Este documento discute feridas agudas, incluindo suas causas, classificações, processos de cicatrização e complicações potenciais. O tratamento de feridas agudas envolve limpeza, controle de hemorragia, sutura ou antibióticos quando apropriado, além de analgésicos e fisioterapia.
1. Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da Santa Casa de Misericórdia de São Jose do Rio Preto
Regente:Valdemar Mano Sanches
FERIDAS AGUDAS
Dr.Brunno Rosique
Considerações Gerais
As feridas podem ser definidas como rupturas das estruturas anatómica e funcional
normais do corpo.
Tendo em conta o tempo de reparação tissular, as feridas podem ser classificadas em:
> Agudas - feridas cuja reparação ocorre sem complicações, em tempo adequado e sequência
ordenada, levando à restauração da integridade anatómica e funcional.
> Crônicas - feridas que não são reparadas em tempo esperado e apresentam complicações.
Causas
A principal causa de feridas agudas no nosso meio são os traumatismos (incluindo as mordeduras). Existem
outras causas como: térmicas (queimaduras P.e.); infecciosas (por bactérias, vírus, parasitas); químicas;
vasculares; alérgicas e radioactivas.
Classificação
As feridas agudas podem ser classificadas de três maneiras:
1. De acordo com a causa:
• Cirúrgica (ex. incisões, excisões)
• Não cirúrgica (ex. queimaduras, abrasões)
2. De acordo com a presença ou ausência de microorganismos:
• Ferida limpa - não contém microorganismos patogénicos. Por exemplo, uma ferida feita sob condições
assépticas (incisão cirúrgica).
• Ferida contaminada - contém bactérias não virulentas.
• Ferida infectada - contém bactérias virulentas (que aparecem 6 horas após o traumatismo).
De acordo com a presença ou ausência de ruptura no tecido superficial:
Abertas
2. o Escoriações, erosões ou brasões - atingem somente a epiderme.
o Incisas - são lineares, com bordos rectos que coaptam bem e provocadas por objectos
cortantes como vidros partidos, facas e metais afiados.
o Contusas - com bordos irregulares e sem perda de substância, são geralmente provocadas por
forças de compressão ou tensão envolvendo objectos pouco ou não cortantes como pedras,
paus e veículos.
o Perfurantes - caminham em direcção à profundidade, com bordos que variam
em forma e tamanho. Têm apenas orifício de entrada e são provocadas por objectos
perfurantes como projécteis de armas de fogo, punhais e ferros pontiagudos.
o Transfictivas - têm sempre um orifício de entrada e outro de saída. São provocadas
por projécteis de armas de fogo e por armas brancas.
o Por arrancamentolavulsão - caracterizam-se por perda de substância e bordos irregulares e não
coaptáveis. São geralmente provocadas por forças de compressão ou tensão como colisão
de dois corpos ou mordeduras.
o Por esfacelamento - são variantes das feridas por arrancamento em que o grau
de contusão dos tecidos é muito severo.
o Intermédias - são associações dos tipos de feridas acima indicados, podem ser contuso incisas,
confuso perfurantes, inciso perfurantes, etc.
> Fechadas
o Equimoses - pequenas colecções superficiais de sangue nos tecidos, facilmente
observadas a "olho nu" especialmente nos indivíduos de pele clara.
Geralmente provocadas por traumatismos confusos leves como um soco, uma
cotovelada ou uma chicotada.
o Hematomas - grandes colecções profundas de sangue nos tecidos, por vezes
apresentando "flutuação". São provocados por traumatismos confusos
violentos como um atropelamento ou uma queda.
Cicatrização
3. Existem 2 tipos de cicatrização espontânea das feridas agudas:
♦ Por Ia intenção - típica das feridas incisas, sem formação de tecido de granulação.
♦ Por 2a intenção - típica dos restantes tipos de feridas abertas, com formação de
tecido de granulação.O processo de cicatrização pode ser longo ou curto. As feridas incisas, incluindo as
cirúrgicas, normalmente cicatrizam em 7 dias. O processo de cicatrização pode ser influenciado por
fatores locais e gerais.
Fatores locais:
♦ Infecção - atrasa o processo de cicatrização.
♦ Tamanho e forma da ferida - quanto maior e mais disforme for a ferida mais lento
é o processo de cicatrização.
