PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
Textos sobre neurociência
1. FORMAÇÃO NEUROCIÊNCIA: como ela ajuda a entender a aprendizagem conclusões da
área sobre como o cérebro aprende trazem à tona questões tratadas por grandes teóricos da
psicologia, como piaget, vygotsky, wallon e ausubel. Saiba como elas podem enriquecer
as discussões sobre o ensino – Fernanda Salla
A emoção interfere no processo de retenção de informação. É preciso motivação para aprender.
A atenção é fundamental na aprendizagem. O cérebro se modifica em contato com o meio durante
toda a vida. A formação da memória é mais efetiva quando a nova informação é associada a um
conhecimento prévio. Para você, essas afirmações podem não ser inovadoras, seja por causa da sua
experiência em sala, seja por ter estudado Jean Piaget (1896-1980), Lev Vygotsky (1896- 1934), Henri
Wallon (1879-1962) e David Ausubel (1918-2008), a maioria da área da Psicologia cognitiva. A
novidade é que as conclusões são fruto de investigações neurológicas recentes sobre o
funcionamento cerebral.
"O que hoje a Neurociência defende sobre o processo de aprendizagem se assemelha ao que os
teóricos mostravam por diferentes caminhos", diz a psicóloga Tania Beatriz Iwaszko Marques, da
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estudiosa de
Piaget. O avanço das metodologias de pesquisa e da tecnologia permitiu que novos estudos se
tornassem possíveis. "Até o século passado, apenas se intuía como o cérebro funcionava. Ganhamos
precisão", diz Lino de Macedo, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP),
também piagetiano. Mas é preciso refletir antes de levar as ideias neurocientíficas para a sala.
A Neurociência e a Psicologia Cognitiva se ocupam de entender a aprendizagem, mas têm
diferentes focos. A primeira faz isso por meio de experimentos comportamentais e do uso de aparelhos
como os de ressonância magnética e de tomografia, que permitem observar as alterações no cérebro
durante o seu funcionamento. "A Psicologia, sem desconsiderar o papel do cérebro, foca os
significados, se pautando em evidências indiretas para explicar como os indivíduos percebem,
interpretam e utilizam o conhecimento adquirido", explica Evelyse dos Santos Lemos, pesquisadora
do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e especialista em aprendizagem significativa,
campo de estudo de Ausubel.
As duas áreas permitem entender de forma abrangente o desenvolvimento da criança. "Ela é um
ser em que esses fatores são indissociáveis. Por isso, não pode ser vista por um único viés", diz
Claudia Lopes da Silva, psicóloga escolar da Secretaria de Educação de São Bernardo do Campo e
estudiosa de Vygotsky.
Sabemos, por exemplo, com base em evidências neurocientíficas, que há uma correlação entre
um ambiente rico e o aumento das sinapses (conexões entre as células cerebrais). Mas quem define
o que é um meio estimulante para cada tipo de aprendizado? Quais devem ser as intervenções para
intensificar o efeito do meio? Como o aluno irá reagir? "A Neurociência não fornece estratégias de
ensino. Isso é trabalho da Pedagogia, por meio das didáticas", diz Hamilton Haddad, do Departamento
de Fisiologiado Instituto de Biociênciasda USP. Como, então, o professor pode enriquecer o processo
de ensino e aprendizagem usando as contribuições da Neurociência?
Para o educador português António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa, responder à questão
é o grande desafio do século 21. "A estrutura educacional de hoje foi criada no fim do século 19. É
preciso fazer um esforço para trazer ao campo pedagógico as inovações e conclusões mais
importantes dos últimos 20 anos na área da ciência e da sociedade", diz.
Ao professor, cabe se alimentar das informações que surgem, buscando fontes seguras, e não
acreditar em fórmulas para a sala de aula criadas sem embasamento científico. "A Neurociência
mostra que o desenvolvimento do cérebro decorre da integração entre o corpo e o meio social. O
educador precisa potencializar essa interação por parte das crianças", afirma Laurinda Ramalho de
Almeida, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e especialista em Wallon.
Para tornar mais claro o diálogo entre Neurociência, Psicologia e Pedagogia, NOVA ESCOLA
mostra cinco conclusões neurocientíficas ligadas à aprendizagem. Confira, nos comentários dos
especialistas, o que grandes teóricos dizem a respeito desses temas e reflita sobre a relação deles
com sua prática em sala.
2. EMOÇÃO
Ela interfere no processo de retenção da informação Os pesquisadores Larry Cahill e James
McGaugh, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, publicaram nos anos 1990 os
resultados de estudos em que foram mostradas duas séries de imagens a pessoas. Uma tinha um
caráter emocional e a outra era neutra. O grupo teve uma recordação maior das emotivas. Por meio
de um tomógrafo, foi observada a relação entre a ativação da amígdala (parte importante do sistema
emotivo do cérebro) e o processo de formação da memória. "Quanto mais emoção contenha
determinado evento, mais ele será gravado no cérebro", diz Iván Izquierdo, médico, neurologista e
coordenador do Centro de Memória da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-
RS).
