O documento discute as tendências de queda nas taxas de lucro e taxas de crescimento do PIB no sistema capitalista mundial conforme previsto por Karl Marx. Também analisa as ações adotadas pelos capitalistas para neutralizar a queda nas taxas de lucro, como a intensificação da exploração dos trabalhadores e o investimento em países de baixo custo. Porém, essas ações não podem deter indefinidamente a tendência de queda que eventualmente levará ao colapso do sistema capitalista.
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
O futuro incerto do capitalismo mundial
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O FUTURO DO CAPITALISMO
Fernando Alcoforado*
Em uma sociedade capitalista o que interessa ao detentor do capital é a busca por
maiores taxas de lucro. A taxa de lucro é a chave através da qual os capitalistas podem
levar avante seu objetivo de acumulação de capital. Porém, quanto mais se desenvolve a
acumulação de capital é mais dificultoso para os capitalistas obterem taxas de lucro em
nível desejado para continuar o processo de acumulação. A taxa de lucro, sendo a meta
da produção capitalista, sua contínua queda, como vem acontecendo, aparece como uma
ameaça para o processo de produção capitalista.
A tendência decrescente das taxas de lucro no sistema capitalista mundial mostra o
caráter histórico, transitório do modo de produção capitalista e o conflito que se
estabelece com as possibilidades de continuar seu desenvolvimento. Karl Marx estava
certo quando previu em O Capital que a taxa de lucro tenderá a cair no longo prazo,
década após década. Não só haverá altos e baixos em cada ciclo de “boom” e crise, mas
também haverá uma tendência à queda no longo prazo, tornando cada “boom” mais
curto e cada queda mais profunda. Assim, as bases da teoria de Marx sobre a tendência
decrescente das taxas de lucro do sistema capitalista mundial estão sendo confirmadas
(MARX, Karl. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999).
Outra tendência que se manifesta também com a evolução do sistema capitalista
mundial é a do declínio nas taxas de crescimento do PIB da economia mundial. A
economia mundial mostra evidente declínio no PIB de 1980 a 2016. À exceção da
China e da Índia, o PIB dos demais países apresenta declínio ou estagnação econômica.
Além da estagnação econômica que atinge a União Europeia e o Japão, os Estados
Unidos apresentam parcos sinais de recuperação após a crise mundial de 2008 e a China
mostra sinais evidentes de desaceleração. Paira no ar uma síndrome econômica
desintegradora. Trata-se do atual endividamento insuportável dos Estados soberanos da
Europa, do Japão e dos Estados Unidos.
Segundo Eric Hobsbawn, a crise mundial de 2008 foi pior do que a de 1929-1933,
porque é absolutamente global. O sistema financeiro internacional já não funciona mais.
Um fato indiscutível é que haverá depressão que durará muitos anos. Não há volta atrás
para o mercado absoluto que regeu os últimos 40 anos, desde a década de 1970. A crise
global que começou em 2008 é, para a economia de mercado, equivalente ao que foi a
queda do Muro de Berlim em 1989 em relação à economia socialista. Além disso, esta
depressão pode levar a um novo sistema econômico mundial. Há que se redesenhar tudo
em direção ao futuro (REVISTA “EL VIEJO TOPO”. En la tercera crisis. Entrevista a
Eric J. Hobsbawn. Disponível no website <www.elviejotopo.com>, 2009).
Diante da inexorável tendência da queda da taxa de lucro no sistema capitalista mundial,
têm sido adotadas ações neutralizadoras visando sua reversão. A primeira tendência
neutralizadora da queda das taxas de lucro explicada por Marx em O Capital é uma
mais intensa exploração do trabalho. Isto tem acontecido em escala massiva desde a
década de 1990 com a escalada do neoliberalismo no mundo no qual a parte do
rendimento nacional que vai para os salários caiu aos seus níveis mais baixos desde que
estes registros começaram a ser feitos depois da II Guerra Mundial. Além disso, a
jornada de trabalho foi aumentada em todos os países do mundo nos últimos anos. A
classe trabalhadora está sendo pressionada, também, pela introdução do trabalho em
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tempo parcial, pela produção “just-in-time”, pelos contratos de período curto, e outras
medidas regressivas para aumentar a exploração da classe trabalhadora.
A queda dos salários abaixo de seu valor é uma das ações adotadas para contrabalançar
uma taxa de lucro cadente. O excesso relativo da população economicamente ativa é
outro fator neutralizador da queda das taxas de lucro. O desemprego em massa em todo
o mundo, que agora se tornou uma característica permanente, está servindo para
rebaixar os níveis salariais e para baratear o custo da força de trabalho além de aumentar
o tempo de trabalho excedente, isto é, a mais-valia para os capitalistas. A redução dos
“custos salariais” é a principal característica nos últimos anos, enquanto os capitalistas
buscavam elevar seus lucros. O investimento de capital em países estrangeiros de baixo
custo da mão de obra rende também uma mais elevada taxa de lucro. A liberalização do
mercado dos países capitalistas periféricos e semiperiféricos, incluindo a privatização
dos serviços públicos básicos, também abriu possibilidades para novos investimentos, e
todos eles permitiram neutralizar a tendência de queda da taxa de lucro.
