Neurociência Aplicada à Educação: Modismo ou Tendência?
1. NEUROCIÊNCIA APLICADA A EDUCAÇÃO: TENDÊNCIA OU MODISMO?
Ana Cristina Feitoza1
Resumo
Na emergência de se repensar o sistema nacional de educação com ações que contribuam
para amenizar o recorrente fracasso escolar, toda a inovação é bem-vinda. E é nesse afã
por inovações que a área de educação recorre à neurociência como uma possibilidade de
se alcançar esse objetivo por décadas perseguido por toda a classe de educadores,
coordenadores e gestores escolar. Com a ascensão da neurociência, transpondo as
fronteiras da área médica, um leque de possibilidades em formação docente tem surgido
como proposta de integração da neurociência com a educação. Muito se tem criado em
cursos e literaturas que colocam neurociência em tudo, abrindo um sem fim de neuro
“alguma coisa” com promessas de respostas a todos os questionamentos oriundos dos
educadores. Essa proposta de neurociência aplicada à educação traz um movimento
multidisciplinar onde em algumas grades ofertadas pelos cursos, mesclam-se disciplinas
similares às ministradas em pedagogia, psicologia e psicopedagogia. Essas áreas do
conhecimento sozinhas não conseguem permear todo o universo do educando; se faz
necessário uma integração entre as mesmas estendendo-se para outras como a
fonoaudiologia, a psiquiatria, a neurologia e afins, para um real entendimento do processo
de aprendizagem do educando, suas dificuldades e deficiências e quais ações tomar para
resolução dos problemas detectados. A ideia de que neurociência voltada para a educação
é a integração dessas áreas, faz com que se reduza tudo ao termo neurociência e se acabe
por utilizá-lo em várias outras áreas nos cursos de formação. Esse movimento acelerado de
incluir neurociência em tudo acaba por gerar uma certa insegurança e desconfiança quando
a essa aplicabilidade: Tendência ou Modismo?
Palavras-chave: Neurociência, educação, fracasso escolar, formação
A neurociência é uma área que até poucos anos estava relacionada
exclusivamente a área da saúde. Através de estudos, pesquisas e da própria prática do
pessoal da saúde, sentiu-se a necessidade de ampliar as áreas para essa atuação tendo em
vista o estudo do cérebro ser muito abrangente. A finalidade desse artigo é descobrir a
neurociência, à parte de suas rotulações, e pensar o cérebro para além das suas funções
físicas e orgânicas como um grande mecanismo que refere ao ser humano em todas as
áreas da sua existência: matéria, psique e espírito (alma) sem a intenção de explorar a
tríade que o compõe e buscar possibilidades nas suas contribuições para a educação, para
o educando e para o educador, fugindo do risco de um modismo que mais confunde do que
agrega com a possiblidade ainda, de descobrí-la como tendência para uma nova educação.
O trabalho do educador na aplicação do processo ensino-aprendizagem faz com
que, por vezes, ele se depare com situações de dificuldades cognitivas que estão além da
sua possibilidade de atendimento e compreensão devido a sua formação que não é
específica para esse fim. Uma ação conjunta multiáreas do conhecimento como a
pedagogia, a psicologia, a psicopedagogia, a fonoaudiologia e demais áreas afins se faz
necessária quando da intervenção para auxilio, orientação e encaminhamento desse
educando com dificuldades, a princípio, cognitivas. Diz-se a princípio porque um diagnóstico
é algo moroso e requer práticas mais específicas do que um simples parecer baseado na
impressão que o educador possa ter desse aluno. Além dessas áreas já citadas, a
1
Pedagoga/Neuropedagoga. Discente em especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela
Universidade Anhembi Morumbi - UAM. E-mail: anna.cf2008@gmail.com
2. necessidade de buscar mais detalhadamente a possível origem do problema cognitivo
desses educandos, trouxe a neurociência para a área de educação.
Com os diversos avanços científicos e tecnológicos, a neurociência abriu suas
fronteiras para além da área de exatas e biológicas, deixando seu contexto limitado às áreas
da neurologia, psicologia e biologia, para ampliá-lo como ferramenta para as áreas de
humanas, como exemplo, a educação.
O estudo da neurociência na educação, ou como ferramenta para a formação do
educador começa a se expandir no mundo e na américa latina de uma forma muito rápida e
abrangente criando dessa forma, um leque de possibilidades de cursos de formação com
esse fim.
