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PIERRE BABIN: padre, psicopedagogo, capelao dos jovens, posterionnente diretor
de wn centro de pesquisa de pedagogia religiosa (1954-1960). Professor do Instituto
Cat6lico de Lyon e da Universidade de Strasbourg. Leciona em diversos institutos e
universidadcs (Paris, Montreal, Quebec, Buenos Aires, Vennont, Manilla etc.).
Fundador e diretor do CREC-AVEX (Centro Intemacional de Fonna(iiio em
ComunicayOes Sociais e Religiosas), dirctor do servi(io audiovisual do laborat6rio
IRPBACS de Lyon-Ecully (CNRS).
MARIE-FRANCE KOULOUMDllAN: psic61oga, pesquisadora no CNRS, professors
de Psicologia Social na Universidade de Lyon I. Participa rcgulannente das sessOes
de fonna~iio (jovens e adultos) na Fran~ enos pa.lses do Terceiro Mundo.
PIERRE BABIN
MARIE-FRANCE KOULOUMDJIAN
((J) § W((J)V((J)§ WIT((J)JD)((J) §
]]])IE CC((J)MIJPffiJEIEWJD)IEffi
A gerac;ao do audiovisual e do computador
371 .36
B114n
DEDALUS - Acervo - FE
Novos modes de compreender :
11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111
20500035774
Bibliotoca I FEUSP
(~ 33336
EDICOES PAULINAS
Do original em lingua francesa
Les nouveaux modes de comprendre
La gbliration de l'audiovisuel et de l'ordinateur
© Editions du Centurion, 1983, Paris
Tradu~ao
Maria Cec(lia Oliveira Marques
Revisao da tradu~ao
Carlos Rizzi
Produ~ao editorial e grM'ica
Carlos Rizzi
Capa e ilustra~ao
Mario Couto Pita
Fotografia
Celio Ysayama
Aquisicao ' Ca!;><
Origem
Solicitante ! 11, II I I . l'
Proc. '·I '-' , I ~ L, ~ ~

R' i ~) . ' ' -·~ Oata :' ··; I
N." de Chamada ~ "({ . -:J(;,
oo f { i/)
(/ ~/1_I
I· '
EDI(:OES PAULINAS
Av. lndian6polis, 2752
04062 - Sao Paulo - SP (Brasil)
© Edi~oos Paulinas, Sao Paulo, 1989
PROLOGO
Esta obra efruto de pratica e de rejlexiio. Praticos da
psicologia e do audiovisual, mas tambem universitarios e for-
madores de adultos, nestes ultimos anos estivemos muito sen-
sfveis aos fenomenos de ruptura perceptiveis entre os jovens:
ruptura no comportamento perante os valores adultos tradi-
cionalmente majoritarios, na linguagem e no conjunto dos
modos de expressiio, mas tambem mais profundamente numa
relar;iio com o mundo, uma percepr;iio que, vista de mais per-
to, pareceu-nos radicalmente diversa das da gerar;iio anterior.
Os jovens niio siio, ou niio siio mais contra estes ou aqueles
valores, em relar;iio aos quais tentariam definir sua identida-
de. Eles "estiio em outra", num sistema diferente dentro do
qual se inserem de modo original e que, pouco a pouco,
constitui uma verdadeira e nova cultura.
Por meio de pesquisas, de encontros e de questionarios
quisemos tentar reconhecer essa diferenr;a, dificil de apreen-
der, embora tiio proxima, sendo ao mesmo tempo familiar e
rejeitada.
Mas niio basta admitir sem preconceito ·ou compreen-
der sem segregar. Nossa visiio niio pretendeu ser entomologi-
ca e gratuita. Trata-se de nossa sociedade e e sua propria
vida atual e futura que esta em questiio.
Portanto, niio se surpreenda o leitor de encontrar aqui
sugestoes, propostas para uma nova educar;iio, apresentadas
as vezes com metodo, muitas outras vezes com paixiio.
5
I
ELES "ESTAO EM OUTRA"
0 DESNORTEIO
Os jovens nao sao contra, eles "estao em outra". Esta
convicr;ao resume o tema que queremos desenvolver neste
livro.
Ao lermos as obras classicas sobre psicologia dos ado-
lescentes, predomina uma explicar;ao: uma crise de crescimen-
to, pela rejeir;ao do passado e por mliltiplas tentativas, para
construir uma nova personalidade. Af esta Freud, e o centro
da crise e representado pela revolta contra o pai. A jovem
sexualidade ergue-se contra a autoridade vigente e as institui-
r;oes. 0 jovem se afirma ao se opor. Cada gerar;ao encontra
os lfderes que ousam enfrentar os modelos anteriores. Sartre,
Brassens, Mao - o grande tirnoneiro -, mais tarde Marcu-
se, Cohn-Bendit, cada urn asua maneira cristaliza urn prates-
to contra a ordem de ontem. Pouco a pouco, apaziguam-se as
revoltas. 0 rastilho de p6lvora de maio de 68 foi substitufdo
pela gerar;ao "p6". Os lfderes de ontem morreram sem rufdo,
os "Cohn-Bendit" tomaram-se comerciantes bern cornportados.
Em 1980, os jovens brasileiros recebem o lfder Paulo Freire
e euma decepr;ao melanc61ica.
Afinal, o que estii acontecendo? A oposir;ao esubstituf-
da pelo desnorteio, o combate s6cio-polftico pela ecologia, a
organizar;ao revoluciomiria pelas ar;oes pragrnaticas, as ideolo-
gias pelo "disco":
7
I
ELES "ESTAo EM OUTRA"
0 DESNORTEIO
Os jovens nao sao contra, eles "estao em outra". Esta
convic~ao resume o tema que queremos desenvolver neste
livro.
Ao lermos as obras classicas sobre psicologia dos ado-
lescentes, predomina uma explica~ao: uma crise de crescimen-
to, pela rejei~ao do passado e por mUI.tiplas tentativas, para
construir uma nova personalidade. Af esta Freud, e o centro
da crise ~ representado pela revolta contra o pai. A jovem
sexualidade ergue-se contra a autoridade vigente e as institui-
~oes. 0 jovem se afirma ao se opor. Cada gera~ao encontra
os lfderes que ousam enfrentar os modelos anteriores. Sartre,
Brassens, Mao - o grande timoneiro -, mais tarde Marcu-
se, Cohn-Bendit, cada urn asua maneira cristaliza urn protes-
to contra a ordem de ontem. Pouco a pouco, apaziguam-se as
revoltas. 0 rastilho de p61vora de maio de 68 foi substitufdo
pela gera~ao "po". Os lfderes de ontem morreram sem rufdo,
os "Cohn-Bendit" tomaram-se comerciantes bern comportados.
Em 1980, os jovens brasileiros recebem o lfder Paulo Freire
e ~ uma decep~ao melanc61ica.
Afinal, o que esta acontecendo? A oposi~ao esubstituf-
da pelo desnorteio, o combate s6cio-polftico pela ecologia, a
organiza~ao revolucionaria pelas a~oes pragmaticas, as ideolo-
gias pelo "disco":
7
"Venho de urn mundo em que nada
vale a pena ser vivido,
Exceto quando o dia vira noite.
Sou uma estrela no meio das luzes de neon.
Sei que dan~ar e o unico meio de sair disso.
Quando vivo mi'J)has fantasias,
Quando dan~o e todos os olhos se voltam para mim,
~ a unica coisa que nao podem me tirar"1
•
Na realidade, assistimos alenta ascensiio de um novo
modo de ser e de pensar. Urn outro modo de ser em socieda-
de. A musica e o come~o e o sinal disso: "Amusica e meu
modo de viver'02
•
Quando McLuhan morreu, no infcio do 1981, viu-se uma
incomparavel demonstra~ilo de lagrimas e de gestos afetuosos
na puritana cidade de Toronto. Nunca tantas atitudes originais
proliferaram num enterro: jovens de jeans com estranhos bu-
ques de flores nas costas, rapazes cabeJudos com sua prancha
de skate nos ombros, outros carregando aparelhos de TV, ou-
tros com fones de ouvido. Urn longo cortejo ate o cemiterio
em honra daquele que ousara escrever: "0 rock e o maior
renascimento poetico desde Romero".
Certamente, sao manifesta~oes do outro lado do AtHlnti-
co. Na Fran~a. a realidade seria muito diferente?
Os pais estao divididos. Lembrando-se da pr6pria juven-
tude, alguns optam pelo liberalismo: nada impor. "Facil de-
mais, respondem urn dia os filhos, voces sao uns covardes, nao
se interessam por n6s". Outros pais escolhem a autoridade.
Ora, e curiosa a rea~ao dos filhos: nao se opoem, saem de
casa. Ao mesmo tempo afetuosos e desligados. "Que voce
' Marti Sharron-Gerard-Lee, citado no Newsweek, em 30 de abril de 1979, p.
44.
3 Idem, "the music is may way of life"_
8
quer, - diz a mo~a de vinte e cinco anos -, eles nao po-
dem compreender. Deram duro a vida inteira... mas, para que?
Nao faz sentido. Nao quero esta vida." Depois ela explica que
gosta muito dos pais e que voltaria a casa deles de born grado.
0 walkman no ouvido e uma imagem sugestiva, nao da
revolta das gera~oes, mas da distancia. - "Todas as manhas
vou para o trabalho de 6nibus, as oito e meia - conta urn
homem de uns 50 anos. Ora, M alguns dias vejo urn jovem
de pe, com fones de ouvido, escutando seu som, completa-
mente fechado em seu mundo. Entao decidi fita-lo bern nos
olhos para for~a-lo a sair de dentro de si mesmo. Acho que
isso levou uns dez minutos. No tim, ele me sorriu!" "Mas por
que o senhor quer que aquele rapaz se desligue de sua musi-
ca? Venho importumi-lo quando o senhor esta entretido com
seu jornal ou com seu romance ·policial?" - "Nao e a mes-
ma coisa." "Mas onde esta, no fundo, a diferen~a? Nao M nos
dois casos urn 'isolamento' e ate uma especie de satisfa~ao
narcisista? Por que a leitura de urn jornal seria melhor para o
homem que a escuta de uma fita?"
Situa~ao tfpica. Cada urn e prisioneiro de seus signos.
Impacienta-se o adulto e for~a o outro pela violencia de urn
olhar penetrante. A resposta vern dez minutos depois: o esbo-
~o de urn sorriso. Geralmente, a rea~ao e pacffica. Na classe,
uma menina de 15 anos, muito boazinha, nao estuda. "Por
que?" pergunta a professora. - "Isso nao me diz nada, mas
nada tenho contra... Nao me interessa." Ansiosa, a professora
insiste: "E porque nao M entrosamento entre n6s?" "Nao -
diz a menina, muito gentil -, gosto muito da senhora, mas
isso nao me interessa." E tudo. Acabou-se a hist6ria. As ve-
zes - nota urn grupo de educadores -, de repente os jovens
deixam de freqiientar urn clube. Q__gu~__nQ~ ~SP.Mta_e nada
dizerem, nao darem explica~ao. Perguntam-lhes: "Por que? Sao
os seus companheiros? Voces brigaram?" A resposta e negati-
va. Simplesmente: "Nao me interessa": Ou mais esta outra
palavra-chave: "De que adianta?"
9
A imagem que vern ao espfrito nao e a de uma batalha
organizada entre duas gera~oes, mas a de dois barcos que se
cruzam, de Ionge, enviando sinais incompreensfveis urn ao
outro.
Nao M agressividade, mas impotencia para comunicar-
se. Certamente, o mal-estar e o afastamento da gera~ao jovem
tern multiplas causas: o desemprego, a situa~ao intemacional,
o envelhecimento da popula~ao, a ascensao do Terceiro Mun-
do etc. Queremos, neste livro, destacar a causa radical do des-
norteio: o nascimento de uma outra maneira de ser e de com-
preender, ou, se preferirem, uma outra cultura, no sentido
amplo do termo, isto e, o conjunto dos meios que o homem
possui para resolver os problemas de existencia, de sentido e
de crescimento.
Havera incomunicabilidade? Uma mae de familia, de
mentalidade aberta e genio conciliador, responde: "Discuto
muito com meu filho de dezessete anos. Nao posso dizer que
haja urn abismo entre n6s, mas ele esta sempre com sua musi-
ca, seus discos, seu radio, as vezes a TV. Ele chega em casa
e zas! o radio de pilha... Af ele me escapa". Assim, o la~o
afetivo e familiar nao erompido, de qualquer maneira ebern
menos do que o era nas gera~oes anteriores. Entretanto, nesse
dialogo aparece urn Iugar completamente inacessfvel, uma area
de com.unica~ao impossfvel. Digamos que sao dois planetas!
Urn fala razoavelmente, o outro fala pop-music, urn experi-
mentalmente, o outro intuitivamente, urn em nome dos princf-
pios, o outro pragmaticamente.
No final do fllme Contatos imediatos de 3'1 grau, sinais
musicais e visuais emitidos pelos habitantes da Terra come-
~am a ser compreendidos pelos habitantes de urn outro plane-
ta. Mas s6 havera verdadeira compreensao no momento em que
urn terrestre, entrando na nave espacial, efetuar a estranha via-
gem para outro Iugar, cujo pre~o eo abandono de sua antiga
forma de ser. A imagem esclarece nosso tema. A incomunica-
10
bilidade entre a gera~ao dos pais e a "gera~ao TV" nao e ra-
dical. Mas os parceiros devem empreender essa viagem, cada
urn correndo seus pr6prios riscos. Isso significa nao somente
ler urn livro de explica~oes e proceder a uma analise, mas,
antes de mais nada, experimentar uma outra coisa. E esse o
pre~o. se quisermos compreender. Na verdade, trata-se de
ampliar nossos sistemas de percep~ao e nosso funcionamento
intelectual.
POR QUE?
A hip6tese fundamental deste livro ea seguinte: o meio
tecnol6gico moderno, em particular a invasiio das midias e 0
emprego de aparelhos eletronicos na vida quotidiana, mode/a
progressivamente um outro comportamento intelectual e
afetivo.
A expressao "meio tecno16gico" deve ser tomada aqui
no sentido mais amplo. Aqui inclufmos tanto os computado-
res como o fogao de microondas, o radio-re16gio, as minical-
culadoras, em suma, toda a aparelhagem familiar que determi-
na, simplifica e controla nosso dia. E clam que af tambem se
encontram as grandes mfdias que, em 50 anos, transformaram
nosso modo de aprender e de comunicar, desde os seroes de
invemo ate as campanhas eleitorais. A televisao e tambem 0
radio tiveram sua audiencia aumentada em 20% em 19803 com
rela~ao a 1979 - que ja fora urn ano recorde -, segundo
uma pesquisa da I.R.E.P. Enfim, nao reduzamos o ambiente
tecnol6gico aos aparelhos e as mfdias: devemos descobrir o
colossal conjunto das infra-estruturas sociais, polfticas e admi-
nistrativas, num papel mais determinante, embora menos cons-
3
Cilll.do em O.C.S., 4005, rue de Bellechasse, Montreal, Que. HIX, IJ6. Canada,
23/2/80. Cifras para o primeiro semestre de 1980.
11
ciente, sem as quais o meio n!'lo poderia funcionar. Que seria
da industria automobilfstica sem as garagens, as rodovias, os
seguros? 0 meio tecnol6gico e isto: uma rede imensa que caiu
sabre n6s e cujas malhas, muitas vezes invisfveis, detenninam
nossa vida. Urn meio cujo demonio, mais ou menos oculto,
chama-se "eletronica".
0 efeito profundo desse meio nao poderia ser medido
claramente e de maneira estatfstica. As novas tecnologias nao
agem como uma explosao e sim como uma fonte cuja iigua
penetra lentamente num terreno.
Aqui nao nos interessa se o discurso de urn lfder polfti-
co detennina este ou aquele efeito imediato, o que, alias, e
muito contestado em Sociologia. 0 que nos interessa e mos-
trar que tipo de cultura esta nascendo hoje entre os jovens,
ap6s trinta anos de impregnac;ao de televisao, de cinema e de
uso de diferentes aparelhos eletronicos.
Falar de mudanc;as culturais poe muita gente de sabres-
salta. Alguns veem nisso a revoluc;ao de Mao. Outros, o due-
lo entre Gutenberg e McLuhan4
• Reagimos com unhas e den-
tes contra a ideia de uma passagem da cultura do livro acul-
tura audiovisual. Amedida que nossa reflexao avanc;ava, fir-
mava-se nossa posic;ao: urn novo tipo de cultura esta nascen-
do; inicialmente e uma mixagem das duas Ctlturas, a interpe-
netrac;ao das duas linguagens. Quando a imagem invade o tex-
to do livro, deve~se falar de mixagem. Quando nos servimos
de eslaides ou de projetores durante uma palestra, fazemos
mixagem. Entramos num perfodo nao de exclttsao, mas de
"mistura". No centro do estUdio audiovisual reina o painel de
comando da mixagem. E a primeira imagem que nos ocorre
para exprimir a nova cultura.
4 Marshall McLuhan - de quem Pierre Emmanuel (conferencia de Marly, 7
de dezembro de 1977) dizia ser o "melhor fil6sofo prospectivo e preventivo da nova
era, na qual entramos de costas"- escreveu A galaxia de Gulenberg, que apresenta
em oposi~o a de Marconi. Dizer que ele profetizou a morte do livro ~ uma
simplifica!liO exagerada. H.M.H. 1967, Montreal e Marne, 1967.
12
Uma segunda imagem se impc)s pouco a pouco a nossa
mente. 'Nao basta falar de mixagem. Deve-se falar de estereo.
0 estereo signitica que, na uniao, respeitam-se dois canais di-
ferentes, cada urn com sua sonoridade pr6pria e predoniman-
do urn de cada vez. Assim, reconhecemos que a nova cultura
e os sistemas de fonnac;ao que correspondem a ela deverao dar
Iugar aos dais modos, respeitando-os no tempo e nos meto-
dos: abordagem em que predominam os sentidos e a afetivida-
de e abordagem conceitual; abordagem "intuitiva" e aborda-
gem dedutiva.
Na fndia, pesquisas cientfficas bastante avan~adas co-
existem com a venera~ao das vacas, nas quais se reconhece o
sfmbolo da alma· indiana. Eis o estereo. Urn ocidental, em
nome da produtividade e de urn desenvolvimento 16gico -
valor da sua cultura tradicional - tern a tendencia a dizer:
"Matern as vacas e comam,.nas". Ele nao percebe qi.le urn
sfmbolo vivo e incomodo e tao necessaria para compor o
homem quanta a economia. Numa civiliza~ao audiovisual, o
simb6lico, o ludico, o artfstico, o musical e o ecol6gico de-
vern estar situados no centro da cidade e do pensamento.
Alias, amedida que nosso tempo avan~a. descobrimos
que a nova cultura, em razao mesmo do deus eletronico que
a impele, toma simplesmente duas grandes avenidas paralelas
e nitidamente diferentes em sua fonna. Ha a "eletronica-espe-
t<iculo", isto e, a televisao, 0 cinema, a musica, OS jogos. Hi
tambem a "eletronica-infonniitica", ou seja, os computadores,
as calculadoras, os aparelhos programados etc. A eletronica-
infonniitica detennina uma segunda avenida, a de uma cultu-
ra extremamente racional e rigorosa. Mas nao forcemos demais
a divisao, pois as duas tecnicas tendem hoje a juntar-se.
13
0 OUTRO HOMEM DE BOUAKE- '
Apesar da distfulcia geogni:fica, a experiencia do ensino
escolar televisivo na Costa do Marfim nos proporciona uma
boa ilustra~ilo de nossa hip6tese de base. Tal ensino cobre uma
grande regHlo. A aula desenvolve-se essencialmente a partir de
curtos ensinamentos (7 a 10 minutos), transmitidos em hora-
rios fixos do centro de Bouake. Em 1978, contavam-se 1767
escolas televisivas, ou seja, 7427 classes dotadas de aparelhos
de te1evisao. Em geral, as crian~as olham o programa com
certa fascina~ao, respondendo em coro ao bom-dia e aos si-
nais do apresentador ou do professor pela televisao. Depois,
auxiliados pelo professor e por cademos adaptados, reagem,
trabalham individualmente ou em grupos sobre o programa.
Ap6s 10 anos de funcionamento, chegou hoje a hora de fazer
urn balan~o. Ora, os responsaveis pela operar;ao que pudemos
consultar no local, em dezembro de 1977, disseram-nos: "E
impossfvel fazer urn balan~o. Nao temos instrumentos nem
elemento de compara~ao. Com efeito, todas nossas medidas sao
relativas as aquisi~oes do ensino tradicional. E verdade que
podemos medir urn ou outro tipo de aquisi~llo, como, por
exemplo, a ortografia e as Hnguas, e fazemos isso. Mas, de
fato, uma tal avalia~ao revela-se falsa". A verdadeira quesUio
eoutra - o que os mestres constatam, antes de mais nada:
"E que chegamos a um outro tipo de crian~a. Esperavamos
urn melhor resultado do ensino tradicional e obtivemos urn
resultado diferente".
Em 1979, na Costa do Marfim, tentou-se comparar os
dois tipos de alunos, interrogando sucessivamente os responsa-
veis pelas escolas televisivas e os das escolas particulares que
nao utilizavam o sistema de TV5
• Alem das variaveis que ou-
' Estudo realizado por Josephine Penakopan, sob a dire~iio do laborat6rio
IRPEACS (C.N.R.S. Lyon) junto a 80 pessoas, na maioria docentes.
14
tros metod?s pedag6gicos poderiam introduzir, destaca-se urn
out~ fun~10namen~ do homem e urn outro tipo de cultura,
que mduz1rao, n~ .uturo, a urn outro tipo de sociedade. Eis
urn qua~ro descntivo dos resultados, construfdo utilizando-se
os pr6pnos termos empregados pelas pessoas interrogadas.
A CRIANt;A DAS ESCOLAS
TRADIClONAlS
- Tern mais senso de bierar-
quia, de disciplina e ate de
obediencia.
- Adquire urn vocabulario
mais preciso, pelo menos os
boos alunos, "os que tern
mem6ria".
- Obtem melhor desempenho
no plano da escrita, da
composi~o, da clareza e
das ligat;:iies conceituais, da
gramatica e da analise.
A CRIANt;A DAS ESCOLAS TELEVISIVAS
- Mais curiosa e mais viva, pergunta com
mais freqiiencia. De linguagem desenvolta
exprime-se facilmente com os companheiros:
- Tern menos receio do di6logo com o pro-
fessor: pode contradizS-lo. Instaura-se urn
tipo menos bierarquico de relacionamento
entre mestre e aluno.
- Conhece melhor seu meio porque "o mun-
do exterior etransportado para a classe".
- Conjugando saber e jeito, resolve melhor os
problemas que aparecem e nlio espera que
algu6m o fat;:a por ela.
- Manifesta carencia na escrita, na gramlitica,
na anlilise e na exatidiio da expressao.
- Mais ativa, empreendedora e criativa 6
tam~ ~~s ~arulhenta, turbulcnta, im~li­
da e mdiSciplinada. Questiona quase tudo.
Seu espirito crftico esta desperto.
- Seu conhecimento e mais global Estabele-
ce menos separa,.OOs entre as materias ensi-
nadas: assim, a Hist6ria e Geografia inter-
penetram-se.
- E ~rna "crian~ naciona!": "O programa e
naCional e a mctodologia homogenea". Con-
seqiientemente, todas as criant;:as recebem os
mesmos ensinamentos, e hli menos diferen-
~s por causa dos mestres oo da regiiio.
- Tom~-se uma crian~ de boa media que,
pelo lmpa.cto uniforme da televislio, foi le-
vada a ruvelar as relat;:iies humanas e os
conhecimentos. Todavia, se tiver mente len-
ta _ou se for wn aluno dificil, "ela se perde,
polS com a TV epreciso sempre avant;:ar".
15
Quais sao as condi~oes de dicllogo entre o adulto que
diz: ''Trabalhe" e o jovem que responde "De que adianta?" ou
"Nao me interessa"? Entre aquele que usa o walkman, perdi-
do em sua musica, e o homem da civiliza~ao industrial, perdi-
do em seus projetos de calculos, quais sao os meios de se
compreenderem? Como esses dois planetas podem romper a_
incomunicabilidade?
Para responder, permitam-nos aqui explicar nossas dili-
gencias. Primeiro, fer, escutar, perguntar. Eurn primeiro pas-
so, que, embora muito exterior e insuficiente, e necesslirio.
Quando se quer descobrir os sinais de uma ni.Wa cultu-
ra, nada e tao sugestivo como ouvir a juventude e certos edu-
cadores atentos, que procuram seguir as evolu~es em curso.
Interrogamos mais de vinte educadores de horizontes e idades
diferentes, responsliveis pela forma~ao permanente em empre-
sas, docentes...do ensino superior, escolas de engenharias, pro-
fessores do segundo grau, soci6logos. Tambem interrogamos
educadores e especialistas de outros continentes: America do
Norte, Africa, Asia. A todos se fez a mesma pergunta: "Nos
ultimos dez anos, mudou a maneira de compreender, falar,
raciocinar? Em que mudou? Em sua opiniao, por que? Que
novas facilidades ou dificuldades o senhor encontra na educa-
~ao, hoje?" Em tomo dessas perguntas, uma discussao aberta
poderia durar duas horas6
•
Everdade que essas conversas variadas nao merecem o
nome de enquete, no sentido exaustivo tradicional. Mas, preci-
samente, para quem quer explorar urn novo campo, uma en-
quete quantitativa demais corre o risco de ser pouco esclarece-
dora. Com efeito, o carliter restringente de uma pesquisa esta-
tfstica exige perguntas relativamente fechadas.
' Uma parte dessas conversas foi efetuada sob a dire~o do soci6logo Roger
Daille, outra sob a de Pierre Babin. no quadro de pesquisas do departamento
audiovisual do laborat6rio IRPEACS (C.N.R.S. Lyon).
16
A interpreta~ao programada deixa pouco esp~o para as
conexoes fora do comum. Se se tratasse de verificar hip6teses
c}aramente estabelecidas e ate de cercar as harm6nicas dessas
bip6teses, ninguem duvida de gue se imporia uma enquete
cllissica. Mas nossa intui~ao -sempre nos p()e de sobreaviso:
cuidado, nao estamos estudando as modifica~oes da ruitiga
cultura, mas sim o infcio da nova. A partir de entao em vez
de inquerir, a primeira coisa e explorar: vamos lan~ar nossa
sonda e ver como vibra! Com efeito, atraves de estatfsticas,
quem poderia descobrir o novo som que ainda ninguem pro-
gramou? Assim, antes de qualquer metodologia rigorosa, im-
pae-se a escuta humana mais aberta possfveF.
0 segundo meio, o mais importante para compreender,
eo da experiencia. Uma longa e refletida experiencia pessoal.