A emoção, para Piaget
"O psicólogo valoriza o termo afetividade, em vez de emoção, e diz que ela influencia positiva ou
negativamente os processos de aprendizagem, acelerando ou atrasando o desenvolvimento
intelectual." - Lino de Macedo
A emoção, para Vygotsky
"Para compreender o funcionamento cognitivo (razão ou inteligência), é preciso entender o
aspecto emocional. Os dois processos são uma unidade: o afeto interfere na cognição, e vice-versa.
A própria motivação
para aprender está associada a uma base afetiva." - Claudia Lopes da Silva
A emoção, para Wallon
"O pesquisador defende que a pessoa é resultado da integração entre afetividade, cognição e
movimento. O que é conquistado em um desses conjuntos interfere nos demais. O afetivo, por meio
de emoções, sentimentos e paixões, sinaliza como o mundo interno e externo nos afeta. Para Wallon,
que estudou a afetividade geneticamente, os acontecimentos à nossa volta estimulam tanto os
movimentos do corpo quanto a atividade mental, interferindo no desenvolvimento." - Laurinda Ramalho
de Almeida
Implicações na Educação
O professor, ao observar as emoções dos estudantes, pode ter pistas de como o meio escolar os
afeta: se está instigando emocionalmente ou causando apatia por ser desestimulante. Dessa forma,
consegue reverter um quadro negativo, que não favorece a aprendizagem.
MOTIVAÇÃO
Ela é necessária para aprender : "Da mesma forma que sem fome não apreendemos a comer e
sem sede não aprendemos a beber água, sem motivação não conseguimos aprender", afirma Iván
Izquierdo. Estudos comprovam que no cérebro existe um sistema dedicado à motivação e à
recompensa. Quando o sujeito é afetado positivamente por algo, a região responsável pelos centros
de prazer produz uma substância chamada dopamina. A ativação desses centros gera bem-estar, que
mobiliza a atenção da pessoa e reforça o comportamento dela em relação ao objeto que a afetou. A
neurologista Suzana Herculano-Houzel, autora do livro Fique de Bem com Seu Cérebro (208 págs.,
Ed. Sextante, tel. 21/2538-4100, 19,90 reais), explica que tarefas muito difíceis desmotivam e deixam
o cérebro frustrado, sem obter prazer do sistema de recompensa. Por isso são abandonadas, o que
também ocorre com as fáceis.
A motivação, para Piaget
"É a procura por respostas quando a pessoa está diante de uma situação que ainda não consegue
resolver. A aprendizagem ocorre na relação entre o que ela sabe e o que o meio físico e social oferece.
Sem desafios, não há por que buscar soluções. Por outro lado, se a questão for distante do que se
sabe, não são possíveis novas sínteses." - Tania Beatriz Iwaszko Marques
A motivação, para Vygotsky
"A cognição tem origem na motivação. Mas ela não brota espontaneamente, como se existissem
algumas crianças com vontade – e naturalmente motivadas - e outras sem. Esse impulso para agir
em direção a algo é também culturalmente modulado. O sujeito aprende a direcioná-lo para aquilo que
quer, como estudar." - Claudia Lopes da Silva
A motivação, para Ausubel
Essa disposição está diretamente relacionada às emoções suscitadas pelo contexto. Pela
perspectiva de Ausubel, o prazer, mais do que estar na situação de ensino ou mediação, pode fazer
parte do próprio ato de aprender. Trata-se da sensação boa que a pessoa tem quando se percebe
3. capaz de explicar certo fenômeno ou de vencer um desafio usando apenas o que já sabe. Com isso,
acaba motivada para continuar aprendendo sobre o tema." - Evelyse dos Santos Lemos
Implicações na Educação
A escola deve ser um espaço que motive e não somente que se ocupe em transmitir conteúdos.
Para que isso ocorra, o professor precisa propor atividades que os alunos tenham condições de
realizar e que despertem a curiosidade deles e os faça avançar. É necessário levá-los a enfrentar
desafios, a fazer perguntas e procurar respostas.
ATENÇÃO
Ela é fundamental para a percepção e para a aprendizagem Pesquisas comportamentais e
neurofisiológicas mostram que o sistema nervoso central só processa aquilo a que está atento. Em
um estudo de Gilberto Fernando Xavier e André Frazão Helene, do Instituto de Biociências da USP,
publicado em 2006 na revista Neuroscience, um grupo de pessoas passou por um teste que avaliava
o desenvolvimento da habilidade de leitura de palavras espelhadas. Uma parte delas treinou escrever,
de maneira imaginária, palavras invertidas. Outra pôde ler termos desse tipo. Depois, ambas
conseguiram ler com rapidez palavras espelhadas criadas pelos pesquisadores. Um terceiro grupo,
enquanto treinava a leitura e a escrita de termos espelhados, realizou outra tarefa de memorização
visual. Tanto a memorização quanto a aquisição da habilidade de leitura invertida ficaram
prejudicadas. Assim, comprovaram que, se o desvio de atenção é significativo, a aquisição de
habilidade e a memorização sofrem prejuízo.
