O documento discute violência obstetrícia, definindo-a como intervenções médicas desnecessárias durante o parto que violam os direitos da gestante. Ele também descreve exemplos de maus-tratos verbais e físicos, questões polêmicas como episiotomia e uso de fórceps, e os direitos das gestantes de acordo com leis e diretrizes brasileiras.
2. “NA HORA QUE VOCÊ ESTAVA FAZENDO, VOCÊ NÃO
TAVA GRITANDO DESSE JEITO, NÉ?”
“NÃO CHORA NÃO, PORQUE ANO QUE VEM VOCÊ TÁ
AQUI DE NOVO.”
“SE VOCÊ CONTINUAR COM ESSA FRESCURA, EU
NÃO VOU TE ATENDER.”
“NA HORA DE FAZER, VOCÊ GOSTOU, NÉ?”
“CALA A BOCA! FICA QUIETA, SENÃO VOU TE FURAR
TODINHA.”
3. O que é violência obstetrícia?
Questão de saúde pública em nível mundial;
Caracterizada por altos índices de intervenção e medicalização em desconformidade com os
desejos da parturiente e com as melhores práticas de um parto que preserve os direitos
humanos da mãe e do bebê;
As práticas vão da negligência e omissão aos maus tratos físicos e verbais, e envolvem todo o
período gestacional, não apenas o momento do parto;
É exercida tanto nos âmbitos público quanto privado;
Seu enfrentamento segue princípios e orientações de marcos internacionais que versam
sobre os direitos humanos das mulheres, tais como a Convenção sobre a eliminação de todas
as formas de violência contra as mulheres (1979) e a Convenção de Belém do Pará (1994);
Em 2015 a OMS lançou uma Declaração sobre Prevenção e Eliminação de abusos,
desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde; e
Em 2017, o Ministério da Saúde lançou diretivas para buscar frear a questão.
6. “A médica fez uma episiotomia sem que eu soubesse e,
enquanto dava os pontos, ela ia explicando para cinco alunos
presentes como era o tecido do meu períneo. Me senti uma
cobaia humana”.
Elisângela Alberta de Souza, esteticista e mãe de Cecilia,
Pedro e Ester.
9. Questões polêmicas: a episiotomia e a
manobra de Kristeller
A manobra de Kristeller, de acordo com as melhores práticas e conforme orientação do Ministério da Saúde, não
deve ser utilizada, por ser inadequada, consistir violência para com a mãe, e poder gerar efeitos negativos no
nascituro.
Já a episiotomia possui algumas indicações, devendo-se combater seu uso indiscriminado (no Brasil, ocorre em
mais de 90% dos partos) e o pouco cuidado tomado em sua execução e pós-operatório. Além disso, deve-se abolir a
prática do “ponto do marido”.
11. Caso prático: uso do forceps gerando
sequelas
http://vivomaissaudavel.com.br/gravidez-
e-filhos/sobre-o-parto/procedimentos-
que-podem-ocorrer-durante-o-trabalho-
de-parto-e-o-parto-000138/
“Ainda há necessidade da prática do
fórceps, mas que esse ato deve ser
realizado por obstetra experiente e
em ambiente que permita a prática
da cesárea. As indicações fetais para
parto a fórceps são a parada de
progressão e o sofrimento fetal, e as
indicações maternas são aquelas em
que o esforço expulsivo é fator de
risco para complicações (cardiopatias,
pneumopatias, encefalopatias). A falha
do fórceps ou do vácuo é indicação
para cesárea, não sendo
recomendado o seu uso
sequenciado.”
http://files.bvs.br/upload/S/0100-7254/2011/v39n12/a2974.pdf
12. A 5ª Vara da Fazenda Pública do
Distrito Federal condenou o
Poder Público a pagar
indenização de 60 mil reais a
título de danos morais, pois a
parturiente, que já estava em
trabalho de parto, não apenas
demorou 8 horas para ter o
procedimento iniciado, como
também o uso do fórceps causou
danos à criança, que hoje tem
problemas físicos e mentais e
vive de forma vegetativa, tendo
vindo a falecer.
Processo: 2009.01.1.048792-0
“o ponto fulcral gira em torno da
utilização do fórceps no parto (...) Em
primeiro que se utilizaram de um método
ultrapassado e que coloca tanto a
gestante quanto o feto em situação de
risco. Em segundo que além da
negligência médica na escolha do
procedimento equivocado e de risco, os
médicos foram imperitos, já que
utilizaram o instrumento de forma
equivoca, perfurando, de forma profunda,
a nuca do recém-nascido, causando
graves sequelas que contribuíram para a
sua morte, ainda que após 6 anos do
procedimento realizado".
http://www.jornaljurid.com.br/noticias/distrito-federal-tera-que-indenizar-danos-decorrentes-de-parto-com-uso-de-forceps
13. Quais são os direitos da gestante?
A gestante e a parturiente, como todo paciente, merecem ser atendidas segundo os
princípios que governam a atividade médica, como a beneficência e o direito do
paciente de participar de seu tratamento.
