SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 11
Baixar para ler offline
Texto Alexondre Versignassi
Infográficos Ano Carolina
Leonardi e Felipe Germano
Ilustrocão India San
Design Fabricio Miranda
Ele valorizou
1.800% em 201'.
Ejátemmais
de mil .:Iones.
Entenda o que
há por trás das
.:riptomoedas,
e .:onheça
o segredo que
elas guardam
para mudar
o mundo.
AMAIOR REBRE DA HISTÓRIA"DO DINH~IRO
- vocÊ INVESTE NO QUÊ? -esterepór-
ter perguntou para uma amiga no dia 7
de dezembro.
- Ah, em tesouro direto, bitcoin...
- Pô, que sofisticado. Quantos bitcoins?
- Tenho três. Comprei em 2015 por uns
mil reais cada um.
Uau. No momento da nossa conversa,
os três bitcoins que elatinha comprado
por R$ 3 mil estavam valendo R$ 165
mil. O prêmio máximo numa roleta de
cassino é de 35 vezes aquilo que você
jogou.Aapostadelajáestavapagando 55
vezes. Eseguiu subindo. Enquanto este
texto eraescrito, dia18 de dezembro, três
bitcoins já valiam R$ 207 mil.
Não faltam casos insanos. Em 2010,
um certo Laszlo Hanyecz, um pro-
~amadoramericano de ascendência
húngara, fez aquela que é considerada
como a primeira transação comercial
envolvendo bitcoins. Comprou pizza.
Não de uma pizzaria, mas de um amigo,
Jeremy Sturdivant. Jeremy topou pagar
duas pizzas a serem entregues na casa
de Laszlo emtroca de 10 mil bitcoins -
que na época não tinham valor nenhum,
por pura falta de gente interessada. Sete
anos depois, 10 mil bitcoins valiam R$
650 milhões.
28 SUPER JANEIRO 2018
o maior pico do bitcoin antes desse de agora tinha acontecido lá
atrás, no final de 2013, quando amoeda chegou aUS$ 1.000.Depois
veiouma queda lenta e constante, e obitcoinpassou amaior parte de
2015 relativamente estável, comum preço médio de US$ 250. No ano
seguinte aescalada começou de novo, e no início de 20 7a moeda já
tinha quadruplicado de valor, voltando ao pico de mil dólares. Ai a
porteira abriu de vez. Uma manada de investidores entrou na onda,
e o preço do bitcoin subiu até desaparecer de vista. No meio do ano
estava aUS$ 2.500.Em setembro, US$ 4.500. Tocou para US$ 7.000
em novembro. No dia17de dezembro, o pico até o momentoem que
esta edição foi para a gráfica, bateu em US$ 19.857. Isso dá 1.880%
de aumento em um ano. 7.800% desde 2015.
E fica a pergunta: é bolha, Bino?
Vejamos, Pedro. Hoje, falou de bitcoin, falou da mãe de todas as
bolhas, a Mania das Tulipas, que aconteceu na Holanda do século 17.
Foiuma épocabreve,emque ovalordessas flores chegou àestratosfera
ede lácaiu,deixandoum marde especuladores comas calças na mão.
As tulipas caíram no gosto dos europeus logo que foram trazidas
daTurquia, noséculo16. AHolanda, porcontado terreno encharcado,
virouagrande produtora da coisa. Era tanta demandaque umaúnica
tulipa podiavaler um mês de salário (25 florins). Eisso ainda não era
a Mania; só uma alta relativamente racional.
Ainsanidade de fato aconteceu num período bre-
ve, entre 1634 e 1637, quando ferreiros, sapateiros,
criadores de cavalos, carpinteiros, enfim, a classe
média da época ouviu essas histórias de flores que
valiam um mês de salário e decidiu entrar nesse
mercado. Passaram a comprar bulbos de tulipa a
rodo na esperança de revender mais caro depois,
quando o bulbo florescesse.
Isso bombou a demanda. Agora o mercado de
tulipas não dependia mais só dos amantes de tulí-
pas. Estavaanabolizado porum públíco bem maior:
os amantes de dinheiro. Com cadavez mais gente
comprando, começouuma bola de neve nos preços.
E quanto mais o preço subia, mais a demanda
aumentava - igual um cachorro que persegue o
próprio rabo: quanto mais ele corre, mais rápido
o rabo foge, e vice-versa. Em questão de meses,
um bulbo de tulipa do tipo Gouda, relativamente
rara, subiu de 20 para 225 florins. Quem tinha
comprado a coisa pelo equivalente a um mês de
salário podia vender agora por um ano de salário.
Voltando para°futuro: um bitcoinvalia um mês
do salário médio brasileiro em outubro de 2016 (R$
2.230, ou US$ 675, paravocê não perder aconta em
dólar). Claro que °preço do bitcoin não tem a ver
com a média salarial do Brasil, mas vale a compa-
r~ãoparaentendennoso~audeutul~agem"da
moeda. Eofato éque no dia19de novembro de 2017
ela chegou a US$ 8.000 (R$ 26.400). Doze meses
do nosso salário médio. Igual a Gouda - com uma
diferença: enquanto esse foi oauge dessavariedade
de tulipa, o bitcoin seguiu subindo.
Na Holanda das tulipas, o preço da flor desgarrou da realidade
porque ninguém mais adquiria as plantas para embelezar a sala.
Toda a demanda entre 1634 e 1637 era de gente que comprava o
bulbo para revender depois. Só tem uma coisa: o estoque de gente a
fim de fazer apostas acaba rápido. Foi o que aconteceu na Holanda.
Quando isso ficou claro, o preço das flores ,despencou. A manada
mudou de direção: agora ninguém mais queria saber de bulbos
como investimento, e o valor deles caiu para perto de zero.
E o bitcoin? Bom, a bolha das tulipas, e todas as outras ao longo
da história, foram timidas diante do que está acontecendo com a
moeda eletrônica. A tulipa que mais subiu de preço na época, pelos
registros que sobraram, foi a Croenen amarela, umavariedade menos
nobre. Um saco com meio quilo de bulbos, que era comercializado
por 20 florins, chegou a 1.200. Um salto de 5.9°0% ao longo dos
três anos de Mania. O bitcoin bateu essa marca com folga. Em dois
anos. Na bolha da internet, o Índice Nasdaq, da bolsa das empresas
de tecnologia dos EUA, subiu "só" 400%. E isso num intervalo re-
lativamente longo entre 1996 e o fim da festa, em 2000. Por outro
lado, nem tudo o que infla estoura. Terminada a bolha da internet,
cada ação da Amazon valia US$ 10. Hoje elas estão perto de US$
1.200. Um pique de 11.9°0%. E quem disser que a Amazon é uma
bolha é porque precisa maneirar nas tulipas - de chope.
O bitcoin, então, está mais para uma Amazon ou mais para uma
tulipa? É o que vamos ver daqui em diante.
Se você quer entender o que é um bitcoin, não pense
nele como uma moeda. Pense como se cada bitcoin
fosse uma foto que você carrega no celular. Só queuma
foto diferente, meio Black Mirror: trata-se de uma ima-
gem que não dá para copiar. Éimpossível subi-la para o Instagram
ou mandar para grupo de zap. Ela só existe dentro do seu celular,
na forma de uma única cópia. Não adianta dar print screen, nada.
Não vai funcionar.
Aí você decide mandar essa foto mágica para um amigo. Beleza.
Só tem uma coisa: ela vai sumir do seu celular para sempre, sem
deixar vestígios. De agora em diante ela mora no celular do seu
amigo, e só vai sair de lá se ele quiser.
O sistema do bitcoin consiste em 21 milhões dessas fotos má-
gicas, cada uma divisível em cem milhões de partes. Ou seja: você
também pode dar um centésimo de milionésimo da sua foto mágica
para um amigo. Aí ele fica com 0,00000001 dela, e 0,999999999
da imagem original fica com você. Dê um terço do que te sobrou
para outra pessoa, e vai restar 0,333333333 na sua carteira.
Falei "carteira" aqui porque a essa altura já deve soar natural.
Simplesmente porque as propriedades dessa "foto mágica" são exa-
tamente as propriedades do dinheiro. Se você tem R$ 1 mil na conta
e transfere um centavo para um amigo, sobram R$ 999,99. Dê um
terço do que sobrou para outro e vai restar R$ 333,33. Perdão pelo
excesso de didatismo. Esse exemplo óbvio está aqui para mostrar
que o bitcoin emula a propriedade definidora daquilo que a gente
conhece como "dinheiro": cada unidade é, digamos, única mesmo. IVocê não pode copiar uma nota de R$ 50, muito menos os núme-
ros que aparecem na sua tela de saldo. Dinheiro você não copia. -+ I
JANEIRO 2018 SUPER 29
Você transfere. Com bitcoin é a mesma
coisa. Tendo esse conceito bem introje-
tado, você não precisa mais pensar em
cada bitcoin como se fosse uma foto,
mas como ele é na verdade: um grande
código criptografado (é a criptografia
que torna a coisa incopiável). Por isso
que chamam o bitcoin de criptomoeda.
Vamos usar esse termo daqui em diante.
O bitcoin funciona assim justamente
porque Satoshi Nakamoto, o inventor da
coisa (veja na pág. 35), queria criar uma
moeda universal. A utopia por trás da
ideia é que um dia você trabalhe em
troca de bitcoins, e que use os bitcoins
para se alimentar e pagar o aluguel. Tudo
dispensando a intermediação de bancos,
e por fora da alçada dos governos -até
por isso o bitcoin começou sua carreira
meio que na marginalidade, sendo usado
como moeda para comprar drogas na
deep web, o submundo da internet, nos
idos de 2011. Mas essa fase passou. O
bitcoin virou coisa séria.
Satochi deu à luz um sistema brilhante para tor-
nar sua moeda realidade. Ele batizou esse sistema
como "blockchain" (cadeia de blocos). Funciona do
jeito que você viu aqui: o blockchain cria unidades
incopiáveis e permite que cada indivíduo seja o único
dono dessa unidade. Chame essaunidade de "moeda"
e o que temos é o blockchain emulando as funções
de um banco. Mais do Que de um banco: de todo
um sistema financeiro.