A atenção, para Piaget
"De acordo com o psicólogo, prestamos atenção porque entendemos, ou seja, porque o que está
sendo apresentado tem significado e representa uma novidade. Se há um desafio e se for possível
estabelecer uma relação entre esse elemento novo e o que já se sabe, a atenção é despertada." -
Tania Beatriz Iwaszko Marques
A atenção, para Ausubel
"A mente é seletiva. Segundo Ausubel, só reconhecemos nos fenômenos que acontecem a nossa
volta aquilo que o nosso conhecimento prévio nos permite perceber. Não hesitamos, por exemplo, em
interromper uma atividade quando sentimos um cheiro de fumaça no ambiente. Conhecer padrões é
fundamental para se dedicar, agir e aprender sobre o que importa."- Evelyse dos Santos Lemos
A atenção, para Vygotsky
"No decorrer do processo de desenvolvimento, a atenção passa de automática para dirigida,
sendo orientada de forma intencional e estreitamente relacionada com o pensamento. Ou seja, ela
sofre influência dos símbolos de um meio cultural, que acaba por orientá-la. Atenção e memória se
desenvolvem de modo interdependente, num processo de progressiva intelectualização." - Claudia
Lopes da Silva
Implicações na Educação
Falta de atenção não é sinônimo de indisciplina ou de desinteresse por parte das crianças. Ela
pode ser decorrente de um meio desestimulante ou de situações inadequadas à aprendizagem. Para
evitar isso, o professor deve focar a interação entre ele, o saber e o aluno, refletindo sobre as
atividades propostas e modificando-as se necessário.
PLASTICIDADE CEREBRAL
O cérebro se modifica em contato com o meio durante toda a vida A interferência do ambiente no
sistema nervoso causa mudanças anatômicas e funcionais no cérebro. Assim, a quantidade de
neurônios e as conexões entre eles (sinapses) mudam dependendo das experiências pelas quais se
passa. Antes, acreditava-se que as sinapses formadas na infância permaneciam imutáveis pelo resto
da vida, mas há indícios de que não é assim. Nos anos 1980, um estudo pioneiro do neurocientista
norte-americano Michael Merzenich, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, demonstrou
que o cérebro de macacos adultos se modificava depois da amputação de um dos dedos da mão. A
perda do membro provocava atrofia dos neurônios da região responsável pelo controle motor do dedo
amputado. Porém ele observou também que essa área acabava sendo ocupada pelos neurônios
responsáveis pelo movimento do dedo ao lado.
4. A influência do meio, para Vygotsky
"A cognição se constitui pelas experiências sociais, e a importância do ambiente nesse enfoque é
fundamental. À medida que aprende, a criança - e seu cérebro - se desenvolve. A ideia é oposta à da
maturação,
de acordo com a qual se deve aguardar que ela atinja uma prontidão para poder ensiná-la." -
Claudia Lopes da Silva
A influência do meio, para Wallon
"A relação complementar e recíproca entre os fatores orgânicos e socioculturais está presente em
todas as análises de Wallon. Para ele, a criança nasce com um equipamento biológico, mas vai se
constituir no meio social, que tanto pode favorecer seu desenvolvimento como tolhêlo." - Laurinda
Ramalho de Almeida
A influência do meio, para Piaget
"Para o estímulo provocar certa resposta, é necessário que o indivíduo e seu organismo sejam
capazes de fornecê-la. Por isso, não basta ter um meio provocativo se a pessoa não participar dele
ou, como complementaria o teórico, se ela for incapaz de se sensibilizar com os estímulos oferecidos
e reagir a eles. A aprendizagem, portanto, não é a mesma para todos, e também difere de acordo com
os níveis de desenvolvimento de cada um, pois há domínios exigidos para que seja possível construir
determinados conhecimentos." - Lino de Macedo
Implicações na Educação
O aluno deve ser ativo em suas aprendizagens, mas cabe ao professor propor, orientar e oferecer
condições para que ele exerça suas potencialidades. Para isso, deve conhecê-lo bem, assim como o
contexto em que vive e a relação dele com a natureza do tema a ser aprendido.
MEMÓRIA
Ela é mais efetiva na associação com um conhecimento já adquirido A ativação de circuitos ou
redes neurais se dá em sua maior parte por associação: uma rede é ativada por outra e assim
sucessivamente. Quanto mais frequentemente isso acontece, mais estáveis e fortes se tornam as
conexões sinápticas e mais fácil é a recuperação da memória. Isso se dá por repetição da informação
ou, de forma mais eficaz, pela associação do novo dado com conhecimentos já desenvolvidos.
