A gestão democrática na constituição federal de 1988 e o princípio da gestão ...
Bitcoin - Revista Super Interessante
1.
2.
3. Texto Alexondre Versignassi
Infográficos Ano Carolina
Leonardi e Felipe Germano
Ilustrocão India San
Design Fabricio Miranda
Ele valorizou
1.800% em 201'.
Ejátemmais
de mil .:Iones.
Entenda o que
há por trás das
.:riptomoedas,
e .:onheça
o segredo que
elas guardam
para mudar
o mundo.
AMAIOR REBRE DA HISTÓRIA"DO DINH~IRO
4. - vocÊ INVESTE NO QUÊ? -esterepór-
ter perguntou para uma amiga no dia 7
de dezembro.
- Ah, em tesouro direto, bitcoin...
- Pô, que sofisticado. Quantos bitcoins?
- Tenho três. Comprei em 2015 por uns
mil reais cada um.
Uau. No momento da nossa conversa,
os três bitcoins que elatinha comprado
por R$ 3 mil estavam valendo R$ 165
mil. O prêmio máximo numa roleta de
cassino é de 35 vezes aquilo que você
jogou.Aapostadelajáestavapagando 55
vezes. Eseguiu subindo. Enquanto este
texto eraescrito, dia18 de dezembro, três
bitcoins já valiam R$ 207 mil.
Não faltam casos insanos. Em 2010,
um certo Laszlo Hanyecz, um pro-
~amadoramericano de ascendência
húngara, fez aquela que é considerada
como a primeira transação comercial
envolvendo bitcoins. Comprou pizza.
Não de uma pizzaria, mas de um amigo,
Jeremy Sturdivant. Jeremy topou pagar
duas pizzas a serem entregues na casa
de Laszlo emtroca de 10 mil bitcoins -
que na época não tinham valor nenhum,
por pura falta de gente interessada. Sete
anos depois, 10 mil bitcoins valiam R$
650 milhões.
28 SUPER JANEIRO 2018
o maior pico do bitcoin antes desse de agora tinha acontecido lá
atrás, no final de 2013, quando amoeda chegou aUS$ 1.000.Depois
veiouma queda lenta e constante, e obitcoinpassou amaior parte de
2015 relativamente estável, comum preço médio de US$ 250. No ano
seguinte aescalada começou de novo, e no início de 20 7a moeda já
tinha quadruplicado de valor, voltando ao pico de mil dólares. Ai a
porteira abriu de vez. Uma manada de investidores entrou na onda,
e o preço do bitcoin subiu até desaparecer de vista. No meio do ano
estava aUS$ 2.500.Em setembro, US$ 4.500. Tocou para US$ 7.000
em novembro. No dia17de dezembro, o pico até o momentoem que
esta edição foi para a gráfica, bateu em US$ 19.857. Isso dá 1.880%
de aumento em um ano. 7.800% desde 2015.
E fica a pergunta: é bolha, Bino?
Vejamos, Pedro. Hoje, falou de bitcoin, falou da mãe de todas as
bolhas, a Mania das Tulipas, que aconteceu na Holanda do século 17.
Foiuma épocabreve,emque ovalordessas flores chegou àestratosfera
ede lácaiu,deixandoum marde especuladores comas calças na mão.
As tulipas caíram no gosto dos europeus logo que foram trazidas
daTurquia, noséculo16. AHolanda, porcontado terreno encharcado,
virouagrande produtora da coisa. Era tanta demandaque umaúnica
tulipa podiavaler um mês de salário (25 florins). Eisso ainda não era
a Mania; só uma alta relativamente racional.
Ainsanidade de fato aconteceu num período bre-
ve, entre 1634 e 1637, quando ferreiros, sapateiros,
criadores de cavalos, carpinteiros, enfim, a classe
média da época ouviu essas histórias de flores que
valiam um mês de salário e decidiu entrar nesse
mercado. Passaram a comprar bulbos de tulipa a
rodo na esperança de revender mais caro depois,
quando o bulbo florescesse.