Pense no real, a nossa moeda. Ele é um sistema
financeiro composto, neste momento, por 2,3 tri-
lhões de unidades indivisíveis (os reais na forma de
papel e depositados em contas correntes*), cada uma
divisível até um centésimo. O bitcoin é um sistema
financeiro composto por 21 milhões de unidades
(os bitcoins) divisíveis cada uma até um centésimo
de milionésimo. É isso.
Só fica uma questão. Por que é que alguém vai
usar bitcoin como dinheiro? O real, o dólar, o euro e
todas as outras 177 moedas reconhecidas pela ONU
já não fazem esse trabalho? Para que reinventar a
roda? Existe um motivo: porque nem todo mundo
confia em dinheiro. Para saber de onde vem essa
desconfiança,temos de dar mais um passo: entender
profundamente o que é o dinheiro.
A estratosférica
saga do bitcoin
A história da moeda virtual:
da criação discreta em 2009
à ascensão monstruosa de 2017.
"Dinheiro é um mecanismo engenhoso:
permite que a manicure compre seis
pãezinhos semter de fazer as unhas do
padeiro", escrevemos uma vez aqui na
SUPER. Mas dinheiro só é algo digno desse nome quando obedece
a dois critérios: Precisa ser algo que todo mundo queira. Não pode
ser algo muito abundante.
Por essas, praticamente tudo que fosse relativamente raro e muita
gente quisesse já foi usado como dinheiro. Sal, couro, rolos de tabaco,
conchas bonitas, cachaça. Mas a coisa que pegou mesmo foi outra: ouro.
Porque o ouro cumpre como ninguém aquelas duas características
US$ O
Em janeiro de 2009,
Satoshl Nakamoto
lança a primeira
versão do software
do bitcoin e minera
a moeda número um.
US$ 0,0025
A primeira tran-
sação, em maio
de 2010: 10 mil
bitcolns por uma
pizza de U$ 25.
US$l
Paridade: pela
primeira vez, /
umbitcoln
vale o mesmo
que um dólar.
US$ 30
A primeira "bolha" aparece após
a revelação de que a moeda serve
para comprar drogas na deep web.
A empolgação termina e o preço
cai a US$ 2 nos meses seguintes.
2009 C010 2011 2012 2013
'a conb inclui ~em CD&s, e exclui aplicações em fundos de ",nela fixa e tftulos públicos; IncluIndo ambos, temos um total de 6.5 trtIhões.
US$ 8 mil
US$ 6 mil
US$ 2 mil
US$ 18 mil
US$ 14 mil
US$ 12 mil
US$ 28 mil
US$ 18 mil
US$ 16 mil
=====~I.1d".:==-:US$ 4 mil
US$1.280
MARCO
Amoeda
volta a
superar
US$1mil.
Aalta chama
atenção e
dá início a
uma febre
no mercado
financeiro.
US$ 19.857
DEZEMBRO
Estrela nos
mercados
futuros faz
a moeda dis-
parar. Agora
é possível
ganhar (mui-
to) dinheiro
apostando
certo no preço
dobitcoin
nos próximos
meses.
US$ 3.312
SETEMBRO
BC chinês
proíbe a cria-
çãode novas
criptomoedas.
ABTCChina.
uma das maio-
res operadoras
da moeda,
congela seus
negócios
para evitar
problemas.
US$ 387
Outra queda. em
abril de 1014: vazam
informações de que o
Banco Central chinês
quer restringir tran-
sações com bitcoin.
US$ 547
AMt.Gox. corretora
que operava
70% dos bitcoins no
mercado, declara fa-
lência em fevereiro de
1014 e tem seu CEO
investigado por fraude.
US$ 1.242
Em novembro de 1013.
o bitcoin ultrapassa
US$ 1mil pela primeira
vez. após audiência
no Senado americano
dar parecer positivo
sobre criptomoedas. /"
que definem dinheiro. Ébonito (ou seja, não há quem
não queira) e estupendamente raro. Todo ouro minera-
do na história da humanidade daria um cubo com 21
metros de lado. Éa área de um prédio de sete andares.
Ou 158 mil toneladas. É o que a Vale extrai de minério
de ferro em seis horas.
A raridade e a beleza da coisa transformaram o ouro
na moeda universal. O poder do metal amarelo é tama-
nho que ele foi usado como lastro oficial do dólar até
1971 - e até hoje há quem pense que existam reservas
de ouro guardadas para garantir a validade do dinheiro
de papel (elas até existem, mas não é para isso).
Bom, hoje cada governo se responsabiliza por manter
sua moeda como um recurso relativamente raro. Ou
seja: não pode imprimir dinheiro demais, senão ele
deixa de ser dinheiro. É o que aconteceu no Brasil
dos anos 1980 e começo dos 90. Imprimiram tanto
que as unidades monetárias do Brasil viraram algo tão
pedestre quanto grãos de areia, e começaram a cair em
desuso. Os anúncios de imóveis nos jornais vinham
com os preços em dólar.
O nome para o fenômeno de uma moeda caindo em
desuso é hiperinflação. O governo cria mais moeda do
que a capacidade que as pessoas têm de produzir coisas
em troca dessa moeda. O resultado é um mercado cheio
de unidades monetárias, mas com poucas coisas para
você comprar com elas. Os preços sobem. Inflação. E
a inflação, quando exagerada, impede coisas banais,
como entrar num financiamento de imóvel.
Cenários de hiperinflação se tomaram improváveis. Praticamente
todos os paises aprenderam como combater a coisa. Quando a inflação
ameaça, os governos drenam dinheiro da praça aumentando juros. Os
juros mais altos tomam os investimentos em títulos públicos mais
atraentes. As pessoas passam a poupar mais. Com menos dinheiro
circulando, a pressão inflacionária diminui.
Em cenários de recessão, com empresas fechando e o desemprego
subindo, acontece o contrário: o governo joga mais dinheiro na
praça para ver se a economia pega no tranco. Os EUA e a União -+
2014 2015 2016 2017 2018
Onde é que
dá para gastar
Em geral, quanto mais rico o lugar. maior
a penetração do bitcoin - mas as exceções
surpreendem, inclusive no Brasil.
Criptogovernos
05 venezuelanos
têm apostado no
bitcoin para driblar
a desvalorização
rampante do bolívar.
Em contrapartida,
Maduro anunciou que
vai lançar o HPetroH,
uma criptomoeda
estatal Não será
a única: o governo
da Estônia está crian-
do uma também,
a "estcoin".
Número de estabelecimentos
que aceitam bitcoin
1.819
o
Araeaju coiDs
A capital do
bitcoln no Brasil
é Aracaju (SE).
Mesmo com
501 mil habitan-
tes, a cidade tem
58 estabelecimen-
tos que aceitam
bitcoin, só nove
a menos que
São Paulo, que
tem 12 milhões
de moradores.
O Rio (6 milhões
de pessoas) vem
num distante
terceiro lugar,
com 26.
5.367
o
Pequena notável
As Ilhas Canárias, de
apenas 5 mil habitan-
tes, se tomaram um
centro de aceitação do
bitcoin. Mais de )0 es-
tabelecimentos vendem
produtos em troca da
moeda. Israel, um polo
tecnológico. também é
pró-bltcoin: dezenas de
lojas de Tel Aviv aceitam
a moeda virtual
7.071
o
Usuários vs.
Valorização
Cada vez mais
gente usa cripto-
moedas. O número
de carteiras virtuais
aumentou 1OO'llo em
2017 (de 7,6 milhões
para 14,7 milhões).
Uma bela porcenta-
gem, mas que some
diante de outra: 05
1.800"10 da valoriza-
ção do bitcoin.
8.183
o
roncentraçclo de
~stabe(edmentos
/ue aceitam bitcoin
mundial. A China, 1.842 toneladas. Os EUA, 8.133.
E é aí que o bitcoin quer entrar. A criptomoeda foi
criada para ser algo tão valioso quanto ouro. Como?
Imitando a maior das propriedades do ouro.
Existem 21 milhões de bitcoins no pla-
neta. Ninguém jamais vai "imprimir",
criar, um bitcoin novo, como acontece
com dinheiro de papel. É dessa forma
que a criptomoeda pretende simular o ouro, e se
tornar algo imune a inflação - logo, mais atraente
que o dinheiro de papel.
O jogo de imitação vai mais longe. Desses 21
milhões de bitcoins, só 17 milhões estão circulan-
do. Os outros 4 milhões seguem ocultos, como se
fossem um metal precioso a ser minerado.
O sistema do bitcoin funciona como um videoga-
me online. As novas unidades estão nas profundezas
do jogo. E você precisa baixar um software para
minerá-las. Com o programa instalado,sua máquina
passa a fazer parte da rede de processamento que
gerencia a rede do bítcoin - toda formada por má-
quinas de outros mineradores. Ou seja, é uma rede
peer-to-peer, igual o Pirate Bay(só que dentro da lei).
Agora, digamos que eu transfira um milésimo
de bitcoin para comprar uma pizza. Essa transação
requer algum poder de processamento. O sistema
precisaverificar se eu realmente tenho um milésímo
de bitcoin na minha conta, checar se a conta da
pizzaria que aceita bitcoin é válida, e fazer atransfe-
rênciade fato. Tudo isso pode serprocessado pelasua
máquina, na sua casa, sem que você nunca tenha me
visto na vida. Como prêmio por emprestar energia
elétrica e poder de computação ao sistema, você
ganha algumas frações dos meus bitcoins - ou seja,
a minha pizza fica um pouco mais cara, jáque o seu
pagamento sai da minha carteira virtual.
Já para você desenterrar bitcoins novos de fato
precisa dar mais um passo. Sua máquina tem de
resolver um quebra-cabeça matemático. Para dar
uma ideia melhor: um game para PC, do ponto de
vista do seu computador, é um quebra-cabeça ma-
temático. Quanto mais complexo o game, mais os
processadores dele fritam os transistores.
Bom, ao criar o bitcoin, em 2009, Satoshi Naka-
moto estipulou que a quantidade de novas moedas mineradas deve
ser sempre a mesma, não importa quanta gente esteja minerando.
Isso significa que, quanto mais gente estiver nessa, mais difíceis vão
ser os quebra-cabeças. Em 2009, dava para minerar 200 unidades
com um PC comum em questão de dias. Em 2014, já levava 98 anos
para minerar um único bitcoin. Hoje, esquece: os problemas são tão