♦ Localização da ferida sobre uma neoplasia - atrasa o processo de cicatrização.
♦ Tipo de tecido lesado - a cicatrização é mais lenta nos tendões.
Factores gerais:
♦ Nutrição (teor de proteínas e vitamina C) - um bom teor de proteínas e vitamina C
acelera o processo de cicatrização.
Hemoglobina - a anemia atrasa a cicatrização.
♦ Obesidade - atrasa o processo de cicatrização.
♦ Idade - a cicatrização é mais lenta nos idosos.
♦ Doenças gerais - a cicatrização é mais lenta/deficiente nos diabéticos.
Fármacos - os corticóides atrasam a cicatrização.
A cicatrização nem sempre é normal, pode complicar-se. As principais complicações incluem:
♦ Erosão epitelial - é uma descamação da superfície da cicatriz devido à lise epitelial por
insuficiente irrigação sanguínea ou infecção.
♦ Ulceração - devido a traumatismo ou diminuição do aporte sanguíneo da cicatriz.
♦ Quelóide - são hiperplasias da cicatriz (massas de tecido fibroso), muito frequentes na
raça negra e com tendência à recidiva após extirpação.
♦ Aderências - frequentes nos tendões flexores dos dedos e nos intestinos.
Contracturas - quando o processo de cicatrização envolve as regiões articulares, frequentes nas
queimaduras.
♦ Deiscência - principalmente nas feridas resultantes de laparotomias.
♦ Neuromas de amputação: 1% dos neuromas são extremamente dolorosos, resultam da
secção de nervos.
4. ♦ Degenerescência maligna - surgem frequentemente 15 a 20 anos após a cicatrização,
especialmente nas queimaduras, provocando um carcinoma escamo-celular (Ulcera de
Marjolin).
♦ Despigmentação - a cicatriz fica com uma coloração menor que a restante.
Evolução e complicações
As feridas agudas podem evoluir para a cura (através de um processo adequado de cicatrização)
ou complicar-se, podendo levar à morte.
As principais complicações das feridas agudas são: Hemorragia (que pode
levar ao choque hemorrágico)
Infecção (com risco de septicemia, sépsis e choque séptico)
Rabdomiólise (insuficiência renal aguda devido á obstrução dos túbulos renais pela mioglobina
libertada dos músculos traumatizados)
Embolia gorda (associada á fracturas de ossos longos)
Quadros que acompanham os traumatismos crâneo-encefálicos
Abordagem do paciente com feridas agudas
Na anamnese, é necessário saber:
♦ Qual foi a causa da lesão (arma branca, arma de fogo, mordedura, queda, etc.)
♦ Quanto tempo passou desde a ocorrência do traumatismo
♦ Quais são as principais queixas do doente à chegada (dor, hemorragia, sintomas de choque)
No exame físico deve-se valorizar o exame geral (para excluir um politraumatismo e sinais de choque)
e o exame local.
O exame do local lesado deve começar pela detecção de quaisquer lesões nervosas (motoras e
sensitivas), tendinosas, vasculares ou de duetos especializados.
Quando a lesão é numa extremidade que sangra e a inspecção é dificultada, pode-se utilizar um
esfigmomanómetro colocado próximo da lesão e insuflá-lo até uma pressão superior à pressão sistólica
do doente para se promover a hemostase.
A palpação dos ossos adjacentes à ferida pode permitir a detecção de dor ou instabilidade
confirmando uma fractura subjacente, a qual pode ser confirmada pela radiologia.
5. Deve-se considerar que todas as estruturas situadas em baixo de uma ferida estão atingidas até que se
prove o contrário.
Outros aspectos a considerar no exame do local lesado são a localização, o tamanho, a forma, o
bordo, base, a profundidade das feridas e as características dos tecidos adjacentes. Estes aspectos
permitem classificar correctamente as feridas.
Tratamento
O tratamento imediato inclui:
♦ Limpeza - com água estéril e água oxigenada para a ferida e com água e sabão para a
pele circundante;
♦ Controle da hemorragia - mediante a compressão dos vasos sanguíneos contra o plano
ósseo ou, a elevação do membro se a ferida estiver numa extremidade; o uso do
torniquete deve ser evitado (a menos que não haja outra medida possível).
