os eventos, acontecimentos de toda espécie, são chamados fatos. 
Entre estes, há fatos que têm conseqüências jurídicas e há outros que 
não as têm. Chove, por exemplo. Normalmente não decorre nenhum 
efeito jurídico de tal fenômeno natural. Trata-se, neste caso, de um 
fato simples. Pode, entretanto, a chuva estragar uma colheita, aca- 
bando com os frutos a serem colhidos (percipiendi). Nessa hipótese, 
trata-se de um fato jurídico, de um evento que tem conseqüências 
jurídicas. 
Entre os fatos jurídicos distinguimos os fatos causados pela von- 
tade de alguém dos fatos que se verificam independentemente dessa 
vontade. Os primeiros são os fatos jurídicos voluntários, os segundos 
os fatos jurídicos involuntários. Interessam-nos, naturalmente, mais os 
primeiros que os segundos. 
Os fatos jurídicos voluntários, por sua vez, podem ser lícitos ou 
ilícitos, dependendo da sua conformidade ou não à norma jurídica. 
Os fatos jurídicos voluntários ilícitos são os delitos, mas nos 
interessam muito mais os fatos jurídicos voluntários lícitos. Entre 
estes se destacam os atos jurídicos, que são manifestações de vontade 
que visam à realização de determinadas conseqüências jurídicas. Ao 
ato jurídico assim concebido podemos dar também o nome de negócio 
jurídico, sendo ambas as denominações de origem moderna. 
Aliás, o Código Civil Brasileiro (art. 81) dá mui elegantemente 
o conceito do ato jurídico, que foi por nós explicado com demasiada 
simplicidade. Diz a lei: "Todo o ato lícito que tenha por fim ime- 
diato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, 
se denomina ato jurídico". 
Analisando, então, o ato jurídico, verificamos que ele nada mais 
é que uma declaração de vontade. Com referência a ela, logo se per- 
gunta, qual deve ser a sua forma? 
O direito antigo era formalista, deu mais importância à forma 
do que ao fundo. Por isso, os atos jurídicos do direito quiritário (ius 
civile) exigiam formalidades complicadas, de cuja observância depen- 
dia a validade do ato e o seu conseqüente efeito jurídico. Assim, os 
atos per aes et libram, que eram a mancipatio, o nexum e a solutio
per aes et libram; os atos pela in jure cessio e a stipulatio (e seme- 
lhantes como a dotis dictio, cretio etc.). Os do primeiro grupo reque- 
riam as formalidades de uma compra e venda real, uma troca efetiva 
de mercadoria contra preço, que, nos tempos primitivos, era um pe- 
daço de metal não cunhado e que por isso tinha que ser pesado. Donde 
a necessidade de um porta-balança e das formalidades extrínsecas de 
pesagem (mesmo que simbólicas). Além disso, exigiam-se as formali- 
dades da presença das partes, do objeto, de cinco testemunhas idôneas 
e do pronunciamento de certas fórmulas verbais, quase sacramentais. 
Os do segundo grupo, atos pela in jure cessio, requeriam a imitação 
de um processo e os do terceiro uma fórmula verbal, com pergunta 
e resposta, que gerava efeitos jurídicos, desde que pronunciadas as 
palavras sacramentais da maneira prescrita. 
A evolução posterior acentuou cada vez mais o valor do elemento 
intencional do ato jurídico, em detrimento do externo e formal. Isso 
não significa, naturalmente, que a vontade não devesse ser devida- 
mente declarada, mas apenas que a sua manifestação deveria ser feita 
de maneira clara, sem tanta prevalência das formas solenes. 
Assim, no direito evoluído, o ato jurídico nada mais era que 
uma inequívoca manifestação de vontade. Além dela, somente em 
casos especiais era exigido algum ato suplementar, como, por exemplo, 
a entrega da coisa na tradição, que é um dos modos de transferência 
da propriedade. 
A manifestação de vontade pode ser expressa, quando se empre- 
guem os meios usuais para se declarar aquilo a que a vontade visa. 
Assim, palavras, gestos ou redação e assinatura de documentos. 
Por outro lado, a manifestação também pode ser tácita mediante 
um comportamento de significado inequívoco, podendo-se deduzir 
dele a vontade, tal como se fosse expressamente declarada. Assim, se 
um herdeiro toma conta dos negócios deixados pelo defunto, conclui-se 
que aceitou a herança, sem necessidade da declaração expressa e 
formal de aceitá-la. 
O silêncio não é propriamente manifestação de vontade, mas pode 
ser considerado como tal: qui tacet, non utique fatetur; sed tamen 
verum est eum non negare (D. 50. 17. 142). No caso de o pai dar 
a filha em casamento, o silêncio dela era considerado como consenti- 
mento: quae patris voluntati non repugnat, consentire intellegitur 
(D. 23.1.12 pr.). 
CAPACIDADE DE AGIR 
Pressuposto da validade da manifestação da vontade era a capa- 
cidade de agir da pessoa que praticava o ato jurídico. Essa capacidade 
de agir tem outras denominações também: é chamada capacidade de 
fato, capacidade de exercício ou capacidade de praticar atos jurídicos. 
Ela se distingue da outra capacidade já estudada, isto é, da capa- 
cidade jurídica de gozo ou capacidade de direito. 
Nem toda e qualquer pessoa tinha capacidade de agir. Esta 
dependia da idade, do sexo e de sanidade mental perfeita. Em regra 
geral, os púberes, varões, perfeitamente sãos, tinham plena capacidade 
de agir. Por outro lado, as limitações à capacidade de agir decorriam 
desses mesmos fatores. 
Quanto à idade, a summa divisio era a puberdade, que, segundo 
opinião de jurisconsultos clássicos, acolhida por Justiniano, era adqui- 
rida aos 14 anos pelos varões e aos 12 anos pelas mulheres. Os púbe- 
res, em princípio, tinham completa capacidade de agir; os impúberes, 
não. Estes se dividiam em infantes (qui fari non possunt), isto é, 
menores de 7 anos, que eram absolutamente incapazes de agir, e os 
infantia maiores, isto é, dos 7 anos até a puberdade, que tinham uma 
capacidade restrita de agir. Estes últimos podiam praticar atos que os 
favorecessem, mas não podiam obrigar-se sem a intervenção de um 
tutor, que devia tomar parte no ato jurídico, conferindo a sua autori-
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Curso elementar de direito romano, thomas marky

  • 1. CURSO DE INSTITUIÇÕES DE DIREITO ROMANO Thomas Marky *** DUAS PALAVRAS Distinto especialista em Direito Romano, tendo convivido na Itália com sumidades como Riccobono, Arangio-Ruiz e De Francis- ci, para mencionarmos alguns dentre OS luminares que conheceu, vem o Professor THOMAS Marky lecionando, com invejável êxito, a tão árdua e proveitosa ciência de Papiniano, tanto na Faculdade Paulista de Direito como em nossa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Além do saber notório, possui o Professor Marky inegáveis quali- dades didáticas, tendo conseguido formar um grupo de jovens discí- pulos voltados, como ele e graças ao seu exemplo, para os estudos romanístiCoS em suas relações com o direito atual. Oferece, agora, o eminente professor à juventude estudiosa brasi- leira o fruto de seu tirocínio, iniciando-a na justi atque injuSti scientia. Trata-se de curso de instituições de Direito Romano, destinado aos principiantes, sem dúvida, mas revelando em suas linhas sóbrias e claras os sinais nítidos do trabalho orientado por inteligente intuito pedagógico. Só um professor, com efeito, experiente e animado pelo vivo amor ao ensino, ao cabo de vários anos de trabalho e de observa- ção paciente da psicologia estudantil, consegue elaborar manual digno do nome, servindo o objetivo de iniciar as inteligências nos elementos duma ciência. dando-lhes o essencial e eliminando o supérfluo. "Nada em excesso" já diziam os Sete Sábios. Como tudo, tam- bém a ciência se adquire por graus. E saber proporcioná-la ao nível do discente é a marca distintiva do verdadeiro professor. Por essa razão, temos o prazer de recomendar o curso do Pro- fessor Marky à cupida legum juventus, certos, por outro lado, de ver corroborado pelos doutos nosso julgamento a respeito de seus méritos didáticos. São Paulo, 15 de março de 1971. ALEXANDRE A. CORRÊA Professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de SÃo Paulo. PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO Aqui está o fruto de experiências de dois decênios de magistério. Ao entregá-lo aos acadêmicos de direito, não posso deixar de expressar a minha profunda gratidão aos amigos Antonio Mercado Júnior e José Fraga Teixeira de Carvalho, que, com tanta generosi- dade e competência, me ajudaram a imprimir-lhe não só forma verna- cular aceitável, como, também, a dar-lhe conteúdo condizente com os propósitos que nos guiaram. São Paulo, nos idos de março de 1971. THOMAS MARKY ÍNDICE SISTEMÁTICO Duas palavras Preládo à primeira edição INTRODUÇÃO Utilidade do estudo do direito romano Introdução histórica Parte I PARTE GERAL CAPITULO 1
  • 2. Direito objetivo. Conceito de direito e suas classificações CAPITULO 2 Fontes do direito Costume Outras fontes do direito - Leis e plebiscitos - Senatus-consultos - Constituições imperiais - Editos dos magistrados - Jurisprudencia Evolução histórica das fontes do direito CAPITULO 3 Norma jurídica Aplicação da norma jurídica Eficácia da norma jurídica no tempo e no espaço CAPITULO 4 Direito subjetivo Conceito e classificação CAPITULO 5 Sujeitos de direito Pessoa física Capacidade jurídica de gozo - Liberdade (Status libertatis) - Cidadania (Status civitatis) - Situação familiar (Status familiae) Capitis deminutio Outras causas restritivas da capacidade Pessoa jurídica CAPITULO 6 Objetos de direito Conceito Coisas corpóreas e incorpóreas Res mancipi et res nec mancipi Coisas móveis e imóveis Coisas fungíveis e infungíveis (não-fungíveis) Coisas consumíveis e inconsumíveis Coisas divisíveis e indivisíveis Coisas simples, compostas, coletivas ou universais Coisas acessórias Frutos Benfeitorias CAPITULO 7 Ato jurídico Conceito Capacidade de agir Classificação dos atos jurídicos Vício do ato jurídico - Simulação e restrição mental -Erro -Dolo - Coação Conteúdo dos atos jurídicos - Condição - Termo -Modo Representação Parte II DIREITOS REAIS CAPITULO 8 Propriedade Conceito
  • 3. Limitações da propriedade CAPITULO 9 História da propriedade romana Direito primitivo Propriedade quiritária Propriedade pretoriana Propriedade de terrenos provinciais Propriedade de peregrinos Unificação dos diversos tipos de propriedade CAPITULO 10 Co-propriedade Conceito CAPITULO 11 Posse Conceito História da posse CAPITULO 12 Aquisição da propriedade Conceito Modos originários de aquisição da propriedade Modos derivados de aquisição da propriedade Usucapião (Usucapio) Praescriptio longí temporis Praescriptio longissimi temporis Reforma do usucapião por Justiniano Perda da propriedade Aquisição e perda da posse CAPITULO 13 Proteção da propriedade Rei vindicatio Actio negatoria CAPITULO 14 Proteção da posse Interdictum uti possidetis Interdictum utrubi Interdictum unde vi Interdictum de vi armata Interdictum de precario CAPITULO 15 Direitos reais sobre coisa alheia Conceito Servidões Servidões prediais Servidões pessoais - Usufruto -Uso - Habitação e trabalho de escravos e de animais Constituição, extinção e proteção das servidões Superfície e enfiteuse CAPITULO 16 Direitos reais de garantia Conceito Fiducia cum creditore Pignus Hypotheca Efeitos dos direitos reais de garantia Parte III DIREITO DAS OBRIGAÇÕES CAPITULO 17 Obrigações Conceito
  • 4. Partes na obrigação Objeto das obrigações Efeitos jurídicos da obrigação e responsabilidade pelo ina- dimplemento Mora - Mora do devedor (Mora debitoris, mora solvendi) - Mora do credor (Mora creditoris, mora accipiendO - Purgação da mora Obrigações naturais CAPITULO 18 Fontes das obrigações Conceito e evolução histórica CAPITULO 19 Contratos Conceito Contratos formais Contratos do direito clássico Contratos reais - Mútuo (Mutuum) - Depósito (Depositum) - Comodato (Commodatum) - Penhor (Contractus pignoraticius) Contratos inominados Contratos consensuais - Compra e venda (Emptio venditio) - Locação (Locatio conductio) - Sociedade (Societas) - Mandato (Mandatum) Pacta Doação CAPITULO 20 Obrigações "ex quasi contractu Conceito - Gestão de negócios (Negotiorum gestio) - Enriquecimento sem causa CAPITULO 21 Delitos Conceito e evolução histórica - Furto (Furtum) - Roubo (Rapina) - Dano, danificação (Damnum injuria datum) - Injúria (Injuria) - Dolo (Dolus malus) - Coação (Metus) Obrigações ex quasi delicto CAPITULO 22 Garantia das obrigações Conceito - Arras (Arrha) - Multa contratual Outras garantias - Fiança CAPITULO 23 Transmissão das obrigações Conceito (Poena conventionalis) Delegatio Procuração em causa própria (Procuratio im rem suam) Sistema das actiones utiles CAPITULO 24 Extinção das obrigações
