Este documento trata de uma ação anulatória movida pela Auto Xanxerê Ltda contra o Município de Xanxerê para anular um auto de infração emitido pelo PROCON municipal. O juiz nega o pedido da autora e confirma a validade do auto de infração aplicado pelo PROCON, uma vez que o órgão possui competência legal para aplicar sanções administrativas e o caso se enquadra em uma infração às leis de defesa do consumidor.
Poderes do Procon - aplicação de multa - sistema de defesa do consumidor
1. fls. 1
Autos n° 080.11.006322-8
Ação: Anulatória/Ordinário
Requerente: Auto Xanxerê Ltda
Requerido: Município de Xanxerê
SENTENÇA
Vistos, etc.
Tratam os autos de "ação anulatória com pedido de tutela antecipada"
ajuizada por AUTO XANXERÊ LTDA em face de MUNICÍPIO DE XANXERÊ.
Pleiteia a parte autora a anulação do auto de infração nº 000263, originado
pela reclamação nº 1629/10, emitido pelo PROCON do município de Xanxerê.
Alega que a decisão do órgão de defesa do consumidor extrapolou suas
competências, tendo emitido decisão de mérito de caráter condenatório/coercitivo visando
compelir a autora a cumprir os requerimentos do consumidor. Aduz que somente o Poder
Judiciário possui competência para decidir quanto ao mérito dos conflitos entre os particulares,
e que o PROCON não poderia julgar o mérito da reclamação, nem estipular multa pelo
descumprimento dos requerimentos do consumidor. Defende que existiria controvérsia entre as
partes sobre a existência ou não dos direitos alegados, o que somente poderia ser dirimida em
ação judicial julgada pelo Poder Judiciário, que possui a prerrogativa exclusiva da Jurisdição.
Requereu a antecipação dos efeitos da tutela para suspender a exigibilidade do auto de infração
nº 000263, emitido pelo PROCON.
Juntou documentos e requereu a procedência dos pedidos.
Restou postergada a apreciação da tutela antecipada para após a
triangularização do feito (fl. 115).
O município apresentou contestação às fls. 120/130, onde defendeu a
legitimidade do PROCON em julgar os processos administrativos, bem como a possibilidade
de ser aplicado multas em razão do desrespeito às leis consumeristas, no limite de competência
do órgão de proteção ao consumidor. Afirmou que a multa respeitou o devido processo legal, o
contraditório e a ampla defesa, bem como os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Requereu a improcedência e juntou documentos.
Houve réplica às fls. 135/140.
O Ministério Público manifestou não ter interesse no feito (fl. 142).
Vieram-me os autos conclusos.
É o relato.
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2. fls. 2
DECIDO.
A demanda comporta julgamento antecipado, na forma do art. 330, I, CPC,
eis que a matéria é eminentemente de direito, e os fatos relevantes estão suficientemente
demonstrados, não havendo necessidade de produção de prova em audiência.
"Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é
dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder" (STJ-4ª Turma, Resp 2.832-RJ, Rel. Min.
Sálvio de Figueiredo).
É desnecessária a produção de outras provas se as existentes nos autos são
suficientes ao convencimento do julgador, não caracterizando cerceamento de defesa o
julgamento antecipado da lide.
DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
O vértice das demandas se refere ao processo administrativo do PROCON,
onde, na reclamação fundamentada nº 1629/10, a autora foi multada por descumprimento das
leis consumeristas.
Pretende a autora a declaração de nulidade do ato administrativo.
Assim, a procedência ou improcedência dos pedidos está atrelada na validade
ou não do ato administrativo do PROCON, principalmente no tocante à aplicação da pena
pecuniária. Constatando-se a existência de ilegalidade no ato administrativo, possível a sua
anulação.
"Anulação, que alguns preferem chamar de invalidação, é o desfazimento do
ato administrativo por razões de ilegalidade. Como a desconformidade com a lei atinge o ato
em suas origens, a anulação produz efeitos retroativos à data em que foi emitido [...]" (in
Direito Administrativo, de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, pág. 238, Atlas, 2010).
A decisão do processo administrativo do PROCON repousa às fls. 46/49.
Nela se infere que o consumidor apresentou sua reclamação reclamando dos vícios e defeitos
apresentados no veículo que teria adquirido da autora, zero quilômetro (VW Gol 1.0). O
veículo teria apresentado vários problemas, passando por diversos consertos pela empresa ora
autora, sendo que depois de algum tempo, perdida a confiança na possibilidade de a empresa
consertar em definitivo os defeitos, socorreu-se ao PROCON requerendo a troca do veículo por
outro, ou a restituição do valor pago.
As empresas reclamadas, apresentaram suas respostas. Houve proposta de
acordo por parte da Volkswagen, sendo oferecida a extensão da garantia por mais 6 meses,
afirmando-se que o veículo teria sido devolvido devidamente consertado. A própria VW afirma
que o consumidor não aceitou pois afirmava que o veículo ainda apresentava vícios (fl. 64).