Compreender pela experiencia: que quer dizer isso? :E
expor-se ao fen6meno tanto quanto poss!vel, sentir os choques
luminosos e sonoros, suportli-los num Iugar preciso do ventre
e dos t!mpanos, experimentar gestos que se iniciam nos mus-
culos, experimentar, talvez, medos e insatisfa~oes. Ap6s essa
imersao que tento fazer com o m!nimo possfvel de resistencia
e de preconceito, vern o instante do primeiro distanciamento.
0 choque desencadeou em mim emo~oes, imagens, sentimen-
tos, rea~oes de todos os tipos: tento tomar consciencia delas,
depois tento classificli-las e colocar esse conjunto de afetos
7
• Durante .o trajcto, outras imerroga~ nos ocorrcram. A cnquete quantitativa
sera amda um mstrumcnto privilegiado quando escoThemos cxplorar funcionamcntos
globais e simb6licos, confusos conjuntos de sentimentos e orienta~s? Em ouLras
patavras•. n~o h6 probl~mas para inquerir sobre a cultura marcada em linha reta pcla
mfomt6Uca: temos OS mstrumcntos para isso. Mas sera que OS tcmos para inquerir
sobrc a cultura que nasce da tclevi.siio? Parccc·nos que uma refomtula~iio da cseuta
e da pe~iio constimi, entiio, o -principal caminho para a pesquisa. Eric McLuhan,
filho de ~~~~all ~cLuhan, est6 empreendendo pesquis~s sobre as condi90es do que
chama d.e lug1eoe da abordagem das realidades: urn contacto - "percept" profunda
e,conscJ.ente -, diz ele, ~ mais imponant.e para a ci€ncia que urn aaimulo de
numerus.
17
2. 0s D<JYOO modos..,
confusos em palavras exatas. Em outros termos, procuro cap-
tar claramente o efeito produzido e medir-lhe as conseqiien-
cias sobre mim e sobre os outros. Deve-se reconhecer que para
urn adulto bastante marcado pela educa~tao, pela mem6ria e
pelo meio, tal experiencia, normalmente, e penosa. E e neces-
saria renova-la: nao se passa espontaneamente de vinte anos
de musica classica para as percussoes de Strasbourg. 0 ouvi-
do precisa de tempo e de cuidado antes de poder escutar real-
mente a nova musica. Mas s6 essa primeira etapa de experien-
cia dentro de si proprio parece-nos capaz de abrir caminho
para a "outra cultura".
Questoes imprevistas vao surgir dessa experiencia origi-
nal, dessa tentativa de percep~tao nova. Vai instaurar-se urn
novo clima nos Mbitos do pensamento, os olhos vao desper-
tar para uma outra visao, vao operar-se conexoes: as vezes
teremos a impressao de que o raciocfnio, continuando valido,
segue novos rumos. Com a interven~tao do deus musica, as
realidades frias tomam-se calorosas, desaparecem as impossi-
bilidades, ideias solitarias associam-se. Somos entao levados a
modificar nosso modo de pensar e o ritmo habitual do nosso
raciocfnio. 0 curso do pensamento orienta-se de outro modo.
Instaura-se uma estranha e imprevista sincronia. Sem querer,
surgem intui~toes e opera-se uma mudan~ta de visao, dando, de
repente, respostas a perguntas ate entao bloqueadas.
Muitos de n6s acham diffcil aceitar a ideia do esbo~to
de uma nova cultura porque sao impedidos pelo meio de nas-
cen~ta e por seu referendal. "Nao e convencendo nem esclare-
cendo seus adversarios que uma nova verdade cientffica triun-
fa - escreve Paul E. Samuelson, - mas essa verdade nova
se impoe ap6s a morte de seus detratores, quando cresce uma
gera~tao nova, ja familiarizada com ela."8
• Paul E. Samuelson, L'Economique I. Colin, 1977, p. 29.
18
Nao falta quem conteste tal abordagem: a implica~tao
afetiva e imaginaria nao impede o acesso ao real? Na verda-
de, e uma abordagem perigosa. Querendo expor-se ao efeito
de certas drogas, Sartre, durante muito tempo, foi perigosa-
mente marcado por elas. Todavia, no caso em questao nao se
pode evitar o caminho da experiencia pessoal, _por desconfor-
tavel que seja. Nao se pode p()r entre parenteses a emo~tao e
o imaginario para compreender a emo~tao e o imaginario! Mais
adiante veremos que a cultura audiovisual e intrinsecamente
repleta de afetividade, de raciocfnios anal6gicos e de assaltos
do inconsciente. Como, entao, pretender entrar nela pela anali-
se 16gica? Pode-se compreender verdadeiramente a juventude
ou a cultura audiovisual sem passar pela prova de uma "vibra-
~tiio" experimentada em com~m? Seria contradizer os pr6prios
fundamentos dessa cultura. E claro, podemos nao gostar des-
se tipo de musica ou do fenomeno "Elton John" que, antes
dos anos 80, agitou a gera~tao jovem tanto na America do
Norte quanto na U.R.S.S. Mas como compreender esse feno-
meno de civiliza~tao, se nao tentarmos senti-lo? E senti-lo pro-
fundamente, ate que novas possibilidades despertem em n6s.
Ha uma outra via de acesso a nova cultura: viajar: Para
aumentar o campo da percep~tao e acordar para outras associa-
~toes intelectuais, nada e tao eficaz quanto sactidir os nossos
Mbitos pela experiencia do estrangeiro. Nao falamos da via-
gem de onibus turfstico, superconfortavel, que leva ao hotel
intemacional ou ao clube cuidadosamente afastado da popula-
~tao. Entendemos por experiencia do estrangeiro urn afasta-
mento completo do meio ambiente que nos e familiar e de
nosso referendal, ate o momento em que nos tomamos aptos
a discernir e experimentar positivamente os modos de pensar,
de sentir e de viver dos estrangeiros.
Alguns franceses conversam num aviao que volta dos
Estados Unidos. Diz urn: "Esses americanos nao tern cultural
Estive num hotel em pleno centro de New York: conforto per-
19
feito, cofre forte embutido na porta, TV, banheiro com garan-
tia de desinfec~ao, tapete alto, mas canos de cobre sem pintar
e dois horrorosos quadros tortos!" Tais afirma~oes mostram
que nao foi feita a experiencia profunda do estrangeiro, mas
somente a penosa experiencia da estranheza. Se aquele fran-
ces tivesse feito a experiencia do carater positivo da cultura
americana, teria percebido seu valor de humaniza~ao e teria
falado dela com benevolencia - embora, e verdade, com dis-
tanciamento. Teria dito, por exemplo: "Os americanos nao tern
os mesmos valores que n6s. E certo que, em pleno centro de
New York, esse hotel relativamente barato representava para
mim uma ilha de seguran~a. limpeza e silencio, born para re-
laxar. Gostei muito daquele Iugar. Em Paris s6 se encontra isso
em hoteis de luxo, muito dispendiosos. Claro, em New York
os quadros passavam para o segundo plano". Para falar assim,
e preciso ter experimentado longamente a cultura americana,
ate a rejei~ao ffsica e alem dela, antes de poder chegar a uma
aprecia~ao favonivel.
Tal experiencia profunda do estrangeiro, de completa
mudan~a de clima, paisagem, rela~oes e ritmos e quase neces-
saria para podermos experimentar a novidade de uma outra
cultura. E a experiencia de urn quadro de referencias comple-
tamente diferente, a dissocia~ao dos nossos habitos mais arrai-
gados. Enquanto nao tomarmos relativo nosso sentido do tem-
po e dos ritmos, que tipo de comunica~ao pode-se estabelecer
com urn indiano? Enquanto nao nos batermos vinte vezes de
encontro aaparente irracionalidade de certos comportamentos
africanos, que compreensao podemos ter dos raciocfnios sim-
b6licos, que estao sempre ligados a urn completo meio ambi-
ente e aos impulsos do inconsciente? ·Urn alto funcionario da
Comunidade Europeia, voltando de T6quio, onde tratara de urn
acordo comercial sobre produtos qufmicos, dizia-nos dos japo-
neses: "Sua maneira de raciocinar e de funcionar deixa urn
europeu desarmado. Eu tinha urn dossie calculado, tentando
20
provar que nossos produtos nao eram poluentes. Eles me ou-
viram ate o fun, sem parecer acreditar. E, finalmente, pergun-
taram: 'Voces tentaram ver se uma crupa pode viver na agua
onde foram derramados seus produtos?' A abordagem japone-
sa e muito menos causal e linear: e global, opera sua interco-
nexlio fntima de todos os fatores, sem exclusao, e dos seus
efeitos no interior de urn vasto meio ambiente. Nao sera esta
a razllo de seu sucesso comercial?"
:E impossfvel dizer, em princfpio, que e preciso viajar
por toda parte para compreender a jovem gera~ao. Contudo,
vamos confessar que nos teria sido impossfvel compreender a
tal ponto os aspectos positivos da nova ·cultura se nao tivesse-
mos captado, em outros lugares, modos de funcionamentos
diferentes dos da cultura francesa. Ecerto que urn asiatico in-
tegra melhor que n6s o audiovisual e as novas tecnologias: elas
estao mais pr6xiJTias de seu universo afetivo e mental que do
nosso. A partir disso, quando vemos jovens franceses volta-
rem-se para as filosofias e tecnicas asiaticas, podemos supor
que eles ali procurem algum equilfbrio e uma solu~ao cultu-
ral que tern dificuldade de encontrar em seu proprio pafs.
As entrevistas, ·conversas, encontros e experiencias va-
riadas que citaremos muitas vezes neste livro constituem nos-
sa principal via de pesquisa. Quem quiser ir mais Ionge, que
veri:fique as explica~oes atraves de uma ciencia mais quantita-
tiva9. Porem, antes de mais nada, como funciona a experiencia
pessoal! Nao se pede aos computadores que provem o vinho,
e aos degustadores!10
9
Assirn, a prop6sito da linguagem audiovisual abordada no capitulo seguinte,
ver a tese de Luiz Busato sobre a Iinguagem espontanea dos jovens (tese IRPEACS-
EPHE).
10
E evidente que o oomputador pode apreciar urn gosto· "de massa", ou, pelo
menos, urn gosto previamente programado, mas eincapaz de irnaginar urn outro born
gosto.
21
Numa montagem audiovisual sobre a nova geravao, apa-
recia a seguinte sequencia:
"Eles niio veem mais como antes", e o eslaide mostra-
va o olho de urn rapaz desmesuradamente aumentado
por uma cfunara.
"Eles niio ouvem mais como antes", e via-se urn jovem
deitado sob uma arvore, com o radinho de pilha colado
ao ouvido.
"Eles niio falam mais como antes", e via-se urn jovem,
de olhar brilhante, ouvindo ao telefone.
"Eles niio aprendem mais como antes", e via-se uma
classe diante das maquinas de aprender.
"Eles niio comandam mais como antes", e via-se urn
homem dando ordens pelo microfone, manipulando os
botOes de uma mesa eletr6nica.
"Eles niio andam mais como antes", e via-se urn astro-
nauta dentro de urn foguete.
Imagem de urn outro planeta? Este livro quer mostrar
que tal homem nao esta perdido nem eestranho. Basta entrar
em n6s mesmos e descobrir urn funcionamento humano que
nossa cultura tradicional deixara adormecido por algum tem-
po. A comunica~ao epossfvel sob certas condi~oes.
22
II
ELES COMPREENDEM
DE OUTRO JEITO
A COMPREENSAO NASCE
DE UM DISTANCIAMENTO APOS A IMERSAO
A crian~a nascida no alto planalto dos Andes, a quatro
mil metros de altitude, nao sabe que ar respira: tern uma ca-
pacidade especial de adapta~ao pulmonar que lhe vern do nas-
cimento e de seu primeiro ambiente. Mas, se descer aplanf-
cie, de repente sente-se mal e muitas vezes fica doente. Ao
conhecer outro ar, ela se ressente da diferen~a. Quando o eu-
ropeu aterrisa em La Paz, a 3.500 metros de altitude, sofre a
mesma experiencia, mas em sentido contrario: desabituado,
sente falta de ar e de repente se poe a considerar a atmosfera
em que estci.
0 mesmo se da com a nova cultura. Para os joyens q11e
nasceram dentro dela, ela eo ar que respiram. 'Por que anali-
sa-la? Mas, para OS adultos, ela e urn elemento estranho~
Admiram-se, medem questionam. Numa planfcie do Sudoeste,
a 20 qui16metros de uma cidade de 50.000 habitantes, os pais
de gemeos contam: "Agora eles tern 4 anos, diz a mae, dan-
vam sozinhos na frente da televisao, ao ritmo da imagem.
Sabem par em movimento o carro do pai. Conhecem Giscard,
Marchais. As vezes, simplesmente ouvindo a voz deles, vern
23
da cozinha e reagem quase como n6s; Memorizam tudo sobre
a gahixia de Goldorak. Sabem como ·as crian~as nascem. -
'Mamae, voce teve dois filhos. Qual estava em suas costas?"'
Essa mae espanta-se e compara a diferen~a em relaQaO a sua
propria infancia. Ninguem pode falar melhor da nova cultura
que aquele que primeiro foi filho de Gutenberg e que, levado
pela curiosidade e pelo amor avida, tentou a viagem ao uni-
verso das crian~as de hoje. Aqui nos arriscamos a fazer urn
quadro dos espantos, das perguntas e das censuras que nas-
cem da antiga cultura diante do universo mental da nova gera-
Qao. E acrescentemos algumas perguntas: Se tentassemos ver
as coisas de outro jeito?
A CAPACIDADE
DE CONCENTRA~AO EM BAIXA
As principais queixas da cultura tradicional a jovem
geraQao sao as seguintes: "o nfvel de inteligencia baixou", "sao
incapazes de se concentrar", "colocam tudo no mesmo pe",
"sao passivos", "M uma perda do raciocfnio e do espfrito crf-
tico", "os jovens falam sobre tudo, mas nada sabem", "eles
vivem em outra".1
Primeiro, denuncia-se uma perda da "vivacidade da inte-
ligencia". Na verdade, trata-se principalmente de uma queda
da aten~ao e da capacidade de concentraQao. Tees razoes sao
invocadas. A mais simples e que muitas crianQas dormem
pouco: "Algumas assistem atelevisao ate quase 11 horas da
noite". "Os garotos ficam com a capaeidade ffsica desgastada
por dormir pouco." Com maior profundidade, se os jovens se
1
Cf. Pierre FERRAN e Louis PORCHER, QU£slions-rlponses sur /'audiovisual
al'lcole, E.S.F., 1980, p. 181. "0 mais ou menos, o aproximativo, a inexatidl!_o, o
superficial, o imedisto tomaram-se categorias dominantes atraves das mfdias."
24
wmaram incapazes de acompanhar por muito tempo uma ex-
plicaQaO, urn discurso qualquer de conteudo intelectual, se
"ap6s 15 minutos ja estao em outra", e porque :se tomaram
fragmentados como os programas de radio e de televisao.1
Notou-se que as crianQas pequenas gostam da propaganda: e
curta, cheia de imaginaQao e tern movimento. Ora, aos 15 anos,
a mesma necessidade de aQao, de mudan~as e de ritmos vio-
lentos manifesta-se na escola. Alvin Toftler constata que a
civiliza~ao eletfdnica acelera OS ritmos: ·a pr6pria musica e
tocada com mais rapidez que antes2• Ultima causa de dificul-
dade: "A quantidade de informaQoes que atinge os jovens os
submerge e, em seguida, os impede de concentrar-se num
ponto especial... Hoje, todos ficam submersos pelas informa-
~oes. Isso leva a uma dispersao da reflexao".
Ninguem pode contradizer essas observaQoes. E, no en-
tanto, notaram que muitos adultos sao pouco capazes de fi-
xar-se em pontos em que os jovens sao extremamente concen-
trados? Tivemos a oportunidade de ver duas vezes o filme
"Woodstock", ·sobre o festival americana de mesmo nome.
Primeiro com jovens que, fascinados, confessavam viver qua-
tro horas de parafso: alguns voltaram a ver o filme cinco ou
seis vezes. Mais tarde, n6s o revimos com educadores. Numa
discussao ap6s a projeQao, a maioria deles confessou ter-se
aborrecido e ter ate dormido. Urn deles comentou: "Por que
levaram quatro horas para dizer o que poderiam ter dito em
vinte minutos?"
Uma grande diferen~a! Ha realidades e modos de tratar
essas realidades - algumas musicas, por exemplo - que sus-
citam a concentraQao da geraQao jovem. Em compensaQao,
2
Alvin TOFFLER, Le choc du /Ulur, Denoel, p. 194. "Percebeu-se que os
musicos de hoje tocam as obras de Mozart, Bacha e Haydn nmn tempo mais mpido
que quando foram compostas. Servem-nos mn Mozart sincopado."
25
torna-se diffcil para os jovens concentrar-se em conceitos, dis-
cursos desprovidos de ritmos, imagens, sons e vibra~oes. Fal-
ta de aten~ao, sim, mas nao para a televisao, e isso depende
ainda dos programas. Falta de aten~ao, sim!, mas nao para ler
uma hist6ria em quadrinhos, nem para responder a uma aula
auxiliado por urn computador!
UM DESDOBRAMENTO
NA SUPERFICIALIDADE
Aqui esta uma outra acusac;ao freqiiente: urn desdobra-
mento - "urn achatamento", dizem alguns - dos conheci-
mentos em prejufzo da seriedade e da profundidade. Ainda
aqui as crfticas referem-se ao modelo das mfdias: ve-se tudo,
ouve-se tudo sem ordem, sem analise, sem contexto, de ma-
neira sucessiva e fragmentada. "0 risco e a dispersao para fora
de urn processo." "As imagens, os fatos multiplicam-se." "Uma
multiplicac;ao dos fatos unida a uma perda do significado." "0
que admira e a extensao do conhecimento das crian~as. 0 re-
gistro e muito extenso. Tudo foi visto na televisao..."
Analises mostram como as mfdias, por suas estrnturas,
constituem uma "massagem" inconsciente que, pouco a pou-
co, determina o que os soci6logos chamam de esmigalhamen-
to do homem. "0 tempo (dos jovens) e fracionado e diverso.
Tern de absorver coisas demais. Estao saturados. Os que ten-
tam acumular fazem confusao mental. As crian~as tern urn
excesso de atividades para-escolares: nao da para mais nada.
Nao tern mais tempo para sonhar. A ciencia progrediu espeta-
cularmente: as mfdias comunicam esses resultados: e de-
mais..."
26
Quando as crian~as e os adolescentes da Fran~a. entre
g e 14 anos, assistem atelevisao em media de 15 a 16 horas
por semana, ou seja, de duas a duas horas e meia por dia,
pode-se, na certa, falar de urna informa~ao que poluP.
Polui~ao por excesso de informac;oes? Sim, e verdade,
se julgarmos de urn ponto de vista escolar. Mas por que nao
ver atraves de outro prisma? E se, em vez de considerarmos
as mfdias como urn meio de conhecimento, n6s as consideras-
semos como uma grande rna pela qual pudessemos passear?
uma rna cheia de luzes, de movimento e de gente? Se vfsse-
mos a televisao como urn grande bulevar onde gostassemos de
passear para fazer parte daquela gente? Vistos pela 6tica da
nova cultura, a televisao e o radio certamente representam urn
papel no "desdobramento dos conhecimentos", mas essas mf-
dias, antes de mais nada, nao sao urn prazer, urn meio, uma
simples janela aberta por onde, no mais das vezes, olha-se sem
ver?
E se o conhecimento pela TV fosse uma forma de en-
trar na_vida divertindo-se, passeando como numa floresta? E
se esse conhecimento pela televisao fosse uma familiarizac;ao,
uma aquisi~ao, caminho na verdade insuficiente, mas necessa-
ria para urn conhecimento e uma comunicac;ao mais profun-
dos? Portanto, urn outro modo de conhecer.
J As estatfslicas parcccm moslrar, na Fran~. uma ligeira ba.ixa de mais ou menos
4,8% em 1979. Cf. Michel SOUCHON, Petit lcran, grand public, Documentation
fran~.ise, 1980, p. 175-178 e 77-81. Cf. tamb6n MirciUe CI-JALVON, Pierre
CORSET e Michel SOUCHON, L'enfant devam Ia tilt!vision, Castermnn 1979, p.
13-16. Estamos Ionge das cstatislicas americanas: urn jovem de 18 anos teria passado
20.000 horns djante da TV c unicamente 10.800 horns na escola. Um homem de 75
anos teria passado 9 anos de sua vida diante da televislio.
27
PRINCIPAlS RESULTADOS FORNECIDOS
PELO "CENTRE D'ETUDES DE L'OPINION"
(Fran~a)
HABITOS DE AUD~NCIA DAS CRIANI';AS DE 8 A 14 ANOS
42% das crian~s interrogadas assistem ate1evisao todos OS dias, 40% assis-
tem quase todos os dias.
Acha-se um maior nmnero de jovens telespectadores asslduos (que assistem
atelevisio todos os dias), entre as crian~as penencentes:
- a famflias de operarios especializados, niio especializados e inativos;
- a famflias em que a miie tem menos de 30 ou mais de 50 anos;
- a familias de 4 fllhos ou mais, e entre os meninos.
A TELEVISAO NA ESCOLA
86% das crian~s interrogadas nunca assistem atelevisiio na escola. Entre-
tanto, 7% assistem no mlnimo uma vez por semana. Acha-se um maior
nmnero delas entre:
~ as de menos de 9 anos;
- os meninos;
·- crian~s que Ireqiientam a escola primaria.
HORA-LIMITE DE ASSISrtNCIA DA TELEVISAO A NOlTE
1/3 das crian~s interrogadas assistem a televisio a noite ate as 22 horas
pelo menos (53% entre 13 a 14 anos). 0 maior nlimero de crian~as que as-
siste atelevisiio ate as 22 horas pelo menos penencem a famflias:
- de oper3rios qualificados ou especializados;
- em que a mae tem entre 40 e 50 anos.
ESCOLHA DOS PROGRAMAS
1/4 das crian~ interrogadas escolhem o programa a que assistem. Mas, na
· maioria dos casos, a escolha efeita pelo pai ou pela miie.
A DURAI';AO DA AUD~NCIA DE TELEVISAO ENTRE AS CRIANI';AS
28
Em 3 semanas, entre as quais alguns feriados, obtem-se uma media de 1 hora
e 52 minutos de audiencia de televisiio entre as crian~s. segundo os resulla-
dos de novembro de 1979.
Comunicado pe1o "Centre d'Etudes d'Opinion" (C.E.O.), novembro de 1979
UM AUMENTO DA PASSIVIDADE
De nosso ponto de vista, mais grave poderia ser a acu-
sa9ao de passividade, mas e preciso compreender bern essa
acusa~ao.
Uma pessoa bern informada nao poderia afirmar que a
televisao, tal como e, tome passivo o espectador. Sao, antes
de tudo, as pessoas idosas ou os adultos cansados que ador-
mecem diante da televisao. Baseando-se em estudos de Hans
Selye, foi diagnosticado urn estado de stress: a novidade do
choque das mfdias criaria uma sonolencia passageira. Disse-
ram outros: a fixa~ao da vista num ponto preciso provoca uma
especie de hipnose. Nota-se que ate os caes sao fascinados pela
TV! A realidade e complexa. Seja como for nao se pode di-
zer que adultos, crian~as e jovens fiquem tao facilmente passi-
vos e adormecidos diante da televisao. A prop6sito do efeito
da televisao sabre as crian9as, uma enquete inglesa segundo
testemunho de professores, classifica o fenomeno da passivi-
dade em diferentes categorias: hipnose da crian~a diante da
tela, visao da vida fabricada pelas mfdias mais que pela pr6-
pria vida, perda da iniciativa, insensibilidade, imagina~ao en-
fraquecida. Urn aprofundamento serio nesses diversos pontos
mostra que nada esta solidamente fundamentado e que, muito
pelo contrario, a iniciativa e a imagina~ao permanecem, embo-
ra modificadas, e que as rea~oes do publico ao conteudo das
Ififdias nunca foram tao vivas. Atualmente, a maior parte das
enquetes conclui, em definitivo, pela impossibilidade de se
atribuir ~ televisao urn efeito de passividade claramente de-
finido5.
4
HIMMELWEIT, Oppenheim e Vince: enqu€t.e de 1958. Cf. Olivier llurgelin,
La communication de masse, I.e point de Ia question, S.G.P.P. p. 202 n 209.
' A rospeilo desses assumos, cf. a sJntese de Olivi.cr BURGEUN, op. cit. cf.
tambCm o estudo de sJntese feito sobro os efeitos dll tclevisiio nn crian~ por Alelha
HUSTON-STEIN c John C. WRIGHT, (Universily of Kansas), Journal of research
and development in education, 1979, vol. 13, nR31.
29
Ha, contudo, uma outra passividade que nos parece, em
defmitivo, urn obstaculo fundamental ao desenvolvimento da
personalidade. Urn professor do Sccrctariado - curso de or-
ganiza~ao de escriL6rio - a sina1a: "Numa classe do ultimo
ano nao posso mais pcdir um trabalho individual. Quando
mando fazer urn lrabalho de grupo, geralmeotc pe<;o uma pri-
meira fase de trabalho individual, para que meus alunos te-
nham alguma coisa em comum para discutir. Constatei que eles
nao conseguem. Isso exige urn esfor<;o de procurar em si
pr6prios... Nao havera af uma recusa para conhecer seu ver-
dadeiro eu? Essa incapacidade de tirar algo da pr6pria cabe<;a
euma deficiencia".
Tfnhamos de preparar uma montagem audiovisual com
urn grupo de adolescentes, dez mo<;as e rapazes. Entao pedi-
mos a eles que decidissem sobre o tema. Como nao chega-
vam a conclusao alguma, insistimos: "Encontrem assunto que
os interesse realmente, pelo qual se apaixonem do fundo do
ser". Ap6s algum tempo de silencio, uma garota explica: "Nao
temos o direito de nos apaixonar por algo que venha de n6s
mesmos. Tudo vern dos pais, dos adultos. Desisti de desejar."
Eessa especie de passividade que precisamos assinalar.
Ela nao vern do fato de se assistir atelevisao ou de se estar
exposto a mil mfdias, mas talvez do fato de o poder de .
impacto dessas mfdias e da sociedade que as mantem ser for-
te demais para a subjetividade das crian~as. Elas sao "ceva-
das", no sentido forte do termo, isto e, sao obrigadas a co-
mer, obrigadas a ser a c6pia :fiel do que a propaganda, os pais,
a escola e os psic6logos esperam delas. Viver consiste em
escutar a ultima "parada de sucessos", comprar tal disco, ter
tais jeans ou tal diploma, em outros termos, estar "in", na
moda, no movimento que passa e nao ser :fiel a suas exigen-
cias pessoais. As vozes de fora sao tao altas, tao implacaveis
em tomo, que nao se pode mais ouvir o que se tern na cabe-
<;a. 0 que toma passivo, essencialmente passivo, e a confor-
30
midade ao sistema, sem poder de crftica ou de interioriza<;ao.