Isso bombou a demanda. Agora o mercado de
tulipas não dependia mais só dos amantes de tulí-
pas. Estavaanabolizado porum públíco bem maior:
os amantes de dinheiro. Com cadavez mais gente
comprando, começouuma bola de neve nos preços.
E quanto mais o preço subia, mais a demanda
aumentava - igual um cachorro que persegue o
próprio rabo: quanto mais ele corre, mais rápido
o rabo foge, e vice-versa. Em questão de meses,
um bulbo de tulipa do tipo Gouda, relativamente
rara, subiu de 20 para 225 florins. Quem tinha
comprado a coisa pelo equivalente a um mês de
salário podia vender agora por um ano de salário.
Voltando para°futuro: um bitcoinvalia um mês
do salário médio brasileiro em outubro de 2016 (R$
2.230, ou US$ 675, paravocê não perder aconta em
dólar). Claro que °preço do bitcoin não tem a ver
com a média salarial do Brasil, mas vale a compa-
r~ãoparaentendennoso~audeutul~agem"da
moeda. Eofato éque no dia19de novembro de 2017
ela chegou a US$ 8.000 (R$ 26.400). Doze meses
do nosso salário médio. Igual a Gouda - com uma
diferença: enquanto esse foi oauge dessavariedade
de tulipa, o bitcoin seguiu subindo.
5. Na Holanda das tulipas, o preço da flor desgarrou da realidade
porque ninguém mais adquiria as plantas para embelezar a sala.
Toda a demanda entre 1634 e 1637 era de gente que comprava o
bulbo para revender depois. Só tem uma coisa: o estoque de gente a
fim de fazer apostas acaba rápido. Foi o que aconteceu na Holanda.
Quando isso ficou claro, o preço das flores ,despencou. A manada
mudou de direção: agora ninguém mais queria saber de bulbos
como investimento, e o valor deles caiu para perto de zero.
E o bitcoin? Bom, a bolha das tulipas, e todas as outras ao longo
da história, foram timidas diante do que está acontecendo com a
moeda eletrônica. A tulipa que mais subiu de preço na época, pelos
registros que sobraram, foi a Croenen amarela, umavariedade menos
nobre. Um saco com meio quilo de bulbos, que era comercializado
por 20 florins, chegou a 1.200. Um salto de 5.9°0% ao longo dos
três anos de Mania. O bitcoin bateu essa marca com folga. Em dois
anos. Na bolha da internet, o Índice Nasdaq, da bolsa das empresas
de tecnologia dos EUA, subiu "só" 400%. E isso num intervalo re-
lativamente longo entre 1996 e o fim da festa, em 2000. Por outro
lado, nem tudo o que infla estoura. Terminada a bolha da internet,
cada ação da Amazon valia US$ 10. Hoje elas estão perto de US$
1.200. Um pique de 11.9°0%. E quem disser que a Amazon é uma
bolha é porque precisa maneirar nas tulipas - de chope.
O bitcoin, então, está mais para uma Amazon ou mais para uma
tulipa? É o que vamos ver daqui em diante.
Se você quer entender o que é um bitcoin, não pense
nele como uma moeda. Pense como se cada bitcoin
fosse uma foto que você carrega no celular. Só queuma
foto diferente, meio Black Mirror: trata-se de uma ima-
gem que não dá para copiar. Éimpossível subi-la para o Instagram
ou mandar para grupo de zap. Ela só existe dentro do seu celular,
na forma de uma única cópia. Não adianta dar print screen, nada.
Não vai funcionar.
Aí você decide mandar essa foto mágica para um amigo. Beleza.
Só tem uma coisa: ela vai sumir do seu celular para sempre, sem
deixar vestígios. De agora em diante ela mora no celular do seu
amigo, e só vai sair de lá se ele quiser.