absurdos que só dá para resolvê-los com vários computadores ro-
bustos trabalhando em rede 24 horas por dia. -+
Europeia têm feito isso desde a crise
de 2008 - os Bancos Centrais deles
imprimem dinheiro e emprestam ba-
sicamente sem juros para os bancos.
Nisso, os empresários ganham crédito
barato para abrir negócios e os consu-
midores, para comprar o que os em-
presários vendem. Se der errado, como
aconteceu no Brasil lá atrás, a sociedade
não responde ao estímulo. O governo
fabrica cada vez mais dinheiro, só que
ninguém produz mais do que já estava
produzindo, e os preços sobem. Se der
certo, por outro lado, todo mundo passa
a produzir mais, os empregos voltam
e xô, recessão.
Mas nunca dá 100% certo. Sempre
acabam imprimindo um pouco mais de
dinheiro do que seria necessário, pelo
simples fato de que gerenciar a eco-
nomia de um país inteiro é tão difícil
quanto pilotar um caça na garagem do
seu prédio. Não dá para calcular todos
os movimentos - no mínimo, você vai
raspar a asa em algum poste.
O próprio dólar, que jamais viveu
uma hiperinflação, dá suas raspadas o
tempo todo. Para comprar algo que em
1992 custava US$ 20, hoje você precisa
de US$ 35 Gá que a inflação acumulada
dos últimos 25 nos EUA foi de 75%).
Se os EUA derem uma brasílzada
um dia, o dólar hiperinflaciona, cai em
desuso, e a economia mundial perde
sua grande referência, pelo menos por
um tempo, até que coloquem tudo nos
eixos de volta. Convenhamos que essa
não é exatamente uma hipótese para
você levar a sério. Mesmo assim, não
falta quem tente se prevenir. E é por
isso que ainda existe um mercado para
ouro. O Brasil mesmo guarda 67 tone-
ladas do metal amarelo para o caso de
alguma catástrofe no sistema financeiro
11.203
o
Tõfora
Já há quem tenha
desistido do bltcoln.
A Steam, maior pla-
tafonna de venda
de games onUne do
planeta, deixou de
aceitar a moeda em
dezembro depois
de quase dois anos.
Motivo: as altas
taxas de transação
e as oscilações no
preço da moeda.
JANEIRO 2018 SUPER 33
34 SUPER JANEIRO 2018
de 991,aI4Is _em criptomoedas
o o ouro do mundo .
. '!
~--...._-
Existem mineradores caseiros que se
equipam bem e colocam suas máquinas
para trabalhar em conjunto, em busca de
algumas frações de bitcoin. Mas o poder
real de mineração estácomas empresas
especializadas. Elas escavam as moedas
novas efazem dinheiro vendendo paraas
corretoras (como as brasileiras Mercado
Bitcoin e CoinBR).
Éoque faz aBitmain,uma companhia
chinesa de mineração de bitcoins
quemantém 21 mil computadores num
galpão no interior da Mongólia, para
aproveitar aenergia elétricamais barata
de lá - cortesia das minas de carvão que
pipocam pelos desertos do país. Haja
carvão, aliás. A mineração de bitcoins
mundo afora consome33Terawatts-hora
por ano de eletricidade. É um terço da
produção de ltaipu, e seria o suficiente
para alimentar o Brasil por 26 dias.
Se acotação do bitcoin seguirsubindo,
mineradoras como a Bitmain vão con-
tinuar crescendo, e uma Itaipu vai ser
pouco. Até porque obitcoin não está mais
sozinho: há outras criptomoedas, com
seus próprios sistemas de blockchain e
suas próprias redes de mineração. Elas
foram surgindo umaatrás da outra desde
2011. E agora aparece uma por semana.
--USs90,4trilhões
em dinheiro de papel
e em contas-correntes
Enquanto este texto era escrito, o mundo já tinha
1-356 criptomoedas.
O próprio bitcoin não é mais aquele. Em 2013,
ele tinha 95% do mercado. Hoje são só 54%. Em
segundo lugar, vem o ether, criado em 201.4, com
12%. Depois aparecem o ripple (6,5%), o bcash
(6%) e o litecoin (2,8%). As outras mil e tantas
formam uma longuíssima cauda de criptomoedas
nanicas. Todas juntas, de qualquer forma, jávalem
US$ 500 bilhões.
E a pergunta continua: é bolha?
Ninguém sabe. Mas o fato é que atecnologia por
trás delas, o blockchain, não tem nada de bolha.
Veio para ficar. Até porque o blockchain não serve
só para fazer moeda.
Pense de novo em um bitcoin como se ele fosse
uma foto única, incopiável. Essa foto pode repre-
sentar uma moeda, como a gente viu. Mas pode
representar também outro objeto produzido por
Casas da Moeda: o seu passaporte. O governo vai
continuar emitindo o documento, mas você não
precisaria mais carregar uma versão física dele no
bolso quando fosse viajar para fora. Um sistema
de reconhecimento facial no setor de imigração do
aeroporto de destino encontraria o seu passaporte
na nuvem blockchain de passaportes. A Casa da
Moeda produz passaportes porque é especialista
em dificultar falsificações. O blockchain leva es-
sa propriedade para o mundo virtual: um hacker
não consegue inserir "bitcoins falsos" na própria
JANEIRO 2018 SUPI!R 35
carteira. Compassaportes seriaamesma
coisa.Comcarteirade motoristatambém.
Você não precisaria levar sua CNH para
alugar um carro fora do país. Nem para
dirigir poraqui. Se apolíciate parar, eles
escaneiamseu rosto (ou suaíris, ou suas
digitais) e pronto: têm acesso à nuvem
de blockchain de carteiras de motorista
e sabem se asua habilitação está em dia.
Registros médicos também casam
comas possibilidades que oblockchain
abre. Sevocê sofrerum acidente echegar
desacordado ao hospital, o médico usa
sua identidade para entrar no sistema e
ver seu tipo sanguíneo, quais remédios
você estátomando, se tem alergiaaalgum
medicamento, se você estágrávida. Isso
jáexiste na Estônia, que usa um sistema
de blockchain para garantir a seguran-
ça desses dados, e pretende usá-lo para
eliminar a burocracia estatal.
No cartorial Brasil, seria uma revolu-
ção. Vendeu o carro e precisatransferir
os documentos? Esquece o cartório. É
só transferir a versão eletrônica deles
pelo celular, igual você já faz com di-
nheiro. Reconhecer finna do contrato
de aluguel? Nunca mais. Se você subir
o contrato parauma rede de blockchain,
já vale por um assinatura reconhecida
pelo papa. No fundo, oblockchain é ota-
belião de notas do futuro - aEthereum,
empresa por trás do ether, a segunda
maior criptomoeda, trabalha em proje-
tos assim, que coloquem o blockchain
para cuidar de burocracia de fonna mais
eficiente que os burocratas.
A Ripple também faz mais do uma
criptomoeda. Ela oferece sua rede de
blockchain não só para os eventuais
usuários da moeda, mas também para
instituições financeiras. A ideia ali é agilizar transferências interna-
cionais entre bancos diferentes. Você tem uma conta no Banco do
Brasil e quer transferir para o Chinggis Khaan bank, da Mongólia. A
rede de blockchain da Ripple checase aconta no Banco do Brasiltem
os fundos, conecta um banco intennediário em outro pais, que faz
a troca de reais por Tugriks, a moeda mongol, e checa se a conta de
destino no Chinggis Khaanbank éválida. Na prática, oblockchainda
Ripple une os três bancos no mesmo sistema,o que corta basicamente
toda a burocracia, e acelera a transação. Quem processa tudo são os
computadores dos bancos mesmo. Sai a figura do minerador, fica
o blockchain. O Santander e a American Express
estão nessa: associaram-se à Ripple em novembro
para agilizar transferências internacionais.
Se o futuro do blockchain é brilhante, não dá
para fazer a mesma aposta com as criptomoedas.
Nenhum governo pretende perder o controle so-
bre a própria economia - e o monopólio da pro-
dução de moeda é fundamental para manter tal
controle. A aceitação das criptomoedas também
segue pequena. Existem 12 mil estabelecimentos
no mundo que aceitam bitcoin, de acordo com o
Coinmap, que faz essa contabilidade em tempo
real. Épouco: só o McDonald's tem 37 mil lojas - e
não aceita bitcoin.
As taxas que os mineradores cobram também
são proibitivas parao dia a dia. Atransferência em
bitcoin de um valor equivalente a R$ 50 (0,0007
bitcoin) pode custar de R$ 20 a mais de R$ 100 em
taxas (isso, mais de R$ 100). Se você compra R$
100 mil de moeda virtual, isso não faz diferença.
Mas o bitcoin não nasceu para ser uma ferramen-
ta de especulação. Satoshi Nakamoto queria que
ele funcionasse como uma moeda para você usar
na padaria. Só que essa não é a realidade. Pior: o
sistema tem limitações severas. Ele só consegue
operar coisa de 'dez transações por segundo. A
Visa processa mais de mil. Isso cria um gargalo.
E afinalização de um pagamento via bitcoin pode
demorar de dez minutos a mais de três horas. Nin-
guém quer perder tanto tempo no caixa da padaria.
Pouca gente se importa com isso porque agran-
de maioria não está comprando bitcoins para usar,
mas para especular. E, se é assim, o fenômeno de
2017 não é diferente do da Holanda do século 17. A
culpa disso não é do bitcoin - tal como lá atrás não
era das tulipas. A ideia por trás das criptomoedas
é sólida. Por outro lado, ainda é cedo para dizer
se elas serão realmente úteis um dia. E, mesmo
se as criptomoedas derem certo, talvez o bitcoin
seja só o Orkut da coisa toda - acabe obsoleto,
ultrapassado por concorrentes mais ágeis. Mas não
importa. Termine como terminar, essa história já
rendeu um belo dividendo para a humanidade: o
blockchain. Obrigado, Satoshi Nakamoto. e