Qualquer que fosse o sistema politico, nunca nossa sociedade
teve. uma influencia tao forte e violenta. Este pseudopoema
expnme bern o n6 da passividade:
Silencio. Calem-se!
Urn aluno ronca,
Outros jogam cartas:
Canastra, ganhei!
Passa uma mosca.
Plaft! La esta esmagada.
Por que? Ea vida.
Eu recome<;o: Verlaine isto,
Sartre, aquilo...
Tomara que toque o sinal.
Olha, esta nevando.
Aluno X... explique o verso 6
Que acha voce do poema?
Parece que amanha nao tern aula.
Voce come na cantina?
Nao, mas esta tocando o sinal... Sim ou nao. ~ .
Pelo menos isso voce pode dizer.
Silencio! Na primeira fila!
Que eque voce esta fazendo?
EU? 0 QuE?... ESTOU COPIAND06.
6
Citado em La Lettre, artigo sabre a escola, abril de 80. 0 Ultimo verso esta
em maiusculas no texto.
31
Quando os jovens votam pela ecologia, quando escutam
certas musicas, quando dan~am discoteca, procuram mais ou
menos desajeitadamente sentir-se, conhecer-se, encontrar-se.
Achamos que urn ter~o do fen6meno da passividade e
comandado pelas mfdias e pelas disposi~Oes psicol6gicas dos
receptores, mas dois ter~os pela pressao de urn ambiente so-
cial e educativo pouco personalizado. Urn dos aspectos mais
marcantes do livro de Mireille Chalvon, L'enfant devant Ia
television1
, e sublinhar por diversas vezes a influencia do meio
no qual as mfdias sao recebidas. As crian~as podem falar dos
programas em famflia? A linguagem das mfdias encontra-se na
famflia ou na escola? A crian~a pode usar, em seu meio, mf-
dias eletrl>nicas, audiovisual e jogos novos? "A televisao, Ion-
ge de atenuar a desigualdade entre as crian~as, a evidencia.
A crian~a das classes favorecidas, que ja recebe em casa uma
linguagem elaborada, entra no mesmo nfvel da linguagem da
televisao. A outra vai ter que se arranjar."8
Assim, temos de
constatar que, quanto mais pobre o meio em que as crianc;as
crescem, maior e o risco de ser grande a passividade. Nao a
revolta, mas a passividade mesma, que e sinal de impotencia
diante do que e demasiado forte e impessoal.
Enquanto a passividade for apenas ausencia de interes-
se, olhar distante, tern remectio: ela testemunha entao uma nao-
correspondencia com o sistema ambiente. Mas quando a passi-
vidade e a marca da impotencia, quando e 0 _sinal de que ja
nao se tern mais fe em si mesmo, entao dever-se-ia tentar tudo
para combate-la. E o combate e duplo: trata-se de lutar con-
tra o carater desumano e opressivo das vozes que falam alto
demais, mas tambem de se iniciar na musica essas vozes para
que, urn dia, possamos ouvi-las como uma linguagem.
32
7
Mireille CHALVON, op. cit., p. 20 a 23 e 104 a 117.
8
Ibid., p. 104.
A PERDA DO ESPIRITO CRITICO
E DO RACIOCINIO
"Uma imagem chama outra, nao permitindo que o espf-
rito crftico se desenvolva." Os comentarios mais nurnerosos das
pessoas que interrogamos dizem respeito ao que alguns cha-
mam de perda de raciocfnio. Parece que o homem corre o
perigo de se perder, porque o raciocfnio se vai e, com ele, o
espfrito crftico.
Mas de que decadencia se trata - se e que M decaden-
cia - e por que?
Uma professora da regHio parisiense recolheu testemu-
nhos de tres tipos de professores e de escolas. Ela caracteriza
assim as diferen~as:
Escola moderna: Pensamento visual e figurativo. Os
alunos admitem urn esquema como
prova ou como raciocfnio.
Escola classica: 0 esquema e apenas urna intui~ao. Os
alunos estimam que nao ha raciocfnio
enquanto nao se tiver passado a uma
formula~ao precisa do pensamento.
Escola conservadora: 0 esquema e urn rascunho. Nao pode-
ria ser aceito como base de raciocfnio.
Haveria, pois, duas maneiras de encarar e de exprimir
o raciocfnio: o esquema e a rela~ao das palavras entre si: "Os
alunos nao veem mais a necessidade dos processos que lhes
ensinamos... Nao analisam como n6s... Sao incapazes de se-
parar o que tern de ser colocado numa introdu~ao, num desen-
volvimento, numa conclusao... Nao compreendem que e pre-
ciso diferenciar o que se coloca de acordo com as partes do
3. Os novae modos... 33
dever". Aqui estiio os dois tipos de pensamento. Urn, centrali-
zado na "imagem-esquema". 0 outro·, fundado nas conexoes
e na articula~ao do discurso.
N~o se trata de analisar aqui os novos tipos de raciocf-
nio. Faremos isso mais adiante. Mas querfamos, ao menos,
colocar o problema das diferen~as culturais. Uma vcz que o
raciocfnio define-se por julgamentos ou elementos que se li-
gam uns aos outros, parece excessivo dizer que nao haja ra-
ciocfnio num esquema ou numa foto. Everdade que a cultura
escolar nos fez ver o raciocfnio na liga~ao das partes de urn
discurso. Mas olhemos urn born esquema, urn conjunto no
projetor. Nao haven1 liga~ao na rela~ao das linhas e das mas-
sas, no jogo de cores, na ordem das partes, no lugar respecti-
vo atribufdo a cada elemento dentro de urn quadro? Vejamos
uma boa imagem de TV. Nao M liga~ao e organiza~ao em
urn sistema quando M urn primeiro plano nftido e urn segun-
do plano esfumado? 0 que numa foto chamamos de composi-
~ao e de enquadramento nao sera mais que urn termo visual
para dizer raciocfnio?
E possfvel que a ligar;ao dos planos, das rela~oes som-
imagem-musica nao siga as mesmas leis que as da escrita de
uma dissertarrllo, mas e exagero dizer que nao haja leis nem
16gica. 0 homem audiovisual raciocina, talvez de maneira di-
ferente, mas raciocina. E verdade que M raciocfnio born e
mau. Mas nao M tambem enquadramento born e mau? Qual-
quer urn que tenha feito programas audiovisuais deparou-se
com o problema de ligarroes de seqii€ncias, das relarrocs de
cores, das transi~oes em "cut" ou em "fondu", das rupturas
musicais. Uma montagem erna se sua 16gica intema nao de-
terminar nos espectadores uma experiencia de ritmo, de har-
monia e de unidade. No entanto, os termos que empregamos
aqui para caracterizar as, rela~oes no discurso audiovisual s_aQ_
diferentes daqueles que sao empregados para caracterizar_o
34
discurso ~erbal. Num caso, chamaremos de dedu~ao, rela~ao
de c~usalidad.e. Noutro, chamaremos de harmonia das rela~oes,
estetica das hga~oes, unidade de experiencia.
. E verdade que ha riscos e falhas. Na civiliza~ao das
mfd1as, o homem expoe-se em particular ao risco de perver-
sao do raciocfnio por invasao da afetividade. "Quando tern de
da:.~m julgamento pessoal de uma obra, nao sabem dizer por
que - escreve urn professor do segundo grau. - Exemplo
de resposta: "Gostei'' - "Que e que voce quer dizer?" -
"Absolutamente nada, e isso af." 0 "gostei" e colocado por
muitos como criterio decisivo. Sabfamos que o cora~ao tern
razoes que a razao desconhece, mas aqui o cora~ao quer im-
por suas leis, leis tais que, num trabalho de grupo, urn educa-
dor o~serva: :·Nao ha mais comunica~ao possfvel". Parece que
o afetivo decide tudo, o que atrapalha uma abordagem objeti-
va. "Por causa de sua afetividade, - ressalta urn outro educa-
dor - eles nao querem defender a tese contniria asua... En-
tao, como fazer uma disserta~ao?" Af esta 0 perigo.
Isso n~o !n:pede que seja possfvel urn outro tipo de or-
qem, de racwcmiO e, globalmente, de abordagem intelectual.
E verdade que e p~ciso exorcizar os perigos mencionados,
mas tambem e prec1so entrar no caminho do que se poderia
chamar de "r~c_iocfnio estetico". Se num procedimento tradi-
cio~~ durante muito tempo desconfiou-se da imagina~ao e da
afetiVIda?e, o ~verso audiovisual nos leva hoje a reintegrar
esses dms parceuos.
. Outro perigo do audiovisual: a perda de qualquer dis-
tfulcia em relar;ao a realidade. Nao haveria mais raciocfnio
possfve~, porque n~o M recuo (distanciamento). Veremos que
e pr6pno das mfd1as eletr6nicas acentuar o efeito de presen-
rra: com urn fone de ouvido a musica ficou mais presente do
que numa sala de concertos. "Nao M mais terceiro, dizem
35
animadores de jovens, nao M mais distancia. A imagem pene-
tra diretamente no inconsciente. Eo reinado da confusao... 0 ·
filme impoe". "Os jovens veem e acreditam."
Os que empreendem a analise falam aqui de urn fator
muitas vezes desconhecido, a saber, a necessidade do tempo
para operar uma classificac;ao ou 'urn raciocfnio. "A leitura
permite voltar atras - assinala urn professor do curso tecni-
co. - Mas a projec;ao de urn filme sabre urn motor a explo-
sao e feita em determinado ritmo. Aquele que perder o ritmo
fica por fora. Nao pode voltar atras... A leitura e indispensa-
vel para chegar a totalidade de urn raciocfnio cient(fico, exce-
to para os mais brilhantes, aqueles que nao tern necessidade
de voltar atnis." "Nao podemos negligenciar o tempo. Elenta-
mente que se faz urn aprendizado"... "Corre-se o risco de
acumular imagens para nada guardar."
Nem tempo, nem distancia. Assim concluiu urn educa-
dor: "Tudo e posto no mesmo pe. Nada na frente, nada atras.
Nenhum contexto. Urn mundo nivelado". Parece uma afirma-
c;ao desesperada. Havera alguma possibilidade de espfrito crfti-
co e de raciocfnio quando nos dilu1mos nas coisas a este pan-
to? Nao se deve falar antes em naufragio que de outra cultu-
ra? Eesta uma das grandes perguntas as quais querfamos res-
ponder mais longamente nesta obra. Pois sabre esses ultimos
pontos, radicalmente pessimistas, importa - na era da veloci-
dade eletronica - questionar radicalmente nosso sentido de
tempo, distancia e espac;o.
Terminando, que dizer da atitude dos pais e dos profes-
sores com quem mantivemos essas conversas? E sintomatico
que nao tenhamos encontrado neles agressividade, mas somen-
te uma especie de inseguranc;a ligada a urn grande desejo de
compreender. Com aqueles que se poderia chamar de defenso-
res da antiga cultura, tivemos, muitas vezes, uma discussao em
tres tempos. Primeiro, a confissao de incompreensao. Depois,
36
quando tentavamos explicar, isto e, mostrar as coisas de ou-
tro jeito, assistfamos a violentas reac;oes de rejeic;ao e, as ve-
zes, tfnhamos a impressao de urn verdadeiro dialogo de sur-
dos. Enfim, de repente, fazia-se alguma luz, que mudava o
ambiente e permitia avanc;ar de outra maneira na discussao.
Esse "clic" se dava sempre que podfamos encontrar no inter-
locutor urn exemplo correspondente a uma experiencia vivida,
e quando, a partir desse exemplo, pudemos desenvolver urn
tipo de explicac;oes e de novas conexoes.
Assim, nossa hip6tese confirmava-se, a medida que
avanc;avamos na pesquisa. Os homens da cultura de Gutenberg
querem anexar o audiovisual para reformar seu pr6prio siste-
ma e nisso vao de fracasso em fracasso, de incompreensao em
incompreensao. Quem nao se lembra dos intenninaveis "blii-
bla-blii" em volta de urn copo, sabre as mfdias que manipu-
lam? Falat6rio esteril, pois ocupa-se de urn elemento do siste-
ma, quando se trata de urn todo. 0 que importa propor e uma
outra visao das coisas, a que corresponde uma outra cultura.
37
III
A LINGUAGEM AUDIOVISUAL
A jovem gera~ao compreende de outro jeito. Por que em
nosso mundo ela fala de outro jeito? Cria-se hoje uma lingua-
gem que - para resumir- chamaremos de "audiovisual". E
uma especie de frances ainda pouco estudado nas escolas. Mas
e impossfvel compreender os esbo~os da nova cultura se nao
tentarmos compreender os tra~os caracterfsticos dessa lingua-
gem que esta se instaurando.
Os grandes modelos da linguagem audiovisual nao sao
as pe~as de Racine, nem sequer as fabulas de La Fontaine, mas
as revistas, o radio, a televisao e o cinema. Alem das diferen-
~as que caracterizam cada uma dessas mfdias, existem modos
de constru~ao, escolhas de termos, combina~oes de mixagem,
leis de progressao e de conclusao que salientam princtptos
comuns a cada uma delas. Achar esses princfpios comuns e
definir a linguagem audiovisual.
Se intitulassemos o nosso paragrafo: "Eis o audiovisual",
em vez de escrever "As caracterlsticas da linguagem audiovi-
sual", exprimirfamos de entrada urn dos maiores caracteres do
audiovisual: fala-se mais do que se escreve. Ve-se mais do que
se le. Sente-se antes de compreender.
Em si, a linguagem audiovisual e a linguagem literaria
tern o mesmo objetivo mas as discfplinas sao tao diferentes
que as duas linguagens parecem opor-se. Como ediffcil para
a mesma pessoa manejar as duas lfnguas! Para passar de uma
38
aoutra epreciso geralmente urn outro meio e urn outro tem-
po. Urn livro e redigido com distanciamento: urn script e
composto no calor da cria~ao.
Sao as seguintes as sete caracterfsticas que atribufmos a
linguagem audiovisual:
- emixagem,
- elfngua popular,
- edramatiza~ao,
- ea rela~ao ideal entre fundo e figura,
- e prcsen~a ao pe do ouvido,
- ecomposi~ao por "flashing",
- edisposi~ao por "razao de ser".
MIXAGEM
0 audiovisual nao e a imagem, nem a gramatica da
imagem, nem a composi~ao ordenada de seqiiencias de ima-
gens, embora esses princfpios particulares nao devam ser des-
prezados. 0 audiovisual ea "mixagem"1• 0 aparelho-chave de
urn esrudio, o l~gar de comando e a mesa de mixagem. :E la
q~e se o~era a alquimia "som-palavra-imagem". Uma alqui-
mta que as vezes deve funcionar num quarto de segundo al-
quimia pelo menos tao delicada e rigorosa quanto a que ~on­
siste em misturar os nomes e os adjetivos na composi~ao lite-
nina.
0 diretor e 0 homem dessa alquimia: e dentro de sua
cabe~a e no fervilhar de suas emo~oes que os elementos dis-
~intos entram em intera~ao. Nunca em superposi~ao,' sempre em
mtera~ao e em complementaridade. E isso significa, primeiro,
•
1
Diversos autores reagiram contra essa tendencia para reduzir o audiovisual a
lDl~gem. Entre outros, Jean-Pierre Gourevitch, C/es pour comprendre l'audiovisuel,
Pans, Seghers, 1974.
39
que cada elemento tern sua linguagem especffica e respeita-
vel. Os rufdos lanc;am o ouvinte dentro do lado concreto de
urn acontecimento ou de uma situac;ao, a musica cria urn eli-
rna e urn coeficiente passional. A imagem, ao mesmo tempo
que fixa, leva para Ionge; a palavra estrutura. Mas todos es-
ses elementos distintos tomam-se uma s6 linguagem. Urn born
molho e urn todo, uma unidade satisfat6ria, e, ao mesmo tem-
po, o molho sera tanto melhor quanto mais se puder distin-
guir nessa unidade as especiarias, apreciar-lhes a distancia e
o reforc;o mutuo. Da-se o mesmo com a linguagem audiovi-
sual, que poderfamos definir como urn modo particular de
comunicac;ao, regido por regras originais, resultando da utili-
zac;ao simultlinea e combinada de variados documentos visuais
e sonoros.
0 audiovisual e:
SOM
PALAVRA enquanto ~
IMAGEM
mixados
amplilicados
enquadrados
multiplicados
E
gra~as aos recursos
da eletronica
Sejamos claros: falar audiovisual, num nfvel rigoroso,
supoe evidentemente que conhec;amos cada urn dos ingredien-
tes da mixagem, as leis intemas de uma composic;ao de ima-
gem e de frase musical, mas tambem as leis de corresponden-
cia entre som-palavra-imagem. Certamente a imagem, em si,
e sfmbolo, mas na linguagem audiovisual e 0 todo que faz 0
sfmbolo. 0 todo, quer dizer precisamente, as "corresponden-
cias". 0 que, alias, faz a pobreza de tantos audiovisuais, o que
da a muitas montagens ou documentarios cinematograficos urn
carater aborrecido e abstrato e que neles a mixagem e artifi-
40
cial. Nao M verdadeira correspondencia. A musica e urn fun-
do sonoro. 0 texto comenta as imagens: "Aqui voce ve uma
abelha que se aproxima da flor... BZZ..."
Qual a marca de uma boa mixagem? Ela cria uma ex-
periencia global unificada. Dirige-se ao ser inteirinho. Quan-
do, em uma montagem, o espectador "olha os eslaides", a
montagem eruim. Quando ele fica envolvido,
1
tornado, posto
em estado de reac;ao geral, tocado sem saber dizer onde, en-
tao trata-se de urn born audiovisual. Mesmo que alguma foto
seja ruim!
0 essencial esta ali, que ea boa mixagem determinan-
do uma experiencia.
Poder-se-ia dizer o mesmo de uma revista. Ela emixa-
gem entre a textura e a cor do papel, a composic;ao das pagi-
nas, o Iugar da propaganda, o estilo jomalfstico, a distribui-
~tao das tintas, a escolha dos tipos. Uma boa revista nao e urn
born livro de que tomamos conhecimento, e uma floresta por
onde passeamos. Sua mensagem dirige-se tanto aos dedos
quanto aos olhos. Mesmo que haja artigos que aparec;am de
modo especial, uma revista revela, antes de mais nada, uma
maneira global de ser. A revista Geo, que talvez represente o
maior sucesso de edi~tao dos anos 80, nao e como urn livro
que Iemos, e urn objeto de desejo: Geo adivinha que as mf-
dias de hoje agem primeiro sobre uma solicitac;ao dos senti-
dos antes de apelar para a inteligencia. A estetica e a capaci-
dade de empatia sao bern mais privilegiadas que a reflexao"2
•
Nao se diz: escrever uma revista, mas fazer uma revis-
ta. Porque se trata mesmo de fazer, com os olhos e as maos,
com a climara e o microfone, com o tato e a regua de calcu-
lar. Mas como e diffcil uma boa mixagem! :E que, alem das
1
Cf. Jacques Bannard, na revista mensa! Medias, 4 de dezembro de 1980, p.
33. Na Fran~a, Geo obtem em dois anos uma venda de 300.000 exemplares, embora
seu p~o seJa o dobro das outras revistas mensais.
41
regras estabelecidas nas escolas e nos livros3
, a mixagem de-
pende de uma capacidade simb6lica fortemente ligada a perso-
nalidade, e de uma especie de unidade realizada em si mes-
mo entre os diferentes sentidos. Uma boa mixagem requer urn
autor. E uma tecnica e uma arte.
AUDIOVISUAL, LINGUAGEM POPULAR
Os estudos feitos na America do Norte sobre a lingua-
gem audiovisual mostram uma invasao, em particular nas can-
~oes e nos filmes, da linguagem popular, linguagem arcaica e
aspera, de sonoridades rudes. A lingua do rock e a "lingua
antiga" do Sui dos Estados Unidos. ''Todas as mfdias do nos-
so tempo, escreve Marshall McLuhan, contribufram para refor-
~ar a linguagem popular nas suas fonnas mais familiares e
menos literarias."4
No cinema ou na televisao, a fala e dhilogo. Sabemos
por experiencia que urn discurso lido ou uma conferencia nao
sao bern aceitos na ractio-televisao. 0 general de Gaulle deco-
rava seus discursos para a televisao. Assim, seus olhos esta-
vam inteiramente dirigidos para os telespectadores, nao para
uma folha de papel que lhe desse seguran~a. Sua voz tomava
entao entona~oes, for~a e hesita~oes que real~am a rela~ao
fundamental entre os seres. Reapareciam palavras antigas e
esquecidas; palavras-imagem: "trublion", "urn quarteron de
generaux", "la chienlit"...•
3
Assirn Herbert Zettil in Sighl, sound, motion, Wadworth publishing company
inc, Behnont, California, 1973.
4
Marshall McLuhan, The critic, outubro de 1974.
• N. do T.: Conversamos as expressoes em frances, que significam
respectivamente: "agitador'', "o quarto de urn cento (ou seja, vinte e cinco) generais"
"a desordem".
42
A expressao "linguagem popular" nao e aqui tomada no
sentido de jargao, mas no de uma linguagem que exprime uma
rela~ao primitiva, essencial, original, ffsica entre os seres e as
coisas. 0 audiovisual, por causa de sua liga~ao com o som e
com a imagem, precisa de palavras mais concretas e de estilo
de frases que estejam unidas a materia. A sofistica~ao litera-
ria e intelectual nao combina bern com a lingua eletr<'>nica: nao
b<i correspondencia. Quando digo: "Essas palavras nao tern
sentido", ou "Fulano perdeu a razao", estou empregando uma
Hnguagem literaria, abstrata. Se digo: "Ele bate pino", estou
ernpregando uma linguagem que se cola a imagem, e e "au-
diovisual".
Naturalmente, as vezes nao ha mais que urn passo en-
tre a linguagem, popular fundamental e a gfria, o jargao e ate
a vulgaridade. E preciso compreender que, em muitos casos,
por exemplo no cinema, nao se pode evitar esse deslize, mas
seria falso definir a linguagem popular por sua degrada~ao.
Tomemos urn exemplo. Se eu escrever no script: "Nao me
incomodem, preciso de urn momento de paz", estou empre-
gando uma linguagem escrita e ate mesmo literaria. Se eu
escrever: "Ora, deixem-me em paz!", estou empregando uma
linguagem que evoca urn gesto e uma mfmica, e e audiovi-
sual. Claro que muitos irao mais Ionge e mandarao o ator di-
zer: "P<'>, me da urn tempo!" Da linguagem imaginada, passa-
mos aqui para a linguagem familiar, ate vulgar. Nao seria,
porem, necessaria para fazer ver e sentir quase fisicamente o
caniter violento da rea~ao?
DRAMATIZA~AO
Urn born diretor tern o talento da dramatiza~ao. Joga
com os efeitos. Sabe apreender o lado extraordinario, picante,
inusitado e ate catastr6fico de qualquer acontecimento. Tern o
dom de par tudo em evidcncia.
43
A dramatiza~ao esta nos tftulos de jomais, nas letras
pretas e grandes, nos cartazes de cinema. Mudan~as repenti-
nas de plano, de musica entre duas seqiiencias, ou ate dentro
de uma sequencia sao tambem dramatiza~ao. 0 close de urn
rosto na tela, as sflabas destacadas, o exalar urn suspiro, com
o refor~o dos graves, e sempre dramatiza~ao. A lei e esta: e
preciso captar a aten9ao; despertar cada vez mais o gosto de
ver e ouvir. Tambem as notfcias televisionadas t€m de ser uma
especie de pequenos dramas. Na invasao do Afeganistao pe-
los russos anunciaram na televisao ate a probabilidade de urn
conflito generalizado. Diante disso, como deixar de ouvir o
notici<1rio pelo radio as sete da manha, no dia seguinte?
Acompanhar as midias e viver no drama: o das noticias,
dos filmes policiais, dos jogos inacabados e das "dramatiza-
9oes"! :E clara que com a vantagem de assistir a televisao da
poltrona. Mas escrever audiovisual e levar ao maximo a ten:
sao e s6 escolher como programa o que e "dramatizavel". E
o "~coop", mas tambem o anormal e o sensacional. E conhe-
cida a afirma9ao do jomalista: "Os trens que chegam a esta-
~ao na bora nao me interessam". 0 jomalista "quer" urn des-
carrilhamento.
Escreve Serge July: "Tenho de confessar que e quando
as coisas me sacodem afetivamente que mais tenho prazer em
fazer jomal. Conhe~o 6timos jomalistas que nunca poderiam
trabalhar num jomal par serem contemplativos demais, par nao
conhecerem essa especie de coceira que e a do homem de
a~ao. E nao e por acaso que os melhores jomalistas sao fei-
tos por homens de a~ao... Frenesi de pressa e consumo de-
senfreado de neurdnios: o jomalista acaba confundindo seu
pr6prio ritmo com o do mundo..."5
Drama, isto e, a~ao. Uma
' Serge July, Dis, maman, c'est quoi l'avant-guerre, Moreau, 1980. A prop6silo
dos artigos que cobrem os tres Ultimos anos antes de 1980, no jomal Liberation.
44
a~llo que se alimenta de acontecimentos cuja for~a e aumenta-
da, ou de simples pormenores que se consegue tomar chocan-
tes e ocupar todo o campo da consci€ncia.
Everdade que nem sempre a linguagem audiovisual tern
a mesma urgencia que o jomal. Isso nao impede que·urn fil-
me. ate urn documentario, uma boa montagem, s6 se tomem
interessantes no momento em que a mensagem for dramatiza-
da. Dramatizar e dar realce e criar tensao. Mas como? :E aqui
que.precisamos evidenciar a lei especificamente audiovisual da
dramatiza~ao: a rela~ao ideal entre texto e contexto.
A RELA~AO IDEAL ENTRE FIGURA E FUNDO
A teoria de uma rela~ao ideal entre figura e fundo no
audiovisual inspira-se em certos elementos da "teoria da for-
ma''fi. Digamos logo que e muito dificil achar as palavras ade-
quadas para exprimir essa lei num contexto audiovisual. Em
ingH!s, opoe-se "ground" e "figure"7• Em frances, precisaria-
mos traduzir tudo ao mesmo tempo: fundo e forma, texto e
contexto, primeiro e segundo plano, assunto e enfoque. "Figu-
ra e fundo" parece-nos a melhor expressao. No que diz respei-
to a linguagem audiovisual, o sentido e a eficacia de uma
mensagem dependem de uma rela~ao de diferen~a e de distful-
cia ideal entre o fundo e a figura, entre o texto e o contexto.
Vamos explicar por urn exemplo simples: tomemos urn
poster onde urn sol rubro emerge de uma bruma escura, opa-
ca e vaporosa. Segundo nossa teoria, osol e vista aqui como
6
A teoria Gestalt. Ela considera que a percep~ao global de urn conjunto ou de
uma estrutura organizada qualquer precede a perc~o dos elementos e lhes d.i
sentido.
