O crescimento do gasto improdutivo na economia mundial tem sido a causa principal que vem impedindo a recuperação plena da taxa de lucro na economia mundial. Os principais gastos improdutivos são os investimentos especulativos, os gastos em seguridade em benefício daqueles que o Capital não pode empregar produtivamente e aventuras militares.
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
Análise da taxa de lucro nos EUA segundo a teoria marxista
1. 1
O DESEMPENHO DO SISTEMA CAPITALISTA MUNDIAL NO PERÍODO
RECENTE
Fernando Alcoforado*
A Figura 1 apresenta a evolução da taxa de lucro, a taxa de mais-valia e a composição
orgânica do capital referentes aos Estados Unidos, maior economia mundial, de 1951 a
2013 com a utilização dos fundamentos da economia marxista. Esta Figura foi extraída do
artigo Capitalismo & Crises Econômicas elaborado por Jacques Gouverneur, Doutor em
Direito pela Université Catholique de Louvain, Bélgica e Doutor em Economia pela
Université d’Oxford, Grã Bretanha e Marcel Roelandts que trabalha como pesquisador e
profere diversos cursos em várias Universidades e “Hautes Ecoles”, publicado no website
<http://www.capitalism-and-crisis.info/pt/Bem-vindo/Novo>.
Figura 1- Taxa de lucro – Taxa de mais-valia – Composição orgânica do capital.
Estados Unidos 1951-2013
Fonte: Gouverneur, Jacques e Roelandts, Marcel. Capitalismo & Crises Econômicas.
<http://www.capitalism-and-crisis.info/pt/Bem-vindo/Novo>.
Na Figura 1, a taxa de lucro mede a rentabilidade do capital total investido. Ela indica
como este último se valoriza e exprime assim o grau de cumprimento da finalidade
capitalista. De todas as leis do capitalismo é essa a que Marx considerava como a
historicamente mais importante. Suas flutuações nos apresentam duas dinâmicas: 1) As
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pulsações do curto prazo dos ciclos de acumulação, compostos sucessivamente de um
período de alta da taxa de lucro, seguido de uma baixa, e terminando por uma recessão
(1954, 1958, 1970, 1974-75, 1980-82, 1991, 2001, 2009). São os ciclos econômicos
tipicamente estudados por Marx em O Capital, ciclos que ele chamava de“decenais”; e, 2)
As evoluções tendenciais da taxa de lucro em médio prazo dão lugar a quatro grandes
fases de uma quinzena de anos cada uma para o alto (1951-66), para baixo (1966-82), para
o alto (1982-97), para baixo (1997-2009) e aparentemente de novo para o alto 2009.
Entretanto, não é porque a taxa de lucro cai na saída de cada ciclo de acumulação que se
está forçosamente na presença de uma baixa tendencial da taxa de lucro. É em médio
prazo que a baixa tendencial age, como indicava Marx em O Capital, e não a cada ciclo
curto. Estas são as conclusões de Gouverneur e Roelandts.
Segundo Jacques Gouverneur e Marcel Roelandts, as flutuações da taxa de lucro [l´=
m´/(coc +1)] resultam da evolução respectiva da taxa de mais-valia (m´) como numerador
e da composição orgânica do capital (coc) como denominador: 1) A taxa de mais-
valia (m´) reparte o produto social entre os lucros e os salários (v). A dinâmica de
investimento e as crises dependem, portanto, grandemente do equilíbrio entre a
proporcionalidade desta repartição, como explica Marx no livro II de O Capital. As
flutuações da taxa de mais-valia dão lugar a três fases que dão ritmo à evolução do
capitalismo desde o pós-guerra: ela aumenta desde 1948 até 1966, diminui até o ano de
1982, e retoma sua curva para o alto desde então; e, 2) A composição orgânica do
capital (coc) mede a intensidade em capital fixo em valor quando os ganhos de
produtividade já não podem compensar os gastos realizados para obter os meios de
produção. A composição orgânica do capital relaciona o capital constante (k) ao capital
variável (v). É a relação entre os componentes que fazem apenas transmitir o seu valor e
aqueles que criam um novo valor, ou entre aqueles que não produzem mais-valia e aqueles
que produzem, ou ainda, entre o trabalho passado cristalizado nas máquinas e o trabalho
presente representado pelos assalariados. Ela é então calculada relacionando-se o capital
fixo investido à massa salarial empregada.