"Podemos simplesmente decorar uma nova informação, mas o registro se tornará mais forte se
procurarmos criar ativamente vínculos e relações daquele conteúdo com o que já está armazenado
em nosso arquivo de conhecimentos", afirmam os médicos e doutores em Ciência do Instituto de
Ciências Biomédicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ramon M. Cosenza e Leonor
B. Guerra no livro Neurociência e Educação: Como o Cérebro Aprende (151 págs., Ed. Artmed, tel.
0800-703-3444, 44 reais).
A memória, para Vygotsky
"Uma criança pequena constrói memórias por imagens, associando uma a outra. No decorrer do
desenvolvimento, ela passa a fazer essa relação conceitualmente, pela influência e pelo domínio da
linguagem – o componente cultural mais importante. Com isso, passa de uma memória mais apoiada
nos sentidos para outra mais escorada na linguagem. Portanto, a memória relacionada às
aprendizagens escolares é uma função psicológica que vai se definindo durante o desenvolvimento."
- Claudia Lopes da Silva
A memória, para Ausubel
"Aprendemos com base no que já sabemos. Essa premissa é central na Teoria da Aprendizagem
Significativa, de Ausubel. É preciso diferenciar memória de aprendizagem significativa. A primeira é a
capacidade de lembrar algo. Já a segunda envolve usar o saber prévio em novas situações - um
processo pessoal e intencional de construção de significados com base na relação com o meio (social
e físico)." - Evelyse dos Santos Lemos
A memória, para Wallon
"O pressuposto da psicogenética walloniana é que somos seres integrados: afetividade, cognição
e movimento. Portanto, informações e acontecimentos que nos afetam e fazem sentido para nós ficam
retidos na memória com mais facilidade. Como a construção de sentido passa pela afetividade, é difícil
reter algo novo quando ele não nos afeta."- Laurinda Ramalho de Almeida
Implicações na Educação
Aprender não é só memorizar informações. É preciso saber relacioná-las, Ressignificá-las e refletir
sobre elas. É tarefa do professor, então, apresentar bons pontos de ancoragem, para que os
5. conteúdos sejam aprendidos e fiquem na memória, e dar condições para que o aluno construa sentido
sobre o que está vendo em sala.
Endereço da página:
https://novaescola.org.br/conteudo/217/neurociencia-aprendizagem
Publicado em NOVA ESCOLA Edição 253, 15 de Junho de 2012
6. O DIÁLOGO ENTRE A NEUROCIÊNCIA E A EDUCAÇÃO:
DA EUFORIA AOS DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Leonor Bezerra Guerra
Bacharel em Medicina, Mestre em Fisiologia, Doutora em Morfologia pela UFMG. Especialista em
Neuropsicologia pela Universidade FUMEC. Professora adjunta de Neuroanatomia no Departamento de
Morfologia/ICB/UFMG. Docente do Programa de PG em Neurociências e Coordenadora do Projeto
NeuroEduca/UFMG.
Viver é interagir. Desde o nascimento o homem interage com seu ambiente através dos mais
variados comportamentos. Os comportamentos que adquirimos ao longo de nossas vidas resultam do
que chamamos de aprendizagem ou aprendizado. Aprender é uma característica intrínseca do ser
humano, essencial para sua sobrevivência (Kolb; Whishaw, 2002). Comumente diz-se que alguém
aprende quando adquire atitudes, habilidades, conhecimentos, competências para se adaptar a novas
situações, para resolver problemas, para realizar tarefas diárias importantes para a sobrevivência e
para implementar estratégias em busca de saúde, de realização pessoal e em sociedade, de melhor
qualidade de vida, enfim, em busca de viver bem e em paz. A educação visa ao desenvolvimento de
novos comportamentos num indivíduo, proporcionando-lhe recursos que lhe permitam transformar sua
prática e o mundo em que vive. Aprendemos o que é útil para a nossa sobrevivência e/ou que nos
proporciona prazer. Educar é proporcionar oportunidades e orientação para aprendizagem, para
aquisição de novos comportamentos. Aprendizagem, por sua vez, requer várias funções mentais como
atenção, memória, percepção, emoção, função executiva, entre outras. E, portanto, depende do
cérebro.
O Sistema Nervoso (SN), por meio de seu integrante mais complexo, o cérebro, recebe e processa
os estímulos ambientais e elabora respostas adaptativas que garantem a sobrevivência do indivíduo
e a preservação da espécie (Halpern; O'Connell, 2000; Ferrari et al., 2001). A evolução nos garantiu
um cérebro capaz de aprender, para garantir nosso bem-estar e sobrevivência e não para ter
sucesso na escola. A menos que o bom desempenho escolar signifique esse bem-estar e
sobrevivência do indivíduo. Na escola o aluno aprende o que é significativo e relevante para o
contexto atual de sua vida. Se a “sobrevivência” é a nota, o cérebro do aprendiz selecionará
estratégias que levem à obtenção da nota e não, necessariamente, à aquisição das novas
competência.