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

O Reino de Cartago
O Reino de CartagoO Reino de Cartago
O Reino de Cartago2dot4
 
O Processo de Industrialização do Brasil - 7º Ano (2017)
O Processo de Industrialização do Brasil - 7º Ano (2017)O Processo de Industrialização do Brasil - 7º Ano (2017)
O Processo de Industrialização do Brasil - 7º Ano (2017)Nefer19
 
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASILO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASILAnderson Silva
 
Apostila 3ª etapa gabarito eua
Apostila 3ª etapa gabarito euaApostila 3ª etapa gabarito eua
Apostila 3ª etapa gabarito euaElaine Paraguai
 
Divisões regionais brasileiras
Divisões regionais brasileirasDivisões regionais brasileiras
Divisões regionais brasileirasfernandesrafael
 
7º ano - aula 04 - Megacidades e Cidades globais.pptx
7º ano - aula 04 - Megacidades e Cidades globais.pptx7º ano - aula 04 - Megacidades e Cidades globais.pptx
7º ano - aula 04 - Megacidades e Cidades globais.pptxMoissVieira10
 
GEOLOGIA E RELEVO DO BRASIL
GEOLOGIA E RELEVO DO BRASIL GEOLOGIA E RELEVO DO BRASIL
GEOLOGIA E RELEVO DO BRASIL ProfMario De Mori
 

Mais procurados (20)

O Reino de Cartago
O Reino de CartagoO Reino de Cartago
O Reino de Cartago
 
Tipos de clima
Tipos de climaTipos de clima
Tipos de clima
 
O Processo de Industrialização do Brasil - 7º Ano (2017)
O Processo de Industrialização do Brasil - 7º Ano (2017)O Processo de Industrialização do Brasil - 7º Ano (2017)
O Processo de Industrialização do Brasil - 7º Ano (2017)
 
Fluvial.ppt
Fluvial.pptFluvial.ppt
Fluvial.ppt
 
Lista exercícios grandes navegações
Lista exercícios grandes navegaçõesLista exercícios grandes navegações
Lista exercícios grandes navegações
 
Slides primeiro ano completo
Slides primeiro ano completoSlides primeiro ano completo
Slides primeiro ano completo
 
EUA industrialização
EUA industrialização EUA industrialização
EUA industrialização
 
Granito
GranitoGranito
Granito
 
Espírito Santo Colonial
Espírito Santo ColonialEspírito Santo Colonial
Espírito Santo Colonial
 
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASILO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL
 
Apostila 3ª etapa gabarito eua
Apostila 3ª etapa gabarito euaApostila 3ª etapa gabarito eua
Apostila 3ª etapa gabarito eua
 
Os Agentes do Relevo - Geografia
Os Agentes do Relevo - GeografiaOs Agentes do Relevo - Geografia
Os Agentes do Relevo - Geografia
 
Renascimento e Humanismo
Renascimento e HumanismoRenascimento e Humanismo
Renascimento e Humanismo
 
Divisões regionais brasileiras
Divisões regionais brasileirasDivisões regionais brasileiras
Divisões regionais brasileiras
 
Atividades agrícolas dos Estados Unidos
Atividades agrícolas dos Estados UnidosAtividades agrícolas dos Estados Unidos
Atividades agrícolas dos Estados Unidos
 
7º ano - aula 04 - Megacidades e Cidades globais.pptx
7º ano - aula 04 - Megacidades e Cidades globais.pptx7º ano - aula 04 - Megacidades e Cidades globais.pptx
7º ano - aula 04 - Megacidades e Cidades globais.pptx
 
Ásia física
Ásia físicaÁsia física
Ásia física
 
GEOLOGIA E RELEVO DO BRASIL
GEOLOGIA E RELEVO DO BRASIL GEOLOGIA E RELEVO DO BRASIL
GEOLOGIA E RELEVO DO BRASIL
 
Revolução Industrial
Revolução IndustrialRevolução Industrial
Revolução Industrial
 
Conflitos na américa latina
Conflitos na américa latinaConflitos na américa latina
Conflitos na américa latina
 

Semelhante a Bitcoin - Revista Super Interessante

Bitcoin Direto ao Ponto, Na Prática e Sem Complicações Técnicas
Bitcoin Direto ao Ponto, Na Prática e Sem Complicações TécnicasBitcoin Direto ao Ponto, Na Prática e Sem Complicações Técnicas
Bitcoin Direto ao Ponto, Na Prática e Sem Complicações TécnicasSerge Rehem
 
NFT Plataforma de Apostas.pptx
NFT Plataforma de Apostas.pptxNFT Plataforma de Apostas.pptx
NFT Plataforma de Apostas.pptxHUGOESTANISLAU1
 
fabcr22_apresentação_Crypto, NFTs e Metaverso para Captação de Recursos
fabcr22_apresentação_Crypto, NFTs e Metaverso para Captação de Recursosfabcr22_apresentação_Crypto, NFTs e Metaverso para Captação de Recursos
fabcr22_apresentação_Crypto, NFTs e Metaverso para Captação de RecursosABCR
 
Lcfcoin a moeda chinesa apresentação completa
Lcfcoin a moeda chinesa apresentação completaLcfcoin a moeda chinesa apresentação completa
Lcfcoin a moeda chinesa apresentação completaWagner Santana Petrobras
 

Semelhante a Bitcoin - Revista Super Interessante (6)

Simplificando o Bitcoin
Simplificando o BitcoinSimplificando o Bitcoin
Simplificando o Bitcoin
 