É oportuno observar que as crises sucessivas que afetam o sistema capitalista podem
neutralizar a tendência de queda da taxa de lucro porque ao levar alguns capitalistas à
ruína, as crises podem permitir uma recuperação dos lucros à custa de outros
capitalistas. Os meios de produção dos capitalistas arruinados podem ser comprados por
outros capitalistas a preços de liquidação, o valor das matérias-primas cairá e o
desemprego obrigará os trabalhadores a aceitarem salários mais baixos. A produção
voltaria a ser rentável e a acumulação de capital se reiniciaria. Dessa forma, pode haver
períodos longos, mesmo décadas, em que a tendência da taxa de lucro a cair é cancelada
pelas ações neutralizadoras acima citadas. Estas podem deter todo o processo e mesmo
revertê-lo, mas não indefinidamente. Eventualmente, esta tendência de queda irá se
reafirmar e agir como uma barreira ao desenvolvimento do capitalismo.
A intervenção do Estado é também uma arma utilizada para neutralizar a tendência de
queda das taxas de lucro do sistema capitalista mundial ao evitar os primeiros sintomas
da crise que se desenvolvam na direção de um colapso absoluto, mas, também, obstruir
a capacidade de alguns capitalistas para que restabeleçam suas taxas de lucros à custa de
outros. Isto é o que está acontecendo no sistema capitalista mundial após a crise global
de 2008. Os governos nacionais intervieram para evitar a ameaça de grandes quebras.
Mas, ao fazê-lo, impediram que a reestruturação do sistema capitalista fosse suficiente
para superar as pressões que haviam causado a ameaça de falências. Em síntese, é
importante reconhecer que o sistema capitalista somente tem conseguido sobreviver
devido às suas crises recorrentes, à exploração da classe trabalhadora, aos investimentos
em países periféricos e semiperiféricos, à intervenção do Estado sobre a economia e às
grandes somas de capital desviadas para o gasto improdutivo pelo Estado.
Diante dos problemas enfrentados pelo capitalismo com a tendência de declínio em
suas taxas de lucro no desenvolvimento da atividade produtiva, a maior parte do capital
disponível tem sido destinada aos investimentos em aplicações financeiras. Em
consequência, os capitalistas desenvolveram uma gigantesca financeirização da
economia funcionando meramente por considerações especulativas. Mas a
financeirização da economia está limitada, entretanto, pela economia real produtiva que
é a que gera riqueza. Em outras palavras, o capital financeiro ou fictício que não gera
riqueza não pode se tornar autônomo em relação ao capital produtivo. Os principais
condutores do capital fictício são os títulos de dívida pública, os títulos de dívida de
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qualquer natureza, as ações negociadas nas bolsas e a própria moeda de crédito emitida
pelos bancos sem um lastro nos depósitos respectivos.
Segundo François Chesnais, nenhum outro setor da economia pode ostentar taxas de
retorno tão elevadas, nem mesmo qualquer uma das maiores empresas do setor
produtivo pode sequer igualar os lucros recordes do sistema financeiro. Em decorrência
de seus vínculos com as demais formas concretas do capital, ao esbarrar com as crises
dos setores produtivos e comerciais, o capital financeiro também acaba por sofrer as
consequências de seus colapsos e vice-versa. Trata-se, pois, de uma simbiose explosiva.
Por conseguinte, a dominação do capital financeiro, que se acha, por sua vez, dominado
pelo fetiche do lucro imediato, é dependente da produção de mercadorias e das
contradições resultantes da extração do lucro e de sua repartição entre as frações do
capital no processo permanente e infinito da busca pela valorização do capital como
motor da acumulação (CHESNAIS, François. Les dettes illégitime. Quand les banques
font main basse sur les politiques publiques. Paris: Editions Raisons d´agir, 2011).
O avanço tecnológico em curso baseado na inteligência artificial impactará
negativamente sobre o mundo do trabalho porque poderá levar ao fim do emprego e a
consequente queda na demanda de bens e serviços colocando, também, em xeque o
capitalismo como sistema mundial. Isto significa dizer que o avanço científico e
tecnológico poderá levar o sistema econômico atual ao colapso apontando a necessidade
da invenção de um novo sistema econômico. Não será certamente no capitalismo que o
mundo poderá conciliar as maravilhas da ciência e da tecnologia com o fim do emprego.
Outro sistema econômico terá que ser inventado no qual a ciência e a tecnologia atuarão
como libertadoras da humanidade dos fardos do trabalho e de fomento ao progresso
econômico e social.
Apesar de todos os artifícios para neutralizar a tendência da queda das taxas de lucro do
sistema capitalista mundial e do avanço tecnológico não impedirá sua derrocada porque
o custo político e social seria imenso para a humanidade com a sua manutenção. Antes
de seu colapso no século 21, o sistema capitalista mundial será arruinado pela depressão
econômica durante muitos anos gerando em sua escalada a falência de muitas empresas,
o desemprego em massa em escala planetária, a inviabilização econômica dos
extremamente endividados Estados nacionais e a rebelião das massas em todo o mundo.
*Fernando Alcoforado, 77, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável-
Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do
Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social
(Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas,
Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet
(http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br.