O sistema do bitcoin consiste em 21 milhões dessas fotos má-
gicas, cada uma divisível em cem milhões de partes. Ou seja: você
também pode dar um centésimo de milionésimo da sua foto mágica
para um amigo. Aí ele fica com 0,00000001 dela, e 0,999999999
da imagem original fica com você. Dê um terço do que te sobrou
para outra pessoa, e vai restar 0,333333333 na sua carteira.
Falei "carteira" aqui porque a essa altura já deve soar natural.
Simplesmente porque as propriedades dessa "foto mágica" são exa-
tamente as propriedades do dinheiro. Se você tem R$ 1 mil na conta
e transfere um centavo para um amigo, sobram R$ 999,99. Dê um
terço do que sobrou para outro e vai restar R$ 333,33. Perdão pelo
excesso de didatismo. Esse exemplo óbvio está aqui para mostrar
que o bitcoin emula a propriedade definidora daquilo que a gente
conhece como "dinheiro": cada unidade é, digamos, única mesmo. IVocê não pode copiar uma nota de R$ 50, muito menos os núme-
ros que aparecem na sua tela de saldo. Dinheiro você não copia. -+ I
JANEIRO 2018 SUPER 29
6. Você transfere. Com bitcoin é a mesma
coisa. Tendo esse conceito bem introje-
tado, você não precisa mais pensar em
cada bitcoin como se fosse uma foto,
mas como ele é na verdade: um grande
código criptografado (é a criptografia
que torna a coisa incopiável). Por isso
que chamam o bitcoin de criptomoeda.
Vamos usar esse termo daqui em diante.
O bitcoin funciona assim justamente
porque Satoshi Nakamoto, o inventor da
coisa (veja na pág. 35), queria criar uma
moeda universal. A utopia por trás da
ideia é que um dia você trabalhe em
troca de bitcoins, e que use os bitcoins
para se alimentar e pagar o aluguel. Tudo
dispensando a intermediação de bancos,
e por fora da alçada dos governos -até
por isso o bitcoin começou sua carreira
meio que na marginalidade, sendo usado
como moeda para comprar drogas na
deep web, o submundo da internet, nos
idos de 2011. Mas essa fase passou. O
bitcoin virou coisa séria.
Satochi deu à luz um sistema brilhante para tor-
nar sua moeda realidade. Ele batizou esse sistema
como "blockchain" (cadeia de blocos). Funciona do
jeito que você viu aqui: o blockchain cria unidades
incopiáveis e permite que cada indivíduo seja o único
dono dessa unidade. Chame essaunidade de "moeda"
e o que temos é o blockchain emulando as funções
de um banco. Mais do Que de um banco: de todo
um sistema financeiro.
Pense no real, a nossa moeda. Ele é um sistema
financeiro composto, neste momento, por 2,3 tri-
lhões de unidades indivisíveis (os reais na forma de
papel e depositados em contas correntes*), cada uma
divisível até um centésimo. O bitcoin é um sistema
financeiro composto por 21 milhões de unidades
(os bitcoins) divisíveis cada uma até um centésimo
de milionésimo. É isso.
Só fica uma questão. Por que é que alguém vai
usar bitcoin como dinheiro? O real, o dólar, o euro e
todas as outras 177 moedas reconhecidas pela ONU
já não fazem esse trabalho? Para que reinventar a
roda? Existe um motivo: porque nem todo mundo
confia em dinheiro. Para saber de onde vem essa
desconfiança,temos de dar mais um passo: entender
profundamente o que é o dinheiro.
A estratosférica
saga do bitcoin
A história da moeda virtual:
da criação discreta em 2009
à ascensão monstruosa de 2017.
"Dinheiro é um mecanismo engenhoso:
permite que a manicure compre seis
pãezinhos semter de fazer as unhas do
padeiro", escrevemos uma vez aqui na
SUPER. Mas dinheiro só é algo digno desse nome quando obedece
a dois critérios: Precisa ser algo que todo mundo queira. Não pode
ser algo muito abundante.