Jacques Gouverneur e Marcel Roelandts afirmam que a Figura 1 apresenta uma fortíssima
correlação entre a evolução da taxa de lucro e a da taxa de mais-valia, e a composição
orgânica do capital vindo depois para adicionar ou contrarrestar seus efeitos. Tanto
quando das baixas como das retomadas, a taxa de lucro volta a cair primeiro em
consequência da inversão da taxa de mais-valia, e a composição orgânica do capital vem
acrescentar os seus efeitos somente depois. Não se pode esquecer que tanto o numerador
da taxa de lucro (a taxa de mais-valia- m´), quanto o seu denominador (a composição
orgânica do capital- coc), são todos dois fortemente influenciados pela evolução
da produtividade do trabalho.
Segundo Gouverneur e Roelandts, para seguir adiante, o capitalismo tem a necessidade de
se apoiar sobre as suas duas pernas: a produção e o consumo. Na realidade a taxa de lucro
é uma variável sintética que exprime simultaneamente as dinâmicas e as contradições
relativas à produção e à realização do valor. Como sua evolução depende tanto da eficácia
do capital (coc no denominador) como da repartição do produto total (a taxa de mais-valia,
m´, no numerador), ela mede tanto a capacidade do capital para garantir a sua
rentabilidade quanto a adequação dos mercados à produção. Gouverneur e Roelandts
afirmam que a taxa de lucro deve ser concebida como um indicador integrado do
restabelecimento das condições de produção e realização do produto social total. Ela
expressa tanto as contradições ligadas à repartição do valor produto (a luta de classe, ou
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seja, a taxa de mais-valia no numerador), quanto o mecanismo da intensidade em capital
fixo (as forças produtivas, ou seja, a composição orgânica do capital no denominador).
Em O Capital, Marx afirma que as crises não são mais do que soluções momentâneas e
violentas que restabelecem por um momento o equilíbrio perturbado. A estagnação
ocorrida na produção teria preparado — nos limites capitalistas — uma expansão
subsequente da produção. Segundo Gouverneur e Roelandts, o ciclo de acumulação de
capital impõe a necessidade de crescimento do capital constante (k) em detrimento do
capital variável (v). Seu ritmo é então essencialmente ligado aos ciclos mais ou menos
decenais de rotação do capital fixo. Segundo Marx, à medida que o valor e a duração do
capital constante se desenvolvem com o modo de produção capitalista, a vida da indústria
e do capital industrial se desenvolve em cada empresa particular e se prolonga sobre um
período, digamos, em média de dez anos. Este ciclo de rotações que se encadeiam e se
prolongam por uma série de anos, onde o capital é prisioneiro de seu elemento fixo,
constitui uma das bases materiais das crises periódicas.
Marx fala em O Capital de um período decenal médio, e não absoluto. Sem dúvida os
períodos de inversão do capital são muito diferentes, mas a crise serve sempre como ponto
de partida para um poderoso investimento. A crise fornece, por conseguinte — do ponto
de vista da sociedade tomada em seu conjunto — uma nova base material para o próximo
ciclo de rotação. Assim a lei [da baixa tendencial da taxa de lucro] age apenas como uma
tendência cuja ação manifesta-se claramente apenas em certas circunstâncias e no curso de
longos períodos. Marx evoca “longos períodos” nos cursos dos quais se exerce a lei da
baixa tendencial da taxa de lucro, ele fala de uma “trintena de anos”.
Na década de 1990, o crescimento no nível de trabalho improdutivo foi a causa principal
que impediu uma recuperação plena da taxa de lucro. Por que os gastos improdutivos
cresceram tanto, inclusive ao custo de afogar o que de outra forma teriam sido taxas de
lucro mais saudáveis? As razões estão descritas a seguir:
Há ondas e mais de ondas de investimentos especulativos, dado que os capitalistas
buscam lucros fáceis apostando nos mercados de dinheiro, aventuras financeiras,
fundos de investimento (hedge funds) etc.