As empresas, pelo próprio teor dos recursos administrativos juntados aos
autos, demonstraram não ter interesse em cumprir com o previsto na Lei consumerista.
O PROCON proferiu decisão administrativa onde atribuiu às partes
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reclamadas a responsabilidade por não cumprirem o estipulado no art. 18 do CDC (os vícios
dos produtos, se não sanados em 30 dias, dariam direito ao consumidor escolher entre a
substituição do produto, a devolução da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço).
Como infringiram o art. 18 do CDC e o art. 13 do Decreto nº 2181/97, o
PROCON aplicou multa de 60.000 UFIR's, valor este baixado em sede de recurso
administrativo para 40.000 (quarenta mil UFIR's).
A controvérsia cinge-se na apreciação de existência de infração
administrativa, previsão legal da conduta tipificadora da infração, autorização legal para
imposição da pena por parte do PROCON Municipal e critério de quantificação da multa.
No que tange à autorização legal para que o órgão Municipal de defesa do
consumidor aplique as sanções em decorrência das infrações consumeristas, há expressa
menção em diversos dispositivos do Decreto n. 2.181/97.
Com efeito, extrai-se da referida norma, o seguinte:
"Art. 4º. No âmbito de sua jurisdição e competência, caberá ao órgão
estadual, do Distrito Federal e municipal de proteção e defesa do
consumidor, criado, na forma da lei, especificamente para este fim, exercitar
as atividades contidas nos incisos II a XII do artigo 3º deste Decreto e,
ainda: (...)".
E, do artigo 3.º, inciso X, colhe-se:
"X - fiscalizar e aplicar as sanções administrativas previstas na Lei nº
8.078, de 1990, e em outras normas pertinentes à defesa do consumidor;".
"Art. 5º. Qualquer entidade ou órgão da Administração Pública, federal,
estadual e municipal, destinado à defesa dos interesses e direitos do
consumidor, tem, no âmbito de suas respectivas competências, atribuição
para apurar e punir infrações a este Decreto e à legislação das relações de
consumo."
"Art. 7º. Compete aos demais órgãos públicos federais, estaduais, do Distrito
Federal e municipais que passarem a integrar o SNDC fiscalizar as relações
de consumo, no âmbito de sua competência, e autuar, na forma da
legislação, os responsáveis por práticas que violem os direitos do
consumidor."
Veja-se, portanto, que a legislação Federal é farta no sentido de atribuir, aos
órgãos municipais de defesa do consumidor, a competência para autuação e penalização dos
responsáveis por práticas infracionais violadoras dos direitos do consumidor, mesmo aquelas
previstas no próprio Código de Defesa do Consumidor.
E, na esfera municipal, a LC 2.752/2003 parece tratar do assunto.
Não se pode exigir que o Município, para aplicação das sanções
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administrativas em decorrência de infrações às normas de defesa do consumidor, diante da
competência suplementar que lhe foi atribuída pelo inciso II do artigo 30 da Carta Magna,
expressamente as repise em sua legislação local para que adquiram eficácia, porquanto
suplementar, no sentido dado pela Lei Maior, significa complementá-la e não repeti-la.
Pensar de modo contrário, é dar vazão a formalismos exagerados e inúteis,
que viriam em evidente prejuízo aos consumidores.
Ademais, a própria legislação Federal, como citado alhures em sobejo,
outorgou aos órgãos e entidades Municipais de defesa do consumidor essa competência.
Cito parecer do Ministério Público, apresentado nos autos nº
080.11.004259-0, que trataram de matéria idêntica ao presente caso: "[...] fragilizar o Procon,
portanto, é a um só tempo fragilizar o consumidor e também o Judiciário. Com milhares de
demandas que poderiam e teriam sido resolvidas pelos Procon's, o Judiciário se fragiliza
porque dispensará seus recursos justamente numa função que não é (e não deve ser) sua:
proteger o consumidor".
Dessarte, verificada a previsão legal da conduta infracional, bem como a
competência e legalidade do ato praticado pela Coordenadoria Municipal de Defesa do
Consumidor, resta verificar se a ação praticada pela autora enquadra-se na norma infracional e
se a multa está adequadamente aplicada.
Quanto à ocorrência da infração administrativa, colhe-se dos autos (fls.
25/107) que o consumidor apresentou sua reclamação insurgindo-se contra os problemas
apresentados pelo seu veículo zero quilômetro. Embora tenham sido feitos alguns reparos, o
consumidor informou que o veículo continuava apresentando problemas. As rés, então, nada
fizeram em relação aos defeitos e problemas enfrentados pelo consumidor.
O PROCON proferiu decisão administrativa onde atribuiu às partes
reclamadas a responsabilidade por não cumprirem o estipulado no art. 13 do Decreto nº
2181/97 e do art. 18 do CDC, o qual garante que os vícios dos produtos, se não sanados em 30
dias, dariam direito ao consumidor escolher entre a substituição do produto, a devolução da
quantia paga ou o abatimento proporcional do preço.