Por essas, praticamente tudo que fosse relativamente raro e muita
gente quisesse já foi usado como dinheiro. Sal, couro, rolos de tabaco,
conchas bonitas, cachaça. Mas a coisa que pegou mesmo foi outra: ouro.
Porque o ouro cumpre como ninguém aquelas duas características
US$ O
Em janeiro de 2009,
Satoshl Nakamoto
lança a primeira
versão do software
do bitcoin e minera
a moeda número um.
US$ 0,0025
A primeira tran-
sação, em maio
de 2010: 10 mil
bitcolns por uma
pizza de U$ 25.
US$l
Paridade: pela
primeira vez, /
umbitcoln
vale o mesmo
que um dólar.
US$ 30
A primeira "bolha" aparece após
a revelação de que a moeda serve
para comprar drogas na deep web.
A empolgação termina e o preço
cai a US$ 2 nos meses seguintes.
2009 C010 2011 2012 2013
'a conb inclui ~em CD&s, e exclui aplicações em fundos de ",nela fixa e tftulos públicos; IncluIndo ambos, temos um total de 6.5 trtIhões.
7. US$ 8 mil
US$ 6 mil
US$ 2 mil
US$ 18 mil
US$ 14 mil
US$ 12 mil
US$ 28 mil
US$ 18 mil
US$ 16 mil
=====~I.1d".:==-:US$ 4 mil
US$1.280
MARCO
Amoeda
volta a
superar
US$1mil.
Aalta chama
atenção e
dá início a
uma febre
no mercado
financeiro.
US$ 19.857
DEZEMBRO
Estrela nos
mercados
futuros faz
a moeda dis-
parar. Agora
é possível
ganhar (mui-
to) dinheiro
apostando
certo no preço
dobitcoin
nos próximos
meses.
US$ 3.312
SETEMBRO
BC chinês
proíbe a cria-
çãode novas
criptomoedas.
ABTCChina.
uma das maio-
res operadoras
da moeda,
congela seus
negócios
para evitar
problemas.
US$ 387
Outra queda. em
abril de 1014: vazam
informações de que o
Banco Central chinês
quer restringir tran-
sações com bitcoin.
US$ 547
AMt.Gox. corretora
que operava
70% dos bitcoins no
mercado, declara fa-
lência em fevereiro de
1014 e tem seu CEO
investigado por fraude.
US$ 1.242
Em novembro de 1013.
o bitcoin ultrapassa
US$ 1mil pela primeira
vez. após audiência
no Senado americano
dar parecer positivo
sobre criptomoedas. /"
que definem dinheiro. Ébonito (ou seja, não há quem
não queira) e estupendamente raro. Todo ouro minera-
do na história da humanidade daria um cubo com 21
metros de lado. Éa área de um prédio de sete andares.
Ou 158 mil toneladas. É o que a Vale extrai de minério
de ferro em seis horas.
A raridade e a beleza da coisa transformaram o ouro
na moeda universal. O poder do metal amarelo é tama-
nho que ele foi usado como lastro oficial do dólar até
1971 - e até hoje há quem pense que existam reservas
de ouro guardadas para garantir a validade do dinheiro
de papel (elas até existem, mas não é para isso).
Bom, hoje cada governo se responsabiliza por manter
sua moeda como um recurso relativamente raro. Ou
seja: não pode imprimir dinheiro demais, senão ele
deixa de ser dinheiro. É o que aconteceu no Brasil
dos anos 1980 e começo dos 90. Imprimiram tanto
que as unidades monetárias do Brasil viraram algo tão
pedestre quanto grãos de areia, e começaram a cair em
desuso. Os anúncios de imóveis nos jornais vinham
com os preços em dólar.