  • 5. Conceito - Pagamento (Solutio) - Compensação (Compensatio) - Novação (Novatio) - Extinção da obrigação por acordo das partes - Fatos extintivos das obrigações, independentes da vontade das partes Parte IV DIREITO DE FAMÍLIA CAPITULO 25 Família A família romana: conceito e histórico Pátrio poder - Aquisição e perda do pátrio poder CAPITULO 26 Casamento Conceito do matrimônio romano Esponsais Requisitos e impedimentos para contrair matrimônio . Efeitos do matrimônio Dissolução do matrimônio Dote - Constituição do dote - Restituição do dote Doações entre cônjuges CAPITULO 27 Tutela e curatela Conceito e histórico Espécies de tutela Poderes e obrigações do tutor Curatela Parte V DIREITO DAS SUCESSÕES CAPITULO 28 Sucessão ("Successio in universum ius") Conceito e breve histórico Herança (Hereditas) Abertura da sucessão (Delatio hereditatis) Aquisição da herança (Acquisitio hereditatis) Hereditas jacens e usucapio pro herede Hereditas - bonorum possessio CAPITULO 29 Sucessão testamentãria ("Successio secundum tabulas") Testamento Capacidade de testar (Testamenti factio activa) Capacidade de herdar (Testamenti factio passiva) Formas de testamento Conteúdo do testamento Testamentos inválidos CAPITULO 30 Sucessão legítima ("successio ab intestato") Conceito e histórico Sucessão legítima no direito quiritário Sucessão legítima no direito pretoriano Sucessão legítima no direito justinianeu CAPITULO 31 Sucessão necessária ("successio contra tabulas") Sucessão necessária formal no direito quiritário Sucessão necessária material Reformas de Justiniano na sucessão necessária CAPITULO 32
  • 6. Colação ("Collatio") Conceito e histórico CAPITULO 33 Sucessão singular ("Successio Singularis mortis causa") Conceito Legado (Legatum) Fideicomisso (Fideicommissum) Indice alfabético-remissivo Indice das fontes INTRODUÇÃO UTILIDADE DO ESTUDO DO DIREITO ROMANO A importância do estudo do direito romano não precisa ser explicada, pois é de conhecimento mesmo do leigo que o nosso di- reito e o de todos os povos do Ocidente derivam do direito romano. Portanto, ao estudá-lo, vamos às origens do nosso próprio direito vigente. Por outro lado, não é simples saudosismo ou preocupação eso- térica esse retorno às origens do nosso direito. Tem esse estudo um papel importante no currículo do curso de bacharelado das nossas Faculdades de Direito. O direito, como regulamentação do comportamento humano dentro da sociedade, é também um fenômeno histórico. Suas regras não são fruto de pura especulação, nem conseqüência de inexoráveis forças da natureza. Essas regras são produtos, sim, da longa expe- riência humana e, por isso, para compreendê-las, é muito útil, senão imprescindível, conhecer sua evolução histórica. Além dessas considerações teóricas há outras, de valor prático também, que falam da utilidade, senão da necessidade do estudo do direito romano no início do curso jurídico. O curso elementar de direito romano é um curso introdutório. Corresponde às Institutas de Justiniano (século VI d.C.) e, respecti- vamente, ao modelo destas, que eram as Institutas de Gaio (século II d.C.). Elas eram obras didáticas, visando à iniciação dos estudantes no aprendizado sistemático da ciência do direito. O cabeçalho das Institutas de Justiniano traz o título esclare- cedor de "Instituições ou Elementos... ". Assim, o nosso curso, se- guindo uma tradição de quase dois milênios, também é um curso elementar. E nesse papel de disciplina propedêutica, com a função de introduzir os alunos no estudo do direito (especialmente no do direito civil), é que o direito romano tem uma utilidade incomparável. Ele apresenta as categorias jurídicas fundamentais nas quais o direito moderno se baseia e, por isso, se presta magnificamente a dar aos principiantes uma visão geral de todo o sistema jurídico, especial- mente do direito civil. Ao mesmo tempo os inicia na técnica do racio- cínio jurídico. Tudo isto com a vantagem de explicar as categorias básicas conforme sua evolução histórica, o que facilita a compreensão. INTRODUÇÃO HISTÓRICA O direito romano é o complexo de normas vigentes em Roma, desde a sua fundação (lendária, no século VIII a.C.) até a codifi- cação de Justiniano (século VI d.C.). A evolução posterior não será objeto de nossos estudos, porque a codificação justinianéia foi con- clusiva: foram recolhidos os resultados das experiências anteriores e considerada a obra como definitiva e imutável. Realmente, a evolução posterior dos direitos europeus baseou- se nessa obra de codificação, tanto assim que os códigos modernos, quase todos, trazem a marca da obra de Justiniano.
  • 7. Por isso consideramos a codificação de Justiniano como termo final do período que estudamos. Nos treze séculos da história romana, do século VIII a.C. ao século VI d.C., assistimos, naturalmente, a uma mudança contínua no caráter do direito, de acordo com a evolução da civilização ro- mana, com as alterações políticas, econômicas e sociais, que a carac- terizavam. Para melhor compreender essa evolução, costuma-se fazer uma divisão em períodos. Tal divisão pode basear-se nas mudanças da organização política do Estado Romano, distinguindo-se, então, a época régia (fundação de Roma no século VIII a.C. até a expulsão dos reis em 510 a.C.), a época republicana (até 27 a.C.), o principado até Diocleciano (que iniciou seu reinado em 284 d.C.), e a monarquia absoluta, por este último iniciada e que vai até o fim do período por nós estudado, isto é, até Justiniano (falecido em 565 d.C.). Outra divisão, talvez preferível didaticamente, distingue no es- tudo do direito romano, tendo em conta sua evolução interna: o período arcaico (da fundação de Roma no século VIII a.C. até o século II a.C.), o período clássico (até o século III d.C.) e o pe- ríodo pós-clássico (até o século VI d.C.). O direito do período arcaico caracterizava-se pelo seu forma- lismo e pela sua rigidez, solenidade e primitividade. O Estado tinha funções limitadas a questões essenciais para sua sobrevivência: guer- ra, punição dos delitos mais graves e, naturalmente, a observância das regras religiosas. Os cidadãos romanos eram considerados mais como membros de uma comunidade familiar do que como indivíduos. A defesa pri- vada tinha larga utilização: a segurança dos cidadãos dependia mais do grupo a que pertenciam do que do Estado. A evolução posterior caracterizou-se por acentuar-se e desen- volver-se o poder central do Estado e, conseqüentemente, pela pro- gressiva criação de regras que visavam a reforçar sempre mais a autonomia do cidadão, como indivíduo. O marco mais importante e característico desse período é a codi- ficação do direito vigente nas XII Tábuas, codificação feita em 451 e 450 a.C. por um decenvirato, especialmente nomeado para esse fim. As XII Tábuas, chamadas- séculos depois, na época de Augusto (sécúlo I), fonte de todo o direito (fons omnis publici privatique iuris), nada mais foram que uma codificação de regras provavelmente costumeiras, primitivas, e, às vezes, até cruéis. Aplicavam-se exclu- sivamente aos cidadãos romanos. Esse direito primitivo, intimamente ligado às regras religiosas, fixado e promulgado pela publicação das XII Tábuas, já represen- tava um avanço na sua época, mas, com o passar do tempo e pela mudança de condições, tornou-se antiquado, superado e impeditivo de ulterior progresso. Mesmo assim, o tradicionalismo dos romanos fez com que esse direito arcaico nunca fosse considerado como revogado: o próprio Justiniano, 10 séculos depois, fala dele com respeito. A conquista do poder, pelos romanos, em todo o Mediterrâneo, exigia uma evolução equivalente no campo do direito também. Foi aqui que o gênio romano atuou de uma maneira peculiar para a nossa mentalidade. A partir do século II a.C. assistimos a uma evolução e reno- vação constante do direito romano, que vai até o século III d.C., durante todo o período clássico. Essa revolução e renovação se fez, porem, por meios indiretos, característicos dos romanos e diferentes dos métodos modernamente usados. A maior parte das inovações e aperfeiçoamentos do direito, no período clássico, foi fruto da atividade dos magistrados e dos juris-
  • 8. consultos que, em princípio, não podiam modificar as regras antigas, mas que, de fato, introduziram as mais revolucionárias modificações para atender às exigências práticas de seu tempo. Entre os magistrados republicanos, o pretor tinha por incum- bência funções relacionadas com a administração da Justiça. Nesse mister, cuidava da primeira fase do processo entre particulares, veri- ficando as alegações das partes e fixando os limites da contenda, para remeter o caso posteriormente a um juiz particular. Incumbia, então, a esse juiz, verificar a procedência das alegações diante das provas apresentadas e tomar, com base nelas, a sua decisão. Havia pretor para os casos entre cidadãos romanos - era o pretor urbano - e havia também, a partir de 242 a.C., pretor para os casos em que figuravam estrangeiros. Era o chamado pretor peregrino. O pretor, como magistrado, tinha um amplo poder de mando, denominado imperium. Utilizou-se dele, especialmente, a partir da lei Aebutia, no século II a.C., que, modificando o processo, lhe deu ainda maiores poderes discricionários. Por essas modificações pro- cessuais, o pretor, ao fixar os limites da contenda, podia dar instru- ções ao juiz particular sobre como ele deveria apreciar as questões de direito. Fazia isto por escrito, pela fórmula, na qual podia incluir novidades, até então desconhecidas no direito antigo. Não só. Com esses poderes discricionários, podia deixar de admitir ações perante ele propostas (denegatio actionis) ou, também, admitir ações até então desconhecidas no direito antigo. Essas reformas completavam, su- priam e corrigiam as regras antigas (Ius praetorium est, quod praeto- res introduxerunt adiuvandi vel supplendi vel corrigendi iuris civilis gratia. D. 1.1.7.1). As diretrizes que o pretor ia observar eram publicadas no seu Edito, ao entrar no exercício de suas funções. Como o cargo de pre- tor era anual, os editos se sucediam um ao outro, dando oportuni- dade a experiências valiosíssimas. O resultado dessas experiências foi um corpo estratificado de regras, aceitas e copiadas pelos pretores que se sucediam, e que, final- mente, por volta de 130 d.C., foram codificadas pelo jurista Sálvio Juliano, por ordem do Imperador Adriano. Note-se bem, entretanto, que esse direito pretoriano nunca foi equiparado ao direito antigo (ius civile). A regra antiga, pela qual o pretor não podia criar direito (praetor ius facere non potest), con- tinuou em vigor. Assim, esse direito pretoriano, constante do Edito e chamado ius honorarium, foi sempre considerado como diferente do direito antigo (ius civile) mesmo quando, na prática, o substituiu. A essa característica peculiar da evolução do direito romano, temos que acrescentar uma outra, de igual relevância. A interpretação das regras do direito antigo era tarefa importante dos juristas. Originariamente só os sacerdotes conheciam as normas jurídicas. A eles incumbia, então, a tarefa de interpretá-las. Depois, a partir do fim do século IV a.C., esse monopólio sacerdotal da inter- pretação cessou, passando ela a ser feita também pelos peritos leigos. Essa interpretação não consistia somente na adaptação das regras ju- rídicas às novas exigências, mas importava também na criação de novas normas. Tal atividade jurisprudencial contribuiu grandemente para o de- senvolvimento do direito romano, especialmente pela importância social que os juristas tinham em Roma. Eles eram considerados como pertencentes a uma aristocracia intelectual, distinção essa devida aos seus dotes de inteligência e aos seus conhecimentos técnicos. Suas atividades consistiam em emitir pareceres jurídicos sobre questões práticas a eles apresentadas (res pondere), instruir as partes sobre como agirem em juízo (a gere) e orientar os leigos na realização de negócios jurídicos (cavere). Exerciam essa atividade gratuitamente, pela fama e, evidentemente, para obter um destaque social, que os