O comportamento humano resulta da atividade do SN, do conjunto de células nervosas, ou redes
neurais, que o constituem. O comportamento depende do número de neurônios e de suas substâncias
químicas, da atividade destas células, da forma como neurônios se Informação, para o neurônio, é a
alteração das suas características eletroquímicas. Quando o indivíduo está em interação com o
mundo, exibindo um comportamento, vários conjuntos de neurônios, em diferentes áreas do SN estão
em funcionamento, ativados, trocando informações. As funções mentais são produzidas pela atividade
do SN e resultam do cérebro em funcionamento. Funções relacionadas à cognição e às emoções,
presentes no cotidiano e nas relações sociais, como sentir e perceber, gostar e rir, dormir e comer,
falar e se movimentar, compreender e calcular, ter atenção, lembrar e esquecer, planejar, julgar e
decidir, ajudar, pensar, imaginar, se emocionar, são comportamentos que dependem do
funcionamento do cérebro. Educar e aprender também (Kolb; Whishaw, 2002).
Se os comportamentos dependem do cérebro, a aquisição de novos comportamentos também
resulta de processos que ocorrem no cérebro do aprendiz. E, portanto, o cérebro é o órgão da
aprendizagem. As estratégias pedagógicas utilizadas por educadores durante o processo ensino-
aprendizagem são estímulos que produzem a reorganização do SN em desenvolvimento, resultando
em mudanças comportamentais. Cotidianamente, educadores, pais e professores, atuam como
agentes nas mudanças neurobiológicas que levam à aprendizagem, embora conheçam muito pouco
sobre como o cérebro funciona (Scaldaferri; Guerra, 2002; Coch; Ansari, 2009).
O conhecimento sobre o funcionamento do SN, especialmente do cérebro, cresceu muito nos
últimos anos, devido, principalmente, à chamada Década do Cérebro (1990-1999) que deu grande
impulso às neurociências, ou seja, aos diversos ramos das ciências que se dedicam às investigações
e estudos sobre o SN. As neurociências estudam as moléculas que constituem os neurônios, os
órgãos do SN e suas funções específicas e o comportamento humano resultante da atividade dessas
estruturas. Os avanços das técnicas de neuroimagem e eletrofisiologia, e aqueles obtidos pela
7. genética e pela neurociência cognitiva possibilitaram o estudo das áreas cerebrais envolvidas em
funções cognitivas específicas e esclareceram muitos aspectos do funcionamento do SN (Albright;
Kandel; Posner, 2000; Geake; Cooper, 2003). Embora os processos cognitivos ainda não sejam
integralmente conhecidos, devido às limitações técnicas e éticas que o estudo do comportamento
humano impõe, grande progresso já foi alcançado, incluindo descobertas que permitiram uma
abordagem mais científica do processo ensino-aprendizagem porque esclarecem alguns dos
mecanismos cerebrais responsáveis por funções mentais importantes na aprendizagem (Blakemore;
Frith, 2005; Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos, 2007).
Essas descobertas ultrapassaram os nichos acadêmicos e se estenderam às outras áreas do
conhecimento e entre elas, a educação. Além disso, por meio da divulgação científica, mediada por
poderosos veículos de comunicação, mas nem sempre fidedignos aos achados científicos, como
televisão, jornal, revistas, livros e internet, essas descobertas foram e são compartilhadas com o
público. Este tem ao seu alcance, tanto informações confiáveis e esclarecedoras, quanto inferências
e conclusões equivocadas, denominadas “neuromitos”, que geram aplicações e práticas sem
comprovação científica (Mason, 2009). A divulgação científica de qualidade é imprescindível para a
melhoria da qualidade de vida da população e tem benefícios enormes (Herculano-Houzel, 2007), mas
requer ética e compromisso científico e social (Sheridan; Zinchenko; Gardner, 2006; Silva; Guerra,
2009;).
Assim, educadores e administradores de políticas públicas de educação tiveram oportunidade
de reconhecer o cérebro como o órgão da aprendizagem e perceberam sua participação nas
mudanças neurobiológicas que levam ao aprendizado. Qual seria, então, a contribuição das
neurociências, da neurobiologia para a Educação? O conhecimento sobre funcionamento do cérebro
poderia contribuir para o processo ensino-aprendizagem mediado pelo educador? Assim, no final da
década de 2000, estabeleceu-se a interface ente as neurociências e a educação, denominada “mind,
brain and education” (MBE) ou “mente, cérebro e educação” (MCE) (OCDE, 2003; Goswami, 2004;
Goswami, 2005; Posner; Rothbart, 2005; Stern, 2005).