O nome para o fenômeno de uma moeda caindo em
desuso é hiperinflação. O governo cria mais moeda do
que a capacidade que as pessoas têm de produzir coisas
em troca dessa moeda. O resultado é um mercado cheio
de unidades monetárias, mas com poucas coisas para
você comprar com elas. Os preços sobem. Inflação. E
a inflação, quando exagerada, impede coisas banais,
como entrar num financiamento de imóvel.
Cenários de hiperinflação se tomaram improváveis. Praticamente
todos os paises aprenderam como combater a coisa. Quando a inflação
ameaça, os governos drenam dinheiro da praça aumentando juros. Os
juros mais altos tomam os investimentos em títulos públicos mais
atraentes. As pessoas passam a poupar mais. Com menos dinheiro
circulando, a pressão inflacionária diminui.
Em cenários de recessão, com empresas fechando e o desemprego
subindo, acontece o contrário: o governo joga mais dinheiro na
praça para ver se a economia pega no tranco. Os EUA e a União -+
2014 2015 2016 2017 2018
8. Onde é que
dá para gastar
Em geral, quanto mais rico o lugar. maior
a penetração do bitcoin - mas as exceções
surpreendem, inclusive no Brasil.
Criptogovernos
05 venezuelanos
têm apostado no
bitcoin para driblar
a desvalorização
rampante do bolívar.
Em contrapartida,
Maduro anunciou que
vai lançar o HPetroH,
uma criptomoeda
estatal Não será
a única: o governo
da Estônia está crian-
do uma também,
a "estcoin".
Número de estabelecimentos
que aceitam bitcoin
1.819
o
Araeaju coiDs
A capital do
bitcoln no Brasil
é Aracaju (SE).
Mesmo com
501 mil habitan-
tes, a cidade tem
58 estabelecimen-
tos que aceitam
bitcoin, só nove
a menos que
São Paulo, que
tem 12 milhões
de moradores.
O Rio (6 milhões
de pessoas) vem
num distante
terceiro lugar,
com 26.
5.367
o
Pequena notável
As Ilhas Canárias, de
apenas 5 mil habitan-
tes, se tomaram um
centro de aceitação do
bitcoin. Mais de )0 es-
tabelecimentos vendem
produtos em troca da
moeda. Israel, um polo
tecnológico. também é
pró-bltcoin: dezenas de
lojas de Tel Aviv aceitam
a moeda virtual
7.071
o
Usuários vs.
Valorização
Cada vez mais
gente usa cripto-
moedas. O número
de carteiras virtuais
aumentou 1OO'llo em
2017 (de 7,6 milhões
para 14,7 milhões).
Uma bela porcenta-
gem, mas que some
diante de outra: 05
1.800"10 da valoriza-
ção do bitcoin.
8.183
o
9. roncentraçclo de
~stabe(edmentos
/ue aceitam bitcoin
mundial. A China, 1.842 toneladas. Os EUA, 8.133.
E é aí que o bitcoin quer entrar. A criptomoeda foi
criada para ser algo tão valioso quanto ouro. Como?
Imitando a maior das propriedades do ouro.
Existem 21 milhões de bitcoins no pla-
neta. Ninguém jamais vai "imprimir",
criar, um bitcoin novo, como acontece
com dinheiro de papel. É dessa forma
que a criptomoeda pretende simular o ouro, e se
tornar algo imune a inflação - logo, mais atraente
que o dinheiro de papel.
O jogo de imitação vai mais longe. Desses 21
milhões de bitcoins, só 17 milhões estão circulan-
do. Os outros 4 milhões seguem ocultos, como se
fossem um metal precioso a ser minerado.
O sistema do bitcoin funciona como um videoga-
me online. As novas unidades estão nas profundezas
do jogo. E você precisa baixar um software para
minerá-las. Com o programa instalado,sua máquina
passa a fazer parte da rede de processamento que
gerencia a rede do bítcoin - toda formada por má-
quinas de outros mineradores. Ou seja, é uma rede
peer-to-peer, igual o Pirate Bay(só que dentro da lei).