Bitcoin Direto ao Ponto, Na Prática e Sem Complicações Técnicas
Bitcoin Direto ao Ponto, Na Prática e Sem Complicações TécnicasBitcoin Direto ao Ponto, Na Prática e Sem Complicações Técnicas
Bitcoin Direto ao Ponto, Na Prática e Sem Complicações Técnicas
 
NFT Plataforma de Apostas.pptx
NFT Plataforma de Apostas.pptxNFT Plataforma de Apostas.pptx
NFT Plataforma de Apostas.pptx
 
Mais uma opção para investir os recursos do marketing político em criptomoeda...
Mais uma opção para investir os recursos do marketing político em criptomoeda...Mais uma opção para investir os recursos do marketing político em criptomoeda...
Mais uma opção para investir os recursos do marketing político em criptomoeda...
 
fabcr22_apresentação_Crypto, NFTs e Metaverso para Captação de Recursos
fabcr22_apresentação_Crypto, NFTs e Metaverso para Captação de Recursosfabcr22_apresentação_Crypto, NFTs e Metaverso para Captação de Recursos
fabcr22_apresentação_Crypto, NFTs e Metaverso para Captação de Recursos
 
Lcfcoin a moeda chinesa apresentação completa
Lcfcoin a moeda chinesa apresentação completaLcfcoin a moeda chinesa apresentação completa
Lcfcoin a moeda chinesa apresentação completa
 

Mais de Cleberson Moura

O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil
O Pacto Imperial: origens do federalismo no BrasilO Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil
O Pacto Imperial: origens do federalismo no BrasilCleberson Moura
 
Pedagogia do Oprimido - Paulo Freire
Pedagogia do Oprimido - Paulo FreirePedagogia do Oprimido - Paulo Freire
Pedagogia do Oprimido - Paulo FreireCleberson Moura
 
Ensino: as abordagens do processo - Maria Graça Nicoletti Mizukami completo
Ensino: as abordagens do processo - Maria Graça Nicoletti Mizukami   completo Ensino: as abordagens do processo - Maria Graça Nicoletti Mizukami   completo
Ensino: as abordagens do processo - Maria Graça Nicoletti Mizukami completo Cleberson Moura
 
Antropologia em Hollywood - filme A Chegada
Antropologia em Hollywood - filme A ChegadaAntropologia em Hollywood - filme A Chegada
Antropologia em Hollywood - filme A ChegadaCleberson Moura
 
Os novos modos de compreender: a geração do audiovisual e do computador
Os novos modos de compreender: a geração do audiovisual e do computadorOs novos modos de compreender: a geração do audiovisual e do computador
Os novos modos de compreender: a geração do audiovisual e do computadorCleberson Moura
 
A educação na era da internet
A educação na era da internetA educação na era da internet
A educação na era da internetCleberson Moura
 
The Living Earth - James Lovelock
The Living Earth - James LovelockThe Living Earth - James Lovelock
The Living Earth - James LovelockCleberson Moura
 
A estruturação do discurso pedagógico - classe, códigos e controle - Basil Be...
A estruturação do discurso pedagógico - classe, códigos e controle - Basil Be...A estruturação do discurso pedagógico - classe, códigos e controle - Basil Be...
A estruturação do discurso pedagógico - classe, códigos e controle - Basil Be...Cleberson Moura
 
O que é divulgação científica? - Henrique César da Silva
O que é divulgação científica? - Henrique César da SilvaO que é divulgação científica? - Henrique César da Silva
O que é divulgação científica? - Henrique César da SilvaCleberson Moura
 
Indexação e Resumos: teoria e prática - F.W. Lancaster
Indexação e Resumos: teoria e prática - F.W. LancasterIndexação e Resumos: teoria e prática - F.W. Lancaster
Indexação e Resumos: teoria e prática - F.W. LancasterCleberson Moura
 
Como escrever um artigo cientifico - a estrutura do artigo científico
Como escrever um artigo cientifico - a estrutura do artigo científicoComo escrever um artigo cientifico - a estrutura do artigo científico
Como escrever um artigo cientifico - a estrutura do artigo científicoCleberson Moura
 
A gestão democrática na constituição federal de 1988 e o princípio da gestão ...
A gestão democrática na constituição federal de 1988 e o princípio da gestão ...A gestão democrática na constituição federal de 1988 e o princípio da gestão ...
A gestão democrática na constituição federal de 1988 e o princípio da gestão ...Cleberson Moura
 

Mais de Cleberson Moura (12)

O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil
O Pacto Imperial: origens do federalismo no BrasilO Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil
O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil
 
Pedagogia do Oprimido - Paulo Freire
Pedagogia do Oprimido - Paulo FreirePedagogia do Oprimido - Paulo Freire
Pedagogia do Oprimido - Paulo Freire
 
Ensino: as abordagens do processo - Maria Graça Nicoletti Mizukami completo
Ensino: as abordagens do processo - Maria Graça Nicoletti Mizukami   completo Ensino: as abordagens do processo - Maria Graça Nicoletti Mizukami   completo
Ensino: as abordagens do processo - Maria Graça Nicoletti Mizukami completo
 
Antropologia em Hollywood - filme A Chegada
Antropologia em Hollywood - filme A ChegadaAntropologia em Hollywood - filme A Chegada
Antropologia em Hollywood - filme A Chegada
 
Os novos modos de compreender: a geração do audiovisual e do computador
Os novos modos de compreender: a geração do audiovisual e do computadorOs novos modos de compreender: a geração do audiovisual e do computador
Os novos modos de compreender: a geração do audiovisual e do computador
 
A educação na era da internet
A educação na era da internetA educação na era da internet
A educação na era da internet
 
The Living Earth - James Lovelock
The Living Earth - James LovelockThe Living Earth - James Lovelock
The Living Earth - James Lovelock
 
A estruturação do discurso pedagógico - classe, códigos e controle - Basil Be...
A estruturação do discurso pedagógico - classe, códigos e controle - Basil Be...A estruturação do discurso pedagógico - classe, códigos e controle - Basil Be...
A estruturação do discurso pedagógico - classe, códigos e controle - Basil Be...
 
O que é divulgação científica? - Henrique César da Silva
O que é divulgação científica? - Henrique César da SilvaO que é divulgação científica? - Henrique César da Silva
O que é divulgação científica? - Henrique César da Silva
 
Indexação e Resumos: teoria e prática - F.W. Lancaster
Indexação e Resumos: teoria e prática - F.W. LancasterIndexação e Resumos: teoria e prática - F.W. Lancaster
Indexação e Resumos: teoria e prática - F.W. Lancaster
 
Como escrever um artigo cientifico - a estrutura do artigo científico
Como escrever um artigo cientifico - a estrutura do artigo científicoComo escrever um artigo cientifico - a estrutura do artigo científico
Como escrever um artigo cientifico - a estrutura do artigo científico
 
A gestão democrática na constituição federal de 1988 e o princípio da gestão ...
A gestão democrática na constituição federal de 1988 e o princípio da gestão ...A gestão democrática na constituição federal de 1988 e o princípio da gestão ...
A gestão democrática na constituição federal de 1988 e o princípio da gestão ...
 