As neurociências são ciências naturais, que descobrem os princípios da estrutura e do
funcionamento neurais, proporcionando compreensão dos fenômenos observados. A. Educação tem
outra natureza e sua finalidade é criar condições (estratégias pedagógicas, ambiente favorável, infra-
estrutura material e recursos humanos) que atendam a um objetivo específico, por exemplo, o
desenvolvimento de competências pelo aprendiz, num contexto particular. A educação não é
investigada e explicada da mesma forma que a neurotransmissão. Ela não é regulada apenas por leis
físicas, mas também por aspectos humanos que incluem sala de aula, dinâmica do processo ensino-
aprendizagem, escola, família, comunidade, políticas públicas. Descobertas em neurociências não se
aplicam direta e imediatamente na escola. A aplicação desse conhecimento no contexto educacional
tem limitações. As neurociências podem informar a educação, mas não explicá-la ou fornecer
prescrições, receitas que garantam resultados. Teorias psicológicas baseadas nos mecanismos
cerebrais envolvidos na aprendizagem podem inspirar objetivos e estratégias educacionais. O trabalho
do educador pode ser mais significativo e eficiente se ele conhece o funcionamento cerebral, o que
lhe possibilita desenvolvimento de estratégias pedagógicas mais adequadas (Ansari, 2005; Ansari;
Coch, 2006; Goswami, 2006; Coch; Ansari, 2009; Cubelli, 2009; Mason, 2009; Willingham, 2009).
Contribuem para o cotidiano do educador: conhecer a organização e as funções do cérebro, os
períodos receptivos, os mecanismos da linguagem, da atenção e da memória, as relações entre
cognição, emoção, motivação e desempenho, as potencialidades e as limitações SN, as dificuldades
para aprendizagem e as intervenções a elas relacionadas (Koizumi, 2004; Rotta; Ohlweiler; Riesgo,
2006; Blake; Gardner, 2007). Mas, saber como o cérebro “aprende” não é suficiente para realização
da “mágica do ensinar e aprender”.
Observa-se um excessivo otimismo em relação às contribuições das neurociências para a teoria
e prática educacionais. Experimente pesquisar “neurociência e educação” no www.google.com,
www.scielo.org ou www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed e compare as três pesquisas. Verifica-se uma
cautela dos cientistas, que apontam aspectos importantes a serem considerados em relação ao
diálogo entre as neurociências e a educação. É necessário o estabelecimento de uma linguagem
mediadora entre as duas áreas, que esclareça as descobertas científicas e sua real possibilidade de
utilização na educação. Isso demanda seriedade e compromisso ético dos meios de divulgação
científica e o julgamento crítico do público alvo para que este conhecimento se aplique
adequadamente no cotidiano escolar. É importante entender a diferença entre conhecer os
8. mecanismos cerebrais, compreender os processos mentais resultantes destes e aplicá-los na prática
pedagógica. É imprescindível a investigação, rigorosa e científica, dos achados das neurociências
aplicados à sala de aula, antes que se estabeleça qualquer aplicação educacional. A falta de
conhecimento dos neurocientistas sobre o processo ensino-aprendizagem na sala de aula e sobre
metodologia e teoria educacionais básicas é mais um fator a ser contornado. A psicologia educacional,
desempenhada por educadores capacitados em neurociências básicas, poderá contribuir para o uso
adequado dos achados das neurociências e para a colaboração entre as duas áreas. A inclusão dos
fundamentos neurobiológicos do processo ensino-aprendizagem na formação inicial do educador
proporcionará nova e diferente perspectiva da educação e de suas estratégias pedagógicas,
influenciando também a compreensão dos aspectos sociais, psicológicos, culturais e antropológicos
tradicionalmente estudados pelos pedagogos. As teorias de Piaget, Wallon, Vigotsky e mesmo a
Pedagogia Inaciana estarão sujeitos a novos significados sob o olhar das neurociências (Howard-
Jones, 2005; Anderson; Reid, 2009; Coch; Ansari, 2009; Cubelli, 2009; Mason, 2009; Willingham,
2009).
O educador tem procurado se capacitar em neurociências participando de congressos, cursos
de curta-duração e pós-graduações com a expectativa de que essa formação possa contribuir para a
resolução dos problemas na escola. É importante esclarecer que as neurociências não propõem uma
nova pedagogia e nem constituem uma panacéia para a solução das dificuldades da aprendizagem e
dos problemas da educação. Elas fundamentam a prática pedagógica que já se realiza, demonstrando
que, estratégias pedagógicas que respeitam a forma como o cérebro funciona, tendem a ser mais
eficientes. Segundo Stern (2005), a neurociência por si só não pode fornecer o conhecimento
específico necessário para elaboração de ambientes de aprendizagem em áreas de conteúdo escolar
específicas, particulares. Mas fornecendo “insights” sobre as capacidades e limitações do cérebro
durante o processo de aprendizagem, a neurociência pode ajudar a explicar porque alguns ambientes
de aprendizagem funcionam e outros não.
Sem dúvida, já existem contribuições das neurociências que fundamentam a prática educacional
(Kolb; Whishaw, 2002; Koizumi, 2004; Blakemore; Frith, 2005; Herculano-Houzel, 2005; Rotta;
Ohlweiler; Riesgo, 2006; Blake; Gardner, 2007; Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos,
2007). Embora não seja possível, a partir delas, prescrever receitas para a solução dos problemas da
educação, conhecer a aprendizagem numa perspectiva neurobiológica pode auxiliar educadores,
professores e pais, a compreender alguns aspectos das dificuldades para aprendizagem e inspirar
práticas educacionais cotidianas.