  • 9. ajudava a galgar os cargos públicos da magistratura. Foi Augusto que, procurando utilizar, na nova forma de go- verno por ele instalada, os préstimos desses juristas, instituiu um privilégio consistente no direito de dar pareceres em nome dele, prín- cipe: ius respondendi ex auctoritate principis. Esse direito era conce- dido a certos juristas chamados jurisconsultos (Inst. 1.2.8). Seus pare- ceres tinham força obrigatória em juízo. Havendo pareceres contras- tantes, o juiz estava livre para decidir. O método dos jurisconsultos romanos era casuístico. Examina- vam, explicavam e solucionavam casos concretos. Nesse trabalho não procuravam exposições sistemáticas: eram avessos às abstrações dog- máticas e às especulações e exposições teóricas. Isso não impediu, entretanto, que o gênio criador dos romanos se manifestasse por inter- médio dessa obra casuística dos jurisconsultos clássicos. O último período, o pós-clássico, é a época da decadência em quase todos os setores. Assim, também no campo do direito. Vivia-se do legado dos clássicos, que, porém, teve de sofrer uma vulgarização para poder ser utilizado na nova situação caracterizada pelo rebaixa- mento de nível em todos os campos. Nesse período, pela ausência do gênio criativo, sentiu-se a neces- sidade da fixação definitiva das regras vigentes, por meio de uma codificação que os romanos em princípio desprezavam. Não é por acaso que, exceto aquela codificação das XII Tábuas do século V a.C., nenhuma outra foi empreendida pelos romanos até o período decadente da era pós-clássica. Após tentativas parciais de codificação de partes restritas do di- reito vigente (Codex Gregorianus, Codex Hermogenianus, Codex Theo- dosianus), foi Justiniano (527 a 565 d.C.) quem empreendeu a gran- diosa obra legislativa, mandando colecionar oficialmente as regras de direito em vigor na época. Encarregou uma comissão de juristas de organizar uma coleção completa das constituições imperiais (leis emanadas dos imperadores), que foi completada em 529 e publicada sob a denominação de Codex (de que não temos texto nenhum). No ano seguinte, em 530, determinou Justiniano que se fizesse a seleção das obras dos jurisconsultos clássicos, encarregando dessa tarefa Triboniano, que convocou uma comissão para proceder ao tra- balho ingente. A comissão conseguiu no prazo surpreendente de três anos con- feccionar o Digesto (ou Pandectas), composto de 50 livros, no qual foram recolhidos trechos escolhidos de 2.000 livros (com três milhões de linhas) de jurisconsultos clássicos. Os codificadores tiveram autorização de alterar os textos esco- lhidos, para harmonizá-los com os novos princípios vigentes. Essas alterações tiveram o nome de emblemata Triboniani e hoje são chamadas interpolações. A descoberta de tais interpolações e a restituição do texto original clássico é uma das preocupações da ciência romanística dos últimos tempos. Paralelamente à compilação do Digesto, Justiniano mandou pre- parar uma nova edição do Codex, isto por causa da vasta obra legis- lativa por ele empreendida naqueles últimos anos. Em 534 foi publi- cado, então, o Codex repetitae praelectionis, o Código revisado, cujo conteúdo foi harmonizado com as novas normas expedidas no curso dos trabalhos. Somente temos o texto desta segunda edição do Código Justinianeu. Além dessas obras legislativas, Triboniano, Teófilo e Doroteu, estes últimos professores das escolas de Constantinopla e de Bento, elaboraram, por ordem de Justiniano, um manual de direito para estu- dantes, que foi modelado na obra clássica de Gaio, do século II a.C. Esse manual foi intitulado Institutiones, como o de Gaio, e foi publi- cado em 533.
  • 10. Depois de terminada a codificação, a qual, especialmente o Código, continha a proibição de se invocar qualquer regra que nela não estivesse prevista, Justiniano reservou-se a faculdade de baixar novas leis. Nos anos subseqüentes a 535, até sua morte em 565 d.C., Jus- tiniano publicou efetivamente um grande número de novas leis, cha- madas novellae constitutiones. A coleção destas, intitulada Novellae, constitui o quarto volume da codificação justinianéia. O Código, o Digesto, as Institutas e as Novellae formam, então, o Corpus Iuris Civilis, nome esse dado por Dionísio Godofredo, no fim do século XVI d.C. Foi mérito dessa codificação a preservação do direito romano para a posteridade. Parte I PARTE GERAL CAPÍTULO 1 DIREITO OBJETIVO. CONCEITO DE DIREITO E SUAS CLASSIFICAÇÕES O termo "direito", entre outros, tem dois sentidos técnicos. Significa, primeiramente, a norma agendi, a regra jurídica. Assim, falamos de direito romano, de direito civil brasileiro, como com- plexo de normas. Noutra acepção, a palavra significa a facultas agendi, que é o poder de exigir um comportamento alheio. Assim a entendemos quando falamos em "direito à nossa casa", "direito aos filhos", "direito à remuneração de nosso trabalho". No primeiro sentido trata-se do direito objetivo e no segundo, do direito subjetivo. No momento interessa-nos apenas o direito no sentido de di- reito objetivo, que é o preceito hipotético e abstrato, cuja finalidade é regulamentar o comportamento humano na sociedade e cuja carac- terística essencial é a força coercitiva que a própria sociedade lhe atribui. A famosa definição romana, pela qual os mandamentos do di- reito são: viver honestamente, não lesar a ninguém e dar a cada um o seu (Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere, D. 1.1.10), não faz referência a essa impor- tante característica. Nós, entretanto, ao estudarmos o conceito, não podemos prescindir da análise dessa sua característica e de sua expli- cação. A força coercitiva atribuída à norma jurídica significa que a organização social, o Estado, interfere para que o preceito seja obe- decido. Para esse fim, a regra jurídica contém, normalmente, além do mandamento regulamentador da conduta humana (norma agende, uma outra disposição: a de estabelecer as conseqüências para o caso de transgressão da norma. Essa outra disposição da regra jurídica se chama sanção (sanctio). A sanção pode ser de dois tipos: de nulidade ou de penalidade. Pela primeira, a inobservância do preceito legal gera, como conse- qüência, a invalidade do ato, que será, assim, ineficaz. Por exemplo, o impúbere não tem capacidade para vender, sozinho, seus bens. Ven- dendo nessas condições sua casa, o ato será nulo, isto é, sem eficácia jurídica. Por isso mesmo, tal sanção se denomina restitutiva, pois visa ao restabelecimento da situação anterior à transgressão. O outro tipo de sanção é a punitiva, que prevê uma pena para o transgressor. Comumente a norma jurídica estabelece a sanção de nulidade: a tal espécie de norma as fontes romanas chamavam lei perfeita (lex perfecta, Regulae Ulpiani, 1.1). A lex Aelia Sentia, por exemplo, do ano 4 d.C., declarava nulas as alforrias feitas contrariamente às suas
  • 11. disposições (Gaio 1 .37 e 47). A lei menos que perfeita (lex minus quam perfecta, Reg. Ulp. 1.2) era, conforme as mesmas fontes romanas, a regra cuja sanção não previa a anulação dos efeitos do ato transgressor, mas cominava uma punição. Era o que se dava no caso do casamento de viúva antes de decorridos 10 meses da morte do marido; o casamento seria válido, mas os cônjuges sofriam certas restrições no campo do direito (D. 3.2.1). Por outro lado, a falta de sanção caracterizava a lei imperfeita (lex imperfecta), que não cominava nem a nulidade do ato infrin- gente, nem qualquer penalidade. Por exemplo, a lei Cincia, que, em 204 a.C., proibiu a doação além de certo valor sem estipular sanção alguma para os transgressores. Logicamente, a regra de direito pode prever sanção de nulidade e, também, punição, concomitantemente. À lei desse tipo dá-se hoje a denominação de lei mais que perfeita. Outros, contudo, enquadram essa modalidade entre as leis perfeitas. Assim eram as disposições da lei Julia de vi privata, de 17 a.C., que, proibindo o uso da força, mesmo no exercício de um direito, declarava nulo o ato e, além disso, aplicava penalidade: um credor que, fazendo justiça com as próprias mãos, tomasse pela força, em pagamento de seu crédito, um objeto pertencente ao seu devedor, perdia o crédito e tinha que devolver o objeto também. O direito, no sentido objetivo, pode ser classificado do ponto de vista histórico e sistemático. Historicamente, temos que distinguir o ius civile do ius gentium. Na verdade, a distinção baseia-se na diversidade dos destinatários das respectivas regras. O antigo ius civile, também denominado nas fontes como ius Quiritium, destinava-se, exclusivamente, aos cidadãos ro- manos (Quirites): quod quisque populus ipse sibi ius constituit, id ipsius proprium est vocatUrque ius civile, quasi ius proprium civitatis (Gai. 1.1). Por outro lado, as normas consuetudinárias romanas, con- sideradas como comuns a todos os povos e por isso aplicáveis não só aos cidadãos romanos (Quirites), como também aos estrangeiros em Roma, constituíam o ius gentium: id quod apud omnes populos peraeque custoditur, vocaturque ius gentium, quasi quo iure omnes gentes utuntur. Populus itaque Romanus partim suo proprio, partim communi omnium hominum iure utitur (Gai. 1.1, cf. também Inst. 1.2.1). Para os juristas romanos da época clássica, o ius gentium era um direito universal, baseado na razão natural (naturalis ratio, Gai. 1.1). Por outro lado, encontramos na codificação justinianéia outra distinção que contrapõe o ius gentium ao ius naturale (Inst. 1.2.2). Este seria constituído de regras da natureza, comuns a todos os seres vivos, como as relativas ao matrimônio, procriação e educação dos filhos. Também havia distinção entre ius civile, de um lado, e ius hono- rarium, de outro. A distinção baseava-se na diversidade de origem das respectivas regras. O ius honorarium era o direito elaborado e intro- duzido pelo pretor que, com base no seu imperium (poder de mando), introduzia novidades, criava novas regras e modificava substancial- mente as antigas do ius civile. Essas regras, contidas no edito, eram as do ius honorarium, do direito pretoriano. Em contraposição, as regras do ius civile provinham do costu- me, das leis, dos plebiscitos e, mais tarde, também dos senatus-con- sultos e constituições imperiais. Assim, nesse contexto, o termo ius civile abrangia não só o antigo direito quiritário, como, também, o mais novo ius gentium. Ainda a respeito da divisão de regras, quanto à sua origem, pode-se falar de ius extraordinarium, que era o direito elaborado na época imperial, mediante a atividade jurisdicional (quase legiferante)
  • 12. do imperador e de seus funcionários, que então tinham substituído o pretor nesse mister. Por outro lado, examinando as classificações sistemáticas, encon- tramos a distinção entre direito público e direito privado. O primeiro regula a atividade do Estado e suas relações com particulares e outros Estados. O direito privado, por sua vez, trata das relações entre parti- culares: Publicum ius est quod ad statum rei Romanae spectat, pri- vatum quod ad singulorum utilitatem pertinet (Inst. 1.1.4 - D. 1.1.1.2). Relacionada ainda com esta distinção é aquela de ius cogens e de ius dispositivum (direito cogente e direito dispositivo). Cogen- te é a regra que é absoluta e cuja aplicação não pode depender da vontade das partes interessadas. Tem que ser obedecida fielmente; as partes não podem excluí-la, nem modificá-la. Neste sentido os romanos diziam: ius publicum privatorum pactis mutari non potest (D. 2.14.38): o direito público não pode ser alterado por acordo entre particulares. Assim, para que houvesse compra e venda, precisava-se do acordo das partes sobre a mercadoria e preço. As partes não podiam alterar essa regra, celebrando compra e venda sem estipular o preço, por exemplo. O direito dispositivo, por sua vez, admitia uma autonomia de vontade dos particulares: suas regras podiam ser postas de lado ou modificadas pela vontade das partes. Assim, na compra e venda, o vendedor respondia pelos defeitos da coisa vendida. Essa era uma regra dispositiva, pois, por acordo expresso, as partes podiam excluir essa responsabilidade do vendedor. A distinção entre ius commune e ius singulare referia-se, de um lado, às regras que visavam a uma regulamentação generalizada, apli- cável a todas as pessoas e a todas as situações nela previstas (ius commune). Por outro lado, as regras que valiam somente com relação a determinadas pessoas ou grupos de pessoas, bem como a situações específicas, eram do ius singulare. Estas últimas constituíam, portan- to, exceções às regras gerais e comuns. Por exemplo, as normas rela- tivas ao usucapião das coisas furtadas (já conhecidas pelas XII Tá- buas e reafirmadas pela lei Atínia do século II a.C.) eram regras do ius singulare. Outra classificação do direito objetivo se baseava na sua forma de criação. É aquela feita de acordo com as fontes do direito. CAPÍTULO 2 FONTES DO DIREITO A produção das regras jurídicas se faz pelas fontes do direito. Elas são os órgãos que têm a função ou poder de criar a norma jurídica e, por isso mesmo, se chamam "fontes de produção". Exem- plo: os comícios (comitia), que votavam as leis em Roma. Por outro lado, podemos denominar "fontes de revelação" o produto da atividade dos órgãos que têm aquele poder ou função de legislar. Assim, a própria regra jurídica, na forma como ela aparece ou se revela. Exemplo, a lei (lex rogata) resultante de uma proposta feita pelos magistrados e votada pelos comícios em Roma. COSTUME Entre as fontes do direito romano, no segundo sentido, está o costume, que, no período arcaico, foi quase que exclusivamente a sua única fonte. O costume (mos, consuetudo, mores maiorum) é a observância constante e espontânea de determinadas normas de com- portamento humano na sociedade. Cícero o definiu como sendo apro- vado, sem lei, pelo decurso de longuíssimo tempo e pela vontade de todos: quod valunt ate omnium sine lege vetustas compro bavit (De inv. 2.22.67). Juliano o caracterizava como "inveterado": inveterata consuetudo (D. 1 .3.32. 1) e Ulpiano como "diuturno": diuturna con-