O tratamento definitivo incluí:
♦ A aplicação de ligaduras ou sutura dos vasos sangrantes;
Sutura - feridas incisas com menos de 6 horas (excepto nas zonas altamente vascularizadas como o
couro cabeludo e a face), após a extracção dos coágulos. Feridas contusas após limpeza
cirúrgica cuidadosa, na qual se deve retirar todos os tecidos desvitalizados. As feridas por
arrancamento, por esfacelamento, por armas de fogo e por mordeduras humanas e animais não são
suturadas.
♦ Antibióticoterapia sistémica - é recomendada nas feridas potencialmente infectadas(por armas de
fogo, por mordeduras, nas queimaduras superiores a 10% nas crianças e a 15% nos adultos) e na
presença de sinais gerais de infecção como tâ maior que 38°c, taquicárdia e leucocitose com
neutrofilia.
Nestes casos recomenda-se o uso de uma penicilina (ou eritromicina) e de um aminoglicósido
(gentamicina ou kanamicina). A via a utilizar depende da gravidade da situação, sendo recomendável a
via parenteral nos casos mais graves. As doses recomendadas são:
Penicilina procaína: 600.000 - 1.500.000 UI (adultos) e 50.000 - 100.000 Ul/kg
(crianças) a cada 24horas.
Gentamicina: l-1.5mg/kg (adultos) e 2-2.5mg/kg (crianças) de 8/8 horas. Kanamicina: 15-30mg/kg/dia
(adultos) e 15-20 mg/kg/dia (crianças) em 2 a 3 dosesdiárias.
Eritromicina: 250-500mg (adultos) e 30-50mg/kg/dia (crianças) de 6/6horas
6. A aplicação local de antibióticos sobre as feridas não é recomendada pois não tem efeitos
benéficos confirmados.
Profilaxia do tétano - se o doente estiver vacinado há menos de 5 anos, reactiva-se com vacina anti-
tetânica (VAT). Se o doente não estiver vacinado ou se tiver sido vacinado há mais de 5 anos,
(re)inicia-se a vacinação anti-tetânica (VAT) e, noutra região, administra-se o soro anti-tetânico (SAT).
Ver anexo instruções para aplicação de VAT/SAT.
♦ Drenos de borracha - nas grandes feridas, para se evitar a formação de hematomas.
♦ Enxertos livres de pele ou flaps - feridas com mais de 4 cm de diâmetro e mais de 3
semanas de cicatrização incompleta.
♦ Aspiração de hematomas grandes - com agulha grossa e penso compressivo.
♦ Pensos abertos ou fechados, com pomada antibiótica ou vaselina esterilizada - escoriações
♦ Pensos fechados com hipoclorito de sódio, pomada antibiótica, sulfadiazina de prata (ou mel) -
feridas confusas, por arrancamento e por esfacelamento.
Analgésicos - paracetamol. Os analgésicos fortes (petidina, morfina, codeína...) só são recomendados nos
casos severos.
Hidroterapia diária - contribui para a limpeza das feridas (principalmente as que têm tecido necrótico) e
facilita a fisioterapia.
♦ Fisioterapia precoce (a partir do 2a dia após o traumatismo) - é essencial para a recuperação
das funções e prevenção das contracturas. Deve ser orientada de acordo com a
gravidade e a localização das feridas.
♦ Nutrição adequada - quando se espera que o processo de cicatrização vai demorar
muito tempo. Recomenda-se uma alimentação hipercalórica, hiperproteica e rica em
suplementos vitamínicos (especialmente a vitamina C)
7. Anexo
Instruções para a aplicação de VAT
1 - Se aferida tiver mais que 24 horas, dar SAT
2-Se a última dose tiver sido dada há mais de 10 anos, dar VAT
3 - Se a última dose tiver sido dada há mais de 5 anos, dar VAT
História de
imunizações do
tétano (doses)
Feridas pequenas e limpas Feridas grandes e conspurcadas
VAT (0.5 ml) SAT (1 ml) VAT (0.5 ml) SAT (1 ml)
Incerteza Sim Não Sim Sim
0-1 Sim Não Sim Sim
2 Sim Não Sim Não1
3/+ Não2 Não Não3 Não