Portanto, não houve afronta à subsunção do fato à norma, ressaltando que a
parte defende-se dos fatos contra si invocados, e não da capitulação legal aposta.
Frise-se que o processo administrativo possibilitou às empresas que
apresentassem suas respostas, juntassem provas e documentos, e resolvessem o problema do
consumidor, se assim desejassem. Quer dizer, o Processo Administrativo observou-se os
princípios da ampla defesa e contraditório. E, no âmbito judicial, ainda que pudesse ser
analisado o mérito do ato administrativo, as autoras não lograram êxito em derruir
documentalmente a versão do consumidor, tido como moralmente idôneo, vulnerável (art. 4º, I,
CDC) e hipossuficiente quanto à matéria probatória, o que autoriza a inversão do ônus da prova
(art. 6º, VIII, CDC).
Como bem explicitou o Ministério Público, nos autos 080.11.04259-0: "[...]
em momento algum o ProconCEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail:multa, o cumprimento de obrigação de
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impõe, sob a ameaça de xanxere.civel2@tjsc.jus.br
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natureza individual inter partes. O PROCON simplesmente aplica multa por infringência a
norma de proteção do consumidor [...]" – fl. 97. E ali cita exemplos claros de aplicação
análoga. E mais a frente continua afirmando que "[...] confundir a obrigação de fazer (devolver
o que foi indevidamente cobrado) com a obrigação de pagar multa por infração administrativa
é forçar o raciocínio para levar ao esvaziamento do principal órgão de proteção do
consumidor: o PROCON [...]".
Portanto, não se pode dizer que houve vício do ato administrativo por
falsidade do motivo ou desvio de finalidade.
Bom ainda lembrar que a aplicação de multa (modalidade de sanção
administrativa), não requer a intervenção do Judiciário para sua implementação, uma vez que o
atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos lhe conferem tamanho poder.
Extrai-se da doutrina que as sanções ou penalidades "[...] são aplicadas e
cobradas ou executadas pela própria Administração, em procedimento administrativo próprio,
resguardado o direito de defesa do infrator. Revestem-se, assim, de grande significado na
defesa do consumidor, pois têm a função de educar o fornecedor, inibindo condutas desonestas
e abusivas e reprimindo os atos fraudulentos." (Jão Batista de Almeida, in A Proteção Jurídica
do Consumidor. 6ª ed. Rev., atual. E ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, pág.208).
E em caso similar, decidiu o TJSC:
"O PROCON, como órgão integrante do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor, tem competência para legalmente aplicar sanções
administrativas às empresas de telefonia pela prática de infrações à
legislação consumerista". (TJSC - AC 2010.058515-2. Relator: Newton
Janke. Data: 31/03/2011)
Portanto, pode o PROCON fiscalizar bem como aplicar as penalidades
previstas em atos normativos.
No que tange à quantificação da multa (40 mil UFIRs), nada a que se
modificar. Frise-se que o valor do bem adquirido é alto, posto que se trata de veículo zero
quilômetro.
Com efeito, a pena de multa foi graduada na forma disposta no artigo 57 da
Lei n. 8.078/90, observada a gravidade da infração, a vantagem auferida, incômodo e
transtornos ao consumidor, a condição econômica e a reincidência do fornecedor. Ou seja, a
sanção obedeceu aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Em casos similares, o TJSC decidiu:
"RECLAMAÇÃO REALIZADA JUNTO AO PROCON. ÓRGÃO QUE, APÓS
INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO, APLICOU
PENALIDADE. MULTA DEVIDA. VALOR ARBITRADO EM
CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E
PROPORCIONALIDADE. FIXAÇÃO MANTIDA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. VERBA FIXADA ADEQUADAMENTE. AUSÊNCIA DE
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ELEMENTOS QUE INDIQUEM A NECESSIDADE DE MINORAÇÃO.
RECURSO DESPROVIDO. Conquanto bastante delicada a discussão em
torno do tom confiscatório das penalidades administrativas, é insofismável
que sua aplicação deve pautar-se por um mínimo de razoabilidade. No caso,
a imposição de pena pecuniária, tem por base os parâmetros adotados pelo
CDC, que varia entre 200 UFIRs e 3.000.000 UFIRs. Tendo a decisão
aplicado valor adequado, a manutenção da multa é medida que se impõe".
(TJSC - AC 2010.073859-5. Relator: Ricardo Roesler. Data: 23/09/2011)
Nos termos expostos, a improcedência dos pedidos é medida que se impõe.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, com fundamento no art. 269, I, do CPC, JULGO
IMPROCEDENTE os pedidos formulados na inicial.
Condeno a autora em custas e honorários advocatícios, os quais fixo em R$
2.000,00 (dois mil reais), forte no art. 20, §4º, do CPC e considerando a complexidade e
natureza da causa, tempo de tramitação, qualidade e lugar dos serviços prestados e forte na
equidade.
Após o trânsito em julgado, pagas as custas, arquive-se.
P. R. I.
Xanxerê (SC), 13 de agosto de 2012.
Giuseppe Battistotti Bellani
Juiz de Direito
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