  • 13. suetudo (D. 1.3.33). De qualquer modo, a observância da regra con- suetudináría deve ser constante e universal. OUTRAS FONTES DO DIREITO Ao tratar das fontes do direito na época clássica, Gaio, nas Institutas (Gai. 1.2), nem sequer menciona o costume entre elas. Para ele, as fontes são somente a lei (lex), os plebiscitos (plebiscita), os senatus-consultos (senatusconsulta), as constituições imperiais (consti- tutiones principum), os editos dos magistrados (edicta magistratuum) e a jurisprudência (responsa prudentium). Leis e plebiscitos As leis e plebiscitos eram manifestações coletivas do povo. As primeiras, leges rogatae, tomadas nos comícios, de que só participavam cidadãos romanos (populus romanus). Os comícios eram convocados pelos magistrados para deliberar sobre texto de lei por eles proposto. Os segundos, plebiscita, forma anômala de fonte de direito, eram decisões da plebe, reunida sem os patrícios. Essas deliberações passa- ram a ser válidas para a comunidade toda desde que a lei Hortensia, em 286 a.C., assim determinou. Interessante observar que são pouquíssimas as leis romanas de real importância para o direito privado: não mais de 25. Conservou-se o nome de aproximadamente 800 leis nos 500 anos em que tais fontes produziram direito. Senatus-consultos Os senatus-consultos (senatusconsulta) eram deliberações do senado, cuja função legiferante foi somente reconhecida no início do Principado (27 a.C. - 284 d.C.). Na República, os senatus-consul- tos eram deliberações do senado, dirigidas mormente aos magistrados. No Principado, eram propostos pelos imperadores e, no início, consis- tiam, também, em instruções aos magistrados sobre o exercício de suas funções. Mais tarde, a partir do imperador Adriano (117 - 138 d.C.), passou-se a aprovar simplesmente, por aclamação, a proposta do impe- rador (oratio principis), transformando-se, destarte, o senatus-consulto numa forma indireta de legislação imperial. Constituições imperiais As constituições imperiais eram disposições do imperador que não só interpretavam a lei, mas, também, a estendiam ou inovavam. As denominações variavam, conforme o conteúdo ou natureza delas: edicta - ordenações de caráter geral, à semelhança das ordenações dos magistrados republicanos, de que trataremos logo a seguir; decreta - decisões do imperador, proferidas num processo; rescripta - res- postas dadas pelo imperador a questões jurídicas a ele propostas por particulares em litígio ou por magistrados; mandata - instruções dadas pelo imperador, na qualidade de chefe supremo, aos funcioná- rios subalternos. Editos dos magistrados Os editos dos magistrados são fonte de direito importantíssima na República (510 - 27 a.C.). A determinação da regra jurídica a ser aplicada pelo juiz na decisão de uma questão controvertida cabia ao magistrado, especialmente ao pretor. Essa função se chamava jurisdição (jus dicere) e, no desempenho dela, os pretores tiveram prerrogativas bastante amplas, baseadas no poder de mando, denomi- nado imperium. Podiam eles, quando julgavam necessário ou oportuno, denegar a tutela jurídica, mesmo contra as regras do direito quiritário, ou, inversamente, conceder meios processuais a pretensões que não tinham amparo legal no mesmo direito. Assim, dependia de seu poder discricionário a aplicação ou não daquelas regras do direito quiritário.
  • 14. Tinham eles outros meios processuais também para introduzir inova- ções, a fim de ajudar, suprir e até corrigir as regras do direito quiritáriO. Nesse mister, o pretor, tal qual os outros magistrados, promul- gava seu programa ao assumir o cargo, revelando como pretendia agir durante o ano de seu exercício. Essa atividade normativa manifesta- va-se através do edito, como era chamado aquele programa. Com o edito, na realidade, o pretor criava novas normas jurídicas, ao lado das do direito quiritário. Essas novas normas pretorianas não podiam derrogar o direito quiritário, mas existiam paralelamente a ele. Embora houvesse a mudança anual dos magistrados, o edito passava a conter um texto estratificado, fruto da experiência dos ante- cessores, formando o chamado edictum tralaticium. Inovações também podiam ser introduzidas pelo novo pretor, mediante o edito chamado repentinum. A redação definitiva do edito do pretor foi obra do jurista Sálvio Juliano, por ordem do Imperador Adriano, por volta do ano 130 d.C. (Edictum Perpetuum Salvii Juliani). Tal compilação representou o fim da evolução desta fonte de direito. Jurisprudência Os pareceres dos jurisconsultos exerceram papel importante na evolução do direito romano, desde os tempos antigos. As regras con- suetudinárias do direito primitivo, bem como as das XII Tábuas e e outras, todas bastante simples e rígidas, tinham que ser interpretadas para que pudessem servir às exigências de uma vida social e econômica cada vez mais evoluída. Essa interpretação, nas origens remotas do direito romano, estava afeta aos pontífices, que eram chefes religiosos. Mais tarde, porém, passou a ser obra de juristas leigos (prudentes), conhecedores do direito. Eles inovavam, criavam novas normas, par- tindo das existentes: isto por meio dà interpretação extensiva destas. Por exemplo: as XII Tábuas conheceram uma regra que punia, com a perda do pátrio poder, o pai de família que vendesse três vezes o filho. Desta regra, a interpretação jurisprudencial criou o instituto da emancipação. Para isso, o pai deveria vender, formal e ficticia- mente, três vezes seu filho a um amigo de confiança. Este o libertava imediatamente após cada venda, com o que o filho voltava automati- camente para o poder do pai. Após a terceira venda, porém, o filho libertado já não retomava à sujeição do pai, cujo poder sobre ele assim se extinguia. A interpretatio prudentium, entretanto, não foi enquadrada entre as fontes do direito na época republicana, que somente conheceu uma influência de fato dos juristas de renome. O papel oficial dos juristas na atividade produtora de normas jurídicas começou com o imperador Augusto (27 a.C. - 14 d.C.), que conferiu a jurisconsultos mais conhecidos e apreciados o privilégio de darem pareceres sobre questões de direito. Nesse mistér, eles podiam agir como expressamente autorizados pelo imperador: ius res- pondendi ex auctoritate principis. Por isso mesmo, esses pareceres vinculavam o juiz que decidia a causa, a não ser que houvesse pare- ceres contraditórios de igual valor. Posteriormente, os pareceres dos jurisconsultos (responsa), versando sobre a aplicação das regras jurí- dicas aos mais variados fatos da vida, concorreram para a elaboração dos princípios fundamentais do direito e representaram, desse modo, a manifestação mais original do gênio criador dos romanos nesse campo. Durante o Principado, nos primeiros séculos de nossa era, uma plêiade de ilustres juristas deu sua contribuição grandiosa à ela- boração do direito de Roma. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS FONTES DO DIREITO Historicamente considerando, o costume, as leis e os plebiscitos,
  • 15. com a respectiva interpretação jurisprudencial, representaram as fontes do direito quiritário (ius civile) na República (510 a.C. - 27 a.C.) e o edito do pretor, evidentemente influenciado pelos senatus-consultos antigos, a fonte do direito pretoríano (ius honorarium) na mesma época. Essas fontes continuaram formalmente no período do Principado (27 a.C. - 284 d.C.). Entretanto, decaindo a importância dos comí- cios legislativos e estratificando-se o edito pretoriano com o Edito Perpétuo de Sálvio Juliano, a atividade legislativa passou à alçada do imperador. Ele a exercia, então, pelos senatus-consultos por ele propostos e simplesmente aclamados pelos senadores. Depois, cada vez com menor disfarce, o imperador legislava por meio das constitui- ções imperiais, que eram as normas jurídicas por ele expedidas. Na época pós-clássica, de organização política monárquica abso- luta (284 d.C. - 565 d.C.), a única fonte de direito era, pratica- mente, a vontade do imperador, expressa em suas constituições. O conjunto de regras de direito por ele editadas chamou-se de leges, em contraposição ao direito elaborado pelos pareceres dos juriscon- sultos da época clássica, cuja importância jurídica e validade os impe- radores reconheceram e que se denominou jura. As compilações pós- clássicas, culminando com a de Justiniano (527 d.C. 565 d.C.), con- tinham justamente leges e jura. O Código de Justiniano compõe-se das constituições imperiais. O Digesto é uma coleção de fragmentos das obras e pareceres dos jurisconsultos clássicos. CAPÍTULO 3 NORMA JURÍDICA APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA A norma jurídica contém disposições abstratas a serem aplicadas aos casos concretos que a vida apresenta. Por isso, sua aplicação pressupõe o conhecimento perfeito, seguro e completo da norma jurídica abstrata e dos fatos concretos. A norma jurídica abstrata é de conhecimento do juiz (iura novit cur ia). Não a conhecendo, deve procurar conhecê-la. Para esse conhecimento da norma jurídica o aplicador tem de proceder, de início, a um trabalho de "crítica", para verificar se a norma é válida e se o texto é autêntico. Além dessa "crítica externa" da norma jurídica, o aplicador tem que procurar estabelecer o verdadeiro sentido e alcance de seu texto. Essa atividade se chama "interpretação" da regra jurídica. Por ela se efetua a avaliação das palavras do texto da norma para conseguir obter-se seu significado verdadeiro e certo. A "interpretação" pode ser autêntica ou doutrinal. A primeira é a que se faz mediante uma nova norma jurídica expedida pelo órgão legiferante competente. A segunda, por meio do trabalho dos cultores do direito. Pode basear-se no exame gramatical, lógico, histórico ou dogmático-sistemático do texto e de sua origem. Quanto aos resultados da "interpretação", pode ela simplesmente confirmar o sentido (interpretatio declarativa), estendê-lo (interpre- tatio extensiva) ou restringi-lo (interpretatio restrictiva). A arte de bem interpretar a norma jurídica é a grande virtude do verdadeiro jurista: conhecer as leis não é considerar seu texto, mas, sim, sua força e majestade (scire leges non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potest atem) (Celso, D. 1 .3. 17). Às vezes não bastam os métodos de crítica e interpretação para o conhecimento do direito aplicável, porque pode acontecer que não exista preceito abstrato para um determinado caso concreto. Verifi- cando-se tal hipótese, o aplicador do direito tem que suprir a lacuna da norma jurídica. Essa atividade se chama "analogia": por semelhança, presume-se a vontade do legislador.