Sabemos que os cuidados com o pré-natal são fundamentais para o desenvolvimento adequado
do SN. Neste período, estruturas cerebrais são formadas e conexões entre células nervosas –
sinapses - determinadas geneticamente, são estabelecidas, garantindo a organização estrutural e
funcional fundamental para comportamentos típicos da espécie, como andar, se comunicar, sugar,
expressar emoções, entre outros. Deficiências nutricionais, ingestão de certas substâncias químicas,
infecção por vírus e protozoários, exposição a radiações e até informações genéticas ou
cromossômicas erradas (síndromes de Williams, Down, Asperger, autismo, dislexia, etc.) podem
alterar a estrutura básica do SN. A criança que tem um SN diferente apresentará comportamentos,
habilidades limitações e potencialidades cognitivas distintas das demais e poderá demandar
estratégias de aprendizagem alternativas.
Após o nascimento, a interação do bebê com o meio em que vive e os cuidados na primeira
infância são muito significativos. Este é um período receptivo, de intenso desenvolvimento do SN, no
qual as redes neurais são mais sensíveis às mudanças, quando novos comportamentos podem ser
progressivamente adquiridos, preparando o cérebro para novas e mais complexas aprendizagens. A
educação infantil e a exposição a estímulos sensoriais, motores, emocionais e sociais variados,
freqüentes e repetidos nessa fase contribuirá para a manutenção das sinapses já estabelecidas, com
preservação de comportamentos com os quais nascemos, e para a formação de novas sinapses,
resultando em novos comportamentos. Falta de estimulação pode levar a perda de sinapses. Crianças
pouco estimuladas nos primeiros anos de vida podem apresentar dificuldade para a aprendizagem,
porque o cérebro delas ainda não teve a oportunidade de utilizar todo o potencial de reorganização de
suas redes neurais. Embora necessitem de mais estímulos e estratégias alternativas de
aprendizagem, ainda terão chance de recuperar o tempo perdido e as habilidades não desenvolvidas
até então. Um lar saudável, um ambiente familiar adequado, bons exemplos e uma boa escola podem
fazer grande diferença no desenvolvimento escolar.
9. Neuroplasticidade é a propriedade de “fazer e desfazer” conexões entre neurônios. Ela possibilita
a reorganização da estrutura do SN e do cérebro e constitui a base biológica da aprendizagem e do
esquecimento. Preservamos as sinapses e, portanto, redes neurais relacionadas aos comportamentos
essenciais à nossa sobrevivência. Aprendemos o que é significativo e necessário para vivermos bem
e esquecemos aquilo que não tem mais relevância para o nosso viver.
Atenção é importante função mental para a aprendizagem, pois nos permite selecionar, num
determinado momento, o estímulo mais relevante e significativo, dentre vários. Ela é mobilizada pelo
que é muito novo e pelos padrões (esquemas mentais) que já temos em nossos arquivos cerebrais.
Daí a importância da aprendizagem contextualizada. É difícil prestar atenção por muito tempo.
Intervalos ou mudanças de atividades são importantes para recuperar nossa capacidade de focar
atenção. Dificilmente um aluno prestará atenção em informações que não tenham relação com o seu
arquivo de experiências, com seu cotidiano ou que não sejam significativas para ele. O cérebro
seleciona as informações mais relevantes para nosso bem estar e sobrevivência e foca atenção nelas.
Memorizamos as experiências que passam pelo filtro da atenção. Memória é imprescindível para
a aprendizagem. As estratégias pedagógicas devem utilizar recursos que sejam multissensoriais, para
ativação de múltiplas redes neurais que estabelecerão associação entre si. Se as
informações/experiências forem repetidas, a atividade mais freqüente dos neurônios relacionados a
elas, resultará em neuroplasticidade e produzirá sinapses mais consolidadas. Esse conjunto de
neurônios associados numa rede é o substrato biológico da memória. Os registros transitórios -
memória operacional - serão transformados em registros mais definitivos - memória de longa duração.
Quando estuda apenas na véspera da prova, o aluno mantém as informações na memória
operacional. Assim que as utiliza na prova, garantindo a nota, as esquece. A consolidação das
memórias ocorre, pouco a pouco, a cada período de sono, quando as condições químicas cerebrais
são propícias à neuroplasticidade. Enquanto dormimos, o cérebro reorganiza suas sinapses, elimina
aquelas em desuso e fortalece as importantes para comportamentos do cotidiano do indivíduo. Dormir
pouco, dificulta a memorização. Para aprender, precisamos estar despertos e atentos para absorver
a experiência sensorial, perceptual e significativa, mas necessitamos do sono para que essas
experiências sejam memorizadas e, portanto, apreendidas. Memória não se forma de imediato, “da
noite para o dia”. A formação de sinapses demanda reações químicas, produção de proteínas e tempo.