Bitcoin - Revista Super Interessante

  • 1.
  • 2.
  • 3. Texto Alexondre Versignassi Infográficos Ano Carolina Leonardi e Felipe Germano Ilustrocão India San Design Fabricio Miranda Ele valorizou 1.800% em 201'. Ejátemmais de mil .:Iones. Entenda o que há por trás das .:riptomoedas, e .:onheça o segredo que elas guardam para mudar o mundo. AMAIOR REBRE DA HISTÓRIA"DO DINH~IRO
  • 4. - vocÊ INVESTE NO QUÊ? -esterepór- ter perguntou para uma amiga no dia 7 de dezembro. - Ah, em tesouro direto, bitcoin... - Pô, que sofisticado. Quantos bitcoins? - Tenho três. Comprei em 2015 por uns mil reais cada um. Uau. No momento da nossa conversa, os três bitcoins que elatinha comprado por R$ 3 mil estavam valendo R$ 165 mil. O prêmio máximo numa roleta de cassino é de 35 vezes aquilo que você jogou.Aapostadelajáestavapagando 55 vezes. Eseguiu subindo. Enquanto este texto eraescrito, dia18 de dezembro, três bitcoins já valiam R$ 207 mil. Não faltam casos insanos. Em 2010, um certo Laszlo Hanyecz, um pro- ~amadoramericano de ascendência húngara, fez aquela que é considerada como a primeira transação comercial envolvendo bitcoins. Comprou pizza. Não de uma pizzaria, mas de um amigo, Jeremy Sturdivant. Jeremy topou pagar duas pizzas a serem entregues na casa de Laszlo emtroca de 10 mil bitcoins - que na época não tinham valor nenhum, por pura falta de gente interessada. Sete anos depois, 10 mil bitcoins valiam R$ 650 milhões. 28 SUPER JANEIRO 2018 o maior pico do bitcoin antes desse de agora tinha acontecido lá atrás, no final de 2013, quando amoeda chegou aUS$ 1.000.Depois veiouma queda lenta e constante, e obitcoinpassou amaior parte de 2015 relativamente estável, comum preço médio de US$ 250. No ano seguinte aescalada começou de novo, e no início de 20 7a moeda já tinha quadruplicado de valor, voltando ao pico de mil dólares. Ai a porteira abriu de vez. Uma manada de investidores entrou na onda, e o preço do bitcoin subiu até desaparecer de vista. No meio do ano estava aUS$ 2.500.Em setembro, US$ 4.500. Tocou para US$ 7.000 em novembro. No dia17de dezembro, o pico até o momentoem que esta edição foi para a gráfica, bateu em US$ 19.857. Isso dá 1.880% de aumento em um ano. 7.800% desde 2015. E fica a pergunta: é bolha, Bino? Vejamos, Pedro. Hoje, falou de bitcoin, falou da mãe de todas as bolhas, a Mania das Tulipas, que aconteceu na Holanda do século 17. Foiuma épocabreve,emque ovalordessas flores chegou àestratosfera ede lácaiu,deixandoum marde especuladores comas calças na mão. As tulipas caíram no gosto dos europeus logo que foram trazidas daTurquia, noséculo16. AHolanda, porcontado terreno encharcado, virouagrande produtora da coisa. Era tanta demandaque umaúnica tulipa podiavaler um mês de salário (25 florins). Eisso ainda não era a Mania; só uma alta relativamente racional. Ainsanidade de fato aconteceu num período bre- ve, entre 1634 e 1637, quando ferreiros, sapateiros, criadores de cavalos, carpinteiros, enfim, a classe média da época ouviu essas histórias de flores que valiam um mês de salário e decidiu entrar nesse mercado. Passaram a comprar bulbos de tulipa a rodo na esperança de revender mais caro depois, quando o bulbo florescesse. Isso bombou a demanda. Agora o mercado de tulipas não dependia mais só dos amantes de tulí- pas. Estavaanabolizado porum públíco bem maior: os amantes de dinheiro. Com cadavez mais gente comprando, começouuma bola de neve nos preços. E quanto mais o preço subia, mais a demanda aumentava - igual um cachorro que persegue o próprio rabo: quanto mais ele corre, mais rápido o rabo foge, e vice-versa. Em questão de meses, um bulbo de tulipa do tipo Gouda, relativamente rara, subiu de 20 para 225 florins. Quem tinha comprado a coisa pelo equivalente a um mês de salário podia vender agora por um ano de salário. Voltando para°futuro: um bitcoinvalia um mês do salário médio brasileiro em outubro de 2016 (R$ 2.230, ou US$ 675, paravocê não perder aconta em dólar). Claro que °preço do bitcoin não tem a ver com a média salarial do Brasil, mas vale a compa- r~ãoparaentendennoso~audeutul~agem"da moeda. Eofato éque no dia19de novembro de 2017 ela chegou a US$ 8.000 (R$ 26.400). Doze meses do nosso salário médio. Igual a Gouda - com uma diferença: enquanto esse foi oauge dessavariedade de tulipa, o bitcoin seguiu subindo.
  • 5. Na Holanda das tulipas, o preço da flor desgarrou da realidade porque ninguém mais adquiria as plantas para embelezar a sala. Toda a demanda entre 1634 e 1637 era de gente que comprava o bulbo para revender depois. Só tem uma coisa: o estoque de gente a fim de fazer apostas acaba rápido. Foi o que aconteceu na Holanda. Quando isso ficou claro, o preço das flores ,despencou. A manada mudou de direção: agora ninguém mais queria saber de bulbos como investimento, e o valor deles caiu para perto de zero. E o bitcoin? Bom, a bolha das tulipas, e todas as outras ao longo da história, foram timidas diante do que está acontecendo com a moeda eletrônica. A tulipa que mais subiu de preço na época, pelos registros que sobraram, foi a Croenen amarela, umavariedade menos nobre. Um saco com meio quilo de bulbos, que era comercializado por 20 florins, chegou a 1.200. Um salto de 5.9°0% ao longo dos três anos de Mania. O bitcoin bateu essa marca com folga. Em dois anos. Na bolha da internet, o Índice Nasdaq, da bolsa das empresas de tecnologia dos EUA, subiu "só" 400%. E isso num intervalo re- lativamente longo entre 1996 e o fim da festa, em 2000. Por outro lado, nem tudo o que infla estoura. Terminada a bolha da internet, cada ação da Amazon valia US$ 10. Hoje elas estão perto de US$ 1.200. Um pique de 11.9°0%. E quem disser que a Amazon é uma bolha é porque precisa maneirar nas tulipas - de chope. O bitcoin, então, está mais para uma Amazon ou mais para uma tulipa? É o que vamos ver daqui em diante. Se você quer entender o que é um bitcoin, não pense nele como uma moeda. Pense como se cada bitcoin fosse uma foto que você carrega no celular. Só queuma foto diferente, meio Black Mirror: trata-se de uma ima- gem que não dá para copiar. Éimpossível subi-la para o Instagram ou mandar para grupo de zap. Ela só existe dentro do seu celular, na forma de uma única cópia. Não adianta dar print screen, nada. Não vai funcionar. Aí você decide mandar essa foto mágica para um amigo. Beleza. Só tem uma coisa: ela vai sumir do seu celular para sempre, sem deixar vestígios. De agora em diante ela mora no celular do seu amigo, e só vai sair de lá se ele quiser. O sistema do bitcoin consiste em 21 milhões dessas fotos má- gicas, cada uma divisível em cem milhões de partes. Ou seja: você também pode dar um centésimo de milionésimo da sua foto mágica para um amigo. Aí ele fica com 0,00000001 dela, e 0,999999999 da imagem original fica com você. Dê um terço do que te sobrou para outra pessoa, e vai restar 0,333333333 na sua carteira. Falei "carteira" aqui porque a essa altura já deve soar natural. Simplesmente porque as propriedades dessa "foto mágica" são exa- tamente as propriedades do dinheiro. Se você tem R$ 1 mil na conta e transfere um centavo para um amigo, sobram R$ 999,99. Dê um terço do que sobrou para outro e vai restar R$ 333,33. Perdão pelo excesso de didatismo. Esse exemplo óbvio está aqui para mostrar que o bitcoin emula a propriedade definidora daquilo que a gente conhece como "dinheiro": cada unidade é, digamos, única mesmo. IVocê não pode copiar uma nota de R$ 50, muito menos os núme- ros que aparecem na sua tela de saldo. Dinheiro você não copia. -+ I JANEIRO 2018 SUPER 29
  • 6. Você transfere. Com bitcoin é a mesma coisa. Tendo esse conceito bem introje- tado, você não precisa mais pensar em cada bitcoin como se fosse uma foto, mas como ele é na verdade: um grande código criptografado (é a criptografia que torna a coisa incopiável). Por isso que chamam o bitcoin de criptomoeda. Vamos usar esse termo daqui em diante. O bitcoin funciona assim justamente porque Satoshi Nakamoto, o inventor da coisa (veja na pág. 35), queria criar uma moeda universal. A utopia por trás da ideia é que um dia você trabalhe em troca de bitcoins, e que use os bitcoins para se alimentar e pagar o aluguel. Tudo dispensando a intermediação de bancos, e por fora da alçada dos governos -até por isso o bitcoin começou sua carreira meio que na marginalidade, sendo usado como moeda para comprar drogas na deep web, o submundo da internet, nos idos de 2011. Mas essa fase passou. O bitcoin virou coisa séria. Satochi deu à luz um sistema brilhante para tor- nar sua moeda realidade. Ele batizou esse sistema como "blockchain" (cadeia de blocos). Funciona do jeito que você viu aqui: o blockchain cria unidades incopiáveis e permite que cada indivíduo seja o único dono dessa unidade. Chame essaunidade de "moeda" e o que temos é o blockchain emulando as funções de um banco. Mais do Que de um banco: de todo um sistema financeiro. Pense no real, a nossa moeda. Ele é