  • 16. Chama-se analogia legis quando se estende a aplicação de deter- minada regra a fatos nela não previstos. Chama-se analogia iuris, por sua vez, o processo de se criar uma nova norma para ser aplicada a um caso concreto, com base nos princípios gerais do sistema jurídico vigente. Voltando, agora, ao segundo aspecto da aplicação da norma jurí- dica, pode-se dizer que ela pressupõe o conhecimento objetivo dos fatos em discussão no caso concreto. Os fatos são comprovados por todos os meios de prova em direito permitidos, especialmente por documentos, testemunhas, depoi- mentos das partes, perícias etc. Entretanto, às vezes, o direito se contenta com um aconteci- mento provável, mas não provado, dos fatos e, até, com fatos inverí- dicos. No primeiro caso fala-se da presunção e no segundo, da ficção. Presunção (praesumptio) é a aceitação como verdadeiro de um fato provável. Aceitação com base numa simples alegação, sem neces- sidade de prova do fato. Por exemplo, a legitimidade do filho é presu- mida quando é ele nascido entre 180 e 300 dias depois da convivência conjugal. Normalmente a presunção não é absoluta; quer dizer, o contrário pode ser provado. Em tal hipótese falamos da presunção simples (praesuniptio iuris tantum), pois, no exemplo, pode o marido apre- sentar contraprova. Às vezes, porém, a contraprova não é permitida. É o caso da presunção de direito (praesumptio iuris et de iure). Por exemplo: a verdade da coisa julgada ou a presunção de se considerar ilegítimo o filho nascido além de 300 dias após a dissolução da sociedade conju- gal pela morte do pai. Note-se que, na realidade, a presunção simples (praesumptio iuris) nada mais é que a inversão do ônus da prova: aceita-se uma situação provável como verdadeira, dispensando-se a comprovação. Daí decorre que cabe à parte interessada a produção de prova con- trária para derrubar a presunção. A ficção é diferente da presunção, pois nela o direito considera verdadeiro um fato inverídico: fecha conscientemente os olhos diante da realidade. Assim era, no direito romano, a ficção de considerar o nascituro como já nascido, sempre que se tratava de seus interesses (nasciturus pro iam nato habetur, quotiens de commodis ipsius partus agatur) ou a fictio legis Corneliae, que considerava o cidadão romano que caía prisioneiro do inimigo e em seu poder falecia como tendo morrido antes de ser capturado. EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA NO TEMPO E NO ESPAÇO O direito romano destinava-se aos cidadãos romanos, pois ele se baseava no princípio da personalidade, em contraposição ao do território, pelo qual o direito se aplica a todos os que residem no respectivo território. Note-se; entretanto, que os estrangeiros também podiam estar em relações jurídicas com cidadãos romanos, ou entre si, no território romano, caso em que o direito a eles aplicável seria o ius gentium. A eficácia da regra jurídica se inicia comumente com a promul- gação, a não ser que ela disponha diferentemente a respeito da data em que deva entrar em vigor. A regra geral no direito romano era a da irretroatividade da norma jurídica, que assim se aplicava apenas aos acontecimentos e fatos posteriores à sua entrada em vigor (C. 1.14.7). Esse princípio não era, contudo, absoluto. Admitia-se, também, a possibilidade de ter a norma efeito retroativo, desde que o legislador assim o quisesse. Entretanto, os casos já findos, com sentença ou por acordo entre as
  • 17. partes, não podiam estar sujeitos a normas retroativas, pois nessas hipóteses a lei que retroagisse estaria ferindo direitos adquiridos (C. 1.17.2.23). A regra jurídica em vigor é aplicável a todos. A ignorância dela não isenta ninguém de suas sanções: iuris ignorantiam cuique nocere (D. 22.6.9. pr.). Não se aplicava, porém, essa norma rigorosa, no direito romano, aos menores de 25 anos, às mulheres, aos soldados e aos camponeses (rustici). A norma jurídica deixa de produzir seus efeitos quando termina sua vigência, se o prazo estiver nela estipulado. Não havendo estipu- lação de prazo, revoga-se a norma por uma que lhe seja contrária: lex posterior revocat priori. A revogação pode dar-se também pelo costume: quer por regra contrária por ele introduzida, quer pela simples inaplicação constante da norma (desuetudo). Esta última forma foi a característica da evolução do direito em Roma. As regras antiquadas, caindo em desuso, eram praticamente abolidas, ainda que não expressamente. CAPÍTULO 4 DIREITO SUBJETIVO CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO Direito, no sentido subjetivo, significa a facultas agendi, que é um poder de exigir determinado comportamento de outrem, po- der esse conferido pela norma jurídica. Assim, o direito subjetivo é o lado ativo de uma relação jurídica, cujo lado passivo é a obri- gação. Por exemplo, a regra que responsabiliza o vendedor pelos vícios ocultos da coisa vendida é um direito no sentido objetivo. O direito de pedir rescisão da venda pelo vício descoberto na coisa recém-comprada é um direito subjetivo do comprador. Os direitos subjetivos, por sua vez, não têm todos as mesmas características. Conforme o tipo do poder que representam e, por outro lado, de acordo com a obrigação que geram, podem ser clas- sificados. E, com essa classificação, na realidade, fazemos a divisão da matéria do direito privado romano em conformidade com os con- ceitos da dogmática moderna e traçamos os planos de nosso estudo. Em grandes linhas, os direitos subjetivos (e obrigações) são de dois tipos, decorrentes de relações familiares ou patrimoniais. Os primeiros incluem os relativos ao casamento, ao pátrio poder e à tutela e curatela. Os direitos subjetivos (e obrigações) patrimoniais dividem-se em dois grupos: os direitos reais e as obrigações. Os direitos reais são direitos que conferem um poder absoluto sobre as coisas do mundo externo. Sua característica essencial é valerem erga omnes: "contra todos". O comportamento alheio que o titular do direito subjetivo pode exigir é o de todos, que são obri- gados a respeitar o exercício de seu direito (poder) absoluto sobre a coisa. Os direitos obrigacionais, por sua vez, existem tão-somente entre pessoas determinadas e vinculam uma (o devedor) à outra (o credor). Por exemplo, o proprietário tem um direito real sobre o prédio em que mora. Todos devem respeitá-lo. Por outro lado, o locatário de um prédio só tem direito obrigacional contra a pessoa que o alugou a ele. Pode exigir dele que o deixe morar no prédio, mas não tem direito nenhum contra outros, entre os quais pode estar o verdadeiro proprietário também. Naturalmente, há direitos patrimoniais relacionados com os de família ou deles decorrentes. As relações e modificações patrimoniais decorrentes do faleci- mento de uma pessoa, intimamente ligadas também ao direito de
  • 18. família, são tratadas pelo direito das sucessões. O nosso plano é tratar desses direitos, iniciando pelo estudo dos direitos patrimoniais, por razões didáticas, e continuando com os de família e das sucessões. Antes de examiná-los, porém, é necessário explicar os conceitos e princípios gerais de nossa ciência, cujo conhecimento é pressuposto necessário para o bom entendimento da matéria. Assim, estudaremos, como parte geral introdutória, o sujeito de direito, depois os objetos de relações jurídicas e, ainda, os fatos jurídicos, que criam, modifi- cam ou extinguem direitos subjetivos. A defesa dos direitos subjetivos, que é feita pelo processo, não será tratada expressamente, mas seus princípios gerais serão mencio- nados sempre que necessários ou úteis para a melhor compreensão do assunto. CAPÍTULO 5 SUJEITOS DE DIREITO São as pessoas que possam ter relações jurídicas e, portanto, direitos subjetivos, tanto do lado ativo (poder de exigir o comporta- mento de outrem), como do lado passivo (obrigação ao referido com- portamento nessa relação). Pessoa natural é a pessoa humana. O direito, contudo, reconhece também personalidade, isto é, a qualidade de sujeito de direito, a entidades artificiais, que são chamadas pessoas jurídicas. PESSOA FÍSICA A pessoa natural, também chamada pessoa física, é o homem. Sua existência se inicia com o nascimento. O nascituro não é ainda pessoa, mas é protegido desde a concep- ção e durante toda a gestação, que o direito presume durar o prazo mínimo de 180 dias e o máximo de 300 dias (praesumptio iuris et de jure). Já o direito romano conheceu essa proteção: considerava o nascituro como já nascido (ficção), para fins de reservar-lhe vanta- gens: nasciturus pro iam nato habetur, quotiens de commodis ipsius partus agatur (cf. Gai. 1.147 e D. 1.5.7). O feto tem que nascer com vida e com forma perfeita. Não é pessoa o nati-morto. Por isso havia discussões entre os jurisconsultos romanos sobre o que significava sinal de vida do parto: seriam neces- sários vagidos ou bastariam quaisquer movimentos do corpo? O aborto e o monstro não eram considerados pessoas para fins de direito. Extingue-se a pessoa física com a morte do indivíduo. Sua veri- ficação não dependia de formalidades no direito romano, que não co- nhecia o registro civil como nossa época. Desconhecia, também, o direito romano, a declaração e a presunção de morte pelo desapareci- mento durante longo tempo. Quem tivesse interesse relacionado com o falecimento de alguma pessoa teria que produzir a respectiva prova. No direito justinianeu estabeleceram-se regras para o caso de várias pessoas, principalmente da mesma família, perecerem em um mesmo acidente. Presumia-se que o filho impúbere morrera antes do pai e o filho púbere depois (D. 34.5.9, D. h.t. 23). Essa presunção era simples (praesumptio iuris tantum), admitindo prova em contrário. CAPACIDADE JURÍDICA DE GOZO Capacidade jurídica de gozo, também chamada capacidade de direito, significa a aptidão do homem para ser sujeito de direitos e obrigações. Modernamente todo homem tem capacidade de direito, desde o nascimento. Não era assim no direito romano, pois nele se distinguiam diversas categorias de homens. Para ter a completa capacidade jurídica de gozo, isto é, para ter a idoneidade de ter direitos e obrigações, era necessário, no di-
  • 19. reito romano, que a pessoa fosse: 1.o) livre; 2.o) cidadão romano; e 3.o) independente do pátrio poder (sui iuris, paterfamilias). Verifiquemos, pois, esses três requisitos, examinando a liberdade (status libertatis), a cidadania (status civitatis) e a situação familiar (status familiae), pressupostos da capacidade jurídica de gozo em Roma. Liberdade (Status libertatis) Os homens podiam ser livres ou escravos, conforme as regras do direito romano. Eram livres aqueles que não eram escravos. Esses últimos não podiam ser sujeitos de direito; eram apenas objeto de relações jurí- dicas. Não podiam ter direitos ou obrigações, nem, tampouco, rela- ções familiares no campo do direito. A escravidão era um instituto reconhecido por todos os povos da antiguidade. Sua origem vem da guerra: os inimigos capturados passavam a ser escravos dos vencedores. Mas não só os prisioneiros de guerra. Todos os estrangeiros que pertencessem a um país que não fosse reconhecido por Roma, ainda que não estivesse em estado de guerra, eram considerados escravos, se caíssem no poder dos romanos. O mesmo se dava com o romano que caísse em mãos do inimigo. Mas o cidadão romano que se tornava prisioneiro de guerra do inimigo, ao voltar à pátria, recuperava automaticamente a liberdade e todos os direitos que tinha antes de ser capturado (D. 49.15.5.2, D. 41.1.7 pr.). Isso se chamava ius postliminii. Outra fonte da escravidão era o nascimento. Era escravo o filho de escrava, independentemente da classe social do pai (livre ou escra- vo). Foi somente o direito justinianeu que concedeu o favor da liber- dade ao filho de escrava que tivesse estado em liberdade em qualquer momento da gestação. Isso com base na ficção estabelecida pela regra já mencionada, isto é, a de que o nascituro era considerado co- mo já nascido (Inst. 1.4 pr., D. 1.5.5.2). Havia outras fontes da escravidão, porém de menor importância. Assim é que alguém podia ser reduzido à condição de escravo a título de pena, ou por insolvência. O mesmo acontecia no direito antigo com o filiusfamilias vendido pelo pai fora dos limites da cidade de Roma. O direito clássico considerou os filhos assim vendidos pelo pai não mais como escravos, mas sim em situação especial (in causa mancipii). Posteriormente, Justiniano aboliu o instituto por completo. Quanto ao conteúdo da escravidão, escravo não podia ser su- jeito de direitos, por lhe faltar a capacidade jurídica de gozo. Não podia ter direitos privados nem públicos. Sua união conjugal (contu- bernium) não era casamento no sentido jurídico romano. Não havia, assim, entre ele, a mulher e os filhos, relações de parentesco, para fins de sucessão e outros. Não tinha patrimônio e tudo que adquiria pertencia ao dono (Gai. 1.52). Este tinha sobre ele poderes tão amplos como sobre as demais coisas de sua propriedade. Podia aliená- lo; em princípio, até matá-lo. Entretanto, mesmo assim, a condição humana do escravo o distinguia da das outras coisas do patrimônio do dono. O direito romano reconheceu sempre a personalidade humana do escravo (persona servilis). Ele também participava, desde as ori- gens, do culto religioso da família. Seu túmulo era lugar sagrado, à semelhança do dos livres. Matar um escravo era crime, a que, já na República, correspondia a pena pública do homicídio, pela lex Come- lia de sicariis. No período imperial, ao dono foi proibido seviciar os escravos. Podiam estes impetrar a proteção dos magistrados (Gai: 1.53). Do ponto de vista patrimonial, verificou-se, também, uma evo- lução favorável ao escravo. Já na República o escravo podia possuir um pequeno pecúlio, cedido pelo seu dono, que ele geria livremente. Legalmente o pecúlio continuava a pertencer ao dono, mas na prática estava sendo administrado pelo escravo, como se fosse dele.