Os custos do capitalismo para manter certa paz social aumentam, tanto para fazer
gastos em seguridade, como para conceder mínimos benefícios àqueles que o
Capital não pode empregar produtivamente.
Os Estados nacionais recorrem a aventuras militares como uma forma de desafogo
dos problemas que enfrentam seus capitalistas.
As reações das empresas individuais e dos Estados nacionais às taxas de lucro
decrescentes têm o efeito de reduzir os recursos disponíveis para a acumulação produtiva
que contribuiriam para evitar uma redução ainda maior das taxas de lucro ao reduzir a
pressão na escalada da composição orgânica do capital. O trabalho “improdutivo” evita o
aumento da pressão da acumulação de capital para ser ainda mais capital-intensiva. O
valor, que de outra forma aumentaria a proporção entre meios de produção e trabalho, é
sugado para fora do sistema. A acumulação de capital passa a ser mais lenta, mas pode
continuar a um passo estável. As taxas de lucro são mais baixas por conta do gasto
improdutivo, mas não enfrentam quedas bruscas e profundas pela rápida aceleração da
proporção capital-trabalho (Ver o artigo A Taxa de Lucro e o Mundo Atual de Chris
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Harman, publicado no website <
https://www.marxists.org/portugues/harman/2007/mes/taxa.htm>).
Harman afirma que esta estratégia foi aplicada no período imediato do pós-guerra nos
Estados Unidos. Os gastos com armamento beirando 13% do produto nacional norte-
americano (e com gastos indiretos, talvez uns 15%) era uma importante apropriação de
mais-valia que não continuava a acumulação de capital. Era um gasto do qual a classe
dominante norte-americana também esperava ganhar, gasto esse que sustentava sua
hegemonia global (tanto confrontando a União Soviética como aglutinando as classes
capitalistas europeias com os Estados Unidos), e que garantia um mercado a alguns setores
produtivos importantes da economia americana. Neste sentido, os capitalistas podiam
considerar os armamentos como uma vantagem, muito distinta, neste sentido, dos gastos
“improdutivos” para melhorar as condições de vida dos pobres. E se reduzia a taxa de
acumulação de capital, isto não era catastrófico, dado que a reestruturação do capital
mediante crises e guerras já havia impulsionado a acumulação de capital para um nível
mais alto que o conhecido na década de 1930.
Harman defende a tese de que a situação hoje é bem diferente. Desde inícios da década de
1960, a emergência de importantes competidores internacionais gerou forte pressão nos
Estados Unidos para que reduzisse o percentual da produção dirigida a gastos militares. O
estímulo para os gastos militares, em meados da década de 1960 durante a guerra do
Vietnã e, nos anos 80, durante a “Guerra Fria”, permitiu somente um respiro de curto
prazo à economia norte-americana antes de revelar seus grandes problemas. O aumento do
gasto militar na administração George W. Bush de 3,9% para 4,7% do produto bruto
norte-americano (equivalente a cerca de um terço do investimento privado) exacerbou o
crescente gasto público e o déficit comercial do país.
Segundo Harman, o efeito de todas estas formas de “gasto” é muito menos benéfico para o
capitalismo como um todo hoje do que há um século atrás. É possível que ainda diminuam
as pressões sobre a taxa de lucro provenientes da composição orgânica do capital que
certamente não cresce tão rápido como poderia se toda a mais-valia se destinasse à
acumulação de capital. O preço que os países capitalistas centrais pagam por isto é uma
lenta acumulação produtiva e um baixo crescimento das taxas de lucro, em longo prazo.
Daí compreende-se as repetidas tentativas “neoliberais” dos capitalistas e dos Estados
nacionais para aumentar as taxas de lucro, reduzindo o salário que pagam aos
trabalhadores ocupados, o ganho dos aposentados, desempregados e pensionistas e o
restabelecimento de critérios mercantis para reduzir os gastos em educação e saúde.