um sistema financeiro composto, neste momento, por 2,3 tri- lhões de unidades indivisíveis (os reais na forma de papel e depositados em contas correntes*), cada uma divisível até um centésimo. O bitcoin é um sistema financeiro composto por 21 milhões de unidades (os bitcoins) divisíveis cada uma até um centésimo de milionésimo. É isso. Só fica uma questão. Por que é que alguém vai usar bitcoin como dinheiro? O real, o dólar, o euro e todas as outras 177 moedas reconhecidas pela ONU já não fazem esse trabalho? Para que reinventar a roda? Existe um motivo: porque nem todo mundo confia em dinheiro. Para saber de onde vem essa desconfiança,temos de dar mais um passo: entender profundamente o que é o dinheiro. A estratosférica saga do bitcoin A história da moeda virtual: da criação discreta em 2009 à ascensão monstruosa de 2017. "Dinheiro é um mecanismo engenhoso: permite que a manicure compre seis pãezinhos semter de fazer as unhas do padeiro", escrevemos uma vez aqui na SUPER. Mas dinheiro só é algo digno desse nome quando obedece a dois critérios: Precisa ser algo que todo mundo queira. Não pode ser algo muito abundante. Por essas, praticamente tudo que fosse relativamente raro e muita gente quisesse já foi usado como dinheiro. Sal, couro, rolos de tabaco, conchas bonitas, cachaça. Mas a coisa que pegou mesmo foi outra: ouro. Porque o ouro cumpre como ninguém aquelas duas características US$ O Em janeiro de 2009, Satoshl Nakamoto lança a primeira versão do software do bitcoin e minera a moeda número um. US$ 0,0025 A primeira tran- sação, em maio de 2010: 10 mil bitcolns por uma pizza de U$ 25. US$l Paridade: pela primeira vez, / umbitcoln vale o mesmo que um dólar. US$ 30 A primeira "bolha" aparece após a revelação de que a moeda serve para comprar drogas na deep web. A empolgação termina e o preço cai a US$ 2 nos meses seguintes. 2009 C010 2011 2012 2013 'a conb inclui ~em CD&s, e exclui aplicações em fundos de ",nela fixa e tftulos públicos; IncluIndo ambos, temos um total de 6.5 trtIhões.
  • 7. US$ 8 mil US$ 6 mil US$ 2 mil US$ 18 mil US$ 14 mil US$ 12 mil US$ 28 mil US$ 18 mil US$ 16 mil =====~I.1d".:==-:US$ 4 mil US$1.280 MARCO Amoeda volta a superar US$1mil. Aalta chama atenção e dá início a uma febre no mercado financeiro. US$ 19.857 DEZEMBRO Estrela nos mercados futuros faz a moeda dis- parar. Agora é possível ganhar (mui- to) dinheiro apostando certo no preço dobitcoin nos próximos meses. US$ 3.312 SETEMBRO BC chinês proíbe a cria- çãode novas criptomoedas. ABTCChina. uma das maio- res operadoras da moeda, congela seus negócios para evitar problemas. US$ 387 Outra queda. em abril de 1014: vazam informações de que o Banco Central chinês quer restringir tran- sações com bitcoin. US$ 547 AMt.Gox. corretora que operava 70% dos bitcoins no mercado, declara fa- lência em fevereiro de 1014 e tem seu CEO investigado por fraude. US$ 1.242 Em novembro de 1013. o bitcoin ultrapassa US$ 1mil pela primeira vez. após audiência no Senado americano dar parecer positivo sobre criptomoedas. /" que definem dinheiro. Ébonito (ou seja, não há quem não queira) e estupendamente raro. Todo ouro minera- do na história da humanidade daria um cubo com 21 metros de lado. Éa área de um prédio de sete andares. Ou 158 mil toneladas. É o que a Vale extrai de minério de ferro em seis horas. A raridade e a beleza da coisa transformaram o ouro na moeda universal. O poder do metal amarelo é tama- nho que ele foi usado como lastro oficial do dólar até 1971 - e até hoje há quem pense que existam reservas de ouro guardadas para garantir a validade do dinheiro de papel (elas até existem, mas não é para isso). Bom, hoje cada governo se responsabiliza por manter sua moeda como um recurso relativamente raro. Ou seja: não pode imprimir dinheiro demais, senão ele deixa de ser dinheiro. É o que aconteceu no Brasil dos anos 1980 e começo dos 90. Imprimiram tanto que as unidades monetárias do Brasil viraram algo tão pedestre quanto grãos de areia, e começaram a cair em desuso. Os anúncios de imóveis nos jornais vinham com os preços em dólar. O nome para o fenômeno de uma moeda caindo em desuso é hiperinflação. O governo cria mais moeda do que a capacidade que as pessoas têm de produzir coisas em troca dessa moeda. O resultado é um mercado cheio de unidades monetárias, mas com poucas coisas para você comprar com elas. Os preços sobem. Inflação. E a inflação, quando exagerada, impede coisas banais, como entrar num financiamento de imóvel. Cenários de hiperinflação se tomaram improváveis. Praticamente todos os paises aprenderam como combater a coisa. Quando a inflação ameaça, os governos drenam dinheiro da praça aumentando juros. Os juros mais altos tomam os investimentos em títulos públicos mais atraentes. As pessoas passam a poupar mais. Com menos dinheiro circulando, a pressão inflacionária diminui. Em cenários de recessão, com empresas fechando e o desemprego subindo, acontece o contrário: o governo joga mais dinheiro na praça para ver se a economia pega no tranco. Os EUA e a União -+ 2014 2015 2016 2017 2018
  • 8. Onde é que dá para gastar Em geral, quanto mais rico o lugar. maior a penetração do bitcoin - mas as exceções surpreendem, inclusive no Brasil. Criptogovernos 05 venezuelanos têm apostado no bitcoin para driblar a desvalorização rampante do bolívar. Em contrapartida, Maduro anunciou que vai lançar o HPetroH, uma criptomoeda estatal Não será a única: o governo da Estônia está crian- do uma também, a "estcoin". Número de estabelecimentos que aceitam bitcoin 1.819 o Araeaju coiDs A capital do bitcoln no Brasil é Aracaju (SE). Mesmo com 501 mil habitan- tes, a cidade tem 58 estabelecimen- tos que aceitam bitcoin, só nove a menos que São Paulo, que tem 12 milhões de moradores. O Rio (6 milhões de pessoas) vem num distante terceiro lugar, com 26. 5.367 o Pequena notável As Ilhas Canárias, de apenas 5 mil habitan- tes, se tomaram um centro de aceitação do bitcoin. Mais de )0 es- tabelecimentos vendem produtos em troca da moeda. Israel, um polo tecnológico. também é pró-bltcoin: dezenas de lojas de Tel Aviv aceitam a moeda virtual 7.071 o Usuários vs. Valorização Cada vez mais gente usa cripto- moedas. O número de carteiras virtuais aumentou 1OO'llo em 2017 (de 7,6 milhões para 14,7 milhões). Uma bela porcenta- gem, mas que some diante de outra: 05 1.800"10 da valoriza- ção do bitcoin. 8.183 o
  • 9. roncentraçclo de ~stabe(edmentos /ue aceitam bitcoin mundial. A China, 1.842 toneladas. Os EUA, 8.133. E é aí que o bitcoin quer entrar. A criptomoeda foi criada para ser algo tão valioso quanto ouro. Como? Imitando a maior das propriedades do ouro. Existem 21 milhões de bitcoins no pla- neta. Ninguém jamais vai "imprimir", criar, um bitcoin novo, como acontece com dinheiro de papel. É dessa forma que a criptomoeda pretende simular o ouro, e se tornar algo imune a inflação - logo, mais atraente que o dinheiro de papel. O jogo de imitação vai mais longe. Desses 21 milhões de bitcoins, só 17 milhões estão circulan- do. Os outros 4 milhões seguem ocultos, como se fossem um metal precioso a ser minerado. O sistema do bitcoin funciona como um videoga- me online. As novas unidades estão nas profundezas do jogo. E você precisa baixar um software para minerá-las. Com o programa instalado,sua máquina passa a fazer parte da rede de processamento que gerencia a rede do bítcoin - toda formada por má- quinas de outros mineradores. Ou seja, é uma rede peer-to-peer, igual o Pirate Bay(só que dentro da lei). Agora, digamos que eu transfira um milésimo de bitcoin para comprar uma pizza. Essa transação requer algum poder de processamento. O sistema precisaverificar se eu realmente tenho um milésímo de bitcoin na minha conta, checar se a conta da pizzaria que aceita bitcoin é válida, e fazer atransfe- rênciade fato. Tudo isso pode serprocessado pelasua máquina, na sua casa, sem que você nunca tenha me visto na vida. Como prêmio por emprestar energia elétrica e poder de computação ao sistema, você ganha algumas frações dos meus bitcoins - ou seja, a minha pizza fica um pouco mais cara, jáque o seu pagamento sai da minha carteira virtual. Já para você desenterrar bitcoins novos de fato precisa dar mais um passo. Sua máquina tem de resolver um quebra-cabeça matemático. Para dar uma ideia melhor: um game para PC, do ponto de vista do seu computador, é um quebra-cabeça ma- temático. Quanto mais complexo o game, mais os processadores dele fritam os transistores. Bom, ao criar o bitcoin, em 2009, Satoshi Naka- moto estipulou que a quantidade de novas moedas mineradas deve ser sempre a mesma, não importa quanta gente esteja minerando. Isso significa que, quanto mais gente estiver nessa, mais difíceis vão ser os quebra-cabeças. Em 2009, dava para minerar 200 unidades com um PC comum em questão de dias. Em 2014, já levava 98 anos para minerar um único bitcoin. Hoje, esquece: os problemas são tão absurdos que só dá