  • 20. A condição de escravo era permanente. O escravo sem dono, por qualquer razão que fosse (por exemplo, por ter sido abandonado), não se tomava livre. Continuava escravo, escravo sem dono (mes nullius). A atribuição da liberdade ao escravo fazia-se, ordinariamente, por meio de um ato voluntário do dono e se chamava manumissão. Havia, contudo, a possibilidade de o escravo obter a liberdade por direta disposição de lei. O direito quiritário (ius civile) conheceu três formas de manu- missão, pelas quais o dono conferia a liberdade a seu escravo: a ma- numissio vindicta, a manumissio censu e a manumissio testamento. A manumissio vindicta nada mais era que a utilização do pro- cesso judicial em que se discutia a questão de liberdade. É muito instrutivo examinar em que este consistia. O problema vital da liberdade de uma pessoa era objeto de um processo, que se chamava vindicatio in libertatem ou vindicatio in servitutem, conforme se visasse a declaração da liberdade de uma pessoa que servia como escravo, ou da condição de escrava de uma pessoa que vivesse como livre. Para isso era necessário que a pessoa, de cuja liberdade se tratasse, fosse defendida por um terceiro, cidadão romano, capaz, chamado defensor da liberdade (adsertor libertatis). Assim, as partes no processo eram o dono (que alegava ser escrava a pessoa envolvida) e o defensor da liberdade desta. A questão era resolvida pelo juiz a quem o pretor remetia o caso para decisão. Na manumissio vindicta o dono utilizava esse processo. Pedia a um amigo que intentasse uma vindicatio in libertatem perante o pretor, como defensor da liberdade. Quando o defensor declarava sua fórmula, alegando que o escravo era livre: Hunc ego hominem ex iure Quiritum liberum esse aio, tocava-o ao mesmo tempo com a vindicta (varinha), sinal do poder. O dono não contestava e o silêncio dele era tido, processualmente, como confissão ou admissão da veracidade das alegações da outra parte. Em face disto, o pretor declarava livre o escravo, sem remeter o caso ao juiz para ulteriores averiguações e decisão final. Posteriormente, as formalidades tão complicadas da manumissio vindicta foram simplificadas, passando ela a ser uma declaração sim- ples mas solene do dono perante o pretor e pela qual se conferia a liberdade ao escravo (Gai. 1.20, D. 40.2.23). A manumissio testamento, ou alforria testamentária, já era conhe- cida pelas XII Tábuas. O testador podia determinar no seu testa- mento que, com sua morte, o escravo fosse livre: Stichus servus meus liber esto (Gai. 2.267). A manumissio censu processava-se mediante a inscrição, com autorização do dono, do nome do escravo na lista dos cidadãos livres da cidade. A lista era elaborada pelos censores a cada cinco anos. Além desses modos de alforria do direito quiritário, o pretor reconhecia outros, sem solenidades. Tais eram a alforria feita perante testemunhas (manumissio inter amicos), por escrito (per epistulam), fazendo-se sentar o escravo à mesa (per mensam), colocando-se-lhe o chapéu (per pileum). Tais modos também conferiam a liberdade. Mas enquanto a alforria, realizada por um dos modos do direito quiritário e praticada pelo dono ex jure Quiritum, sem contrariar as restrições legais impostas ao direito de manumitir, conferia, além da liberdade, também a cidadania romana, a alforria pretoriana colocava o escravo libertado numa situação inferior. Neste caso, o liberto pas- sava a ter a posição de latino, por força da lei Junia Norbana (19 d.C.), sendo chamado latino Juniano. A legislação de Augusto introduziu reformas em matéria de alforria, restringindo-a consideravelmente. A lex Fufia Caninia (2 a.C.) limitou o número dos que podiam ser alforriados em proporção com o total dos escravos pertencentes ao dono (Gai. 1.42-43). A lex
  • 21. Aelia Sentia (4 d.C.) foi além: restringiu o direito de alforria, condi- cionando-o a uma certa idade do dono e dos escravos, declarando, por outro lado, nulas as manumissões praticadas em prejuízo dos credores do dono (Gai. 1.18 e 37). O escravo libertado se chamava liberto (libertinus ou libertus). Seus direitos políticos eram limitados. No campo do direito privado, encontrava-se sob o patronato do ex-dono. O patronato implicava uma relação de interdependência entre o ex-dono, patrono, e o es- cravo, alforriado, liberto e até uma espécie de sujeição deste àquele. Do patronato decorriam direitos e obrigações recíprocas, mas nem sempre equivalentes, entre as duas partes. Essa relação de patro- nato subsistiria enquanto o liberto vivesse, não se transmitindo, po- rem, aos seus herdeiros. Por parte do patrono, entretanto, a relação passava aos filhos, no caso de ele morrer antes do liberto. Quanto ao conteúdo do patronato, incluía ele, primacialmente o dever recíproco de prestar alimentos no caso de necessidade. O liberto passava a ter o nome do patrono e devia a ele respeito e reve- rência contínua (obre quium). Por isso, era-lhe proibido intentar ações criminais ou infamantes contra o patrono. E a propositura de qual- quer outra ação contra ele exigia a autorização prévia do magistrado. Além disso, o liberto devia certos serviços ao seu patrono (operae). Finalmente, o patrono tinha um direito de sucessão legítima (bona) nos bens do liberto, visto que o liberto não tinha legalmente nem ascendentes nem parentes colaterais. O pretor garantia ao patrono a metade da herança do liberto que morresse sem deixar filhos ou que os deserdasse em vida. Essa metade da herança cabia ao patrono, mesmo contra outros herdeiros estranhos, nomeados em testamento pelo liberto. Com o favor imperial chamado natalium restitutio (D. 40.11.1), cessam totalmente os direitos do patronato e o liberto adquire, retroa- tivamente, a posição de um ingênuo, pessoa nascida livre, que nunca foi escrava. O ius aurei anuli era outro favor, também conferido pelo imperador, e pelo qual se eliminavam as restrições político-sociais impostas aos libertos, como as de não poderem ser magistrados, não poderem ser nomeados senadores, não poderem servir nas legiões do exército. Do ponto de vista dos direitos privados, o ius aurei anuli eliminava o impedimento matrimonial entre liberto e pessoa de classe senatorial, mas não extinguia os direitos do patronato. Com ele o liberto passava a ser um quase ingênuo. Ficavam livres por lei, a título de punição do dono (edictum Claudii, D. 40.8.2), os escravos velhos e doentes por ele expostos; a título de recompensa, o escravo que delatasse o assassino de seu amo (senatusconsultum Silanianum, 10 d.C.). Também ficavam livres por lei os escravos que vivessem em liberdade por mais de 20 anos. Os ingênuos são os nascidos livres e que nunca deixaram de o ser, desde o nascimento. Não sofrem, destarte, nenhuma restrição decorrente de seu estado de liberdade. Cidadania (Status civitatis) Em princípio, o direito romano, tanto público como privado, valia só para os cidadãos romanos (Quirites). Os estrangeiros (peregrini) não tinham a capacidade jurídica de gozo no concernente aos direitos e obrigações do ius civile. Entre- tanto, a eles se aplicavam as regras do ius gentium. O estrangeiro podia adquirir propriedades pelo direito dele, mesmo em Roma. Tam- bém podia fazer testamento, conforme as regras de sua cidade. So- mente os peregrini dediticii, os inimigos vencidos, cujo direito e inde- pendência política não foram reconhecidos pelos romanos, estavam privados do uso de seu direito de origem. Eles se sujeitavam pura e exclusivamente às regras do ius gentium romano. Entre os estrangeiros, os latinos tinham uma posição especial.