7
A esse respeito, ver McLuhan e Utchon, City as classroom, The book society
of Canada, Againcourt, Ontario. .
45
figura, o resto como o campo, ou o ambiente. Isto significa
que ap6s olhannos o poster no conjunto, ha uma parte que
parece avan~ar - e a figura, isto e, 0 sol -. ao passo que 0
resto recua ate desaparecer da consciencia - e o campo, o
segundo plano. Ora, dizemos que a dramatiza~ao e proporcio-
nal a diferen~a e a distancia que existem entre o sol e o meio.
Se o que cercar o sol tiver a mesma cor, o mesmo modelo e
a mesma dimensao, nao M realce nem dramatizavao e, como
veremos mais adiante, nem sequer sentido. .Se, ao contnirio,
for grande demais a distancia entre o sol e seu meio, se, por
exemplo, o sol for mim1sculo em rela~ao ao campo, tambem
nao M dramatiza~ao.
Outro exemplo: se pusennos urn vaso de flores venne-
lhas diante de urn fundo vennelho, nao haveni distancia nem
dramatizac;ao. Se iluminannos essas flores com urn raio de luz
e colocannos no fundo uma placa verde ou negra nao ilumi-
nada, obteremos o contraste gravas adistancia ideal. Mas, se
afastarmos o vaso de flores cinco metros em relavao aplaca
verde, mataremos o realce, porque a distancia entre fundo-fi-
gura se tomara grande demais.
De nosso ponto de vista, e esta a lei fundamental que
rege a dramatizavao e a forva da linguagem audiovisual. Urn
born diretor e extremamente sensfvel a essas distancias ideais:
distancia entre a voz e o silencio, entre a musica e a imagem,
entre a tonalidade da prova e a palavra pronunciada, entre a
cor dominante e a cor excepcional etc. Se urn cartaz tiver pa-
lavras demais, linhas ou ponnenores demais, entao qualquer
figura desaparece porque precisamente tudo se toma figura. A
exatidao mais dificil em audiovisual e a da apreciac;ao das re-
la~oes entre todos OS elementos: correspondencias e distancias
que criam o realce.
Talvez descubramos aqui uma das diferenc;as mais espe-
cfficas entre a "linguagem de Gutenberg" e a "linguagem au-
diovisual". Na linguagem das palavras escritas, o que conta
46
primeiro e a figura, isto e, as palavras e sua colocac;ao. Escre-
ver bern eachar a palavra certa e as liga~oes exatas. A aten-
~ao, antes de mais nada, e centralizada na figura. Ao contra-
rio, na linguagem audiovisual, o segredo eprimeiro o campo,
o enfoque e, nesse campo, apenas algumas palavras. Nao
somente aqui definimos as condi~oes para que a mensagem
seja eficiente, mas tambem para que tenha sentido. Pois, onde
esta o sentido? -
Na linguagem escrita, o sentido esta, antes de mais nada,
nas palavras. Ora, no audiovisual ele esta no efeito que a dis-
tancia entre figura e fundo produz em n6s. Queremos decifrar
mesmo esse poster? Vamos sentir em n6s o efeito produzido
entre o sol vennelho e a massa negra, o cfrculo solar que sobe
no centro e a bruma espessa em baixo, o alto do poster leve,
azulado, e o sol que triunfa timidamente. Para sentir melhor
o poster, as vezes aconselham a piscar os olhos: entao, com
efeito, acentua-se o contomo das massas e das linhas. Produz-
se uma especie de correspondencia - de conivencia - entre
nossas pr6prias linhas, os desejos e as fonnas do nosso in-
consciente e a imagem do poster. A relac;ao de figura-campo
detennina uma vibrac;ao especial que nos afeta. A mensagem
esta nesse efeito produzido.
Urn lfder politico esta falando na televisao. Os intelec-
tuais, habituados as disciplinas liten1rias, vao "destrinchar" as
palavras. Nao estiio errados, pois nelas reside tambem uma
parte da mensagem, mas s6 uma parte, e a menos importante.
Ao contnirio, a massa de espectadores e sensivel antes de mais
nada ~o "cinema": esse lfder e forte? Sabe revigar aos ataques?
Respe1ta a vez ou fala fora da hora? Tern urn sorriso in~nico,
urn rosto calmo? Corresponde a minha maneira de ser e de
sentir? Evidentemente , os telespectadores nao vao se fazer
todas essas perguntas, mas sabem de modo inconsciente que
a mensagem do lider polftico vai consistir em responder a
47
todas essas questoes implfcitas, dando-lhes uma resposta satis-
fat6ria em tennos de realiza~ao propria e de comunica~ao
afetiva.
Manipula~ao? Sem duvida, tanto rnais que a escola nao
nos ensinou a estudar e a manejar tal linguagem. Mas e born
refletir sobre isto:' e mais facil mentir naquilo que dizemos do
que naquilo que somos. As palavras mentem mais que o cor-
po. A camera que mostra urn rosto em close opera uma espe-
cie de desnudamento: podemos ser falsos na conversa, mas e
muito mais diffcil ser falso na mfmica. Os especialistas da
antropologia intercultural dizem que OS arabes desconfiam das
palavras, nas discussoes 'de neg6cios: olham a pupila do inter-
locutor e sentem o cheiro que se desprende do seu corpo. Es-
sas infonna~oes nao enganam. Antes do grande debate entre
Carter e Reagan, anterior a elei~ao para presidente, urn jomal
londrino, o Evening Standard, bern mais positivo que toda a
imprensa francesa, dizia em letras garrafais: "Vantagem de
Reagan". E por que? "Carter estava com os labios apertados,
estava tenso e pouco a vontade no debate... Reagan estava
mais caloroso e mais a vontade dentro da sua personalidade,
tentando alegrar a austeridade do debate com alguns trocadi-
lhos". Com certeza, a linguagem audiovisual, enquanto lingua-
gem da mfmica e do meio, nao e tao espontanea para n6s
quanto na maioria dos pafses do Terceiro Mundo. Com efei-
to, naqueles pafses, por Mbito cultural, geralmente olha-se
menos a figura que a totalidade da situa~ao. Mas e verdade
que quanto mais entrannos na cultura audiovisual, mais a acu-
sa~ao de manipula~ao parecera fora de moda. Urn medo de
iniciantes! Por que nao se fala da manipula~ao pelo livro, de
sua influencia as vezes recl>ndita e secreta sobre o leitor?
48
0 AUDIOVISUAL-PRESENCA
Analisando a contribui~ao especffica da eletrl>nica para
0 audiovisual, a palavra que se imp()e parece-nos que e "pre-
sen~a". 0 canal eletrl>nico ~·toma presente", amplia essencial-
mente o efeito de presen~a. Como?
Primeiro, trazendo para a minha sala o que esta Ionge:
0 presidente da Republica, OS jogos olfmpicos OU as ultimas
revoltas sociais. Esta e uma das constata~oes mais antigas
sobre os efeitos das mfdias. Tenho em casa a guerra do
Vietnan, da minha poltrona escuto as bombas, vejo OS mor-
tos. Conselho dado aos que aprendem a falar na televisao:
"Principalmente, nao esque~am de ser familiares, pessoais; as
pessoas veem voce na sala delas. Nao aceitam o que e for~a­
do nem discurso doutoral". Assim, pela televisao, por urn
momento, a imagem do presidente me pertence. A presen~a.
antes de mais nada, e a aboli~ao das distancias geograficas.
Mas e tambem uma qualidade especial de ressonancia em nos-
so corpo.
A imagem e os sons veiculados pela eletrl>nica aumen-
tam o efeito de vibra~ao, de corpo a corpo. A imagem televi-
siva esculpe urn rosto, amplia-o e nos faz, de certa forma,
penetrar numa intimidade especffica, intimidade que habitual-
mente nao nos e dada nos contatos humanos. Poder da came-
ra, e verdade, mas tambem da transmissao visual que pode ser
desmesuradamente aumentada. Enfim, poder da imagem que e
focalizada e, por isso, detenninada para provocar o choque
visual. Uma mae de familia, quando felicitada ·por causa dos
filhos, exclama: "Ah! Voce tinha que ver uma foto deles!" :E
verdade, podem rir de nosso "mundo refletido", mas nele M
uma verdade: uma foto pode fazer transparecer o carater de
alguem mais que seu rosto visto na realidade.
49
4. 0. DOYCII modos.,
todas essas questoes implfcitas, dando-lhes uma resposta satis-
fat6ria em termos de realiza~ao propria e de comunica~ao
afetiva.
Manipula~ao? Sem duvida, tanto mais que a escola nao
nos ensinou a estudar e a manejar tal linguagem'. Mas e born
refletir sobre isto:' e mais facil mentir naquilo que dizemos do
que naquilo que somos. As palavras mentem mais que o cor-
po. A camera que mostra urn rosto em close opera uma espe-
cie de desnudamento: podemos ser falsos na conversa, mas e
muito mais diffcil ser falso na mfmica. Os especialistas da
antropologia intercultural dizem que OS arabes desconfiam das
palavras, nas discussoes "de neg6cios:. olham a pupila do inter-
locutor e sentem o cheiro que se desprende do seu corpo. Es-
sas informa~oes nao enganam. Antes do grande debate entre
Carter e Reagan, anterior a elei~ao para presidente, urn jomal
londrino, o Evening Standard, bern mais positivo que toda a
imprensa francesa, dizia em letras garrafais: "Vantagem de
Reagan". E por que? "Carter estava com os labios apertados,
estava tenso e pouco a vontade no debate... Reagan estava
mais caloroso e mais a vontade dentro da sua personalidade,
tentando alegrar a austeridade do debate com alguns trocadi-
lhos". Com certeza, a linguagem audiovisual, enquanto lingua-
gem da mfmica e do meio, nao e tao espontanea para n6s
quanto na maioria dos pafses do Terceiro Mundo. Com efei-
to, naqueles pafses, por Mbito cultural, geralmente olha-se
menos a figura que a totalidade da situa~ao. Mas e verdade
que quanto mais entrarmos na cultura audiovisual, mais a acu-
sa~ao de manipula~ao parecera fora de moda. Urn medo de
iniciantes! Por que nao se fala da manipula~ao pelo livro, de
·sua influencia as vezes rec6ndita e secreta sobre o leitor?
48
0 AUDIOVISUAL-PRESENc;A
Analisando a contribui~ao especffica da eletronica para
0 audiovisual, a palavra que se impOe parece-nos que e "pre-
sen~a". 0 canal eletr6nico "lorna presente", amplia essencial-
mente o efeito de presen~a. Como?
Primeiro, trazendo para a minha sala o que esta Ionge:
o presidente da Republica, OS jogos olfmpicos OU as ultimas
revoltas sociais. Esta e uma das constata~oes mais antigas
sobre os efeitos das mfdias. Tenho em casa a guerra do
Vietnan, da minha poltrona escuto as bombas, vejo OS mor-
tos. Conselho dado aos que aprendem a falar na televisao:
"Principalmente, nao esque~am de ser familiares, pessoais; as
pessoas veem voce na sala delas. Nao aceitam o que e for~a­
do nem discurso doutoral". Assim, pela televisao, por urn
momento, a imagem do presidente me pertence. A presen~a.
antes de mais nada, e a aboli~ao das distancias geograficas.
Mas e tambem uma qualidade especial de ressonancia em nos-
so corpo.
A imagem e os sons veiculados pela eletr6nica aumen-
tam o efeito de vibra~ao, de corpo a corpo. A imagem televi-
siva esculpe urn rosto, amplia-o e nos faz, de certa forma,
penetrar numa intimidade especffica, intimidade que habitual-
mente nao nos e dada nos contatos humanos. Poder da came-
ra, e verdade, mas tambem da transmissao visual que pode ser
desmesuradamente aumentada. Enfim, poder da imagem que e
focalizada e, por isso, determinada para provocar o choque
visual. Uma mae de familia, quando felicitada ·por causa dos
filhos, exclama: "Ah! Voce tinha que ver uma foto deles!" E
verdade, podem rir de nosso "mundo refletido", mas nele M
uma verdade: uma foto pode fazer transparecer o carater de
alguem mais que seu rosto visto na realidade.
49
4. 0. DOYOI modos•••
Ainda mais que a imagem, devemos ressaltar o efeito
de presen~a provocado pelo som. Uma orquestra que escuta-
mos nos fanes e bern mais presente que a mesma orquestra
ouvida numa sala. Nao dizemos que a audi~ao na sala seja
inferior, mas afirmamos que o efeito de presen~a musical nos
fanes e bern maior. A eletronica tern de especffico o fato de
poder primeiro aumentar as vibra~oes corporais e nos isolar
de qualquer fator de distra~ao: aboli~ao do espa~o. limita~ao
do foco e supervoltagem das vibra~oes. Pelo receptor do tele-
fone, vibramos com a voz. Pela potencia dos amplificadores,
e o ser inteiro que e solicitado. Diz-se dos jovens: "Eles nao
escutam rock ou musica de discoteca com os ouvidos, mas
com o corpo inteiro". E que os baixos e a bateria atingem o
ventre e os musculos, os agudos ressoam na cabe~a e os me-
dias, que acentuam a "presen~a", ligam a cabe~a ao ventre.
Mas ainda af nao basta o efeito de poder. Deve-se no-
tar que o que e especffico de urn born microfone e de urn born
amplificador e nao apenas o aumento de volume de uma voz,
mas tambem sua sintoniza~ao. Ao escolher este microfone,
obtemos uma voz informativa; com urn outro, a voz parece
sair do ventre e misturar-se arespira~ao. Jacques Chancel nao
usa qualquer microfone! A voz, em vez de ser mon6tona e
de se perder no ar, e transmitida com tons harmonicas pos-
santes, efeitos de hesita<;ao, de medo ou de decisao que ne-
nhum ouvido capta em tempo normal. Sintonizada e amplifi-
cada pela elctronica, essa voz constitui assim o campo que
acentua o realce das palavras. 0 ouvinte, mesmo que disso nao
tenha conscicncia, escuta nao unicamente urn discurso cheio ·
de ideias, mas uma pessoa, urn sopro. Os hebreus outrora di-
ziam: "0 sopro e a alma". Ouvindo as entrevistas de Jacques
Chancel, nao somente ouvem-se frases, mas vibra-se com a
vida de urn homem. 0 nome do programa foi bern escolhido:
Radioscopia.
50
Ainda ressaltaremos aqui uma das grandes diferen<;as
entre a linguagem audiovisual e a escrita. Esta ultima acentua
as distancias para a realidade, ao passo que pela eletronica elas
sao suprimidas ao maximo.
Poderfamos resumir:
- A palavra escrita, signa abstrato da realidade, da urn
maximo de distancia.
- A percep<;ao sensorial direta da uma presen~a media,
aquela que conhecemos ao Iongo da vida.
- A perce~ao audiovisual, gra~as acapacidade da ele-
tronica, pode refor<;ar o efeito de presen~a ate o en-
cantamento ou o mal-estar.
A COMPOSI~AO POR FLASIDNG
Resta-nos falar da logica da linguagem audiovisual.
Como funcionam as encadeamentos, as inter-rela~oes das se-
qiiencias au dos pianos? Aqui, parece-nos importante notar dais
pontos:
- a composi~ao por flashing,
- a disposi~ao pela razao de ser.
Que quer dizer composi~ao por flashing, ou par flashes
sucessivos? Suponhamos que eu me encontre a noite numa
casa desconhecida. Como me situar e me dirigir? Espontanea-
mente, agu<;o o ouvido, desenvolvo ao maximo todos as meus
sentidos: percebo enUlo urn ruido de fundo, urn certo silencio,
a consistencia do piso, que da uma sonoridade especial, uma
vaga umidade .no ar. Todas as coisas que inicialmente defi-
nem uma atmosfera e nao uma realidade precisa. Eu estou
"haquele Iugar". Mas o que ha neste Iugar? Se eu tiver uma
lantema, ilumino as coisas; nao tendo, risco f6sforos que me
51
dao visGes rapidas e sucessivas de onde estou: ali, uma velha
cadeira, ali uma valise, la uma pia de porcelana antiga, adian-
te uma mesa baixa e flores artificiais. Todos esses objetos si-
tuam-se em destaque no Iugar, mas aparentemente sem liga-
~ao entre si. Com o neon eu teria de repente uma visao do
conjunto, ja que pela disposi~ao das coisas eu compreenderia
seu sentido. Entretanto, a medida que as coisas se iluminam,
meu cerebro, de uma forma "dramatica", e levado a procurar
mais adiante e a fazer associa~Ges. Por urn lado, o que ja senti
daquele Iugar coloca-me numa atmosfera de expectativa; por
outro, as figuras pouco a pouco vislumbradas permitem-me
chegar cada vez mais depressa a uma solu~ao. E, de repente,
num "momento X" de soma dos sucessivos flashes, meu
cerebro e invadido por uma especie de ilumina~ao e de certe-
za. Nao e a sala onde estou que se ilumina, mas meu cere-
bro. minha mente. 0 neon - a luz de conjunto - acende-se
em mim. E, com todas as luzes apagadas na casa desconheci- ·
da, digo a mim mesmo: "Ah, born, estou num velho quarto
de despejo".
No mais das vezes, parece-nos que e assim a composi-
~ao audiovisual. Nao e linear: nao se desenrola como uma
hist6ria regular de tras para frente. Nem e didatica: nao se
desenrola como uma divisao da realidade em partes articula-
das, com 16gica. Nem sintetica de vez: nao parte de uma vi-
sao de conjunto para mostrar ou analisar sucessivamente os
pormenores. Mas se apresenta em flashes, mostrando sucessi-
vas facetas que se destacam, aparentemente sem ordem·, num
fundo comum.
Naturalmente, este modo de composi~ao explica o cara-
ter estranho que preside muitas vezes a ordem das seqiiencias
num programa. Uma hist6ria se descobre pela contribui~ao de
elementos sucessivos que formam seqiiencias. Certos filmes
evoluem sempre entre o sonho, a volta ao passado e a realida-
de. Mas, muitas vezes, essa composi~ao por flashing e aplica-
52
da no proprio interior da sequencia. Nesse ponto, o modelo
cinematografico classico hoje ja evoluiu bastante: as seqiien-
cias de Francis Coppola em Apocalypse now ultrapassam as
regras das primeiras composi~oes de filmes. Mas isso e parti-
cularmente verdadeiro no caso das montagens audiovisuais. 0
eslaide tern de especffico o fato de dar precisamente urn flash
num objeto enquanto acfunera mostra uma continuidade. Por-
tanto, nao devemos nos admirar com essa especie de irracio-
nalidade que explode nas grandes montagens audiovisuais de
muitas telas. As vezes, nem sequer M mais leis de continuida-
de de cores, de linhas, de assuntos. Parece que tudo salta. As
imagens nos chegam como objetos lan~ados ao rosto. Mas,
aten~ao! Sob essa aparente desordem pode reinar uma rigoro-
sa ordem subjetiva, a de uma unidade de Iugar e de ex-
periencia.
Aqui, deve-se distinguir cuidadosamente os conceitos de
percep~ao global e de percep~ao dos pormenores. Em audiovi-
sual, M a perce~ao global do "Iugar'' desde o come~o. e isso
se ve por uma dominante de cor, de ritmo, de tema sonoro
fundamental. Assim, o filme L'horloger de Saint-Paul e bru-
moso, cinza-azulado: sua hist6ria avan~a pela noite. Em com-
pensa~ao, a perce~ao da figura se faz por detalhes sucessi-
vos. Esse vaivem do detalhe ao global e precisamente o que
vai dar dramatiza~ao acomposi~ao audiovisual, estando o ter-
reno sugerido desde o infcio e criando uma tensao psicol6gi-
ca no espectador. 0 terreno e o fundo que espera sua forma,
a terra que espera sua planta.
Naturalmente, nem todas as composi~oes audiovisuais
sao como o modelo aqui descrito. Existem montagens didati-
cas, lineares, por que condena-las? 0 importante e comunicar,
dentro do objetivo a que o emissor se prop()s numa dada si-
tua~ao. Parece-nos, porem, iniportante definir uma linguagem
audiovisual por sua mais especffica e mais alta capacidade.
53
A DISPOSI~AO PELA RAZAO DE SER
A partir da nossa teoria de composi~ao por flashing,
aparece uma pergunta basica: nao haverli realmente ordem
alguma entre os flashes? Serao simplesmente casuais? 0 (ilti-
mo flash que provoca a ilumina~ao em numerosos filmes de-
penderia apenas de uma coincidencia? Nossa resposta e clara:
M simplesmente uma ordem que preside os flashes, mas essa
ordem vern primeiro da mao que segura a lantema. Essa or-
dem e tao diferente da que preside o discurso escrito ou oral
que inicialmente nao a percebemos como ordem, mas como
acaso ou fantasia.
A disposi~ao na cultura de Gutenberg foi definida pelas
palavras "linear", "hipotetico-dedutiva", ou ainda "causal". Em
audiovisual, a disposi~ao foi definida muitas vezes pelo nome
de "mosaico". Com isso querem dizer uma aparente desoJdem
dos diferentes elementos quando sao tornados no nfvel de uma
pequena parte, e uma repentina revela~ao da ordem de todos
os elementos quando se descobre a imagem final do conjun-
to. Se isolarmos urn fragmento num mosaico ou num quebra-
cabe~a. nao se percebe sentido algum, ordem alguma nos ele-
mentos de base. Em compensa~ao, quando a figura aparece,
tudo se revela. E a figura final que, secretamente, dirige a
ordem. Essa expressao "16gica mosaica" 'ecerta, mas s6 em
parte exprime a realidade. E bern verdade que o arranjo das
partes de urn produto audiovisual e sub-repticiamente dirigido
por sua imagem final. Mas essa imagem final, especie de deus
ex machina, nao e pre-estabelecida. Ela e em grande parte
produto da imagina~ao criadora de urn autor. Mesmo que se
trate de colocar em audiovisual uma obra jli escrita - ou
qualquer acontecimento hist6rico -, a marca do autor e fun-
damental, E ele quem propoe a imagem e organiza todos os
pianos em fun~ao dela. 0 Evangelho de Zefirelli nao e o de
Pasolini.
54
Para caracterizar a ordem audiovisual tfpica, escolhemos
a expressao "razao de ser''. Expressao abstrata que soa urn
pouco antiquada! E que ela une uma velha categoria filos6fi-
ca - a causalidade formal -, categoria urn pouco em desu-
so, em beneffcio das rela~oes de causa e efeito, tais como es-
tudadas na ciencia. Nossa hip6tese e a seguinte: em audiovi-
sual descuidamos das categorias causais tradicionais- da cieri-
cia para entrar nas categorias causais de tipo mais artfstico,
mais pessoal e vital: a razao de ser.
Ao contnirio da disposi~ao causal tradicional, que e ob-
jetiva e rigorosa, a disposi~ao pela razao de ser faz intervir a
subjetividade. Por isso, nao e uma disposi~ao de necessidade
objetiva, mas somente uma "linha", uma "coerencia intema".
Dissemos que, na televisao, num filme, numa montagem,
a personagem-chave da disposi~ao pela razao de ser e o dire-
tor. Na exposi~ao permanente de Montreal. "Terre des
Hommes", Radio-Canada, desenharam em tamanho pequeno o
rosto do diretor dentro do rosto de cada urn dos participantes
da produ~ao audiovisual, par!l exprimir o papel dessa persona-
gem-chave. Assim, o encarregado de som, de imagem, o en-
trevistador trabalham com essa dire~ao unificada, essa "linha"
determinada neles pelo impulso do diretor. 0 ato criador do
diretor e, em ultima analise, a razao de ser, isto e, a causa da
disposi~ao.
Por depender de urn ato criador, essa disposi~ao por
razao de sere inicialmente imprevisfvel, porem, uma vez· dado
o impulso inicial, adquire uma especie de necessidade fntima.
Se urn ator trabalha com Bergman, s6 pode trabalhar com
Bergman. Isto nao significa que ele seja urn peao do jogo, mas
que o seu desempenho e do genero de Bergman, na forma e
na coerencia. Constr6i uma imagem fmal do homem e da vida
que e do tipo de Bergman.
Devemos ir mais Ionge. A disposi~ao por razao de ser
nao e determinada por urn ato criador, que seja puro capri-
55
cho, completamente desligado das realidades objetivas e da
ordem interior que anima o ser humano em geral. Urn diretor
s6 pode alcan~tar seu publico se a razao de ser de sua produ-
~tao exprimir, de algum modo, a razao de ser de seu publico,
isto e, sua coerencia fntima e os fios que dirigem sua psicolo-
gia. Assim, a razao de ser mergulha nas profundezas mais
inconscientes da nossa personalidade. C. G. Jung fez ressaltar
que essas profundezas nao eram incoerentes nem desconexas
entre si8
• Quando Francis Coppola come~tou o script de
Apocalypse Now, desenhou, projetou no papel sonhos brota-
dos em parte de seu inconsciente pessoal. Ora, a partir desse
inconsciente marcado pela mem6ria coletiva da guerra, as
imagens que lhe vinham amente, 0 barulho dos helic6pteros
e o calor umido na pele nao eram desordenadas nem sem la-
ftOS entre si. De onde vinha, pois, a associa~tao? Primeiro, de
uma necessidade intema de Coppola, recriando imaginariamente
as impressoes, estados d'alma mais fortes que ele sentira por
ocasiao da guerra do Vietnan. Mas tambem de urn la~to que
vern das conivencias, do entrosamento que certas realidades
tern entre si. E for~toso reconhecer que, embora mal conheci-
dos e escapando a uma ciencia estritamente objetiva, os sfm-
bolos e os objetos tern entre si rela~toes de atra~tao, de proxi-
midade, de exclusao, de refor~to ou de conivencia, que sao
reais. "A ebranco" -, dizia Rimbaud. Assim ele sentia, mes-
mo sem saber por que.
NUm.ero de ouro. Correspondencias universais. "Todos os
fatos espirituais - dizia Emerson - sao representados por
sfmbolos naturais." Naturalmente, essas rela~toes, essas famf-
lias de objetos estao estreitamente ligadas a nossas percepftoes.
Num artigo intitulado "Dialogo do fisico e do esteta"9
, Michel
8 C. G. Jung, L'hornrne el les symboles, Laffonl, p. 306. Sobre o conceilo de
sicronia, Jung emile a hip6tese de que.- os arquitipos podem explicar mulat;iies sem
lat;o causal organico, mas comandadas de dentro por wna especie de forma dinilmica.
9 MichelLe Roy, Communication etlangages, 12
trfmeslre, 1980.