Por isso, a aprendizagem requer re-exposição aos conteúdos e diferentes experiências e
complexidade crescente. Assim, compreendemos a importância da espiral da aprendizagem: Além
disso, preservamos na memória o que é importante no cotidiano. Esquecemos o que não tem mais
valor, significado ou aplicação para nossa vida.
São as emoções que orientam a aprendizagem. Neurônios das áreas cerebrais que regulam as
emoções, relacionadas ao medo, ansiedade, raiva, prazer, mantêm conexões com neurônios de áreas
importantes para formação de memórias. Poderíamos dizer que o desencadeamento de emoções
favorece o estabelecimento de memórias. Aprendemos aquilo que nos emociona.
Aprender não depende só do cérebro, mas, também, da saúde em geral. Exercícios físicos
aumentam a quantidade de fatores neurotróficos que contribuem para estabilização das sinapses e
para manutenção e formação de memórias. Uma dieta balanceada, incluindo proteínas, carboidratos,
gorduras, sais minerais e vitaminas, possibilita o funcionamento das células nervosas, a formação de
sinapses e a formação da mielina, estrutura que participa da condução das informações entre redes
neurais. Problemas respiratórios que perturbam o sono, anemia que reduz a oxigenação dos
neurônios, dificuldades auditivas e visuais não facilmente detectadas, entre outros fatores, podem
dificultar a aprendizagem. É importante o aprendiz estar em boas condições de saúde para aprender
bem.
Aprendizes são indivíduos em transformação. Seus cérebros, portanto, estão sempre mudando
um pouco. O cérebro do adolescente ainda está em desenvolvimento, principalmente na chamada
área pré-frontal, parte mais anterior do lobo frontal, envolvida com as funções executivas, ou seja, com
a elaboração das estratégias de comportamento para solução de problemas e auto-regulação do
comportamento (Herculano-Houzel, 2005). Cérebros adolescentes testam novos comportamentos
com o objetivo de selecionar habilidades, atitudes e conhecimentos de fato proveitosos para a
sobrevivência na vida adulta. Eles aprendem o que os motivam, o que os emocionam, o que desejam,
aquilo que tem significado para seu cotidiano. Transformar o conteúdo programático de uma disciplina
em algo relevante para o aprendiz é um grande desafio para o professor.
10. Outros fatores também influenciam a aprendizagem (Rotta; Ohlweiler; Riesgo, 2006). Aprendizes
privados de material escolar adequado, de ambiente para estudo em casa, de acesso a livros e jornais,
de incentivo ou estímulo dos pais e/ou dos professores, e pouco expostos a experiências sensoriais,
perceptuais, motoras, motivacionais e emocionais essenciais ao funcionamento e reorganização do
SN, podem ter dificuldades para a aprendizagem, embora não sejam portadores de alterações
cerebrais. Transtornos psiquiátricos, como o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)
e depressão, que demandam orientação médica e tratamento, podem dificultar a aprendizagem.
Transtornos, como a dislexia e discalculia, caracterizados por dificuldades na aquisição de habilidades
de escrita, leitura e do raciocínio lógico-matemático, resultantes de organização cerebral diferente, de
provável origem genética, também comprometem a aprendizagem. Nesses casos, as crianças
conseguirão aprender, mas necessitarão de estratégias alternativas de aprendizagem, uma vez que
seus cérebros utilizam caminhos ou circuitos neuronais diferentes para atingir o mesmo aprendizado.
E quando não aprendemos, o problema está sempre no cérebro? Nem sempre. Aprendizagem
não depende apenas do funcionamento cerebral. A maioria dos casos tem relação com outros fatores,
e não com um “problema cerebral”. Fatores relacionados à comunidade, família, escola, ao meio
ambiente em que vive o aprendiz e à sua história de vida interferem significativamente na
aprendizagem. Além disso, ela é influenciada por aspectos culturais, sociais, econômicos e também
pelas políticas públicas de educação, que tornam as neurociências apenas mais uma contribuição
para a abordagem da aprendizagem. Devido à sua etiologia multifatorial, a abordagem de uma
dificuldade para a aprendizagem é necessariamente multidisciplinar.
Postula-se que o avanço do conhecimento neste milênio só será possível a partir de uma
perspectiva transdisciplinar. As diversas áreas do conhecimento deveriam utilizar seus pressupostos
para avançar em direção a novos conhecimentos. A educação pode se beneficiar dos conhecimentos
da neurobiologia para abordagem das dificuldades escolares e suas intervenções terapêuticas. A
reflexão sobre as possibilidades e desafios do diálogo entre a neurociência e a educação pode trazer
avanços para ambas as áreas. Com conhecimento científico, intercâmbio de experiências, julgamento
crítico, paciência, vontade, disposição, energia, dedicação, mas sem euforia, poderemos fazer bom
uso das contribuições das neurociências. E assim, saber como o cérebro funciona, pode, de fato,
ajudar a educar.