A necessidade de se explicar o porquê das ações e das dificuldades humanas
transforma a neurociência num trunfo milagroso capaz de explicar todas as ações e
intenções do cérebro e por conseguinte, do educando, tornando-se assim, uma
possibilidade de ação / intervenção. Seria uma verdade incontestável se o ser humano fosse
tão previsível quanto as teorias podem supor, mas a complexidade do comportamento
humano, das suas capacidades, das suas habilidades e das deficiências o torna mais amplo
do que a própria abrangência da neurociência. Essa promessa ainda em acompanhada da
expectativa de esse conhecimento neurocientífico proporcionar inovação nas práticas de
ensino e nas metodologias utilizadas para o processo do ensino aprendizagem.
Muitos dos escritores e pesquisadores do tema neurociência x educação citam
como ponto de apoio para suas publicações, sua experiência e formação na área da saúde,
seja como psicólogo, biólogo, neurologista e atividades afins, e que tais conhecimentos
contribuíram como facilitadores para a compreensão e argumentação do uso da
neurociência na educação. Mas antes de falarmos sobre, vamos buscar a definição do que é
a Neurociência
Mas o que vem a ser neurociência?
É um termo que se refere ao estudo do cérebro de maneira ampla. Segundo a
revista Infoescola, “a neurociência investiga o funcionamento do sistema nervoso, em seu
estado normal ou patológico, principalmente os elementos anatômicos e fisiológicos do
cérebro, relacionando-os com outras disciplinas, como a teoria da informação, a semiótica, a
lingüística, e outras que se ocupam da observação das reações comportamentais, dos
mecanismos de aprendizado e aquisição do conhecimento humano.” Alguns cursos de
neurociência ligados à área da saúde, definem a que a neurociência pode se subdividir em
molecular, celular, sistêmica, comportamental e cognitiva. A neurociência cognitiva dentre os
materiais que se encontram publicados, é a neurociência que relaciona-se com a educação
e que fomenta para alguns, o termo neuroeducação ou neuropedagogia.
A divulgação desse boom que é a neurociência em nosso cotidiano, faz menção
de conclusões tais como: a interferência da emoção no processo de retenção da
informação, da necessidade da motivação para a aprendizagem, da mudança contínua do
cérebro em toda a sua existência, da consolidação da aprendizagem associada a um
conhecimento prévio, como fruto das pesquisas e investigações neurológicas da
neurociência. Contudo, os grandes teóricos da psicologia que embasaram muitas das
teorias da educação, através de estudos e experiências, muitas de forma empírica, já
trouxeram essas afirmações que são a base na formação dos educadores atuais. Questões
como emoção, motivação, atenção, a influência do meio e memória, são retratadas nas
teorias de Piaget, Vygostky, Wallon e Ausubel. Essa constatação não tem a pretensa ideia
de desqualificar a neurociência, o que seria um ato insano, mas o de alertar e questionar se
realmente estamos fazendo bom uso e divulgação da neurociência em prol da educação.
A inovação da educação com o uso da neurociência tem sido mostrada como uma
ferramenta que auxilia no “aprender a aprender”, mas essa teoria também é do Vygostky.
3. Essa fase de estruturação da neurociência e da descoberta da sua real
aplicação tem usurpado de várias áreas do conhecimento, como a pedagogia, a
psicopedagogia e a psicologia entre as principais, que até os cursos ofertados se perdem
nas suas grades e trazem como propostas inovadoras ações já praticadas nas áreas
existentes. O diagnóstico e as intervenções para os problemas de aprendizagem tratados
pela psicopedagogia; os atendimentos às questões psíquicas e emocionais atendidas pela
psicologia e as didáticas aplicáveis para o aprender de forma significativa, já faz parte do
cotidianos desses profissionais. A preocupação de se esclarecer essas informações é que
nessa demanda em que tudo é neurociência têm-se agido como se ela fosse uma fórmula
mágica capaz de resolver todas as mazelas da educação atual, ou, indo mais longe,
reduzindo o ser humano a uma fração biológica e explicável onde fórmulas bem definidas
resolverão todo o problema da aprendizagem e do ser em seu todo. Não podemos esquecer
que a neurociência refere-se a estudos e pesquisas relacionadas ao cérebro que podem ser
mapeado, estudado e referenciado dentro de critérios pré-estabelecidos, contudo, o ser
humano tem o outro lado, a psiqué, que embora tenha uma ação direta no cérebro, pela sua
subjetividade, não pode ser mapeada e reduzida a um único critério, e esse é o maior
desafio da ciência.
A utilização da neurociência na formação dos educadores, segundo Ramon M.
Cosenza, médico, doutor em ciências e professor do Instituto de Ciências Biológicas da
Universidade Federal e Minas Gerais em seu livro “Como o Cérebro Aprende”, é um urgente
desafio para a área pois “a formação fundamentalmente humanística da maioria dos
educadores no brasil, é essencial para a compreensão da educação mas insuficiente para o
atendimento da demanda da aprendizagem para a vida e sociedade neste milênio. (...) O
progresso do conhecimento neste milênio só será possível a partir de uma perspectiva
transdisciplinar onde as diversas áreas do conhecimento utilizarão seus pressupostos para
avançar em direção a um conhecimento novo.” Cosenza afirma que nesse enfoque o
aproveitamento da neurociência na educação poderia ser como uma ferramenta na
abordagem das dificuldades escolares e nas suas intervenções corretivas.