Agora, digamos que eu transfira um milésimo
de bitcoin para comprar uma pizza. Essa transação
requer algum poder de processamento. O sistema
precisaverificar se eu realmente tenho um milésímo
de bitcoin na minha conta, checar se a conta da
pizzaria que aceita bitcoin é válida, e fazer atransfe-
rênciade fato. Tudo isso pode serprocessado pelasua
máquina, na sua casa, sem que você nunca tenha me
visto na vida. Como prêmio por emprestar energia
elétrica e poder de computação ao sistema, você
ganha algumas frações dos meus bitcoins - ou seja,
a minha pizza fica um pouco mais cara, jáque o seu
pagamento sai da minha carteira virtual.
Já para você desenterrar bitcoins novos de fato
precisa dar mais um passo. Sua máquina tem de
resolver um quebra-cabeça matemático. Para dar
uma ideia melhor: um game para PC, do ponto de
vista do seu computador, é um quebra-cabeça ma-
temático. Quanto mais complexo o game, mais os
processadores dele fritam os transistores.
Bom, ao criar o bitcoin, em 2009, Satoshi Naka-
moto estipulou que a quantidade de novas moedas mineradas deve
ser sempre a mesma, não importa quanta gente esteja minerando.
Isso significa que, quanto mais gente estiver nessa, mais difíceis vão
ser os quebra-cabeças. Em 2009, dava para minerar 200 unidades
com um PC comum em questão de dias. Em 2014, já levava 98 anos
para minerar um único bitcoin. Hoje, esquece: os problemas são tão
absurdos que só dá para resolvê-los com vários computadores ro-
bustos trabalhando em rede 24 horas por dia. -+
Europeia têm feito isso desde a crise
de 2008 - os Bancos Centrais deles
imprimem dinheiro e emprestam ba-
sicamente sem juros para os bancos.
Nisso, os empresários ganham crédito
barato para abrir negócios e os consu-
midores, para comprar o que os em-
presários vendem. Se der errado, como
aconteceu no Brasil lá atrás, a sociedade
não responde ao estímulo. O governo
fabrica cada vez mais dinheiro, só que
ninguém produz mais do que já estava
produzindo, e os preços sobem. Se der
certo, por outro lado, todo mundo passa
a produzir mais, os empregos voltam
e xô, recessão.
Mas nunca dá 100% certo. Sempre
acabam imprimindo um pouco mais de
dinheiro do que seria necessário, pelo
simples fato de que gerenciar a eco-
nomia de um país inteiro é tão difícil
quanto pilotar um caça na garagem do
seu prédio. Não dá para calcular todos
os movimentos - no mínimo, você vai
raspar a asa em algum poste.
O próprio dólar, que jamais viveu
uma hiperinflação, dá suas raspadas o
tempo todo. Para comprar algo que em
1992 custava US$ 20, hoje você precisa
de US$ 35 Gá que a inflação acumulada
dos últimos 25 nos EUA foi de 75%).
Se os EUA derem uma brasílzada
um dia, o dólar hiperinflaciona, cai em
desuso, e a economia mundial perde
sua grande referência, pelo menos por
um tempo, até que coloquem tudo nos
eixos de volta. Convenhamos que essa
não é exatamente uma hipótese para
você levar a sério. Mesmo assim, não
falta quem tente se prevenir. E é por
isso que ainda existe um mercado para
ouro. O Brasil mesmo guarda 67 tone-
ladas do metal amarelo para o caso de
alguma catástrofe no sistema financeiro
11.203
o
Tõfora
Já há quem tenha
desistido do bltcoln.
A Steam, maior pla-
tafonna de venda
de games onUne do
planeta, deixou de
aceitar a moeda em
dezembro depois
de quase dois anos.
Motivo: as altas
taxas de transação
e as oscilações no
preço da moeda.