Restam, ainda, dúvidas sobre a parte do mundo onde estão ocorrendo investimentos
produtivos gigantescos como a China. Alguns analistas viram este país como a salvação
do sistema capitalista como um todo. O capital chinês conseguiu obter mais mais-valia
para novos investimentos – mais de 40% do produto nacional – que os Estados Unidos,
Europa, e inclusive o Japão. Conseguiu explorar mais seus trabalhadores, e não tem freios
diante dos níveis de gastos improdutivos que caracterizam os países capitalistas centrais
(embora o atual boom imobiliário se caracterize por uma proliferação de arranha-céus,
hotéis e shoppings na China). Tudo isto permitiu à China competir com os países
capitalistas centrais como mercado de exportação para muitos produtos. Porém, estes
mesmos altos níveis de investimento já estão acusando um impacto negativo na
lucratividade. Uma tentativa recente de aplicação de categorias marxistas na economia
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chinesa chegou ao resultado de que suas taxas de lucro caíram de 40% em 1984 para 32%
em 2002, enquanto que a composição orgânica do capital aumentou em 50%.
O que importa é reconhecer que o sistema capitalista somente tem conseguido sobreviver
devido às suas crises recorrentes, ao avanço na pressão sobre as condições trabalhistas e às
grandes somas de capital desviadas para o gasto improdutivo. Apesar disso tudo, o sistema
capitalista mundial não conseguiu retornar a uma “idade de ouro” como a da década de
1950 e nem conseguirá no futuro. Pode ser que o capitalismo não esteja em crise
permanente, mas que esteja em uma fase de crises repetidas, das quais não poderá escapar.
E estas, necessariamente, trarão sérias consequências políticas, sociais, além de
econômicas.
Recentemente, a imprensa destacou os temores desencadeados pela desaceleração do
crescimento da China, a elevação dos riscos dos bancos europeus com o aumento da
inadimplência e pelas dúvidas acerca da saúde financeira de países capitalistas
semiperiféricos como o Brasil e a Rússia. Tudo isto veio se juntar uma nova fonte de
preocupação para os mercados globais: despencaram, nos últimos dias, os preços das
ações dos principais bancos do mundo rico, e a isso se seguiram especulações sobre a
estabilidade da economia mundial. Reapareceram alguns dos fantasmas da crise financeira
de 2008 e 2009, que devastou o capital de instituições financeiras após perdas gigantescas
com as hipotecas. Uma recidiva ocorreu em 2012, quando o mundo temia o colapso do
Euro e, com ele, dos grandes bancos europeus, que sofreriam calotes de países e empresas
da periferia. Tais eventos travaram os canais de expansão de crédito, mecanismo essencial
para o crescimento econômico. Não por acaso, a recuperação das instituições financeiras
ocupou lugar central na estratégia de combate à crise.
Os bancos centrais dos países capitalistas centrais (Estados Unidos, União Europeia e
Japão) mantiveram praticamente em zero os juros de curto prazo nos últimos anos. Isso
ajuda as instituições financeiras, que obtêm recursos pagando muito pouco e os emprestam
por prazos mais longos com taxas mais altas, reforçando seus lucros. As medidas geraram
bons resultados. Observaram-se, nos Estados Unidos e na Europa, expansão do crédito e
retomada do crescimento, com consequente redução gradual do desemprego. O Fed (banco
central americano) sentiu-se seguro recentemente a ponto de subir os juros em dezembro
de 2015, a primeira alta em quase uma década. Ocorre, porém, que os sinais de
desaceleração, que até agora estavam localizados em países capitalistas semiperiféricos
afetados por excesso de dívidas e pela queda nos preços de matérias-primas, começam a
surgir também nos Estados Unidos e na Europa. Em vários países, as taxas já entraram em
terreno negativo, sinal de renovada tendência de deflação de preços e salários. Nesse
cenário, haveria nova retração de crédito e prejuízo para os bancos. Daí a súbita queda de
suas ações (Ver o artigo Desconfiança global publicado no website
<http://m.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1738793-desconfianca-
global.shtml?cmpid=newsfolha>.
* Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo,
1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um
Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado
da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944,
2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The
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Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM
Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e
Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do
Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo,
2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e
Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV,
Curitiba, 2015).