Há uma lei específica que dá o direito à presença de um acompanhante com a
gestante (Lei n. 11.108/2005).
A anestesia deve ser ministrada, a requerimento da gestante ou com seu
consentimento, e deve-se ter certeza de que esta fazendo efeito.
De acordo com o previsto no Código de Ética Médica, também o pudor da gestante
deve ser respeitado (cf. art. 38). Exemplo disso é a utilização de vestuário adequado,
bem como a não invasão do espaço para servir de “sala de aula” sem consentimento.
Todo e qualquer procedimento precisa ser feito mediante esclarecimento e
autorização prévia da gestante.
14. O que fazer?
Denúncias ao Conselho de
Classe.
Possibilidade de acesso ao
Poder Judiciário: ações civis
por danos morais, materiais, e
estéticos; ações penais por
injúria e lesão corporal.
15. As Diretrizes de Assistência ao Parto
Normal
Trabalho baseado em evidências científicas e colaboração de diversos profissionais;
Tem como objetivo permitir que a mulher tenha maior poder de decisão sobre como será o
nascimento do filho;
Seu cumprimento é obrigatório, não são apenas recomendações sem poder vinculante.
Medidas que deverão ser incorporadas:
- Permitir à mulher a posição que ela preferir
durante o parto, visando o conforto;
- Presença de doulas e de acompanhante;
- Dieta livre, com o fim do jejum obrigatório;
- Métodos de alívio para a dor, como
massagens, banhos quentes e imersão na
água;
- Direito à anestesia e à reaplicação dela;
- Contato pele-a-pele da criança com a mãe
imediatamente após o parto;
- Direito à privacidade da gestante e da
família;
- Estímulo à amamentação.
Devem ser evitados:
- Episiotomia;
- Uso do hormônio ocitocina para acelerar a
saída do bebê;
- Cesariana;
- Aspiração do nariz e da faringe do recém-
nascido;
- Manobra de Kristeller;
- Uso do fórceps;
- Lavagem intestinal antes do parto;
- Raspagem dos pelos pubianos;
- Rompimento da bolsa;
- Corte precoce do cordão umbilical (espera
de 1 a 5 minutos ou até cessar a pulsação).
16. Novos desdobramentos: determinações estaduais
Amazonas
Foi criado o Comitê de Combate à Violência
Obstétrica, coordenado pelo MPF/AM e pela
Secretaria de Estado da Saúde (Susam). Também
fazem parte a Secretaria Municipal de Saúde,
Universidades, as Secretarias de Estado de
Justiça, Direitos Humanos e Cidadania e
Segurança Pública, e Defensoria Pública do
Estado, o MPE, o Conselho Regional de
Enfermagem, o Conselho Estadual de Direitos da
Mulher, a Ordem dos Advogados do Brasil e a
Unicef.
O primeiro resultado da parceria é a
determinação de inclusão, nos contratos de
serviços de saúde prestados às maternidades
estaduais, de cláusulas que visam garantir os
direitos da mulher e da criança e prevenir a
violência obstétrica.
Além disso, foi realizada capacitação de
servidores que lidam com as denúncias de
violência obstetrícia, para o melhor
encaminhamento e resolução das questões.
Santa Catarina - Lei Estadual n. 17.097/2017
Em janeiro de 2017 foi sancionada a Lei Estadual voltada para
a informação e proteção da parturiente, e estabelece que
serão considerados como violência obstetrícia atos
praticados por médicos e outros profissionais de saúde ou
familiares que ofendam, verbal ou fisicamente, as gestantes,
parturientes ou mulheres em recuperação após o parto, e
prevê fiscalização e sanções administrativas.
Se considerará violência, por exemplo, fazer a mulher
acreditar que é necessária cesariana quando não for, impedir
que ela seja acompanhada por alguém de sua preferência,
submeter a mulher a procedimentos como lavagem intestinal
e raspagem de pelos pubianos, e a realização de exame de
toque por mais de um profissional.
A norma, ainda, trata especificamente da realização de
episiotomia sem real necessidade.
Por fim, são proibidas a prática de procedimentos sem antes
pedir permissão ou explicar, de forma simples, a necessidade
do que está sendo feito.
17. Dúvidas?
Ana Paula de Souza Cury
anapaula@cgrcadvogados.com.br
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC do Rio Grande do Sul
Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie
LLM em Direito Médico e Ética pela Universidade de Edimburgo -
Escócia
Membro da Comissão de Direito Médico da OAB/SP
Integrante da Sociedade Brasileira de Bioética
Integrante da World Association for Medical Law
Maria Luiza Gorga
marialuiza@cgrcadvogados.com.br
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo
Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra
Mestre em Direito Penal Médico pela USP
Doutoranda em Direito Penal Médico pela USP
Autora do livro “Direito Médico Preventivo - Compliance Penal na Área da
Saúde”
Membro da Comissão de Direito Médico da OAB/SP
Integrante da World Association for Medical Law
Membro do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial – IBDEE