56
Le Roy exprime as estranhas liga~toes entre os funcionamen-
tos tecnicos, as regras esteticas e as formas da natureza, tais
como os fulgulos dos ramos das arvores ou das arestas de
dunas. Ele confirma a f6rmula de Marcel Dassault: "Se urn
aviao for bonito, voara bern". Ondula~tao das dunas... beleza
do aviao nao sao, com certeza, senao manifesta~toes particula-
res de urn "isomorfismo" profundo entre o homem e seu uni-
verso, que cabe ao ffsico explorar juntamente com o psic6lo-
go, o qual, tambem, pressente a existencia de detectores de
formas geneticamente pre-reunidas.
Assim, a disposi~tao por razao de ser ecomandada por
dois fatores complementares:
- de urn lado, uma realidade subjetiva: eo ato criador
que transmite a linguagem audiovisual uma forma
ordenada, ligada acoerencia do proprio criador;
- de outro lado, uma realidade mais coletiva, pois reu-
ne percepftoes humanas universais: sao as diferentes
fonnas de associa~toes entre os objetos e seus sfmbo-
los. Ha a lua e as estrelas, o mar e o seio da mae, o
sol e a agua etc.
Esses dois fatores sao inseparaveis. Eno ato criador do
diretor que se faz a sfntese. Tomemos urn exemplo a partir
de uma experiencia.
Anoite, escuto o tique-taque de urn re16gio antigo, cujo
som e ritmo sao ampliados reverberando nas paredes de ci-
mento nu. A monotonia e a vibra~tao do som penetram em
mim, dando-me o sentimento de que as coisas passam, de que
a vida passa. Assim, inconscientemente associo o tique-taque
do re16gio, as batidas de meu cora~tao, as reverberaftOes sono-
ras que vern das paredes, a nudez de urn ambiente vertical sem
apoio algum. Depois, minhas impreswes evoluem. Tenho a
sensa~tao de que o tique-taque bate monotonamente em minhas
pemas. Entao, pouco a pouco me vern a vontade de me aban-
57
Os novos modos de compreender: a geração do audiovisual e do computador
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Os novos modos de compreender: a geração do audiovisual e do computador

  • 1.
  • 2. PIERRE BABIN: padre, psicopedagogo, capelao dos jovens, posterionnente diretor de wn centro de pesquisa de pedagogia religiosa (1954-1960). Professor do Instituto Cat6lico de Lyon e da Universidade de Strasbourg. Leciona em diversos institutos e universidadcs (Paris, Montreal, Quebec, Buenos Aires, Vennont, Manilla etc.). Fundador e diretor do CREC-AVEX (Centro Intemacional de Fonna(iiio em ComunicayOes Sociais e Religiosas), dirctor do servi(io audiovisual do laborat6rio IRPBACS de Lyon-Ecully (CNRS). MARIE-FRANCE KOULOUMDllAN: psic61oga, pesquisadora no CNRS, professors de Psicologia Social na Universidade de Lyon I. Participa rcgulannente das sessOes de fonna~iio (jovens e adultos) na Fran~ enos pa.lses do Terceiro Mundo. PIERRE BABIN MARIE-FRANCE KOULOUMDJIAN ((J) § W((J)V((J)§ WIT((J)JD)((J) § ]]])IE CC((J)MIJPffiJEIEWJD)IEffi A gerac;ao do audiovisual e do computador 371 .36 B114n DEDALUS - Acervo - FE Novos modes de compreender : 11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 20500035774 Bibliotoca I FEUSP (~ 33336 EDICOES PAULINAS
  • 3. Do original em lingua francesa Les nouveaux modes de comprendre La gbliration de l'audiovisuel et de l'ordinateur © Editions du Centurion, 1983, Paris Tradu~ao Maria Cec(lia Oliveira Marques Revisao da tradu~ao Carlos Rizzi Produ~ao editorial e grM'ica Carlos Rizzi Capa e ilustra~ao Mario Couto Pita Fotografia Celio Ysayama Aquisicao ' Ca!;>< Origem Solicitante ! 11, II I I . l' Proc. '·I '-' , I ~ L, ~ ~ R' i ~) . ' ' -·~ Oata :' ··; I N." de Chamada ~ "({ . -:J(;, oo f { i/) (/ ~/1_I I· ' EDI(:OES PAULINAS Av. lndian6polis, 2752 04062 - Sao Paulo - SP (Brasil) © Edi~oos Paulinas, Sao Paulo, 1989 PROLOGO Esta obra efruto de pratica e de rejlexiio. Praticos da psicologia e do audiovisual, mas tambem universitarios e for- madores de adultos, nestes ultimos anos estivemos muito sen- sfveis aos fenomenos de ruptura perceptiveis entre os jovens: ruptura no comportamento perante os valores adultos tradi- cionalmente majoritarios, na linguagem e no conjunto dos modos de expressiio, mas tambem mais profundamente numa relar;iio com o mundo, uma percepr;iio que, vista de mais per- to, pareceu-nos radicalmente diversa das da gerar;iio anterior. Os jovens niio siio, ou niio siio mais contra estes ou aqueles valores, em relar;iio aos quais tentariam definir sua identida- de. Eles "estiio em outra", num sistema diferente dentro do qual se inserem de modo original e que, pouco a pouco, constitui uma verdadeira e nova cultura. Por meio de pesquisas, de encontros e de questionarios quisemos tentar reconhecer essa diferenr;a, dificil de apreen- der, embora tiio proxima, sendo ao mesmo tempo familiar e rejeitada. Mas niio basta admitir sem preconceito ·ou compreen- der sem segregar. Nossa visiio niio pretendeu ser entomologi- ca e gratuita. Trata-se de nossa sociedade e e sua propria vida atual e futura que esta em questiio. Portanto, niio se surpreenda o leitor de encontrar aqui sugestoes, propostas para uma nova educar;iio, apresentadas as vezes com metodo, muitas outras vezes com paixiio. 5
  • 4. I ELES "ESTAO EM OUTRA" 0 DESNORTEIO Os jovens nao sao contra, eles "estao em outra". Esta convicr;ao resume o tema que queremos desenvolver neste livro. Ao lermos as obras classicas sobre psicologia dos ado- lescentes, predomina uma explicar;ao: uma crise de crescimen- to, pela rejeir;ao do passado e por mliltiplas tentativas, para construir uma nova personalidade. Af esta Freud, e o centro da crise e representado pela revolta contra o pai. A jovem sexualidade ergue-se contra a autoridade vigente e as institui- r;oes. 0 jovem se afirma ao se opor. Cada gerar;ao encontra os lfderes que ousam enfrentar os modelos anteriores. Sartre, Brassens, Mao - o grande tirnoneiro -, mais tarde Marcu- se, Cohn-Bendit, cada urn asua maneira cristaliza urn prates- to contra a ordem de ontem. Pouco a pouco, apaziguam-se as revoltas. 0 rastilho de p6lvora de maio de 68 foi substitufdo pela gerar;ao "p6". Os lfderes de ontem morreram sem rufdo, os "Cohn-Bendit" tomaram-se comerciantes bern cornportados. Em 1980, os jovens brasileiros recebem o lfder Paulo Freire e euma decepr;ao melanc61ica. Afinal, o que estii acontecendo? A oposir;ao esubstituf- da pelo desnorteio, o combate s6cio-polftico pela ecologia, a organizar;ao revoluciomiria pelas ar;oes pragrnaticas, as ideolo- gias pelo "disco": 7
  • 5. I ELES "ESTAo EM OUTRA" 0 DESNORTEIO Os jovens nao sao contra, eles "estao em outra". Esta convic~ao resume o tema que queremos desenvolver neste livro. Ao lermos as obras classicas sobre psicologia dos ado- lescentes, predomina uma explica~ao: uma crise de crescimen- to, pela rejei~ao do passado e por mUI.tiplas tentativas, para construir uma nova personalidade. Af esta Freud, e o centro da crise ~ representado pela revolta contra o pai. A jovem sexualidade ergue-se contra a autoridade vigente e as institui- ~oes. 0 jovem se afirma ao se opor. Cada gera~ao encontra os lfderes que ousam enfrentar os modelos anteriores. Sartre, Brassens, Mao - o grande timoneiro -, mais tarde Marcu- se, Cohn-Bendit, cada urn asua maneira cristaliza urn protes- to contra a ordem de ontem. Pouco a pouco, apaziguam-se as revoltas. 0 rastilho de p61vora de maio de 68 foi substitufdo pela gera~ao "po". Os lfderes de ontem morreram sem rufdo, os "Cohn-Bendit" tomaram-se comerciantes bern comportados. Em 1980, os jovens brasileiros recebem o lfder Paulo Freire e ~ uma decep~ao melanc61ica. Afinal, o que esta acontecendo? A oposi~ao esubstituf- da pelo desnorteio, o combate s6cio-polftico pela ecologia, a organiza~ao revolucionaria pelas a~oes pragmaticas, as ideolo- gias pelo "disco": 7
  • 6. "Venho de urn mundo em que nada vale a pena ser vivido, Exceto quando o dia vira noite. Sou uma estrela no meio das luzes de neon. Sei que dan~ar e o unico meio de sair disso. Quando vivo mi'J)has fantasias, Quando dan~o e todos os olhos se voltam para mim, ~ a unica coisa que nao podem me tirar"1 • Na realidade, assistimos alenta ascensiio de um novo modo de ser e de pensar. Urn outro modo de ser em socieda- de. A musica e o come~o e o sinal disso: "Amusica e meu modo de viver'02 • Quando McLuhan morreu, no infcio do 1981, viu-se uma incomparavel demonstra~ilo de lagrimas e de gestos afetuosos na puritana cidade de Toronto. Nunca tantas atitudes originais proliferaram num enterro: jovens de jeans com estranhos bu- ques de flores nas costas, rapazes cabeJudos com sua prancha de skate nos ombros, outros carregando aparelhos de TV, ou- tros com fones de ouvido. Urn longo cortejo ate o cemiterio em honra daquele que ousara escrever: "0 rock e o maior renascimento poetico desde Romero". Certamente, sao manifesta~oes do outro lado do AtHlnti- co. Na Fran~a. a realidade seria muito diferente? Os pais estao divididos. Lembrando-se da pr6pria juven- tude, alguns optam pelo liberalismo: nada impor. "Facil de- mais, respondem urn dia os filhos, voces sao uns covardes, nao se interessam por n6s". Outros pais escolhem a autoridade. Ora, e curiosa a rea~ao dos filhos: nao se opoem, saem de casa. Ao mesmo tempo afetuosos e desligados. "Que voce ' Marti Sharron-Gerard-Lee, citado no Newsweek, em 30 de abril de 1979, p. 44. 3 Idem, "the music is may way of life"_ 8 quer, - diz a mo~a de vinte e cinco anos -, eles nao po- dem compreender. Deram duro a vida inteira... mas, para que? Nao faz sentido. Nao quero esta vida." Depois ela explica que gosta muito dos pais e que voltaria a casa deles de born grado. 0 walkman no ouvido e uma imagem sugestiva, nao da revolta das gera~oes, mas da distancia. - "Todas as manhas vou para o trabalho de 6nibus, as oito e meia - conta urn homem de uns 50 anos. Ora, M alguns dias vejo urn jovem de pe, com fones de ouvido, escutando seu som, completa- mente fechado em seu mundo. Entao decidi fita-lo bern nos olhos para for~a-lo a sair de dentro de si mesmo. Acho que isso levou uns dez minutos. No tim, ele me sorriu!" "Mas por que o senhor quer que aquele rapaz se desligue de sua musi- ca? Venho importumi-lo quando o senhor esta entretido com seu jornal ou com seu romance ·policial?" - "Nao e a mes- ma coisa." "Mas onde esta, no fundo, a diferen~a? Nao M nos dois casos urn 'isolamento' e ate uma especie de satisfa~ao narcisista? Por que a leitura de urn jornal seria melhor para o homem que a escuta de uma fita?" Situa~ao tfpica. Cada urn e prisioneiro de seus signos. Impacienta-se o adulto e for~a o outro pela violencia de urn olhar penetrante. A resposta vern dez minutos depois: o esbo- ~o de urn sorriso. Geralmente, a rea~ao e pacffica. Na classe, uma menina de 15 anos, muito boazinha, nao estuda. "Por que?" pergunta a professora. - "Isso nao me diz nada, mas nada tenho contra... Nao me interessa." Ansiosa, a professora insiste: "E porque nao M entrosamento entre n6s?" "Nao - diz a menina, muito gentil -, gosto muito da senhora, mas isso nao me interessa." E tudo. Acabou-se a hist6ria. As ve- zes - nota urn grupo de educadores -, de repente os jovens deixam de freqiientar urn clube. Q__gu~__nQ~ ~SP.Mta_e nada dizerem, nao darem explica~ao. Perguntam-lhes: "Por que? Sao os seus companheiros? Voces brigaram?" A resposta e negati- va. Simplesmente: "Nao me interessa": Ou mais esta outra palavra-chave: "De que adianta?" 9
  • 7. A imagem que vern ao espfrito nao e a de uma batalha organizada entre duas gera~oes, mas a de dois barcos que se cruzam, de Ionge, enviando sinais incompreensfveis urn ao outro. Nao M agressividade, mas impotencia para comunicar- se. Certamente, o mal-estar e o afastamento da gera~ao jovem tern multiplas causas: o desemprego, a situa~ao intemacional, o envelhecimento da popula~ao, a ascensao do Terceiro Mun- do etc. Queremos, neste livro, destacar a causa radical do des- norteio: o nascimento de uma outra maneira de ser e de com- preender, ou, se preferirem, uma outra cultura, no sentido amplo do termo, isto e, o conjunto dos meios que o homem possui para resolver os problemas de existencia, de sentido e de crescimento. Havera incomunicabilidade? Uma mae de familia, de mentalidade aberta e genio conciliador, responde: "Discuto muito com meu filho de dezessete anos. Nao posso dizer que haja urn abismo entre n6s, mas ele esta sempre com sua musi- ca, seus discos, seu radio, as vezes a TV. Ele chega em casa e zas! o radio de pilha... Af ele me escapa". Assim, o la~o afetivo e familiar nao erompido, de qualquer maneira ebern menos do que o era nas gera~oes anteriores. Entretanto, nesse dialogo aparece urn Iugar completamente inacessfvel, uma area de com.unica~ao impossfvel. Digamos que sao dois planetas! Urn fala razoavelmente, o outro fala pop-music, urn experi- mentalmente, o outro intuitivamente, urn em nome dos princf- pios, o outro pragmaticamente. No final do fllme Contatos imediatos de 3'1 grau, sinais musicais e visuais emitidos pelos habitantes da Terra come- ~am a ser compreendidos pelos habitantes de urn outro plane- ta. Mas s6 havera verdadeira compreensao no momento em que urn terrestre, entrando na nave espacial, efetuar a estranha via- gem para outro Iugar, cujo pre~o eo abandono de sua antiga forma de ser. A imagem esclarece nosso tema. A incomunica- 10 bilidade entre a gera~ao dos pais e a "gera~ao TV" nao e ra- dical. Mas os parceiros devem empreender essa viagem, cada urn correndo seus pr6prios riscos. Isso significa nao somente ler urn livro de explica~oes e proceder a uma analise, mas, antes de mais nada, experimentar uma outra coisa. E esse o pre~o. se quisermos compreender. Na verdade, trata-se de ampliar nossos sistemas de percep~ao e nosso funcionamento intelectual. POR QUE? A hip6tese fundamental deste livro ea seguinte: o meio tecnol6gico moderno, em particular a invasiio das midias e 0 emprego de aparelhos eletronicos na vida quotidiana, mode/a progressivamente um outro comportamento intelectual e afetivo. A expressao "meio tecno16gico" deve ser tomada aqui no sentido mais amplo. Aqui inclufmos tanto os computado- res como o fogao de microondas, o radio-re16gio, as minical- culadoras, em suma, toda a aparelhagem familiar que determi- na, simplifica e controla nosso dia. E clam que af tambem se encontram as grandes mfdias que, em 50 anos, transformaram nosso modo de aprender e de comunicar, desde os seroes de invemo ate as campanhas eleitorais. A televisao e tambem 0 radio tiveram sua audiencia aumentada em 20% em 19803 com rela~ao a 1979 - que ja fora urn ano recorde -, segundo uma pesquisa da I.R.E.P. Enfim, nao reduzamos o ambiente tecnol6gico aos aparelhos e as mfdias: devemos descobrir o colossal conjunto das infra-estruturas sociais, polfticas e admi- nistrativas, num papel mais determinante, embora menos cons- 3 Cilll.do em O.C.S., 4005, rue de Bellechasse, Montreal, Que. HIX, IJ6. Canada, 23/2/80. Cifras para o primeiro semestre de 1980. 11
  • 8. ciente, sem as quais o meio n!'lo poderia funcionar. Que seria da industria automobilfstica sem as garagens, as rodovias, os seguros? 0 meio tecnol6gico e isto: uma rede imensa que caiu sabre n6s e cujas malhas, muitas vezes invisfveis, detenninam nossa vida. Urn meio cujo demonio, mais ou menos oculto, chama-se "eletronica". 0 efeito profundo desse meio nao poderia ser medido claramente e de maneira estatfstica. As novas tecnologias nao agem como uma explosao e sim como uma fonte cuja iigua penetra lentamente num terreno. Aqui nao nos interessa se o discurso de urn lfder polfti- co detennina este ou aquele efeito imediato, o que, alias, e muito contestado em Sociologia. 0 que nos interessa e mos- trar que tipo de cultura esta nascendo hoje entre os jovens, ap6s trinta anos de impregnac;ao de televisao, de cinema e de uso de diferentes aparelhos eletronicos. Falar de mudanc;as culturais poe muita gente de sabres- salta. Alguns veem nisso a revoluc;ao de Mao. Outros, o due- lo entre Gutenberg e McLuhan4 • Reagimos com unhas e den- tes contra a ideia de uma passagem da cultura do livro acul- tura audiovisual. Amedida que nossa reflexao avanc;ava, fir- mava-se nossa posic;ao: urn novo tipo de cultura esta nascen- do; inicialmente e uma mixagem das duas Ctlturas, a interpe- netrac;ao das duas linguagens. Quando a imagem invade o tex- to do livro, deve~se falar de mixagem. Quando nos servimos de eslaides ou de projetores durante uma palestra, fazemos mixagem. Entramos num perfodo nao de exclttsao, mas de "mistura". No centro do estUdio audiovisual reina o painel de comando da mixagem. E a primeira imagem que nos ocorre para exprimir a nova cultura. 4 Marshall McLuhan - de quem Pierre Emmanuel (conferencia de Marly, 7 de dezembro de 1977) dizia ser o "melhor fil6sofo prospectivo e preventivo da nova era, na qual entramos de costas"- escreveu A galaxia de Gulenberg, que apresenta em oposi~o a de Marconi. Dizer que ele profetizou a morte do livro ~ uma simplifica!liO exagerada. H.M.H. 1967, Montreal e Marne, 1967. 12 Uma segunda imagem se impc)s pouco a pouco a nossa mente. 'Nao basta falar de mixagem. Deve-se falar de estereo. 0 estereo signitica que, na uniao, respeitam-se dois canais di- ferentes, cada urn com sua sonoridade pr6pria e predoniman- do urn de cada vez. Assim, reconhecemos que a nova cultura e os sistemas de fonnac;ao que correspondem a ela deverao dar Iugar aos dais modos, respeitando-os no tempo e nos meto- dos: abordagem em que predominam os sentidos e a afetivida- de e abordagem conceitual; abordagem "intuitiva" e aborda- gem dedutiva. Na fndia, pesquisas cientfficas bastante avan~adas co- existem com a venera~ao das vacas, nas quais se reconhece o sfmbolo da alma· indiana. Eis o estereo. Urn ocidental, em nome da produtividade e de urn desenvolvimento 16gico - valor da sua cultura tradicional - tern a tendencia a dizer: "Matern as vacas e comam,.nas". Ele nao percebe qi.le urn sfmbolo vivo e incomodo e tao necessaria para compor o homem quanta a economia. Numa civiliza~ao audiovisual, o simb6lico, o ludico, o artfstico, o musical e o ecol6gico de- vern estar situados no centro da cidade e do pensamento. Alias, amedida que nosso tempo avan~a. descobrimos que a nova cultura, em razao mesmo do deus eletronico que a impele, toma simplesmente duas grandes avenidas paralelas e nitidamente diferentes em sua fonna. Ha a "eletronica-espe- t<iculo", isto e, a televisao, 0 cinema, a musica, OS jogos. Hi tambem a "eletronica-infonniitica", ou seja, os computadores, as calculadoras, os aparelhos programados etc. A eletronica- infonniitica detennina uma segunda avenida, a de uma cultu- ra extremamente racional e rigorosa. Mas nao forcemos demais a divisao, pois as duas tecnicas tendem hoje a juntar-se. 13
  • 9. 0 OUTRO HOMEM DE BOUAKE- ' Apesar da distfulcia geogni:fica, a experiencia do ensino escolar televisivo na Costa do Marfim nos proporciona uma boa ilustra~ilo de nossa hip6tese de base. Tal ensino cobre uma grande regHlo. A aula desenvolve-se essencialmente a partir de curtos ensinamentos (7 a 10 minutos), transmitidos em hora- rios fixos do centro de Bouake. Em 1978, contavam-se 1767 escolas televisivas, ou seja, 7427 classes dotadas de aparelhos de te1evisao. Em geral, as crian~as olham o programa com certa fascina~ao, respondendo em coro ao bom-dia e aos si- nais do apresentador ou do professor pela televisao. Depois, auxiliados pelo professor e por cademos adaptados, reagem, trabalham individualmente ou em grupos sobre o programa. Ap6s 10 anos de funcionamento, chegou hoje a hora de fazer urn balan~o. Ora, os responsaveis pela operar;ao que pudemos consultar no local, em dezembro de 1977, disseram-nos: "E impossfvel fazer urn balan~o. Nao temos instrumentos nem elemento de compara~ao. Com efeito, todas nossas medidas sao relativas as aquisi~oes do ensino tradicional. E verdade que podemos medir urn ou outro tipo de aquisi~llo, como, por exemplo, a ortografia e as Hnguas, e fazemos isso. Mas, de fato, uma tal avalia~ao revela-se falsa". A verdadeira quesUio eoutra - o que os mestres constatam, antes de mais nada: "E que chegamos a um outro tipo de crian~a. Esperavamos urn melhor resultado do ensino tradicional e obtivemos urn resultado diferente". Em 1979, na Costa do Marfim, tentou-se comparar os dois tipos de alunos, interrogando sucessivamente os responsa- veis pelas escolas televisivas e os das escolas particulares que nao utilizavam o sistema de TV5 • Alem das variaveis que ou- ' Estudo realizado por Josephine Penakopan, sob a dire~iio do laborat6rio IRPEACS (C.N.R.S. Lyon) junto a 80 pessoas, na maioria docentes. 14 tros metod?s pedag6gicos poderiam introduzir, destaca-se urn out~ fun~10namen~ do homem e urn outro tipo de cultura, que mduz1rao, n~ .uturo, a urn outro tipo de sociedade. Eis urn qua~ro descntivo dos resultados, construfdo utilizando-se os pr6pnos termos empregados pelas pessoas interrogadas. A CRIANt;A DAS ESCOLAS TRADIClONAlS - Tern mais senso de bierar- quia, de disciplina e ate de obediencia. - Adquire urn vocabulario mais preciso, pelo menos os boos alunos, "os que tern mem6ria". - Obtem melhor desempenho no plano da escrita, da composi~o, da clareza e das ligat;:iies conceituais, da gramatica e da analise. A CRIANt;A DAS ESCOLAS TELEVISIVAS - Mais curiosa e mais viva, pergunta com mais freqiiencia. De linguagem desenvolta exprime-se facilmente com os companheiros: - Tern menos receio do di6logo com o pro- fessor: pode contradizS-lo. Instaura-se urn tipo menos bierarquico de relacionamento entre mestre e aluno. - Conhece melhor seu meio porque "o mun- do exterior etransportado para a classe". - Conjugando saber e jeito, resolve melhor os problemas que aparecem e nlio espera que algu6m o fat;:a por ela. - Manifesta carencia na escrita, na gramlitica, na anlilise e na exatidiio da expressao. - Mais ativa, empreendedora e criativa 6 tam~ ~~s ~arulhenta, turbulcnta, im~li­ da e mdiSciplinada. Questiona quase tudo. Seu espirito crftico esta desperto. - Seu conhecimento e mais global Estabele- ce menos separa,.OOs entre as materias ensi- nadas: assim, a Hist6ria e Geografia inter- penetram-se. - E ~rna "crian~ naciona!": "O programa e naCional e a mctodologia homogenea". Con- seqiientemente, todas as criant;:as recebem os mesmos ensinamentos, e hli menos diferen- ~s por causa dos mestres oo da regiiio. - Tom~-se uma crian~ de boa media que, pelo lmpa.cto uniforme da televislio, foi le- vada a ruvelar as relat;:iies humanas e os conhecimentos. Todavia, se tiver mente len- ta _ou se for wn aluno dificil, "ela se perde, polS com a TV epreciso sempre avant;:ar". 15
  • 10. Quais sao as condi~oes de dicllogo entre o adulto que diz: ''Trabalhe" e o jovem que responde "De que adianta?" ou "Nao me interessa"? Entre aquele que usa o walkman, perdi- do em sua musica, e o homem da civiliza~ao industrial, perdi- do em seus projetos de calculos, quais sao os meios de se compreenderem? Como esses dois planetas podem romper a_ incomunicabilidade? Para responder, permitam-nos aqui explicar nossas dili- gencias. Primeiro, fer, escutar, perguntar. Eurn primeiro pas- so, que, embora muito exterior e insuficiente, e necesslirio. Quando se quer descobrir os sinais de uma ni.Wa cultu- ra, nada e tao sugestivo como ouvir a juventude e certos edu- cadores atentos, que procuram seguir as evolu~es em curso. Interrogamos mais de vinte educadores de horizontes e idades diferentes, responsliveis pela forma~ao permanente em empre- sas, docentes...do ensino superior, escolas de engenharias, pro- fessores do segundo grau, soci6logos. Tambem interrogamos educadores e especialistas de outros continentes: America do Norte, Africa, Asia. A todos se fez a mesma pergunta: "Nos ultimos dez anos, mudou a maneira de compreender, falar, raciocinar? Em que mudou? Em sua opiniao, por que? Que novas facilidades ou dificuldades o senhor encontra na educa- ~ao, hoje?" Em tomo dessas perguntas, uma discussao aberta poderia durar duas horas6 • Everdade que essas conversas variadas nao merecem o nome de enquete, no sentido exaustivo tradicional. Mas, preci- samente, para quem quer explorar urn novo campo, uma en- quete quantitativa demais corre o risco de ser pouco esclarece- dora. Com efeito, o carliter restringente de uma pesquisa esta- tfstica exige perguntas relativamente fechadas. ' Uma parte dessas conversas foi efetuada sob a dire~o do soci6logo Roger Daille, outra sob a de Pierre Babin. no quadro de pesquisas do departamento audiovisual do laborat6rio IRPEACS (C.N.R.S. Lyon). 16 A interpreta~ao programada deixa pouco esp~o para as conexoes fora do comum. Se se tratasse de verificar hip6teses c}aramente estabelecidas e ate de cercar as harm6nicas dessas bip6teses, ninguem duvida de gue se imporia uma enquete cllissica. Mas nossa intui~ao -sempre nos p()e de sobreaviso: cuidado, nao estamos estudando as modifica~oes da ruitiga cultura, mas sim o infcio da nova. A partir de entao em vez de inquerir, a primeira coisa e explorar: vamos lan~ar nossa sonda e ver como vibra! Com efeito, atraves de estatfsticas, quem poderia descobrir o novo som que ainda ninguem pro- gramou? Assim, antes de qualquer metodologia rigorosa, im- pae-se a escuta humana mais aberta possfveF. 0 segundo meio, o mais importante para compreender, eo da experiencia. Uma longa e refletida experiencia pessoal. Compreender pela experiencia: que quer dizer isso? :E expor-se ao fen6meno tanto quanto poss!vel, sentir os choques luminosos e sonoros, suportli-los num Iugar preciso do ventre e dos t!mpanos, experimentar gestos que se iniciam nos mus- culos, experimentar, talvez, medos e insatisfa~oes. Ap6s essa imersao que tento fazer com o m!nimo possfvel de resistencia e de preconceito, vern o instante do primeiro distanciamento. 0 choque desencadeou em mim emo~oes, imagens, sentimen- tos, rea~oes de todos os tipos: tento tomar consciencia delas, depois tento classificli-las e colocar esse conjunto de afetos 7 • Durante .o trajcto, outras imerroga~ nos ocorrcram. A cnquete quantitativa sera amda um mstrumcnto privilegiado quando escoThemos cxplorar funcionamcntos globais e simb6licos, confusos conjuntos de sentimentos e orienta~s? Em ouLras patavras•. n~o h6 probl~mas para inquerir sobre a cultura marcada em linha reta pcla mfomt6Uca: temos OS mstrumcntos para isso. Mas sera que OS tcmos para inquerir sobrc a cultura que nasce da tclevi.siio? Parccc·nos que uma refomtula~iio da cseuta e da pe~iio constimi, entiio, o -principal caminho para a pesquisa. Eric McLuhan, filho de ~~~~all ~cLuhan, est6 empreendendo pesquis~s sobre as condi90es do que chama d.e lug1eoe da abordagem das realidades: urn contacto - "percept" profunda e,conscJ.ente -, diz ele, ~ mais imponant.e para a ci€ncia que urn aaimulo de numerus. 17 2. 0s D<JYOO modos..,