JANEIRO 2018 SUPER 33
10. 34 SUPER JANEIRO 2018
de 991,aI4Is _em criptomoedas
o o ouro do mundo .
. '!
~--...._-
Existem mineradores caseiros que se
equipam bem e colocam suas máquinas
para trabalhar em conjunto, em busca de
algumas frações de bitcoin. Mas o poder
real de mineração estácomas empresas
especializadas. Elas escavam as moedas
novas efazem dinheiro vendendo paraas
corretoras (como as brasileiras Mercado
Bitcoin e CoinBR).
Éoque faz aBitmain,uma companhia
chinesa de mineração de bitcoins
quemantém 21 mil computadores num
galpão no interior da Mongólia, para
aproveitar aenergia elétricamais barata
de lá - cortesia das minas de carvão que
pipocam pelos desertos do país. Haja
carvão, aliás. A mineração de bitcoins
mundo afora consome33Terawatts-hora
por ano de eletricidade. É um terço da
produção de ltaipu, e seria o suficiente
para alimentar o Brasil por 26 dias.
Se acotação do bitcoin seguirsubindo,
mineradoras como a Bitmain vão con-
tinuar crescendo, e uma Itaipu vai ser
pouco. Até porque obitcoin não está mais
sozinho: há outras criptomoedas, com
seus próprios sistemas de blockchain e
suas próprias redes de mineração. Elas
foram surgindo umaatrás da outra desde
2011. E agora aparece uma por semana.
--USs90,4trilhões
em dinheiro de papel
e em contas-correntes
Enquanto este texto era escrito, o mundo já tinha
1-356 criptomoedas.
O próprio bitcoin não é mais aquele. Em 2013,
ele tinha 95% do mercado. Hoje são só 54%. Em
segundo lugar, vem o ether, criado em 201.4, com
12%. Depois aparecem o ripple (6,5%), o bcash
(6%) e o litecoin (2,8%). As outras mil e tantas
formam uma longuíssima cauda de criptomoedas
nanicas. Todas juntas, de qualquer forma, jávalem
US$ 500 bilhões.
E a pergunta continua: é bolha?
Ninguém sabe. Mas o fato é que atecnologia por
trás delas, o blockchain, não tem nada de bolha.
Veio para ficar. Até porque o blockchain não serve
só para fazer moeda.
Pense de novo em um bitcoin como se ele fosse
uma foto única, incopiável. Essa foto pode repre-
sentar uma moeda, como a gente viu. Mas pode
representar também outro objeto produzido por
Casas da Moeda: o seu passaporte. O governo vai
continuar emitindo o documento, mas você não
precisaria mais carregar uma versão física dele no
bolso quando fosse viajar para fora. Um sistema
de reconhecimento facial no setor de imigração do
aeroporto de destino encontraria o seu passaporte
na nuvem blockchain de passaportes. A Casa da
Moeda produz passaportes porque é especialista
em dificultar falsificações. O blockchain leva es-
sa propriedade para o mundo virtual: um hacker
não consegue inserir "bitcoins falsos" na própria
11. JANEIRO 2018 SUPI!R 35
carteira. Compassaportes seriaamesma
coisa.Comcarteirade motoristatambém.
Você não precisaria levar sua CNH para
alugar um carro fora do país. Nem para
dirigir poraqui. Se apolíciate parar, eles
escaneiamseu rosto (ou suaíris, ou suas
digitais) e pronto: têm acesso à nuvem
de blockchain de carteiras de motorista
e sabem se asua habilitação está em dia.
Registros médicos também casam
comas possibilidades que oblockchain
abre. Sevocê sofrerum acidente echegar
desacordado ao hospital, o médico usa
sua identidade para entrar no sistema e
ver seu tipo sanguíneo, quais remédios
você estátomando, se tem alergiaaalgum
medicamento, se você estágrávida. Isso
jáexiste na Estônia, que usa um sistema
de blockchain para garantir a seguran-
ça desses dados, e pretende usá-lo para
eliminar a burocracia estatal.