  • 22. Os latinos, vizinhos de Roma (latini prisci), tinham capacidade jurí- dica de gozo semelhante à dos cidadãos romanos. Tinham o direito de votar nos comícios (ius suffragii), quando se encontravam em Ro- ma, e podiam comerciar e contrair matrimônio: ius commercii e ius conubii. Com a extensão da cidadania romana a toda a Itália, em 89 a.C., essa categoria de latinos deixou de existir. Como segunda cate- goria, porém, aparece a dos latini coloniarii, que eram os cidadãos das colônias fundadas por Roma e às quais fora dado o ius Latii. Estes gozavam da capacidade de ter os direitos privados (ius com- mercii e ius conubii), mas não os públicos (ius suffragii e ius hono- rum). Essa categoria, também, desapareceu com a extensão da cida- dania a todos os habitantes livres do império, por Caracalla, em 212 d.C. (constitutio Antoniniana). Uma terceira categoria de latinos exis- tiu desde a lei Junia Norbana (19 d.C.) e sobreviveu às demais. Como foi mencionado, os escravos alforriados pelos modos pretorianos ou mesmo contra as disposições restritivas das leis de Augusto, adqui- riram a posição de latinos e não a de cidadãos romanos. Sua capaci- dade jurídica de gozo era mais restrita que a dos pertencentes as outras categorias de latinos. Só tinham, os latini Juniani, o ius com- mercii inter vivos, o direito de serem sujeitos de relações patrimoniais entre vivos. Não podiam eles, pois, casar pelo ius civile, nem fazer testamento ou herdar. Diz-se que "viviam como livres, mas morriam como escravos" (Salvianus, adv. avar. 3.7). Por falecimento do latinus Junianus, seu patrimônio era devolvido ao patrono iure peculii, isto é, não a título de sucessão, mas como devolução ao próprio dono. A cidadania romana adquiria-se por nascimento de justas núpcias ou mesmo fora delas, se a mãe fosse cidadã no momento do parto. Os filhos nascidos de matrimônio misto (isto é, em que um dos côn- juges fosse estrangeiro) seguiam a condição de estrangeiro, de acordo com as disposições da lei Minicia (Gai. 1.78). Adquiria-se a cidadania também pela alforria quiritária, como já foi explicado. Além disso, a cidadania podia ser conferida pelos comícios por determinação dos magistrados e, mais tarde, pelos impe- radores. A concessão podia ser feita a estrangeiro, quer em caráter individual, quer como medida de ordem geral. Por exemplo, a exten- são da cidadania a toda Itália em 89 a.C. e a todos os habitantes livres do império em 212 d.C. O cidadão romano, desde que preenchesse também o requisito da independência do poder familiar, tinha plena capacidade jurídica de gozo. Assim, ele podia ter a totalidade dos direitos públicos e pri- vados e as obrigações respectivas. Perdia-se a cidadania pela perda da liberdade. Podia-se, contu- do, perder a cidadania sem a perda da liberdade, como no caso do exílio, da deportação, da renúncia. Situação familiar (Status familiae) Para ter a completa capacidade jurídica de gozo, era preciso que o sujeito, além de ser livre e cidadão romano, fosse também indepen- dente do pátrio poder. A organização familiar romana distinguia entre pessoas sui íuris (paterfamilias), independentes do pátrio poder, e pessoas alieni iuris, sujeitas ao poder de um paterfamilias. A inde- pendência do pátrio poder não tinha relação com a idade. Um recém- nascido, não tendo ascendente masculino, era independente do pátrio poder, ao passo que um cidadão de 70 anos, com o pai ainda vivo, era alieni iuris, isto é, sujeito, na qualidade de filiusfamilias, ao po- der de seu pai. Os alieni iuris não eram absolutamente incapazes. Tinham plena capacidade no campo dos direitos públicos: podiam votar e ser vo- tados para as magistraturas (ius suffragii e ius honorum) e, também, servir nas legiões. No campo dos direitos privados podiam casar-se (ius conubii), desde que obtivessem consentimento do paterfamilias,
  • 23. que, aliás, exercia o pátrio poder também sobre os netos. Nas relações patrimoniais, tudo o que o alieni iuris adquirisse, adquiria para o paterfamilias; nas obrigações assumidas pelos alieni iuris a situação era diferente: o paterfamilias somente respondia excepcionalmente por elas. A evolução do direito romano se caracterizou pela responsabili- zação sempre crescente do paterfamilias no respeitante às obrigações contraídas pelos seus familiares. Por outro lado, foi conferida cada vez maior independência patrimonial aos alieni iuris por meio do desenvolvimento do instituto do pecúlio (peculium). Este era uma parte do patrimônio da família, entregue à administração direta dos alieni iuris. "CAPITIS DEMINUTIO" A situação da pessoa, quanto à capacidade jurídica de gozo, era determinada pelos três estados: o de liberdade, o de cidadania e o de família. Mudando-se qualquer um desses requisitos, mudava- se a situação jurídica da pessoa também, mudança essa que se cha- mava capitis deminutio. Embora representasse principalmente a perda de determinados direitos (sendo equiparada à morte civil, cf. Gai. 3.153), a idéia básica da capitis deminutio não é essa, mas a de-extin- ção da personalidade do ponto de vista jurídico, para ser substituída por uma nova. Isso podia significar, também, uma mudança para melhor, como a passagem da situação de alieni iuris para sui iuris. Assim, pode-se falar de capitis deminutio no caso da emancipação. Tendo em vista os três estados (liberdade, cidadania, família), requisitos da capacidade jurídica de gozo, três podiam ser as altera- ções sofridas por capitis deminutio: 1 .a) a perda da liberdade, que acarretava a capitis deminutio maxima; 2.a) a da cidadania, a média; e 3.a) a mudança no estado familiar, a capitis deminutio mínima. A perda da liberdade verificava-se quando o cidadão romano caía prisioneiro do inimigo, servus hostium (Gai. 1.129). Embora ti- vesse perdido o prisioneiro sua capacidade de ter direitos e obrigações, enquanto ele ficasse em poder do inimigo, sua situação era a de pendência, pois, pelo ius postliminii, quando ele voltasse a Roma, recuperaria todos os direitos que anteriormente tivesse, como se nunca os houvesse perdido. Note-se, entretanto, que o ius postliminii se apli- cava tão-somente aos direitos e não às situações de fato. Estas últimas tinham que ser restabelecidas. Essa distinção terá sua aplicação com relação ao matrimônio e à posse. Por outro lado, se o prisioneiro morresse nas mãos do inimigo, pela ficção introduzida pela lei Cornelia (fictio legis Corneliae), ele seria considerado como falecido antes de ter caído prisioneiro, isto é, como falecido no estado de livre. Isso para o efeito de abertura da sucessão por sua morte.É que não se podia abrir sucessão de pessoa morta na condição de escravo, tornando ineficaz o testamento even- tualmente deixado por ela (testamentum irritum factum). Perdia-se, também, a liberdade a título de punição, como, por exemplo, no caso do ladrão colhido em flagrante (fur manifestus). No direito arcaico, o devedor executado, que não conseguisse pagar sua dívida, também podia ser vendido como escravo, fora de Roma (trans Tiberim). A perda da liberdade acarretava a perda da cidadania e da si- tuação na família romana também, pois a liberdade era pressuposto da cidadania e do status familiae. Na capitis deminutio media, o cidadão passava à condição de estrangeiro pelo exílio voluntário ou pelo imposto por punição (inter- dictio aqua et igni). A pena de deportação foi instituída por Tibério (14-37 d.C.). Podia alguém voluntariamente transferir-se para uma colônia latina. Era renúncia à cidadania romana, que representava capitis deminutio media também (cf. Gai. 1.131). A alteração no estado familiar representava a capitis deminutio
  • 24. minima. Nesse caso o capite deminutus (quem sofreu a mudança) perde todas as relações jurídicas (mas não as de consangüinidade) com a família anterior, adquirindo novo estado familiar. Pode-se veri- ficar pela passagem de uma pessoa alieni iuris de sua família de ori- gem para uma nova família (adoção ou conventio in manum) ou para o estado de sui iuris (emancipação). Vice-versa, um sui iuris podia passar à sujeição, na qualidade de alieni iuris, na família do adrogator (espécie de adoção). OUTRAS CAUSAS RESTRITIVAS DA CAPACIDADE Havia outras circunstâncias que tinham influência na capacidade jurídica de gozo. As mulheres não tinham capacidade para direitos públicos e sofriam restrições no âmbito do direito privado também. A mulher não tinha direito ao pátrio poder, nem à tutela, e não podia parti- cipar dos atos solenes na qualidade de testemunha. Restringiam a capacidade jurídica de gozo a intestabilitas, a infamia e a turpitudo, que eram penalidades impostas em conseqüên- cia de atos ilícitos, penalidades que importavam na falta de honora- bilidade. A religião também, com os impedimentos matrimoniais, incapaci- dade de testar e de herdar, podia ser fator que concorresse para certas restrições da capacidade jurídica. PESSOA JURÍDICA Como já mencionamos, além da pessoa física, o direito reco- nhece personalidade também às pessoas chamadas jurídicas ou mo- rais, que são entidades artificiais. Trata-se de organizações destinadas a uma finalidade duradou- ra, que são consideradas sujeitos de direito, isto é, com capacidade de ter direitos e obrigações. Pela doutrina moderna, a pessoa jurídica pode ser de duas espé- cies: corporação (universitas personarum), que é a associação de pes- soas, e fundação (universitas rerum), que é um conjunto de bens, destinados a uma determinada finalidade. Parece que o direito romano clássico somente conheceu as corpo- rações. As origens das fundações, nós as encontramos somente no direito pós-clássico. A característica essencial das pessoas jurídicas é terem elas perso- nalidades distintas da de seus componentes, bem como terem patri- mônio e relações de direito distintas das de seus membros: Si quid universitati debetur, singulis non debetur, nec quod debet universitas, singuli debent (D. 3.4.7.1). No direito romano, as corporações incluíam o Estado Romano (populus Romanus) e seu erário, as organizações municipais e as colônias, todas estas predominantemente de caráter público. Além delas, havia associações de caráter privado, chamadas sodalitates, collegia e societates, que tinham fins religiosos, como os colégios de sacerdotes da era pagã, ou fins econômicos, como as corporações profissionais de artesãos, as de comércio e as sociedades dos cole- tores de impostos e também as associações visando a garantir fune- rais decentes a seus membros. As fundações começaram a surgir somente na época cristã. Con- siderou-se, então, como sendo sujeito de direito um determinado pa- trimônio, vinculado a certas finalidades, especialmente para fins de beneficência ou fins religiosos (piae causae). O ato constitutivo, pre- vendo a finalidade e regulando a sua organização interna, bastava para constituir a fundação. Quanto às corporações privadas, exigia-se para seu funciona- mento autorização do senado e, posteriormente, do imperador. Para sua constituição, era necessário o mínimo de três membros
  • 25. (tres faciunt collegium, D. 50.16.85). Tais corporações eram reguladas pelos seus estatutos (lex colle- gii), que tinham que determinar, além do fim social, também os órgãos representativos (actores, syndici) da pessoa jurídica. O nascimento e extinção das corporações públicas não interessam ao direito privado. Extinguia-se a pessoa jurídica quando sua finalidade era pre- enchida ou quando o senado, e mais tarde o imperador, revogava a respectiva autorização para funcionar. Nas corporações privadas, mo- tivo de extinção era o desaparecimento de todos os seus membros. A fundação extinguia-se pela perda da totalidade do patrimônio. CAPÍTULO 6 OBJETOS DE DIREITO CONCEITO Coisa é um termo de significado muito amplo. Usa-se para de- signar todo e qualquer objeto do nosso pensamento. Isto significa que a noção vulgar de coisa vale tanto para o que existe no mundo das idéias, como no da realidade sensível. Na linguagem jurídica, porém, coisa (res) é o objeto de relações jurídicas que tenha valor econômico. Não o é, portanto, aquilo que não possa ser objeto de tais relações. Assim, não é res o corpo celes- tial. Podem sê-lo, contudo, no direito moderno, certas idéias que repre- sentem valor econômico: patentes de invenção, obras de arte, direitos autorais. Os romanos faziam distinção entre coisas em comércio (res in commercio) e fora dele (res extra commercium). As primeiras eram equelas que podiam ser apropriadas por particulares. As segundas não podiam ser objeto de relações jurídicas entre particulares pela sua natureza física ou por sua destinação jurídica. Assim, estavam excluídas do comércio as coisas dedicadas aos deuses, res extra com- merciunz divini iuris, e outras por razões profanas, res extra commer- cium humani iuris. Na primeira categoria encontramos as coisas sa- gradas, dedicadas diretamente ao culto religioso, como os templos (res sacrae), as coisas santas (res sanctae), que eram as consideradas sob a proteção dos deuses, como as portas e os muros da cidade, e as coisas religiosas (res religiosae), que eram os túmulos. Por razões de ordem profana, eram consideradas fora do comércio (res extra com- mercium humani iuris) as coisas comuns a todos (res communes omnium), isto é, as indispensáveis à vida coletiva ou a ela úteis, como o ar, a água corrente, o mar e as praias. Além dessas eram conside- radas fora do comércio as coisas públicas, pertencentes ao povo ro- mano (res publicae), como as estradas e o Fórum. Res in commercio podiam realmente estar no patrimônio de alguém, ou encontrar-se fora de qualquer relação patrimonial. As ex- pressões romanas res in patrimOnio e res extra patrimonium são usa- das nas fontes em dois sentidos: às vezes indicam a mesma distinção que já fizemos entre coisas in commercio, suscetíveis de serem objeto de relações jurídicas, e coisas extra commercium; outras vezes ser- vem para distinguir aquelas que se situam efetivamente no patrimô- nio de alguém ou fora dele. Por razões didáticas, preferimos a se- gunda interpretação. Portanto, as coisas extra patrimonium eram as que, em dado momento, não se encontravam no patrimônio de ninguém, mas que poderiam ser apropriadas. Assim, as res nullius (coisas sem dono), as res hostium (coisas dos inimigos de Roma). No que se refere às coisas in commercio e ao mesmo tempo in patrimonio, há várias outras classificações que até hoje sobrevivem, feitas pelos romanos.