  • 11. confusos em palavras exatas. Em outros termos, procuro cap- tar claramente o efeito produzido e medir-lhe as conseqiien- cias sobre mim e sobre os outros. Deve-se reconhecer que para urn adulto bastante marcado pela educa~tao, pela mem6ria e pelo meio, tal experiencia, normalmente, e penosa. E e neces- saria renova-la: nao se passa espontaneamente de vinte anos de musica classica para as percussoes de Strasbourg. 0 ouvi- do precisa de tempo e de cuidado antes de poder escutar real- mente a nova musica. Mas s6 essa primeira etapa de experien- cia dentro de si proprio parece-nos capaz de abrir caminho para a "outra cultura". Questoes imprevistas vao surgir dessa experiencia origi- nal, dessa tentativa de percep~tao nova. Vai instaurar-se urn novo clima nos Mbitos do pensamento, os olhos vao desper- tar para uma outra visao, vao operar-se conexoes: as vezes teremos a impressao de que o raciocfnio, continuando valido, segue novos rumos. Com a interven~tao do deus musica, as realidades frias tomam-se calorosas, desaparecem as impossi- bilidades, ideias solitarias associam-se. Somos entao levados a modificar nosso modo de pensar e o ritmo habitual do nosso raciocfnio. 0 curso do pensamento orienta-se de outro modo. Instaura-se uma estranha e imprevista sincronia. Sem querer, surgem intui~toes e opera-se uma mudan~ta de visao, dando, de repente, respostas a perguntas ate entao bloqueadas. Muitos de n6s acham diffcil aceitar a ideia do esbo~to de uma nova cultura porque sao impedidos pelo meio de nas- cen~ta e por seu referendal. "Nao e convencendo nem esclare- cendo seus adversarios que uma nova verdade cientffica triun- fa - escreve Paul E. Samuelson, - mas essa verdade nova se impoe ap6s a morte de seus detratores, quando cresce uma gera~tao nova, ja familiarizada com ela."8 • Paul E. Samuelson, L'Economique I. Colin, 1977, p. 29. 18 Nao falta quem conteste tal abordagem: a implica~tao afetiva e imaginaria nao impede o acesso ao real? Na verda- de, e uma abordagem perigosa. Querendo expor-se ao efeito de certas drogas, Sartre, durante muito tempo, foi perigosa- mente marcado por elas. Todavia, no caso em questao nao se pode evitar o caminho da experiencia pessoal, _por desconfor- tavel que seja. Nao se pode p()r entre parenteses a emo~tao e o imaginario para compreender a emo~tao e o imaginario! Mais adiante veremos que a cultura audiovisual e intrinsecamente repleta de afetividade, de raciocfnios anal6gicos e de assaltos do inconsciente. Como, entao, pretender entrar nela pela anali- se 16gica? Pode-se compreender verdadeiramente a juventude ou a cultura audiovisual sem passar pela prova de uma "vibra- ~tiio" experimentada em com~m? Seria contradizer os pr6prios fundamentos dessa cultura. E claro, podemos nao gostar des- se tipo de musica ou do fenomeno "Elton John" que, antes dos anos 80, agitou a gera~tao jovem tanto na America do Norte quanto na U.R.S.S. Mas como compreender esse feno- meno de civiliza~tao, se nao tentarmos senti-lo? E senti-lo pro- fundamente, ate que novas possibilidades despertem em n6s. Ha uma outra via de acesso a nova cultura: viajar: Para aumentar o campo da percep~tao e acordar para outras associa- ~toes intelectuais, nada e tao eficaz quanto sactidir os nossos Mbitos pela experiencia do estrangeiro. Nao falamos da via- gem de onibus turfstico, superconfortavel, que leva ao hotel intemacional ou ao clube cuidadosamente afastado da popula- ~tao. Entendemos por experiencia do estrangeiro urn afasta- mento completo do meio ambiente que nos e familiar e de nosso referendal, ate o momento em que nos tomamos aptos a discernir e experimentar positivamente os modos de pensar, de sentir e de viver dos estrangeiros. Alguns franceses conversam num aviao que volta dos Estados Unidos. Diz urn: "Esses americanos nao tern cultural Estive num hotel em pleno centro de New York: conforto per- 19
  • 12. feito, cofre forte embutido na porta, TV, banheiro com garan- tia de desinfec~ao, tapete alto, mas canos de cobre sem pintar e dois horrorosos quadros tortos!" Tais afirma~oes mostram que nao foi feita a experiencia profunda do estrangeiro, mas somente a penosa experiencia da estranheza. Se aquele fran- ces tivesse feito a experiencia do carater positivo da cultura americana, teria percebido seu valor de humaniza~ao e teria falado dela com benevolencia - embora, e verdade, com dis- tanciamento. Teria dito, por exemplo: "Os americanos nao tern os mesmos valores que n6s. E certo que, em pleno centro de New York, esse hotel relativamente barato representava para mim uma ilha de seguran~a. limpeza e silencio, born para re- laxar. Gostei muito daquele Iugar. Em Paris s6 se encontra isso em hoteis de luxo, muito dispendiosos. Claro, em New York os quadros passavam para o segundo plano". Para falar assim, e preciso ter experimentado longamente a cultura americana, ate a rejei~ao ffsica e alem dela, antes de poder chegar a uma aprecia~ao favonivel. Tal experiencia profunda do estrangeiro, de completa mudan~a de clima, paisagem, rela~oes e ritmos e quase neces- saria para podermos experimentar a novidade de uma outra cultura. E a experiencia de urn quadro de referencias comple- tamente diferente, a dissocia~ao dos nossos habitos mais arrai- gados. Enquanto nao tomarmos relativo nosso sentido do tem- po e dos ritmos, que tipo de comunica~ao pode-se estabelecer com urn indiano? Enquanto nao nos batermos vinte vezes de encontro aaparente irracionalidade de certos comportamentos africanos, que compreensao podemos ter dos raciocfnios sim- b6licos, que estao sempre ligados a urn completo meio ambi- ente e aos impulsos do inconsciente? ·Urn alto funcionario da Comunidade Europeia, voltando de T6quio, onde tratara de urn acordo comercial sobre produtos qufmicos, dizia-nos dos japo- neses: "Sua maneira de raciocinar e de funcionar deixa urn europeu desarmado. Eu tinha urn dossie calculado, tentando 20 provar que nossos produtos nao eram poluentes. Eles me ou- viram ate o fun, sem parecer acreditar. E, finalmente, pergun- taram: 'Voces tentaram ver se uma crupa pode viver na agua onde foram derramados seus produtos?' A abordagem japone- sa e muito menos causal e linear: e global, opera sua interco- nexlio fntima de todos os fatores, sem exclusao, e dos seus efeitos no interior de urn vasto meio ambiente. Nao sera esta a razllo de seu sucesso comercial?" :E impossfvel dizer, em princfpio, que e preciso viajar por toda parte para compreender a jovem gera~ao. Contudo, vamos confessar que nos teria sido impossfvel compreender a tal ponto os aspectos positivos da nova ·cultura se nao tivesse- mos captado, em outros lugares, modos de funcionamentos diferentes dos da cultura francesa. Ecerto que urn asiatico in- tegra melhor que n6s o audiovisual e as novas tecnologias: elas estao mais pr6xiJTias de seu universo afetivo e mental que do nosso. A partir disso, quando vemos jovens franceses volta- rem-se para as filosofias e tecnicas asiaticas, podemos supor que eles ali procurem algum equilfbrio e uma solu~ao cultu- ral que tern dificuldade de encontrar em seu proprio pafs. As entrevistas, ·conversas, encontros e experiencias va- riadas que citaremos muitas vezes neste livro constituem nos- sa principal via de pesquisa. Quem quiser ir mais Ionge, que veri:fique as explica~oes atraves de uma ciencia mais quantita- tiva9. Porem, antes de mais nada, como funciona a experiencia pessoal! Nao se pede aos computadores que provem o vinho, e aos degustadores!10 9 Assirn, a prop6sito da linguagem audiovisual abordada no capitulo seguinte, ver a tese de Luiz Busato sobre a Iinguagem espontanea dos jovens (tese IRPEACS- EPHE). 10 E evidente que o oomputador pode apreciar urn gosto· "de massa", ou, pelo menos, urn gosto previamente programado, mas eincapaz de irnaginar urn outro born gosto. 21
  • 13. Numa montagem audiovisual sobre a nova geravao, apa- recia a seguinte sequencia: "Eles niio veem mais como antes", e o eslaide mostra- va o olho de urn rapaz desmesuradamente aumentado por uma cfunara. "Eles niio ouvem mais como antes", e via-se urn jovem deitado sob uma arvore, com o radinho de pilha colado ao ouvido. "Eles niio falam mais como antes", e via-se urn jovem, de olhar brilhante, ouvindo ao telefone. "Eles niio aprendem mais como antes", e via-se uma classe diante das maquinas de aprender. "Eles niio comandam mais como antes", e via-se urn homem dando ordens pelo microfone, manipulando os botOes de uma mesa eletr6nica. "Eles niio andam mais como antes", e via-se urn astro- nauta dentro de urn foguete. Imagem de urn outro planeta? Este livro quer mostrar que tal homem nao esta perdido nem eestranho. Basta entrar em n6s mesmos e descobrir urn funcionamento humano que nossa cultura tradicional deixara adormecido por algum tem- po. A comunica~ao epossfvel sob certas condi~oes. 22 II ELES COMPREENDEM DE OUTRO JEITO A COMPREENSAO NASCE DE UM DISTANCIAMENTO APOS A IMERSAO A crian~a nascida no alto planalto dos Andes, a quatro mil metros de altitude, nao sabe que ar respira: tern uma ca- pacidade especial de adapta~ao pulmonar que lhe vern do nas- cimento e de seu primeiro ambiente. Mas, se descer aplanf- cie, de repente sente-se mal e muitas vezes fica doente. Ao conhecer outro ar, ela se ressente da diferen~a. Quando o eu- ropeu aterrisa em La Paz, a 3.500 metros de altitude, sofre a mesma experiencia, mas em sentido contrario: desabituado, sente falta de ar e de repente se poe a considerar a atmosfera em que estci. 0 mesmo se da com a nova cultura. Para os joyens q11e nasceram dentro dela, ela eo ar que respiram. 'Por que anali- sa-la? Mas, para OS adultos, ela e urn elemento estranho~ Admiram-se, medem questionam. Numa planfcie do Sudoeste, a 20 qui16metros de uma cidade de 50.000 habitantes, os pais de gemeos contam: "Agora eles tern 4 anos, diz a mae, dan- vam sozinhos na frente da televisao, ao ritmo da imagem. Sabem par em movimento o carro do pai. Conhecem Giscard, Marchais. As vezes, simplesmente ouvindo a voz deles, vern 23
  • 14. da cozinha e reagem quase como n6s; Memorizam tudo sobre a gahixia de Goldorak. Sabem como ·as crian~as nascem. - 'Mamae, voce teve dois filhos. Qual estava em suas costas?"' Essa mae espanta-se e compara a diferen~a em relaQaO a sua propria infancia. Ninguem pode falar melhor da nova cultura que aquele que primeiro foi filho de Gutenberg e que, levado pela curiosidade e pelo amor avida, tentou a viagem ao uni- verso das crian~as de hoje. Aqui nos arriscamos a fazer urn quadro dos espantos, das perguntas e das censuras que nas- cem da antiga cultura diante do universo mental da nova gera- Qao. E acrescentemos algumas perguntas: Se tentassemos ver as coisas de outro jeito? A CAPACIDADE DE CONCENTRA~AO EM BAIXA As principais queixas da cultura tradicional a jovem geraQao sao as seguintes: "o nfvel de inteligencia baixou", "sao incapazes de se concentrar", "colocam tudo no mesmo pe", "sao passivos", "M uma perda do raciocfnio e do espfrito crf- tico", "os jovens falam sobre tudo, mas nada sabem", "eles vivem em outra".1 Primeiro, denuncia-se uma perda da "vivacidade da inte- ligencia". Na verdade, trata-se principalmente de uma queda da aten~ao e da capacidade de concentraQao. Tees razoes sao invocadas. A mais simples e que muitas crianQas dormem pouco: "Algumas assistem atelevisao ate quase 11 horas da noite". "Os garotos ficam com a capaeidade ffsica desgastada por dormir pouco." Com maior profundidade, se os jovens se 1 Cf. Pierre FERRAN e Louis PORCHER, QU£slions-rlponses sur /'audiovisual al'lcole, E.S.F., 1980, p. 181. "0 mais ou menos, o aproximativo, a inexatidl!_o, o superficial, o imedisto tomaram-se categorias dominantes atraves das mfdias." 24 wmaram incapazes de acompanhar por muito tempo uma ex- plicaQaO, urn discurso qualquer de conteudo intelectual, se "ap6s 15 minutos ja estao em outra", e porque :se tomaram fragmentados como os programas de radio e de televisao.1 Notou-se que as crianQas pequenas gostam da propaganda: e curta, cheia de imaginaQao e tern movimento. Ora, aos 15 anos, a mesma necessidade de aQao, de mudan~as e de ritmos vio- lentos manifesta-se na escola. Alvin Toftler constata que a civiliza~ao eletfdnica acelera OS ritmos: ·a pr6pria musica e tocada com mais rapidez que antes2• Ultima causa de dificul- dade: "A quantidade de informaQoes que atinge os jovens os submerge e, em seguida, os impede de concentrar-se num ponto especial... Hoje, todos ficam submersos pelas informa- ~oes. Isso leva a uma dispersao da reflexao". Ninguem pode contradizer essas observaQoes. E, no en- tanto, notaram que muitos adultos sao pouco capazes de fi- xar-se em pontos em que os jovens sao extremamente concen- trados? Tivemos a oportunidade de ver duas vezes o filme "Woodstock", ·sobre o festival americana de mesmo nome. Primeiro com jovens que, fascinados, confessavam viver qua- tro horas de parafso: alguns voltaram a ver o filme cinco ou seis vezes. Mais tarde, n6s o revimos com educadores. Numa discussao ap6s a projeQao, a maioria deles confessou ter-se aborrecido e ter ate dormido. Urn deles comentou: "Por que levaram quatro horas para dizer o que poderiam ter dito em vinte minutos?" Uma grande diferen~a! Ha realidades e modos de tratar essas realidades - algumas musicas, por exemplo - que sus- citam a concentraQao da geraQao jovem. Em compensaQao, 2 Alvin TOFFLER, Le choc du /Ulur, Denoel, p. 194. "Percebeu-se que os musicos de hoje tocam as obras de Mozart, Bacha e Haydn nmn tempo mais mpido que quando foram compostas. Servem-nos mn Mozart sincopado." 25
  • 15. torna-se diffcil para os jovens concentrar-se em conceitos, dis- cursos desprovidos de ritmos, imagens, sons e vibra~oes. Fal- ta de aten~ao, sim, mas nao para a televisao, e isso depende ainda dos programas. Falta de aten~ao, sim!, mas nao para ler uma hist6ria em quadrinhos, nem para responder a uma aula auxiliado por urn computador! UM DESDOBRAMENTO NA SUPERFICIALIDADE Aqui esta uma outra acusac;ao freqiiente: urn desdobra- mento - "urn achatamento", dizem alguns - dos conheci- mentos em prejufzo da seriedade e da profundidade. Ainda aqui as crfticas referem-se ao modelo das mfdias: ve-se tudo, ouve-se tudo sem ordem, sem analise, sem contexto, de ma- neira sucessiva e fragmentada. "0 risco e a dispersao para fora de urn processo." "As imagens, os fatos multiplicam-se." "Uma multiplicac;ao dos fatos unida a uma perda do significado." "0 que admira e a extensao do conhecimento das crian~as. 0 re- gistro e muito extenso. Tudo foi visto na televisao..." Analises mostram como as mfdias, por suas estrnturas, constituem uma "massagem" inconsciente que, pouco a pou- co, determina o que os soci6logos chamam de esmigalhamen- to do homem. "0 tempo (dos jovens) e fracionado e diverso. Tern de absorver coisas demais. Estao saturados. Os que ten- tam acumular fazem confusao mental. As crian~as tern urn excesso de atividades para-escolares: nao da para mais nada. Nao tern mais tempo para sonhar. A ciencia progrediu espeta- cularmente: as mfdias comunicam esses resultados: e de- mais..." 26 Quando as crian~as e os adolescentes da Fran~a. entre g e 14 anos, assistem atelevisao em media de 15 a 16 horas por semana, ou seja, de duas a duas horas e meia por dia, pode-se, na certa, falar de urna informa~ao que poluP. Polui~ao por excesso de informac;oes? Sim, e verdade, se julgarmos de urn ponto de vista escolar. Mas por que nao ver atraves de outro prisma? E se, em vez de considerarmos as mfdias como urn meio de conhecimento, n6s as consideras- semos como uma grande rna pela qual pudessemos passear? uma rna cheia de luzes, de movimento e de gente? Se vfsse- mos a televisao como urn grande bulevar onde gostassemos de passear para fazer parte daquela gente? Vistos pela 6tica da nova cultura, a televisao e o radio certamente representam urn papel no "desdobramento dos conhecimentos", mas essas mf- dias, antes de mais nada, nao sao urn prazer, urn meio, uma simples janela aberta por onde, no mais das vezes, olha-se sem ver? E se o conhecimento pela TV fosse uma forma de en- trar na_vida divertindo-se, passeando como numa floresta? E se esse conhecimento pela televisao fosse uma familiarizac;ao, uma aquisi~ao, caminho na verdade insuficiente, mas necessa- ria para urn conhecimento e uma comunicac;ao mais profun- dos? Portanto, urn outro modo de conhecer. J As estatfslicas parcccm moslrar, na Fran~. uma ligeira ba.ixa de mais ou menos 4,8% em 1979. Cf. Michel SOUCHON, Petit lcran, grand public, Documentation fran~.ise, 1980, p. 175-178 e 77-81. Cf. tamb6n MirciUe CI-JALVON, Pierre CORSET e Michel SOUCHON, L'enfant devam Ia tilt!vision, Castermnn 1979, p. 13-16. Estamos Ionge das cstatislicas americanas: urn jovem de 18 anos teria passado 20.000 horns djante da TV c unicamente 10.800 horns na escola. Um homem de 75 anos teria passado 9 anos de sua vida diante da televislio. 27
  • 16. PRINCIPAlS RESULTADOS FORNECIDOS PELO "CENTRE D'ETUDES DE L'OPINION" (Fran~a) HABITOS DE AUD~NCIA DAS CRIANI';AS DE 8 A 14 ANOS 42% das crian~s interrogadas assistem ate1evisao todos OS dias, 40% assis- tem quase todos os dias. Acha-se um maior nmnero de jovens telespectadores asslduos (que assistem atelevisio todos os dias), entre as crian~as penencentes: - a famflias de operarios especializados, niio especializados e inativos; - a famflias em que a miie tem menos de 30 ou mais de 50 anos; - a familias de 4 fllhos ou mais, e entre os meninos. A TELEVISAO NA ESCOLA 86% das crian~s interrogadas nunca assistem atelevisiio na escola. Entre- tanto, 7% assistem no mlnimo uma vez por semana. Acha-se um maior nmnero delas entre: ~ as de menos de 9 anos; - os meninos; ·- crian~s que Ireqiientam a escola primaria. HORA-LIMITE DE ASSISrtNCIA DA TELEVISAO A NOlTE 1/3 das crian~s interrogadas assistem a televisio a noite ate as 22 horas pelo menos (53% entre 13 a 14 anos). 0 maior nlimero de crian~as que as- siste atelevisiio ate as 22 horas pelo menos penencem a famflias: - de oper3rios qualificados ou especializados; - em que a mae tem entre 40 e 50 anos. ESCOLHA DOS PROGRAMAS 1/4 das crian~ interrogadas escolhem o programa a que assistem. Mas, na · maioria dos casos, a escolha efeita pelo pai ou pela miie. A DURAI';AO DA AUD~NCIA DE TELEVISAO ENTRE AS CRIANI';AS 28 Em 3 semanas, entre as quais alguns feriados, obtem-se uma media de 1 hora e 52 minutos de audiencia de televisiio entre as crian~s. segundo os resulla- dos de novembro de 1979. Comunicado pe1o "Centre d'Etudes d'Opinion" (C.E.O.), novembro de 1979 UM AUMENTO DA PASSIVIDADE De nosso ponto de vista, mais grave poderia ser a acu- sa9ao de passividade, mas e preciso compreender bern essa acusa~ao. Uma pessoa bern informada nao poderia afirmar que a televisao, tal como e, tome passivo o espectador. Sao, antes de tudo, as pessoas idosas ou os adultos cansados que ador- mecem diante da televisao. Baseando-se em estudos de Hans Selye, foi diagnosticado urn estado de stress: a novidade do choque das mfdias criaria uma sonolencia passageira. Disse- ram outros: a fixa~ao da vista num ponto preciso provoca uma especie de hipnose. Nota-se que ate os caes sao fascinados pela TV! A realidade e complexa. Seja como for nao se pode di- zer que adultos, crian~as e jovens fiquem tao facilmente passi- vos e adormecidos diante da televisao. A prop6sito do efeito da televisao sabre as crian9as, uma enquete inglesa segundo testemunho de professores, classifica o fenomeno da passivi- dade em diferentes categorias: hipnose da crian~a diante da tela, visao da vida fabricada pelas mfdias mais que pela pr6- pria vida, perda da iniciativa, insensibilidade, imagina~ao en- fraquecida. Urn aprofundamento serio nesses diversos pontos mostra que nada esta solidamente fundamentado e que, muito pelo contrario, a iniciativa e a imagina~ao permanecem, embo- ra modificadas, e que as rea~oes do publico ao conteudo das Ififdias nunca foram tao vivas. Atualmente, a maior parte das enquetes conclui, em definitivo, pela impossibilidade de se atribuir ~ televisao urn efeito de passividade claramente de- finido5. 4 HIMMELWEIT, Oppenheim e Vince: enqu€t.e de 1958. Cf. Olivier llurgelin, La communication de masse, I.e point de Ia question, S.G.P.P. p. 202 n 209. ' A rospeilo desses assumos, cf. a sJntese de Olivi.cr BURGEUN, op. cit. cf. tambCm o estudo de sJntese feito sobro os efeitos dll tclevisiio nn crian~ por Alelha HUSTON-STEIN c John C. WRIGHT, (Universily of Kansas), Journal of research and development in education, 1979, vol. 13, nR31. 29
  • 17. Ha, contudo, uma outra passividade que nos parece, em defmitivo, urn obstaculo fundamental ao desenvolvimento da personalidade. Urn professor do Sccrctariado - curso de or- ganiza~ao de escriL6rio - a sina1a: "Numa classe do ultimo ano nao posso mais pcdir um trabalho individual. Quando mando fazer urn lrabalho de grupo, geralmeotc pe<;o uma pri- meira fase de trabalho individual, para que meus alunos te- nham alguma coisa em comum para discutir. Constatei que eles nao conseguem. Isso exige urn esfor<;o de procurar em si pr6prios... Nao havera af uma recusa para conhecer seu ver- dadeiro eu? Essa incapacidade de tirar algo da pr6pria cabe<;a euma deficiencia". Tfnhamos de preparar uma montagem audiovisual com urn grupo de adolescentes, dez mo<;as e rapazes. Entao pedi- mos a eles que decidissem sobre o tema. Como nao chega- vam a conclusao alguma, insistimos: "Encontrem assunto que os interesse realmente, pelo qual se apaixonem do fundo do ser". Ap6s algum tempo de silencio, uma garota explica: "Nao temos o direito de nos apaixonar por algo que venha de n6s mesmos. Tudo vern dos pais, dos adultos. Desisti de desejar." Eessa especie de passividade que precisamos assinalar. Ela nao vern do fato de se assistir atelevisao ou de se estar exposto a mil mfdias, mas talvez do fato de o poder de . impacto dessas mfdias e da sociedade que as mantem ser for- te demais para a subjetividade das crian~as. Elas sao "ceva- das", no sentido forte do termo, isto e, sao obrigadas a co- mer, obrigadas a ser a c6pia :fiel do que a propaganda, os pais, a escola e os psic6logos esperam delas. Viver consiste em escutar a ultima "parada de sucessos", comprar tal disco, ter tais jeans ou tal diploma, em outros termos, estar "in", na moda, no movimento que passa e nao ser :fiel a suas exigen- cias pessoais. As vozes de fora sao tao altas, tao implacaveis em tomo, que nao se pode mais ouvir o que se tern na cabe- <;a. 0 que toma passivo, essencialmente passivo, e a confor- 30 midade ao sistema, sem poder de crftica ou de interioriza<;ao. Qualquer que fosse o sistema politico, nunca nossa sociedade teve. uma influencia tao forte e violenta. Este pseudopoema expnme bern o n6 da passividade: Silencio. Calem-se! Urn aluno ronca, Outros jogam cartas: Canastra, ganhei! Passa uma mosca. Plaft! La esta esmagada. Por que? Ea vida. Eu recome<;o: Verlaine isto, Sartre, aquilo... Tomara que toque o sinal. Olha, esta nevando. Aluno X... explique o verso 6 Que acha voce do poema? Parece que amanha nao tern aula. Voce come na cantina? Nao, mas esta tocando o sinal... Sim ou nao. ~ . Pelo menos isso voce pode dizer. Silencio! Na primeira fila! Que eque voce esta fazendo? EU? 0 QuE?... ESTOU COPIAND06. 6 Citado em La Lettre, artigo sabre a escola, abril de 80. 0 Ultimo verso esta em maiusculas no texto. 31