No cartorial Brasil, seria uma revolu-
ção. Vendeu o carro e precisatransferir
os documentos? Esquece o cartório. É
só transferir a versão eletrônica deles
pelo celular, igual você já faz com di-
nheiro. Reconhecer finna do contrato
de aluguel? Nunca mais. Se você subir
o contrato parauma rede de blockchain,
já vale por um assinatura reconhecida
pelo papa. No fundo, oblockchain é ota-
belião de notas do futuro - aEthereum,
empresa por trás do ether, a segunda
maior criptomoeda, trabalha em proje-
tos assim, que coloquem o blockchain
para cuidar de burocracia de fonna mais
eficiente que os burocratas.
A Ripple também faz mais do uma
criptomoeda. Ela oferece sua rede de
blockchain não só para os eventuais
usuários da moeda, mas também para
instituições financeiras. A ideia ali é agilizar transferências interna-
cionais entre bancos diferentes. Você tem uma conta no Banco do
Brasil e quer transferir para o Chinggis Khaan bank, da Mongólia. A
rede de blockchain da Ripple checase aconta no Banco do Brasiltem
os fundos, conecta um banco intennediário em outro pais, que faz
a troca de reais por Tugriks, a moeda mongol, e checa se a conta de
destino no Chinggis Khaanbank éválida. Na prática, oblockchainda
Ripple une os três bancos no mesmo sistema,o que corta basicamente
toda a burocracia, e acelera a transação. Quem processa tudo são os
computadores dos bancos mesmo. Sai a figura do minerador, fica
o blockchain. O Santander e a American Express
estão nessa: associaram-se à Ripple em novembro
para agilizar transferências internacionais.
Se o futuro do blockchain é brilhante, não dá
para fazer a mesma aposta com as criptomoedas.
Nenhum governo pretende perder o controle so-
bre a própria economia - e o monopólio da pro-
dução de moeda é fundamental para manter tal
controle. A aceitação das criptomoedas também
segue pequena. Existem 12 mil estabelecimentos
no mundo que aceitam bitcoin, de acordo com o
Coinmap, que faz essa contabilidade em tempo
real. Épouco: só o McDonald's tem 37 mil lojas - e
não aceita bitcoin.
As taxas que os mineradores cobram também
são proibitivas parao dia a dia. Atransferência em
bitcoin de um valor equivalente a R$ 50 (0,0007
bitcoin) pode custar de R$ 20 a mais de R$ 100 em
taxas (isso, mais de R$ 100). Se você compra R$
100 mil de moeda virtual, isso não faz diferença.
Mas o bitcoin não nasceu para ser uma ferramen-
ta de especulação. Satoshi Nakamoto queria que
ele funcionasse como uma moeda para você usar
na padaria. Só que essa não é a realidade. Pior: o
sistema tem limitações severas. Ele só consegue
operar coisa de 'dez transações por segundo. A
Visa processa mais de mil. Isso cria um gargalo.
E afinalização de um pagamento via bitcoin pode
demorar de dez minutos a mais de três horas. Nin-
guém quer perder tanto tempo no caixa da padaria.
Pouca gente se importa com isso porque agran-
de maioria não está comprando bitcoins para usar,
mas para especular. E, se é assim, o fenômeno de
2017 não é diferente do da Holanda do século 17. A
culpa disso não é do bitcoin - tal como lá atrás não
era das tulipas. A ideia por trás das criptomoedas
é sólida. Por outro lado, ainda é cedo para dizer
se elas serão realmente úteis um dia. E, mesmo
se as criptomoedas derem certo, talvez o bitcoin
seja só o Orkut da coisa toda - acabe obsoleto,
ultrapassado por concorrentes mais ágeis. Mas não
importa. Termine como terminar, essa história já
rendeu um belo dividendo para a humanidade: o
blockchain. Obrigado, Satoshi Nakamoto. e