para resolvê-los com vários computadores ro- bustos trabalhando em rede 24 horas por dia. -+ Europeia têm feito isso desde a crise de 2008 - os Bancos Centrais deles imprimem dinheiro e emprestam ba- sicamente sem juros para os bancos. Nisso, os empresários ganham crédito barato para abrir negócios e os consu- midores, para comprar o que os em- presários vendem. Se der errado, como aconteceu no Brasil lá atrás, a sociedade não responde ao estímulo. O governo fabrica cada vez mais dinheiro, só que ninguém produz mais do que já estava produzindo, e os preços sobem. Se der certo, por outro lado, todo mundo passa a produzir mais, os empregos voltam e xô, recessão. Mas nunca dá 100% certo. Sempre acabam imprimindo um pouco mais de dinheiro do que seria necessário, pelo simples fato de que gerenciar a eco- nomia de um país inteiro é tão difícil quanto pilotar um caça na garagem do seu prédio. Não dá para calcular todos os movimentos - no mínimo, você vai raspar a asa em algum poste. O próprio dólar, que jamais viveu uma hiperinflação, dá suas raspadas o tempo todo. Para comprar algo que em 1992 custava US$ 20, hoje você precisa de US$ 35 Gá que a inflação acumulada dos últimos 25 nos EUA foi de 75%). Se os EUA derem uma brasílzada um dia, o dólar hiperinflaciona, cai em desuso, e a economia mundial perde sua grande referência, pelo menos por um tempo, até que coloquem tudo nos eixos de volta. Convenhamos que essa não é exatamente uma hipótese para você levar a sério. Mesmo assim, não falta quem tente se prevenir. E é por isso que ainda existe um mercado para ouro. O Brasil mesmo guarda 67 tone- ladas do metal amarelo para o caso de alguma catástrofe no sistema financeiro 11.203 o Tõfora Já há quem tenha desistido do bltcoln. A Steam, maior pla- tafonna de venda de games onUne do planeta, deixou de aceitar a moeda em dezembro depois de quase dois anos. Motivo: as altas taxas de transação e as oscilações no preço da moeda. JANEIRO 2018 SUPER 33
  • 10. 34 SUPER JANEIRO 2018 de 991,aI4Is _em criptomoedas o o ouro do mundo . . '! ~--...._- Existem mineradores caseiros que se equipam bem e colocam suas máquinas para trabalhar em conjunto, em busca de algumas frações de bitcoin. Mas o poder real de mineração estácomas empresas especializadas. Elas escavam as moedas novas efazem dinheiro vendendo paraas corretoras (como as brasileiras Mercado Bitcoin e CoinBR). Éoque faz aBitmain,uma companhia chinesa de mineração de bitcoins quemantém 21 mil computadores num galpão no interior da Mongólia, para aproveitar aenergia elétricamais barata de lá - cortesia das minas de carvão que pipocam pelos desertos do país. Haja carvão, aliás. A mineração de bitcoins mundo afora consome33Terawatts-hora por ano de eletricidade. É um terço da produção de ltaipu, e seria o suficiente para alimentar o Brasil por 26 dias. Se acotação do bitcoin seguirsubindo, mineradoras como a Bitmain vão con- tinuar crescendo, e uma Itaipu vai ser pouco. Até porque obitcoin não está mais sozinho: há outras criptomoedas, com seus próprios sistemas de blockchain e suas próprias redes de mineração. Elas foram surgindo umaatrás da outra desde 2011. E agora aparece uma por semana. --USs90,4trilhões em dinheiro de papel e em contas-correntes Enquanto este texto era escrito, o mundo já tinha 1-356 criptomoedas. O próprio bitcoin não é mais aquele. Em 2013, ele tinha 95% do mercado. Hoje são só 54%. Em segundo lugar, vem o ether, criado em 201.4, com 12%. Depois aparecem o ripple (6,5%), o bcash (6%) e o litecoin (2,8%). As outras mil e tantas formam uma longuíssima cauda de criptomoedas nanicas. Todas juntas, de qualquer forma, jávalem US$ 500 bilhões. E a pergunta continua: é bolha? Ninguém sabe. Mas o fato é que atecnologia por trás delas, o blockchain, não tem nada de bolha. Veio para ficar. Até porque o blockchain não serve só para fazer moeda. Pense de novo em um bitcoin como se ele fosse uma foto única, incopiável. Essa foto pode repre- sentar uma moeda, como a gente viu. Mas pode representar também outro objeto produzido por Casas da Moeda: o seu passaporte. O governo vai continuar emitindo o documento, mas você não precisaria mais carregar uma versão física dele no bolso quando fosse viajar para fora. Um sistema de reconhecimento facial no setor de imigração do aeroporto de destino encontraria o seu passaporte na nuvem blockchain de passaportes. A Casa da Moeda produz passaportes porque é especialista em dificultar falsificações. O blockchain leva es- sa propriedade para o mundo virtual: um hacker não consegue inserir "bitcoins falsos" na própria
  • 11. JANEIRO 2018 SUPI!R 35 carteira. Compassaportes seriaamesma coisa.Comcarteirade motoristatambém. Você não precisaria levar sua CNH para alugar um carro fora do país. Nem para dirigir poraqui. Se apolíciate parar, eles escaneiamseu rosto (ou suaíris, ou suas digitais) e pronto: têm acesso à nuvem de blockchain de carteiras de motorista e sabem se asua habilitação está em dia. Registros médicos também casam comas possibilidades que oblockchain abre. Sevocê sofrerum acidente echegar desacordado ao hospital, o médico usa sua identidade para entrar no sistema e ver seu tipo sanguíneo, quais remédios você estátomando, se tem alergiaaalgum medicamento, se você estágrávida. Isso jáexiste na Estônia, que usa um sistema de blockchain para garantir a seguran- ça desses dados, e pretende usá-lo para eliminar a burocracia estatal. No cartorial Brasil, seria uma revolu- ção. Vendeu o carro e precisatransferir os documentos? Esquece o cartório. É só transferir a versão eletrônica deles pelo celular, igual você já faz com di- nheiro. Reconhecer finna do contrato de aluguel? Nunca mais. Se você subir o contrato parauma rede de blockchain, já vale por um assinatura reconhecida pelo papa. No fundo, oblockchain é ota- belião de notas do futuro - aEthereum, empresa por trás do ether, a segunda maior criptomoeda, trabalha em proje- tos assim, que coloquem o blockchain para cuidar de burocracia de fonna mais eficiente que os burocratas. A Ripple também faz mais do uma criptomoeda. Ela oferece sua rede de blockchain não só para os eventuais usuários da moeda, mas também para instituições financeiras. A ideia ali é agilizar transferências interna- cionais entre bancos diferentes. Você tem uma conta no Banco do Brasil e quer transferir para o Chinggis Khaan bank, da Mongólia. A rede de blockchain da Ripple checase aconta no Banco do Brasiltem os fundos, conecta um banco intennediário em outro pais, que faz a troca de reais por Tugriks, a moeda mongol, e checa se a conta de destino no Chinggis Khaanbank éválida. Na prática, oblockchainda Ripple une os três bancos no mesmo sistema,o que corta basicamente toda a burocracia, e acelera a transação. Quem processa tudo são os computadores dos bancos mesmo. Sai a figura do minerador, fica o blockchain. O Santander e a American Express estão nessa: associaram-se à Ripple em novembro para agilizar transferências internacionais. Se o futuro do blockchain é brilhante, não dá para fazer a mesma aposta com as criptomoedas. Nenhum governo pretende perder o controle so- bre a própria economia - e o monopólio da pro- dução de moeda é fundamental para manter tal controle. A aceitação das criptomoedas também segue pequena. Existem 12 mil estabelecimentos no mundo que aceitam bitcoin, de acordo com o Coinmap, que faz essa contabilidade em tempo real. Épouco: só o McDonald's tem 37 mil lojas - e não aceita bitcoin. As taxas que os mineradores cobram também são proibitivas parao dia a dia. Atransferência em bitcoin de um valor equivalente a R$ 50 (0,0007 bitcoin) pode custar de R$ 20 a mais de R$ 100 em taxas (isso, mais de R$ 100). Se você compra R$ 100 mil de moeda virtual, isso não faz diferença. Mas o bitcoin não nasceu para ser uma ferramen- ta de especulação. Satoshi Nakamoto queria que ele funcionasse como uma moeda para você usar na padaria. Só que essa não é a realidade. Pior: o sistema tem limitações severas. Ele só consegue operar coisa de 'dez transações por segundo. A Visa processa mais de mil. Isso cria um gargalo. E afinalização de um pagamento via bitcoin pode demorar de dez minutos a mais de três horas. Nin- guém quer perder tanto tempo no caixa da padaria. Pouca gente se importa com isso porque agran- de maioria não está comprando bitcoins para usar, mas para especular. E, se é assim, o fenômeno de 2017 não é diferente do da Holanda do século 17. A culpa disso não é do bitcoin - tal como lá atrás não era das tulipas. A ideia por trás das criptomoedas é sólida. Por outro lado, ainda é cedo para dizer se elas serão realmente úteis um dia. E, mesmo se as criptomoedas derem certo, talvez o bitcoin seja só o Orkut da coisa toda - acabe obsoleto, ultrapassado por concorrentes mais ágeis. Mas não importa. Termine como terminar, essa história já rendeu um belo dividendo para a humanidade: o blockchain. Obrigado, Satoshi Nakamoto. e