  • 18. Quando os jovens votam pela ecologia, quando escutam certas musicas, quando dan~am discoteca, procuram mais ou menos desajeitadamente sentir-se, conhecer-se, encontrar-se. Achamos que urn ter~o do fen6meno da passividade e comandado pelas mfdias e pelas disposi~Oes psicol6gicas dos receptores, mas dois ter~os pela pressao de urn ambiente so- cial e educativo pouco personalizado. Urn dos aspectos mais marcantes do livro de Mireille Chalvon, L'enfant devant Ia television1 , e sublinhar por diversas vezes a influencia do meio no qual as mfdias sao recebidas. As crian~as podem falar dos programas em famflia? A linguagem das mfdias encontra-se na famflia ou na escola? A crian~a pode usar, em seu meio, mf- dias eletrl>nicas, audiovisual e jogos novos? "A televisao, Ion- ge de atenuar a desigualdade entre as crian~as, a evidencia. A crian~a das classes favorecidas, que ja recebe em casa uma linguagem elaborada, entra no mesmo nfvel da linguagem da televisao. A outra vai ter que se arranjar."8 Assim, temos de constatar que, quanto mais pobre o meio em que as crianc;as crescem, maior e o risco de ser grande a passividade. Nao a revolta, mas a passividade mesma, que e sinal de impotencia diante do que e demasiado forte e impessoal. Enquanto a passividade for apenas ausencia de interes- se, olhar distante, tern remectio: ela testemunha entao uma nao- correspondencia com o sistema ambiente. Mas quando a passi- vidade e a marca da impotencia, quando e 0 _sinal de que ja nao se tern mais fe em si mesmo, entao dever-se-ia tentar tudo para combate-la. E o combate e duplo: trata-se de lutar con- tra o carater desumano e opressivo das vozes que falam alto demais, mas tambem de se iniciar na musica essas vozes para que, urn dia, possamos ouvi-las como uma linguagem. 32 7 Mireille CHALVON, op. cit., p. 20 a 23 e 104 a 117. 8 Ibid., p. 104. A PERDA DO ESPIRITO CRITICO E DO RACIOCINIO "Uma imagem chama outra, nao permitindo que o espf- rito crftico se desenvolva." Os comentarios mais nurnerosos das pessoas que interrogamos dizem respeito ao que alguns cha- mam de perda de raciocfnio. Parece que o homem corre o perigo de se perder, porque o raciocfnio se vai e, com ele, o espfrito crftico. Mas de que decadencia se trata - se e que M decaden- cia - e por que? Uma professora da regHio parisiense recolheu testemu- nhos de tres tipos de professores e de escolas. Ela caracteriza assim as diferen~as: Escola moderna: Pensamento visual e figurativo. Os alunos admitem urn esquema como prova ou como raciocfnio. Escola classica: 0 esquema e apenas urna intui~ao. Os alunos estimam que nao ha raciocfnio enquanto nao se tiver passado a uma formula~ao precisa do pensamento. Escola conservadora: 0 esquema e urn rascunho. Nao pode- ria ser aceito como base de raciocfnio. Haveria, pois, duas maneiras de encarar e de exprimir o raciocfnio: o esquema e a rela~ao das palavras entre si: "Os alunos nao veem mais a necessidade dos processos que lhes ensinamos... Nao analisam como n6s... Sao incapazes de se- parar o que tern de ser colocado numa introdu~ao, num desen- volvimento, numa conclusao... Nao compreendem que e pre- ciso diferenciar o que se coloca de acordo com as partes do 3. Os novae modos... 33
  • 19. dever". Aqui estiio os dois tipos de pensamento. Urn, centrali- zado na "imagem-esquema". 0 outro·, fundado nas conexoes e na articula~ao do discurso. N~o se trata de analisar aqui os novos tipos de raciocf- nio. Faremos isso mais adiante. Mas querfamos, ao menos, colocar o problema das diferen~as culturais. Uma vcz que o raciocfnio define-se por julgamentos ou elementos que se li- gam uns aos outros, parece excessivo dizer que nao haja ra- ciocfnio num esquema ou numa foto. Everdade que a cultura escolar nos fez ver o raciocfnio na liga~ao das partes de urn discurso. Mas olhemos urn born esquema, urn conjunto no projetor. Nao haven1 liga~ao na rela~ao das linhas e das mas- sas, no jogo de cores, na ordem das partes, no lugar respecti- vo atribufdo a cada elemento dentro de urn quadro? Vejamos uma boa imagem de TV. Nao M liga~ao e organiza~ao em urn sistema quando M urn primeiro plano nftido e urn segun- do plano esfumado? 0 que numa foto chamamos de composi- ~ao e de enquadramento nao sera mais que urn termo visual para dizer raciocfnio? E possfvel que a ligar;ao dos planos, das rela~oes som- imagem-musica nao siga as mesmas leis que as da escrita de uma dissertarrllo, mas e exagero dizer que nao haja leis nem 16gica. 0 homem audiovisual raciocina, talvez de maneira di- ferente, mas raciocina. E verdade que M raciocfnio born e mau. Mas nao M tambem enquadramento born e mau? Qual- quer urn que tenha feito programas audiovisuais deparou-se com o problema de ligarroes de seqii€ncias, das relarrocs de cores, das transi~oes em "cut" ou em "fondu", das rupturas musicais. Uma montagem erna se sua 16gica intema nao de- terminar nos espectadores uma experiencia de ritmo, de har- monia e de unidade. No entanto, os termos que empregamos aqui para caracterizar as, rela~oes no discurso audiovisual s_aQ_ diferentes daqueles que sao empregados para caracterizar_o 34 discurso ~erbal. Num caso, chamaremos de dedu~ao, rela~ao de c~usalidad.e. Noutro, chamaremos de harmonia das rela~oes, estetica das hga~oes, unidade de experiencia. . E verdade que ha riscos e falhas. Na civiliza~ao das mfd1as, o homem expoe-se em particular ao risco de perver- sao do raciocfnio por invasao da afetividade. "Quando tern de da:.~m julgamento pessoal de uma obra, nao sabem dizer por que - escreve urn professor do segundo grau. - Exemplo de resposta: "Gostei'' - "Que e que voce quer dizer?" - "Absolutamente nada, e isso af." 0 "gostei" e colocado por muitos como criterio decisivo. Sabfamos que o cora~ao tern razoes que a razao desconhece, mas aqui o cora~ao quer im- por suas leis, leis tais que, num trabalho de grupo, urn educa- dor o~serva: :·Nao ha mais comunica~ao possfvel". Parece que o afetivo decide tudo, o que atrapalha uma abordagem objeti- va. "Por causa de sua afetividade, - ressalta urn outro educa- dor - eles nao querem defender a tese contniria asua... En- tao, como fazer uma disserta~ao?" Af esta 0 perigo. Isso n~o !n:pede que seja possfvel urn outro tipo de or- qem, de racwcmiO e, globalmente, de abordagem intelectual. E verdade que e p~ciso exorcizar os perigos mencionados, mas tambem e prec1so entrar no caminho do que se poderia chamar de "r~c_iocfnio estetico". Se num procedimento tradi- cio~~ durante muito tempo desconfiou-se da imagina~ao e da afetiVIda?e, o ~verso audiovisual nos leva hoje a reintegrar esses dms parceuos. . Outro perigo do audiovisual: a perda de qualquer dis- tfulcia em relar;ao a realidade. Nao haveria mais raciocfnio possfve~, porque n~o M recuo (distanciamento). Veremos que e pr6pno das mfd1as eletr6nicas acentuar o efeito de presen- rra: com urn fone de ouvido a musica ficou mais presente do que numa sala de concertos. "Nao M mais terceiro, dizem 35
  • 20. animadores de jovens, nao M mais distancia. A imagem pene- tra diretamente no inconsciente. Eo reinado da confusao... 0 · filme impoe". "Os jovens veem e acreditam." Os que empreendem a analise falam aqui de urn fator muitas vezes desconhecido, a saber, a necessidade do tempo para operar uma classificac;ao ou 'urn raciocfnio. "A leitura permite voltar atras - assinala urn professor do curso tecni- co. - Mas a projec;ao de urn filme sabre urn motor a explo- sao e feita em determinado ritmo. Aquele que perder o ritmo fica por fora. Nao pode voltar atras... A leitura e indispensa- vel para chegar a totalidade de urn raciocfnio cient(fico, exce- to para os mais brilhantes, aqueles que nao tern necessidade de voltar atnis." "Nao podemos negligenciar o tempo. Elenta- mente que se faz urn aprendizado"... "Corre-se o risco de acumular imagens para nada guardar." Nem tempo, nem distancia. Assim concluiu urn educa- dor: "Tudo e posto no mesmo pe. Nada na frente, nada atras. Nenhum contexto. Urn mundo nivelado". Parece uma afirma- c;ao desesperada. Havera alguma possibilidade de espfrito crfti- co e de raciocfnio quando nos dilu1mos nas coisas a este pan- to? Nao se deve falar antes em naufragio que de outra cultu- ra? Eesta uma das grandes perguntas as quais querfamos res- ponder mais longamente nesta obra. Pois sabre esses ultimos pontos, radicalmente pessimistas, importa - na era da veloci- dade eletronica - questionar radicalmente nosso sentido de tempo, distancia e espac;o. Terminando, que dizer da atitude dos pais e dos profes- sores com quem mantivemos essas conversas? E sintomatico que nao tenhamos encontrado neles agressividade, mas somen- te uma especie de inseguranc;a ligada a urn grande desejo de compreender. Com aqueles que se poderia chamar de defenso- res da antiga cultura, tivemos, muitas vezes, uma discussao em tres tempos. Primeiro, a confissao de incompreensao. Depois, 36 quando tentavamos explicar, isto e, mostrar as coisas de ou- tro jeito, assistfamos a violentas reac;oes de rejeic;ao e, as ve- zes, tfnhamos a impressao de urn verdadeiro dialogo de sur- dos. Enfim, de repente, fazia-se alguma luz, que mudava o ambiente e permitia avanc;ar de outra maneira na discussao. Esse "clic" se dava sempre que podfamos encontrar no inter- locutor urn exemplo correspondente a uma experiencia vivida, e quando, a partir desse exemplo, pudemos desenvolver urn tipo de explicac;oes e de novas conexoes. Assim, nossa hip6tese confirmava-se, a medida que avanc;avamos na pesquisa. Os homens da cultura de Gutenberg querem anexar o audiovisual para reformar seu pr6prio siste- ma e nisso vao de fracasso em fracasso, de incompreensao em incompreensao. Quem nao se lembra dos intenninaveis "blii- bla-blii" em volta de urn copo, sabre as mfdias que manipu- lam? Falat6rio esteril, pois ocupa-se de urn elemento do siste- ma, quando se trata de urn todo. 0 que importa propor e uma outra visao das coisas, a que corresponde uma outra cultura. 37
  • 21. III A LINGUAGEM AUDIOVISUAL A jovem gera~ao compreende de outro jeito. Por que em nosso mundo ela fala de outro jeito? Cria-se hoje uma lingua- gem que - para resumir- chamaremos de "audiovisual". E uma especie de frances ainda pouco estudado nas escolas. Mas e impossfvel compreender os esbo~os da nova cultura se nao tentarmos compreender os tra~os caracterfsticos dessa lingua- gem que esta se instaurando. Os grandes modelos da linguagem audiovisual nao sao as pe~as de Racine, nem sequer as fabulas de La Fontaine, mas as revistas, o radio, a televisao e o cinema. Alem das diferen- ~as que caracterizam cada uma dessas mfdias, existem modos de constru~ao, escolhas de termos, combina~oes de mixagem, leis de progressao e de conclusao que salientam princtptos comuns a cada uma delas. Achar esses princfpios comuns e definir a linguagem audiovisual. Se intitulassemos o nosso paragrafo: "Eis o audiovisual", em vez de escrever "As caracterlsticas da linguagem audiovi- sual", exprimirfamos de entrada urn dos maiores caracteres do audiovisual: fala-se mais do que se escreve. Ve-se mais do que se le. Sente-se antes de compreender. Em si, a linguagem audiovisual e a linguagem literaria tern o mesmo objetivo mas as discfplinas sao tao diferentes que as duas linguagens parecem opor-se. Como ediffcil para a mesma pessoa manejar as duas lfnguas! Para passar de uma 38 aoutra epreciso geralmente urn outro meio e urn outro tem- po. Urn livro e redigido com distanciamento: urn script e composto no calor da cria~ao. Sao as seguintes as sete caracterfsticas que atribufmos a linguagem audiovisual: - emixagem, - elfngua popular, - edramatiza~ao, - ea rela~ao ideal entre fundo e figura, - e prcsen~a ao pe do ouvido, - ecomposi~ao por "flashing", - edisposi~ao por "razao de ser". MIXAGEM 0 audiovisual nao e a imagem, nem a gramatica da imagem, nem a composi~ao ordenada de seqiiencias de ima- gens, embora esses princfpios particulares nao devam ser des- prezados. 0 audiovisual ea "mixagem"1• 0 aparelho-chave de urn esrudio, o l~gar de comando e a mesa de mixagem. :E la q~e se o~era a alquimia "som-palavra-imagem". Uma alqui- mta que as vezes deve funcionar num quarto de segundo al- quimia pelo menos tao delicada e rigorosa quanto a que ~on­ siste em misturar os nomes e os adjetivos na composi~ao lite- nina. 0 diretor e 0 homem dessa alquimia: e dentro de sua cabe~a e no fervilhar de suas emo~oes que os elementos dis- ~intos entram em intera~ao. Nunca em superposi~ao,' sempre em mtera~ao e em complementaridade. E isso significa, primeiro, • 1 Diversos autores reagiram contra essa tendencia para reduzir o audiovisual a lDl~gem. Entre outros, Jean-Pierre Gourevitch, C/es pour comprendre l'audiovisuel, Pans, Seghers, 1974. 39
  • 22. que cada elemento tern sua linguagem especffica e respeita- vel. Os rufdos lanc;am o ouvinte dentro do lado concreto de urn acontecimento ou de uma situac;ao, a musica cria urn eli- rna e urn coeficiente passional. A imagem, ao mesmo tempo que fixa, leva para Ionge; a palavra estrutura. Mas todos es- ses elementos distintos tomam-se uma s6 linguagem. Urn born molho e urn todo, uma unidade satisfat6ria, e, ao mesmo tem- po, o molho sera tanto melhor quanto mais se puder distin- guir nessa unidade as especiarias, apreciar-lhes a distancia e o reforc;o mutuo. Da-se o mesmo com a linguagem audiovi- sual, que poderfamos definir como urn modo particular de comunicac;ao, regido por regras originais, resultando da utili- zac;ao simultlinea e combinada de variados documentos visuais e sonoros. 0 audiovisual e: SOM PALAVRA enquanto ~ IMAGEM mixados amplilicados enquadrados multiplicados E gra~as aos recursos da eletronica Sejamos claros: falar audiovisual, num nfvel rigoroso, supoe evidentemente que conhec;amos cada urn dos ingredien- tes da mixagem, as leis intemas de uma composic;ao de ima- gem e de frase musical, mas tambem as leis de corresponden- cia entre som-palavra-imagem. Certamente a imagem, em si, e sfmbolo, mas na linguagem audiovisual e 0 todo que faz 0 sfmbolo. 0 todo, quer dizer precisamente, as "corresponden- cias". 0 que, alias, faz a pobreza de tantos audiovisuais, o que da a muitas montagens ou documentarios cinematograficos urn carater aborrecido e abstrato e que neles a mixagem e artifi- 40 cial. Nao M verdadeira correspondencia. A musica e urn fun- do sonoro. 0 texto comenta as imagens: "Aqui voce ve uma abelha que se aproxima da flor... BZZ..." Qual a marca de uma boa mixagem? Ela cria uma ex- periencia global unificada. Dirige-se ao ser inteirinho. Quan- do, em uma montagem, o espectador "olha os eslaides", a montagem eruim. Quando ele fica envolvido, 1 tornado, posto em estado de reac;ao geral, tocado sem saber dizer onde, en- tao trata-se de urn born audiovisual. Mesmo que alguma foto seja ruim! 0 essencial esta ali, que ea boa mixagem determinan- do uma experiencia. Poder-se-ia dizer o mesmo de uma revista. Ela emixa- gem entre a textura e a cor do papel, a composic;ao das pagi- nas, o Iugar da propaganda, o estilo jomalfstico, a distribui- ~tao das tintas, a escolha dos tipos. Uma boa revista nao e urn born livro de que tomamos conhecimento, e uma floresta por onde passeamos. Sua mensagem dirige-se tanto aos dedos quanto aos olhos. Mesmo que haja artigos que aparec;am de modo especial, uma revista revela, antes de mais nada, uma maneira global de ser. A revista Geo, que talvez represente o maior sucesso de edi~tao dos anos 80, nao e como urn livro que Iemos, e urn objeto de desejo: Geo adivinha que as mf- dias de hoje agem primeiro sobre uma solicitac;ao dos senti- dos antes de apelar para a inteligencia. A estetica e a capaci- dade de empatia sao bern mais privilegiadas que a reflexao"2 • Nao se diz: escrever uma revista, mas fazer uma revis- ta. Porque se trata mesmo de fazer, com os olhos e as maos, com a climara e o microfone, com o tato e a regua de calcu- lar. Mas como e diffcil uma boa mixagem! :E que, alem das 1 Cf. Jacques Bannard, na revista mensa! Medias, 4 de dezembro de 1980, p. 33. Na Fran~a, Geo obtem em dois anos uma venda de 300.000 exemplares, embora seu p~o seJa o dobro das outras revistas mensais. 41
  • 23. regras estabelecidas nas escolas e nos livros3 , a mixagem de- pende de uma capacidade simb6lica fortemente ligada a perso- nalidade, e de uma especie de unidade realizada em si mes- mo entre os diferentes sentidos. Uma boa mixagem requer urn autor. E uma tecnica e uma arte. AUDIOVISUAL, LINGUAGEM POPULAR Os estudos feitos na America do Norte sobre a lingua- gem audiovisual mostram uma invasao, em particular nas can- ~oes e nos filmes, da linguagem popular, linguagem arcaica e aspera, de sonoridades rudes. A lingua do rock e a "lingua antiga" do Sui dos Estados Unidos. ''Todas as mfdias do nos- so tempo, escreve Marshall McLuhan, contribufram para refor- ~ar a linguagem popular nas suas fonnas mais familiares e menos literarias."4 No cinema ou na televisao, a fala e dhilogo. Sabemos por experiencia que urn discurso lido ou uma conferencia nao sao bern aceitos na ractio-televisao. 0 general de Gaulle deco- rava seus discursos para a televisao. Assim, seus olhos esta- vam inteiramente dirigidos para os telespectadores, nao para uma folha de papel que lhe desse seguran~a. Sua voz tomava entao entona~oes, for~a e hesita~oes que real~am a rela~ao fundamental entre os seres. Reapareciam palavras antigas e esquecidas; palavras-imagem: "trublion", "urn quarteron de generaux", "la chienlit"...• 3 Assirn Herbert Zettil in Sighl, sound, motion, Wadworth publishing company inc, Behnont, California, 1973. 4 Marshall McLuhan, The critic, outubro de 1974. • N. do T.: Conversamos as expressoes em frances, que significam respectivamente: "agitador'', "o quarto de urn cento (ou seja, vinte e cinco) generais" "a desordem". 42 A expressao "linguagem popular" nao e aqui tomada no sentido de jargao, mas no de uma linguagem que exprime uma rela~ao primitiva, essencial, original, ffsica entre os seres e as coisas. 0 audiovisual, por causa de sua liga~ao com o som e com a imagem, precisa de palavras mais concretas e de estilo de frases que estejam unidas a materia. A sofistica~ao litera- ria e intelectual nao combina bern com a lingua eletr<'>nica: nao b<i correspondencia. Quando digo: "Essas palavras nao tern sentido", ou "Fulano perdeu a razao", estou empregando uma Hnguagem literaria, abstrata. Se digo: "Ele bate pino", estou ernpregando uma linguagem que se cola a imagem, e e "au- diovisual". Naturalmente, as vezes nao ha mais que urn passo en- tre a linguagem, popular fundamental e a gfria, o jargao e ate a vulgaridade. E preciso compreender que, em muitos casos, por exemplo no cinema, nao se pode evitar esse deslize, mas seria falso definir a linguagem popular por sua degrada~ao. Tomemos urn exemplo. Se eu escrever no script: "Nao me incomodem, preciso de urn momento de paz", estou empre- gando uma linguagem escrita e ate mesmo literaria. Se eu escrever: "Ora, deixem-me em paz!", estou empregando uma linguagem que evoca urn gesto e uma mfmica, e e audiovi- sual. Claro que muitos irao mais Ionge e mandarao o ator di- zer: "P<'>, me da urn tempo!" Da linguagem imaginada, passa- mos aqui para a linguagem familiar, ate vulgar. Nao seria, porem, necessaria para fazer ver e sentir quase fisicamente o caniter violento da rea~ao? DRAMATIZA~AO Urn born diretor tern o talento da dramatiza~ao. Joga com os efeitos. Sabe apreender o lado extraordinario, picante, inusitado e ate catastr6fico de qualquer acontecimento. Tern o dom de par tudo em evidcncia. 43
  • 24. A dramatiza~ao esta nos tftulos de jomais, nas letras pretas e grandes, nos cartazes de cinema. Mudan~as repenti- nas de plano, de musica entre duas seqiiencias, ou ate dentro de uma sequencia sao tambem dramatiza~ao. 0 close de urn rosto na tela, as sflabas destacadas, o exalar urn suspiro, com o refor~o dos graves, e sempre dramatiza~ao. A lei e esta: e preciso captar a aten9ao; despertar cada vez mais o gosto de ver e ouvir. Tambem as notfcias televisionadas t€m de ser uma especie de pequenos dramas. Na invasao do Afeganistao pe- los russos anunciaram na televisao ate a probabilidade de urn conflito generalizado. Diante disso, como deixar de ouvir o notici<1rio pelo radio as sete da manha, no dia seguinte? Acompanhar as midias e viver no drama: o das noticias, dos filmes policiais, dos jogos inacabados e das "dramatiza- 9oes"! :E clara que com a vantagem de assistir a televisao da poltrona. Mas escrever audiovisual e levar ao maximo a ten: sao e s6 escolher como programa o que e "dramatizavel". E o "~coop", mas tambem o anormal e o sensacional. E conhe- cida a afirma9ao do jomalista: "Os trens que chegam a esta- ~ao na bora nao me interessam". 0 jomalista "quer" urn des- carrilhamento. Escreve Serge July: "Tenho de confessar que e quando as coisas me sacodem afetivamente que mais tenho prazer em fazer jomal. Conhe~o 6timos jomalistas que nunca poderiam trabalhar num jomal par serem contemplativos demais, par nao conhecerem essa especie de coceira que e a do homem de a~ao. E nao e por acaso que os melhores jomalistas sao fei- tos por homens de a~ao... Frenesi de pressa e consumo de- senfreado de neurdnios: o jomalista acaba confundindo seu pr6prio ritmo com o do mundo..."5 Drama, isto e, a~ao. Uma ' Serge July, Dis, maman, c'est quoi l'avant-guerre, Moreau, 1980. A prop6silo dos artigos que cobrem os tres Ultimos anos antes de 1980, no jomal Liberation. 44 a~llo que se alimenta de acontecimentos cuja for~a e aumenta- da, ou de simples pormenores que se consegue tomar chocan- tes e ocupar todo o campo da consci€ncia. Everdade que nem sempre a linguagem audiovisual tern a mesma urgencia que o jomal. Isso nao impede que·urn fil- me. ate urn documentario, uma boa montagem, s6 se tomem interessantes no momento em que a mensagem for dramatiza- da. Dramatizar e dar realce e criar tensao. Mas como? :E aqui que.precisamos evidenciar a lei especificamente audiovisual da dramatiza~ao: a rela~ao ideal entre texto e contexto. A RELA~AO IDEAL ENTRE FIGURA E FUNDO A teoria de uma rela~ao ideal entre figura e fundo no audiovisual inspira-se em certos elementos da "teoria da for- ma''fi. Digamos logo que e muito dificil achar as palavras ade- quadas para exprimir essa lei num contexto audiovisual. Em ingH!s, opoe-se "ground" e "figure"7• Em frances, precisaria- mos traduzir tudo ao mesmo tempo: fundo e forma, texto e contexto, primeiro e segundo plano, assunto e enfoque. "Figu- ra e fundo" parece-nos a melhor expressao. No que diz respei- to a linguagem audiovisual, o sentido e a eficacia de uma mensagem dependem de uma rela~ao de diferen~a e de distful- cia ideal entre o fundo e a figura, entre o texto e o contexto. Vamos explicar por urn exemplo simples: tomemos urn poster onde urn sol rubro emerge de uma bruma escura, opa- ca e vaporosa. Segundo nossa teoria, osol e vista aqui como 6 A teoria Gestalt. Ela considera que a percep~ao global de urn conjunto ou de uma estrutura organizada qualquer precede a perc~o dos elementos e lhes d.i sentido. 7 A esse respeito, ver McLuhan e Utchon, City as classroom, The book society of Canada, Againcourt, Ontario. . 45