  • 26. COISAS CORPÓREAS E INCORPÓREAS Já Gaio (2.12-14) distingue entre as coisas corpóreas e incor- póreas (res corporales et incorporales). A diferença para ele reside na tangibilidade, sendo corpóreas aquelas que podem ser tocadas e existem corporeamente. As outras, isto é, as incorpóreas, somente existem intelectualmente. A mesma distinção foi conhecida por Cí- cero (Top. 5.27) e Sêneca (Ep. ad Luc. 58.14), além de outros. Na realidade, essa classificação jurídica servia para distinguir entre coi- sas e direitos, pois as primeiras são corpóreas e os segundos incor- póreos. "RES MANCIPI ET RES NEC MANCIPI" A distinção entre res mancipi e res nec mancipi tem bases histó- ricas. As primeiras, para se lhes transferir a respectiva propriedade, requeriam a prática das formalidades da mancipatio, ato solene do direito arcaico. As segundas podiam ser transferidas pela simples en- trega, sem formalidades (traditio). Faziam parte da categoria das res mancipi os terrenos itálicos (não os provinciais), os animais de tiro e carga (como o cavalo, a vaca, o burro), os escravos e as quatro servidões prediais rústicas mais antigas, que eram via, iter, actus e aquaeductus. As demais coisas eram nec mancipi. COISAS MÓVEIS E IMÓVEIS O terreno e o que estivesse definitivamente ligado a ele distin- guiam-se das coisas transportáveis e semoventes. Já as XII Tábuas (450 a.C.) conheceram essa distinção ao estabelecer prazo diferente pa- ra o usucapião delas. A terminologia coisas imóveis e móveis (res immo- biles et res mobiles) é mais recente. Ela data do período pós-clássico, quando modos especiais de aquisição de propriedade foram exigidos para as primeiras. COISAS FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS (NÃO-FUNGÍVEIS) O termo "fungível" não é romano. Foi criado no século XVI por Úlrico Zásio, com base na definição romana de Paulo, que procurava precisar o princípio da substituibilidade das coisas: res quae in genere suo functionem recipiunt (D. 12.1.2.1) (coisas cuja função consiste em serem determinadas pelo seu gânero). Fungíveis são as coisas substituíveis por outras do mesmo genero, qualidade e quantidade. Aparecem normalmente no comércio como determinadas apenas pela sua quantidade, peso e medida: quae pon- dere numero mensura constant (Gai. 2. 196). São elas caracterizadas por pertencerem a um genero extenso, para o qual a individualidade de cada unidade componente não tem relevância jurídica. Por isso são coisas facilmente substituíveis entre si. Assim, o arroz, a farinha, o metal. Infungíveis são as coisas especificamente consideradas, cujas características individuais impedem sejam substituídas por outras do mesmo gênero. Assim um quadro, uma estátua. COISAS CONSUMÍVEIS E INCONSUMÍVEIS Há coisas que podem ser usadas uma só vez e outras que per- mitem uso repetido. As primeiras se exaurem com o seu uso normal e são chamadas coisas consumíveis (quae usu consumuntur), porque quem as usou fica privado de utilizá-las mais de uma vez. É o caso dos alimentos e das bebidas, que desaparecem com o uso normal; do dinheiro, que se gasta. Inconsumíveis são as coisas suscetíveis de uti- lização constante, sem que sejam destruídas. Conservam, assim, mes- mo quando usadas, sua utilidade econômico-social anterior. Exemplo: um quadro, uma estátua, um vestido, um carro. Entre as coisas inconsumíveis, os romanos da época pós-clássica propuseram uma subclassificação, distinguindo as coisas realmente
  • 27. inconsumíveis das que perdem lentamente seu valor pelo uso repetido: quae usu minuuntur (D. 75. ruhr.). Assim, um vestido, um carro, em contraposição a um quadro, a uma estátua. Tratava-se, pois, de uma categoria intermediária entre as coisas consumíveis e inconsumíveis. COISAS DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS O conceito jurídico da divisibilidade está intimamente ligado ao do valor econômico das coisas. Físicamente toda e qualquer coisa pode ser dividida. Juridicamente, porém, a divisibilidade depende da circunstância de a coisa repartida conservar ou não o valor propor- cional ao do todo. Divisíveis são as coisas que podem ser repartidas sem perder esse valor proporcional, como um terreno, o arroz. Indi- visíveis são aquelas cujo valor sócio-econômico se reduz ou se perde com a divisão. É o caso de uma estátua, de um carro. COISAS SIMPLES, COMPOSTAS, COLETIVAS OU UNIVERSAIS A distinção é romana e se refere a coisas simples - quod conti- netur uno spiritu (D. 41. 3. 30 e 6. 1. 23. 5) -, representando uma unidade orgânica, natural ou artificial. As coisas compostas - quod ex contingentibus, hoc est pluribus inter se cohaerentibus constat (D. 41.3.30) - são formadas da união artificial de várias coisas sim- ples. Assim, são simples um bloco ou uma estátua de mármore, um escravo, e são compostas um edifício, um carro. A terceira categoria, ou seja, a das coisas coletivas ou univer- sais, abrange um aglomerado de coisas simples, que só juridicamente estão ligadas entre si. Assim, um rebanho, uma biblioteca, constituí- dos respectivamente de várias ovelhas ou de vários livros, cujo único liame é a sua destinação jurídica comum. COISAS ACESSÓRIAS Ligado ao conceito de coisa composta, temos que examinar o dos acessórios e pertenças. A reunião de várias coisas simples pode criar uma coisa completamente nova, que absorva todos os seus com- ponentes. Exemplo: um carro, que é composto de centenas de ele- mentos. Mas pode verificar-se uma união diferente, na qual uma coisa principal absorva uma outra coisa, considerada acessória. Por exem- plo: o terreno é sempre principal e tudo o que a ele se junte é aces- sório. Assim, as construções, as plantações nele feitas. O acessório segue sempre a sorte da coisa principal: accessio cedit principali (D. 34. 2. 19. 13). Podemos distinguir do conceito do acessório o das pertenças (instrumenta), onde há um liame menos íntimo de uma coisa com outra principal. As pertenças conservam certa autonomia, mas sua destinação jurídica está ligada à da coisa principal. Assim, os instru- mentos de trabalho (instrumenta fundi), destinados ao cultivo da ter- ra, estão ligados a ela, embora conservem certa independência. FRUTOS Frutos são coisas novas produzidas natural e periodicamente por uma outra, que, por isso mesmo, se chama coisa frugífera. Por exem- plo: os frutos do solo, da árvore, o leite, as ovelhas do rebanho (assim consideradas, no direito romano, aquelas excedentes após a compen- sação das ovelhas mortas pelas novas). Todas essas coisas são chama- das frutos naturais. As rendas obtidas com a locação ou o arrenda- mento de coisas são também consideradas frutos. São os frutos civis (loco fructuum, pro fructibus). Por razões filosóficas, o parto da es- crava não era considerado fruto pelos romanos. Ele passava a per- tencer ao dono da escrava-mãe pelo nascimento. Enquanto faz parte da coisa frugífera, o fruto, por isso chamado pendente, não tem individualidade própria, seguindo, assim, a sorte
  • 28. da coisa principal. Destacado o fruto da coisa frugífera, fruto sepa- rado, passa ele a ter individualidade própria e pode, então, ser objeto de relações jurídicas separadamente da coisa produtora. Neste último aspecto, do ponto de vista jurídico, os frutos separados podem ser considerados como colhidos (percepti), a serem colhidos (percipiendi), já consumidos (consumpti) e também extantes, que são os colhidos e existentes no patrimônio de alguém, aguardando o consumo oportuno e posterior. BENFEITORIAS Benfeitorias são os gastos com as coisas acessórias ou pertenças juntas à coisa principal, para melhorar e aumentar a utilidade desta. Podem ser elas necessárias, quando imprescindíveis para garantir a existência e subsistência da coisa principal. Por exemplo: telhado novo. São úteis, quando aumentam a utilidade da coisa principal, que, po- rém, pode subsistir sem elas. Por exemplo: uma pintura nova no pré- dio. Voluptuárias são as de mero luxo, como uma piscina ao lado da residência. CAPÍTULO 7 ATO JURÍDICO CONCEITO A doutrina do ato jurídico não é obra dos romanos. As cons- truções dogmáticas modernas a ela referentes, entretanto, têm bases romanísticas. Expô-las-emos numa forma simplificada, a fim de servir de fundamento aos estudos posteriores. Os eventos, acontecimentos de toda espécie, são chamados fatos. Entre estes, há fatos que têm conseqüências jurídicas e há outros que não as têm. Chove, por exemplo. Normalmente não decorre nenhum efeito jurídico de tal fenômeno natural. Trata-se, neste caso, de um fato simples. Pode, entretanto, a chuva estragar uma colheita, aca- bando com os frutos a serem colhidos (percipiendi). Nessa hipótese, trata-se de um fato jurídico, de um evento que tem conseqüências jurídicas. Entre os fatos jurídicos distinguimos os fatos causados pela von- tade de alguém dos fatos que se verificam independentemente dessa vontade. Os primeiros são os fatos jurídicos voluntários, os segundos os fatos jurídicos involuntários. Interessam-nos, naturalmente, mais os primeiros que os segundos. Os fatos jurídicos voluntários, por sua vez, podem ser lícitos ou ilícitos, dependendo da sua conformidade ou não à norma jurídica. Os fatos jurídicos voluntários ilícitos são os delitos, mas nos interessam muito mais os fatos jurídicos voluntários lícitos. Entre estes se destacam os atos jurídicos, que são manifestações de vontade que visam à realização de determinadas conseqüências jurídicas. Ao ato jurídico assim concebido podemos dar também o nome de negócio jurídico, sendo ambas as denominações de origem moderna. Aliás, o Código Civil Brasileiro (art. 81) dá mui elegantemente o conceito do ato jurídico, que foi por nós explicado com demasiada simplicidade. Diz a lei: "Todo o ato lícito que tenha por fim ime- diato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico". Analisando, então, o ato jurídico, verificamos que ele nada mais é que uma declaração de vontade. Com referência a ela, logo se per- gunta, qual deve ser a sua forma? O direito antigo era formalista, deu mais importância à forma do que ao fundo. Por isso, os atos jurídicos do direito quiritário (ius civile) exigiam formalidades complicadas, de cuja observância depen- dia a validade do ato e o seu conseqüente efeito jurídico. Assim, os atos per aes et libram, que eram a mancipatio, o nexum e a solutio
  • 29. per aes et libram; os atos pela in jure cessio e a stipulatio (e seme- lhantes como a dotis dictio, cretio etc.). Os do primeiro grupo reque- riam as formalidades de uma compra e venda real, uma troca efetiva de mercadoria contra preço, que, nos tempos primitivos, era um pe- daço de metal não cunhado e que por isso tinha que ser pesado. Donde a necessidade de um porta-balança e das formalidades extrínsecas de pesagem (mesmo que simbólicas). Além disso, exigiam-se as formali- dades da presença das partes, do objeto, de cinco testemunhas idôneas e do pronunciamento de certas fórmulas verbais, quase sacramentais. Os do segundo grupo, atos pela in jure cessio, requeriam a imitação de um processo e os do terceiro uma fórmula verbal, com pergunta e resposta, que gerava efeitos jurídicos, desde que pronunciadas as palavras sacramentais da maneira prescrita. A evolução posterior acentuou cada vez mais o valor do elemento intencional do ato jurídico, em detrimento do externo e formal. Isso não significa, naturalmente, que a vontade não devesse ser devida- mente declarada, mas apenas que a sua manifestação deveria ser feita de maneira clara, sem tanta prevalência das formas solenes. Assim, no direito evoluído, o ato jurídico nada mais era que uma inequívoca manifestação de vontade. Além dela, somente em casos especiais era exigido algum ato suplementar, como, por exemplo, a entrega da coisa na tradição, que é um dos modos de transferência da propriedade. A manifestação de vontade pode ser expressa, quando se empre- guem os meios usuais para se declarar aquilo a que a vontade visa. Assim, palavras, gestos ou redação e assinatura de documentos. Por outro lado, a manifestação também pode ser tácita mediante um comportamento de significado inequívoco, podendo-se deduzir dele a vontade, tal como se fosse expressamente declarada. Assim, se um herdeiro toma conta dos negócios deixados pelo defunto, conclui-se que aceitou a herança, sem necessidade da declaração expressa e formal de aceitá-la. O silêncio não é propriamente manifestação de vontade, mas pode ser considerado como tal: qui tacet, non utique fatetur; sed tamen verum est eum non negare (D. 50. 17. 142). No caso de o pai dar a filha em casamento, o silêncio dela era considerado como consenti- mento: quae patris voluntati non repugnat, consentire intellegitur (D. 23.1.12 pr.). CAPACIDADE DE AGIR Pressuposto da validade da manifestação da vontade era a capa- cidade de agir da pessoa que praticava o ato jurídico. Essa capacidade de agir tem outras denominações também: é chamada capacidade de fato, capacidade de exercício ou capacidade de praticar atos jurídicos. Ela se distingue da outra capacidade já estudada, isto é, da capa- cidade jurídica de gozo ou capacidade de direito. Nem toda e qualquer pessoa tinha capacidade de agir. Esta dependia da idade, do sexo e de sanidade mental perfeita. Em regra geral, os púberes, varões, perfeitamente sãos, tinham plena capacidade de agir. Por outro lado, as limitações à capacidade de agir decorriam desses mesmos fatores. Quanto à idade, a summa divisio era a puberdade, que, segundo opinião de jurisconsultos clássicos, acolhida por Justiniano, era adqui- rida aos 14 anos pelos varões e aos 12 anos pelas mulheres. Os púbe- res, em princípio, tinham completa capacidade de agir; os impúberes, não. Estes se dividiam em infantes (qui fari non possunt), isto é, menores de 7 anos, que eram absolutamente incapazes de agir, e os infantia maiores, isto é, dos 7 anos até a puberdade, que tinham uma capacidade restrita de agir. Estes últimos podiam praticar atos que os favorecessem, mas não podiam obrigar-se sem a intervenção de um tutor, que devia tomar parte no ato jurídico, conferindo a sua autori-