Em uma entrevista para a revista Galileo o intelectual britânico Raymmond Tallis
afirma que “Neurociência para tudo é bobagem” e utiliza o termo de “neuromania” para
definir a tendência de achar que tudo que somos deve-se ao cérebro e que neuroatividade é
o mesmo que nossa consciência. Ele fala dos riscos da volta da ideia de se formular leis e
conceitos éticos baseados nas teorias científicas criadas a partir do cérebro; uma forma de
alienação utilizada pelos nazistas. Prova dessa possivel “neuromania” é encontrarmos
ofertas de cursos de neurociências para marketing, moda, administração, computação,
direito e uma diversidade de outras áreas que trazem o termo como diferencial, sendo este
diferencial a estimulação do cérebro, preparação de conteúdos que foquem as áreas, mas,
de forma aprimorada pelo estudo do cérebro. Essas ofertas fomentam a declaração dada
acima por Raymmond Tallis.
Vale observar que essa miscelânea de cursos oferecidos trazem outra confusão
quanto a titulação de seus ingressantes que entram com expectativas de se formar
neuropedagogos, neurocientistas, neuroeducadores e afins, e nem todos os cursos formam
neuros; a maioria forma especialista em neurociência “para algo”
Uma curiosidade é que nas inovações trazidas pela neurociência na educação encontram-
se publicações que tratam da cognição por gênero se utilizando da neurociência como base
para compreender as diferenças biológicas e psíquicas entre meninas e meninos
acreditando-se que, com esse conhecimento seja possível regular a prática do ensino com
as necessidades específicas de cada um, que trata de dois assuntos emergentes em nossa
sociedade (gênero e neurociência) e sugere ainda que, a partir do conhecimento do cérebro,
o educador consiga repensar suas atividades e sua didática para com esses alunos.
4. A tendência da neurociência como um instrumento no universo da educação, se superado
esse modismo onde tudo é neurociência por menor o sentido que faça a sua associação
com o tema eleito, abrirá oportunidades para estudos em que se possa comparar
neurocientificamente alunos em condições diferentes de aprendizagem para uma
abordagem mais assertiva no seu processo de ensino-aprendizagem. Deixo a indagação de
qual a possível abordagem dos cursos de formação em Neurociência direcionados à
educação, sem mitificar a neurociência como a solução para resolver de vez o problema do
fracasso escolar; sem que invada outras áreas do conhecimento como por exemplo a
psicopedagogia e a psicologia; e sem que educadores com sua formação direcionada para
os aspectos cognitivos saiam por ai querendo “clinicar” como neuro “alguma coisa”. É fato
que ter conhecimento de neurociência é de grande valia para o entendimento de quem é
este educando e para a compreensão do seu processo cognitivo, mas há de se considerar
que o biológico (cérebro) também se constrói da vivência social e que, mais do que usar as
nomenclaturas partes do cérebro (como lobos, cerebelo e afins) para explanar uma
situação, precisamos entender e usufruir desta área como grande aliada para práticas
docentes mais assertivas e que antes de qualquer outra intenção colabore efetivamente
para o desenvolvimento sócio-psicoemocional e cognitivo do educando proporcionando
desta forma uma aprendizagem real e significativa. Permanece a lacuna sobre a relação
cérebro mente; até onde os estudos neurocientíficos conseguem explicar e comprovar a
psiqué humana e se essa tendência realmente não é uma moda que como tantas outras que
intuíram revolucionar a área de educação, passaram, deixando uma lacuna com mais
perguntas que respostas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COZENZA, Ramon Moreira; GUERRA, Leonor B. Neurociência e Educação. Ano 1. Editora
Artmed. São Paulo, 2011
RELVAS, Marta Pires. Neurociência e Educação: Potencialidades dos Gêneros Humanos na
Sala de Aula. 2º edição. Editora WAK. São Paulo. 2010
GUERRA, Leonor Bezerra. ‘Como as Neurociências contribuem para a formação escolar?,
Revista FGR em revista, Edição 05, Ano 4, 6-9, Outubro/2010. Disponível em
http://www.fgr.org.br/site/revistas/revista_5edicao.pdf
TALLIS RAYMMOND. “Neurociência para tudo é bobagem”. Revista Galileo Eletrônica.
Disponível em http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI272312-17770,00-
NEUROCIENCIA+PARA+TUDO+E+BOBAGEM.html