  • 25. figura, o resto como o campo, ou o ambiente. Isto significa que ap6s olhannos o poster no conjunto, ha uma parte que parece avan~ar - e a figura, isto e, 0 sol -. ao passo que 0 resto recua ate desaparecer da consciencia - e o campo, o segundo plano. Ora, dizemos que a dramatiza~ao e proporcio- nal a diferen~a e a distancia que existem entre o sol e o meio. Se o que cercar o sol tiver a mesma cor, o mesmo modelo e a mesma dimensao, nao M realce nem dramatizavao e, como veremos mais adiante, nem sequer sentido. .Se, ao contnirio, for grande demais a distancia entre o sol e seu meio, se, por exemplo, o sol for mim1sculo em rela~ao ao campo, tambem nao M dramatiza~ao. Outro exemplo: se pusennos urn vaso de flores venne- lhas diante de urn fundo vennelho, nao haveni distancia nem dramatizac;ao. Se iluminannos essas flores com urn raio de luz e colocannos no fundo uma placa verde ou negra nao ilumi- nada, obteremos o contraste gravas adistancia ideal. Mas, se afastarmos o vaso de flores cinco metros em relavao aplaca verde, mataremos o realce, porque a distancia entre fundo-fi- gura se tomara grande demais. De nosso ponto de vista, e esta a lei fundamental que rege a dramatizavao e a forva da linguagem audiovisual. Urn born diretor e extremamente sensfvel a essas distancias ideais: distancia entre a voz e o silencio, entre a musica e a imagem, entre a tonalidade da prova e a palavra pronunciada, entre a cor dominante e a cor excepcional etc. Se urn cartaz tiver pa- lavras demais, linhas ou ponnenores demais, entao qualquer figura desaparece porque precisamente tudo se toma figura. A exatidao mais dificil em audiovisual e a da apreciac;ao das re- la~oes entre todos OS elementos: correspondencias e distancias que criam o realce. Talvez descubramos aqui uma das diferenc;as mais espe- cfficas entre a "linguagem de Gutenberg" e a "linguagem au- diovisual". Na linguagem das palavras escritas, o que conta 46 primeiro e a figura, isto e, as palavras e sua colocac;ao. Escre- ver bern eachar a palavra certa e as liga~oes exatas. A aten- ~ao, antes de mais nada, e centralizada na figura. Ao contra- rio, na linguagem audiovisual, o segredo eprimeiro o campo, o enfoque e, nesse campo, apenas algumas palavras. Nao somente aqui definimos as condi~oes para que a mensagem seja eficiente, mas tambem para que tenha sentido. Pois, onde esta o sentido? - Na linguagem escrita, o sentido esta, antes de mais nada, nas palavras. Ora, no audiovisual ele esta no efeito que a dis- tancia entre figura e fundo produz em n6s. Queremos decifrar mesmo esse poster? Vamos sentir em n6s o efeito produzido entre o sol vennelho e a massa negra, o cfrculo solar que sobe no centro e a bruma espessa em baixo, o alto do poster leve, azulado, e o sol que triunfa timidamente. Para sentir melhor o poster, as vezes aconselham a piscar os olhos: entao, com efeito, acentua-se o contomo das massas e das linhas. Produz- se uma especie de correspondencia - de conivencia - entre nossas pr6prias linhas, os desejos e as fonnas do nosso in- consciente e a imagem do poster. A relac;ao de figura-campo detennina uma vibrac;ao especial que nos afeta. A mensagem esta nesse efeito produzido. Urn lfder politico esta falando na televisao. Os intelec- tuais, habituados as disciplinas liten1rias, vao "destrinchar" as palavras. Nao estiio errados, pois nelas reside tambem uma parte da mensagem, mas s6 uma parte, e a menos importante. Ao contnirio, a massa de espectadores e sensivel antes de mais nada ~o "cinema": esse lfder e forte? Sabe revigar aos ataques? Respe1ta a vez ou fala fora da hora? Tern urn sorriso in~nico, urn rosto calmo? Corresponde a minha maneira de ser e de sentir? Evidentemente , os telespectadores nao vao se fazer todas essas perguntas, mas sabem de modo inconsciente que a mensagem do lider polftico vai consistir em responder a 47
  • 26. todas essas questoes implfcitas, dando-lhes uma resposta satis- fat6ria em tennos de realiza~ao propria e de comunica~ao afetiva. Manipula~ao? Sem duvida, tanto rnais que a escola nao nos ensinou a estudar e a manejar tal linguagem. Mas e born refletir sobre isto:' e mais facil mentir naquilo que dizemos do que naquilo que somos. As palavras mentem mais que o cor- po. A camera que mostra urn rosto em close opera uma espe- cie de desnudamento: podemos ser falsos na conversa, mas e muito mais diffcil ser falso na mfmica. Os especialistas da antropologia intercultural dizem que OS arabes desconfiam das palavras, nas discussoes 'de neg6cios: olham a pupila do inter- locutor e sentem o cheiro que se desprende do seu corpo. Es- sas infonna~oes nao enganam. Antes do grande debate entre Carter e Reagan, anterior a elei~ao para presidente, urn jomal londrino, o Evening Standard, bern mais positivo que toda a imprensa francesa, dizia em letras garrafais: "Vantagem de Reagan". E por que? "Carter estava com os labios apertados, estava tenso e pouco a vontade no debate... Reagan estava mais caloroso e mais a vontade dentro da sua personalidade, tentando alegrar a austeridade do debate com alguns trocadi- lhos". Com certeza, a linguagem audiovisual, enquanto lingua- gem da mfmica e do meio, nao e tao espontanea para n6s quanto na maioria dos pafses do Terceiro Mundo. Com efei- to, naqueles pafses, por Mbito cultural, geralmente olha-se menos a figura que a totalidade da situa~ao. Mas e verdade que quanto mais entrannos na cultura audiovisual, mais a acu- sa~ao de manipula~ao parecera fora de moda. Urn medo de iniciantes! Por que nao se fala da manipula~ao pelo livro, de sua influencia as vezes recl>ndita e secreta sobre o leitor? 48 0 AUDIOVISUAL-PRESENCA Analisando a contribui~ao especffica da eletrl>nica para 0 audiovisual, a palavra que se imp()e parece-nos que e "pre- sen~a". 0 canal eletrl>nico ~·toma presente", amplia essencial- mente o efeito de presen~a. Como? Primeiro, trazendo para a minha sala o que esta Ionge: 0 presidente da Republica, OS jogos olfmpicos OU as ultimas revoltas sociais. Esta e uma das constata~oes mais antigas sobre os efeitos das mfdias. Tenho em casa a guerra do Vietnan, da minha poltrona escuto as bombas, vejo OS mor- tos. Conselho dado aos que aprendem a falar na televisao: "Principalmente, nao esque~am de ser familiares, pessoais; as pessoas veem voce na sala delas. Nao aceitam o que e for~a­ do nem discurso doutoral". Assim, pela televisao, por urn momento, a imagem do presidente me pertence. A presen~a. antes de mais nada, e a aboli~ao das distancias geograficas. Mas e tambem uma qualidade especial de ressonancia em nos- so corpo. A imagem e os sons veiculados pela eletrl>nica aumen- tam o efeito de vibra~ao, de corpo a corpo. A imagem televi- siva esculpe urn rosto, amplia-o e nos faz, de certa forma, penetrar numa intimidade especffica, intimidade que habitual- mente nao nos e dada nos contatos humanos. Poder da came- ra, e verdade, mas tambem da transmissao visual que pode ser desmesuradamente aumentada. Enfim, poder da imagem que e focalizada e, por isso, detenninada para provocar o choque visual. Uma mae de familia, quando felicitada ·por causa dos filhos, exclama: "Ah! Voce tinha que ver uma foto deles!" :E verdade, podem rir de nosso "mundo refletido", mas nele M uma verdade: uma foto pode fazer transparecer o carater de alguem mais que seu rosto visto na realidade. 49 4. 0. DOYCII modos.,
  • 27. todas essas questoes implfcitas, dando-lhes uma resposta satis- fat6ria em termos de realiza~ao propria e de comunica~ao afetiva. Manipula~ao? Sem duvida, tanto mais que a escola nao nos ensinou a estudar e a manejar tal linguagem'. Mas e born refletir sobre isto:' e mais facil mentir naquilo que dizemos do que naquilo que somos. As palavras mentem mais que o cor- po. A camera que mostra urn rosto em close opera uma espe- cie de desnudamento: podemos ser falsos na conversa, mas e muito mais diffcil ser falso na mfmica. Os especialistas da antropologia intercultural dizem que OS arabes desconfiam das palavras, nas discussoes "de neg6cios:. olham a pupila do inter- locutor e sentem o cheiro que se desprende do seu corpo. Es- sas informa~oes nao enganam. Antes do grande debate entre Carter e Reagan, anterior a elei~ao para presidente, urn jomal londrino, o Evening Standard, bern mais positivo que toda a imprensa francesa, dizia em letras garrafais: "Vantagem de Reagan". E por que? "Carter estava com os labios apertados, estava tenso e pouco a vontade no debate... Reagan estava mais caloroso e mais a vontade dentro da sua personalidade, tentando alegrar a austeridade do debate com alguns trocadi- lhos". Com certeza, a linguagem audiovisual, enquanto lingua- gem da mfmica e do meio, nao e tao espontanea para n6s quanto na maioria dos pafses do Terceiro Mundo. Com efei- to, naqueles pafses, por Mbito cultural, geralmente olha-se menos a figura que a totalidade da situa~ao. Mas e verdade que quanto mais entrarmos na cultura audiovisual, mais a acu- sa~ao de manipula~ao parecera fora de moda. Urn medo de iniciantes! Por que nao se fala da manipula~ao pelo livro, de ·sua influencia as vezes rec6ndita e secreta sobre o leitor? 48 0 AUDIOVISUAL-PRESENc;A Analisando a contribui~ao especffica da eletronica para 0 audiovisual, a palavra que se impOe parece-nos que e "pre- sen~a". 0 canal eletr6nico "lorna presente", amplia essencial- mente o efeito de presen~a. Como? Primeiro, trazendo para a minha sala o que esta Ionge: o presidente da Republica, OS jogos olfmpicos OU as ultimas revoltas sociais. Esta e uma das constata~oes mais antigas sobre os efeitos das mfdias. Tenho em casa a guerra do Vietnan, da minha poltrona escuto as bombas, vejo OS mor- tos. Conselho dado aos que aprendem a falar na televisao: "Principalmente, nao esque~am de ser familiares, pessoais; as pessoas veem voce na sala delas. Nao aceitam o que e for~a­ do nem discurso doutoral". Assim, pela televisao, por urn momento, a imagem do presidente me pertence. A presen~a. antes de mais nada, e a aboli~ao das distancias geograficas. Mas e tambem uma qualidade especial de ressonancia em nos- so corpo. A imagem e os sons veiculados pela eletr6nica aumen- tam o efeito de vibra~ao, de corpo a corpo. A imagem televi- siva esculpe urn rosto, amplia-o e nos faz, de certa forma, penetrar numa intimidade especffica, intimidade que habitual- mente nao nos e dada nos contatos humanos. Poder da came- ra, e verdade, mas tambem da transmissao visual que pode ser desmesuradamente aumentada. Enfim, poder da imagem que e focalizada e, por isso, determinada para provocar o choque visual. Uma mae de familia, quando felicitada ·por causa dos filhos, exclama: "Ah! Voce tinha que ver uma foto deles!" E verdade, podem rir de nosso "mundo refletido", mas nele M uma verdade: uma foto pode fazer transparecer o carater de alguem mais que seu rosto visto na realidade. 49 4. 0. DOYOI modos•••
  • 28. Ainda mais que a imagem, devemos ressaltar o efeito de presen~a provocado pelo som. Uma orquestra que escuta- mos nos fanes e bern mais presente que a mesma orquestra ouvida numa sala. Nao dizemos que a audi~ao na sala seja inferior, mas afirmamos que o efeito de presen~a musical nos fanes e bern maior. A eletronica tern de especffico o fato de poder primeiro aumentar as vibra~oes corporais e nos isolar de qualquer fator de distra~ao: aboli~ao do espa~o. limita~ao do foco e supervoltagem das vibra~oes. Pelo receptor do tele- fone, vibramos com a voz. Pela potencia dos amplificadores, e o ser inteiro que e solicitado. Diz-se dos jovens: "Eles nao escutam rock ou musica de discoteca com os ouvidos, mas com o corpo inteiro". E que os baixos e a bateria atingem o ventre e os musculos, os agudos ressoam na cabe~a e os me- dias, que acentuam a "presen~a", ligam a cabe~a ao ventre. Mas ainda af nao basta o efeito de poder. Deve-se no- tar que o que e especffico de urn born microfone e de urn born amplificador e nao apenas o aumento de volume de uma voz, mas tambem sua sintoniza~ao. Ao escolher este microfone, obtemos uma voz informativa; com urn outro, a voz parece sair do ventre e misturar-se arespira~ao. Jacques Chancel nao usa qualquer microfone! A voz, em vez de ser mon6tona e de se perder no ar, e transmitida com tons harmonicas pos- santes, efeitos de hesita<;ao, de medo ou de decisao que ne- nhum ouvido capta em tempo normal. Sintonizada e amplifi- cada pela elctronica, essa voz constitui assim o campo que acentua o realce das palavras. 0 ouvinte, mesmo que disso nao tenha conscicncia, escuta nao unicamente urn discurso cheio · de ideias, mas uma pessoa, urn sopro. Os hebreus outrora di- ziam: "0 sopro e a alma". Ouvindo as entrevistas de Jacques Chancel, nao somente ouvem-se frases, mas vibra-se com a vida de urn homem. 0 nome do programa foi bern escolhido: Radioscopia. 50 Ainda ressaltaremos aqui uma das grandes diferen<;as entre a linguagem audiovisual e a escrita. Esta ultima acentua as distancias para a realidade, ao passo que pela eletronica elas sao suprimidas ao maximo. Poderfamos resumir: - A palavra escrita, signa abstrato da realidade, da urn maximo de distancia. - A percep<;ao sensorial direta da uma presen~a media, aquela que conhecemos ao Iongo da vida. - A perce~ao audiovisual, gra~as acapacidade da ele- tronica, pode refor<;ar o efeito de presen~a ate o en- cantamento ou o mal-estar. A COMPOSI~AO POR FLASIDNG Resta-nos falar da logica da linguagem audiovisual. Como funcionam as encadeamentos, as inter-rela~oes das se- qiiencias au dos pianos? Aqui, parece-nos importante notar dais pontos: - a composi~ao por flashing, - a disposi~ao pela razao de ser. Que quer dizer composi~ao por flashing, ou par flashes sucessivos? Suponhamos que eu me encontre a noite numa casa desconhecida. Como me situar e me dirigir? Espontanea- mente, agu<;o o ouvido, desenvolvo ao maximo todos as meus sentidos: percebo enUlo urn ruido de fundo, urn certo silencio, a consistencia do piso, que da uma sonoridade especial, uma vaga umidade .no ar. Todas as coisas que inicialmente defi- nem uma atmosfera e nao uma realidade precisa. Eu estou "haquele Iugar". Mas o que ha neste Iugar? Se eu tiver uma lantema, ilumino as coisas; nao tendo, risco f6sforos que me 51
  • 29. dao visGes rapidas e sucessivas de onde estou: ali, uma velha cadeira, ali uma valise, la uma pia de porcelana antiga, adian- te uma mesa baixa e flores artificiais. Todos esses objetos si- tuam-se em destaque no Iugar, mas aparentemente sem liga- ~ao entre si. Com o neon eu teria de repente uma visao do conjunto, ja que pela disposi~ao das coisas eu compreenderia seu sentido. Entretanto, a medida que as coisas se iluminam, meu cerebro, de uma forma "dramatica", e levado a procurar mais adiante e a fazer associa~Ges. Por urn lado, o que ja senti daquele Iugar coloca-me numa atmosfera de expectativa; por outro, as figuras pouco a pouco vislumbradas permitem-me chegar cada vez mais depressa a uma solu~ao. E, de repente, num "momento X" de soma dos sucessivos flashes, meu cerebro e invadido por uma especie de ilumina~ao e de certe- za. Nao e a sala onde estou que se ilumina, mas meu cere- bro. minha mente. 0 neon - a luz de conjunto - acende-se em mim. E, com todas as luzes apagadas na casa desconheci- · da, digo a mim mesmo: "Ah, born, estou num velho quarto de despejo". No mais das vezes, parece-nos que e assim a composi- ~ao audiovisual. Nao e linear: nao se desenrola como uma hist6ria regular de tras para frente. Nem e didatica: nao se desenrola como uma divisao da realidade em partes articula- das, com 16gica. Nem sintetica de vez: nao parte de uma vi- sao de conjunto para mostrar ou analisar sucessivamente os pormenores. Mas se apresenta em flashes, mostrando sucessi- vas facetas que se destacam, aparentemente sem ordem·, num fundo comum. Naturalmente, este modo de composi~ao explica o cara- ter estranho que preside muitas vezes a ordem das seqiiencias num programa. Uma hist6ria se descobre pela contribui~ao de elementos sucessivos que formam seqiiencias. Certos filmes evoluem sempre entre o sonho, a volta ao passado e a realida- de. Mas, muitas vezes, essa composi~ao por flashing e aplica- 52 da no proprio interior da sequencia. Nesse ponto, o modelo cinematografico classico hoje ja evoluiu bastante: as seqiien- cias de Francis Coppola em Apocalypse now ultrapassam as regras das primeiras composi~oes de filmes. Mas isso e parti- cularmente verdadeiro no caso das montagens audiovisuais. 0 eslaide tern de especffico o fato de dar precisamente urn flash num objeto enquanto acfunera mostra uma continuidade. Por- tanto, nao devemos nos admirar com essa especie de irracio- nalidade que explode nas grandes montagens audiovisuais de muitas telas. As vezes, nem sequer M mais leis de continuida- de de cores, de linhas, de assuntos. Parece que tudo salta. As imagens nos chegam como objetos lan~ados ao rosto. Mas, aten~ao! Sob essa aparente desordem pode reinar uma rigoro- sa ordem subjetiva, a de uma unidade de Iugar e de ex- periencia. Aqui, deve-se distinguir cuidadosamente os conceitos de percep~ao global e de percep~ao dos pormenores. Em audiovi- sual, M a perce~ao global do "Iugar'' desde o come~o. e isso se ve por uma dominante de cor, de ritmo, de tema sonoro fundamental. Assim, o filme L'horloger de Saint-Paul e bru- moso, cinza-azulado: sua hist6ria avan~a pela noite. Em com- pensa~ao, a perce~ao da figura se faz por detalhes sucessi- vos. Esse vaivem do detalhe ao global e precisamente o que vai dar dramatiza~ao acomposi~ao audiovisual, estando o ter- reno sugerido desde o infcio e criando uma tensao psicol6gi- ca no espectador. 0 terreno e o fundo que espera sua forma, a terra que espera sua planta. Naturalmente, nem todas as composi~oes audiovisuais sao como o modelo aqui descrito. Existem montagens didati- cas, lineares, por que condena-las? 0 importante e comunicar, dentro do objetivo a que o emissor se prop()s numa dada si- tua~ao. Parece-nos, porem, iniportante definir uma linguagem audiovisual por sua mais especffica e mais alta capacidade. 53
  • 30. A DISPOSI~AO PELA RAZAO DE SER A partir da nossa teoria de composi~ao por flashing, aparece uma pergunta basica: nao haverli realmente ordem alguma entre os flashes? Serao simplesmente casuais? 0 (ilti- mo flash que provoca a ilumina~ao em numerosos filmes de- penderia apenas de uma coincidencia? Nossa resposta e clara: M simplesmente uma ordem que preside os flashes, mas essa ordem vern primeiro da mao que segura a lantema. Essa or- dem e tao diferente da que preside o discurso escrito ou oral que inicialmente nao a percebemos como ordem, mas como acaso ou fantasia. A disposi~ao na cultura de Gutenberg foi definida pelas palavras "linear", "hipotetico-dedutiva", ou ainda "causal". Em audiovisual, a disposi~ao foi definida muitas vezes pelo nome de "mosaico". Com isso querem dizer uma aparente desoJdem dos diferentes elementos quando sao tornados no nfvel de uma pequena parte, e uma repentina revela~ao da ordem de todos os elementos quando se descobre a imagem final do conjun- to. Se isolarmos urn fragmento num mosaico ou num quebra- cabe~a. nao se percebe sentido algum, ordem alguma nos ele- mentos de base. Em compensa~ao, quando a figura aparece, tudo se revela. E a figura final que, secretamente, dirige a ordem. Essa expressao "16gica mosaica" 'ecerta, mas s6 em parte exprime a realidade. E bern verdade que o arranjo das partes de urn produto audiovisual e sub-repticiamente dirigido por sua imagem final. Mas essa imagem final, especie de deus ex machina, nao e pre-estabelecida. Ela e em grande parte produto da imagina~ao criadora de urn autor. Mesmo que se trate de colocar em audiovisual uma obra jli escrita - ou qualquer acontecimento hist6rico -, a marca do autor e fun- damental, E ele quem propoe a imagem e organiza todos os pianos em fun~ao dela. 0 Evangelho de Zefirelli nao e o de Pasolini. 54 Para caracterizar a ordem audiovisual tfpica, escolhemos a expressao "razao de ser''. Expressao abstrata que soa urn pouco antiquada! E que ela une uma velha categoria filos6fi- ca - a causalidade formal -, categoria urn pouco em desu- so, em beneffcio das rela~oes de causa e efeito, tais como es- tudadas na ciencia. Nossa hip6tese e a seguinte: em audiovi- sual descuidamos das categorias causais tradicionais- da cieri- cia para entrar nas categorias causais de tipo mais artfstico, mais pessoal e vital: a razao de ser. Ao contnirio da disposi~ao causal tradicional, que e ob- jetiva e rigorosa, a disposi~ao pela razao de ser faz intervir a subjetividade. Por isso, nao e uma disposi~ao de necessidade objetiva, mas somente uma "linha", uma "coerencia intema". Dissemos que, na televisao, num filme, numa montagem, a personagem-chave da disposi~ao pela razao de ser e o dire- tor. Na exposi~ao permanente de Montreal. "Terre des Hommes", Radio-Canada, desenharam em tamanho pequeno o rosto do diretor dentro do rosto de cada urn dos participantes da produ~ao audiovisual, par!l exprimir o papel dessa persona- gem-chave. Assim, o encarregado de som, de imagem, o en- trevistador trabalham com essa dire~ao unificada, essa "linha" determinada neles pelo impulso do diretor. 0 ato criador do diretor e, em ultima analise, a razao de ser, isto e, a causa da disposi~ao. Por depender de urn ato criador, essa disposi~ao por razao de sere inicialmente imprevisfvel, porem, uma vez· dado o impulso inicial, adquire uma especie de necessidade fntima. Se urn ator trabalha com Bergman, s6 pode trabalhar com Bergman. Isto nao significa que ele seja urn peao do jogo, mas que o seu desempenho e do genero de Bergman, na forma e na coerencia. Constr6i uma imagem fmal do homem e da vida que e do tipo de Bergman. Devemos ir mais Ionge. A disposi~ao por razao de ser nao e determinada por urn ato criador, que seja puro capri- 55
  • 31. cho, completamente desligado das realidades objetivas e da ordem interior que anima o ser humano em geral. Urn diretor s6 pode alcan~tar seu publico se a razao de ser de sua produ- ~tao exprimir, de algum modo, a razao de ser de seu publico, isto e, sua coerencia fntima e os fios que dirigem sua psicolo- gia. Assim, a razao de ser mergulha nas profundezas mais inconscientes da nossa personalidade. C. G. Jung fez ressaltar que essas profundezas nao eram incoerentes nem desconexas entre si8 • Quando Francis Coppola come~tou o script de Apocalypse Now, desenhou, projetou no papel sonhos brota- dos em parte de seu inconsciente pessoal. Ora, a partir desse inconsciente marcado pela mem6ria coletiva da guerra, as imagens que lhe vinham amente, 0 barulho dos helic6pteros e o calor umido na pele nao eram desordenadas nem sem la- ftOS entre si. De onde vinha, pois, a associa~tao? Primeiro, de uma necessidade intema de Coppola, recriando imaginariamente as impressoes, estados d'alma mais fortes que ele sentira por ocasiao da guerra do Vietnan. Mas tambem de urn la~to que vern das conivencias, do entrosamento que certas realidades tern entre si. E for~toso reconhecer que, embora mal conheci- dos e escapando a uma ciencia estritamente objetiva, os sfm- bolos e os objetos tern entre si rela~toes de atra~tao, de proxi- midade, de exclusao, de refor~to ou de conivencia, que sao reais. "A ebranco" -, dizia Rimbaud. Assim ele sentia, mes- mo sem saber por que. NUm.ero de ouro. Correspondencias universais. "Todos os fatos espirituais - dizia Emerson - sao representados por sfmbolos naturais." Naturalmente, essas rela~toes, essas famf- lias de objetos estao estreitamente ligadas a nossas percepftoes. Num artigo intitulado "Dialogo do fisico e do esteta"9 , Michel 8 C. G. Jung, L'hornrne el les symboles, Laffonl, p. 306. Sobre o conceilo de sicronia, Jung emile a hip6tese de que.- os arquitipos podem explicar mulat;iies sem lat;o causal organico, mas comandadas de dentro por wna especie de forma dinilmica. 9 MichelLe Roy, Communication etlangages, 12 trfmeslre, 1980. 56 Le Roy exprime as estranhas liga~toes entre os funcionamen- tos tecnicos, as regras esteticas e as formas da natureza, tais como os fulgulos dos ramos das arvores ou das arestas de dunas. Ele confirma a f6rmula de Marcel Dassault: "Se urn aviao for bonito, voara bern". Ondula~tao das dunas... beleza do aviao nao sao, com certeza, senao manifesta~toes particula- res de urn "isomorfismo" profundo entre o homem e seu uni- verso, que cabe ao ffsico explorar juntamente com o psic6lo- go, o qual, tambem, pressente a existencia de detectores de formas geneticamente pre-reunidas. Assim, a disposi~tao por razao de ser ecomandada por dois fatores complementares: - de urn lado, uma realidade subjetiva: eo ato criador que transmite a linguagem audiovisual uma forma ordenada, ligada acoerencia do proprio criador; - de outro lado, uma realidade mais coletiva, pois reu- ne percepftoes humanas universais: sao as diferentes fonnas de associa~toes entre os objetos e seus sfmbo- los. Ha a lua e as estrelas, o mar e o seio da mae, o sol e a agua etc. Esses dois fatores sao inseparaveis. Eno ato criador do diretor que se faz a sfntese. Tomemos urn exemplo a partir de uma experiencia. Anoite, escuto o tique-taque de urn re16gio antigo, cujo som e ritmo sao ampliados reverberando nas paredes de ci- mento nu. A monotonia e a vibra~tao do som penetram em mim, dando-me o sentimento de que as coisas passam, de que a vida passa. Assim, inconscientemente associo o tique-taque do re16gio, as batidas de meu cora~tao, as reverberaftOes sono- ras que vern das paredes, a nudez de urn ambiente vertical sem apoio algum. Depois, minhas impreswes evoluem. Tenho a sensa~tao de que o tique-taque bate monotonamente em minhas pemas. Entao, pouco a pouco me vern a vontade de me aban- 57