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CANCELAMENTO DE PLANO DE SAÚDE POR INADIMPLÊNCIA – TERMO
DE ADESÃO
Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
O disposto no art. 13, parágrafo único, inciso II da Lei
9656/98 somente admite a suspensão ou rescisão se o atraso for superior a 60
dias, na contratação individual. Na hipótese de adesão a um plano coletivo
aplica-se esse dispositivo?
Eis o referido texto legal:
Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o §
1o do art. 1o desta Lei têm renovação automática a partir do
vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança
de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação. (Redação
dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados
individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo
vedadas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de
2001)
(....)
II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por
fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a
sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de
vigência do contrato, desde que o consumidor seja
comprovadamente notificado até o qüinquagésimo dia de
inadimplência; e (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-
44, de 2001) (destacamos).
O dispositivo legal citado protege, no entender de
algumas decisões do Judiciário, o contrato individual da denúncia por parte da
seguradora, ao considerar possível somente quando se tratar de contrato
coletivo. Entretanto, a questão se mostra polêmica, posto que há os que
sustentam não haver razão para não aplicá-lo aos contratos coletivos, sob o
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fundamento de que “a aplicação é de rigor, quer pela analogia, quer pelos fins
sociais da lei ou, ainda, por meio de interpretação decorrente dos princípios
constitucionais e gerais do Direito.”
Com efeito, assevera o Procurador Federal, Dr. Fabio
Camacho Dell'Amore Torres, na Revista Consultor Jurídico, “a lei se omite
quanto à possibilidade ou não de resilição unilateral do plano privado de
assistência à saúde coletivo por adesão. Quando há lacuna na lei, o artigo 4.º
da Lei de Introdução ao Código Civil determina que o juiz aplique, por analogia,
disposição legal que incida sobre casos assemelhados. Logo, aplica-se a
vedação de resilição unilateral, prevista no inciso II do parágrafo único do artigo
13 da Lei 9656 aos contratos coletivos, como, aliás, tem decidido o E. Tribunal
de Justiça de São Paulo:”
9072697-27.2004.8.26.0000 Apelação
Relator (a): Gilberto de Souza Moreira
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 10/08/2011
Data de registro: 22/08/2011
Outros números: 994040775530
Ementa: PLANO DE SAÚDE - CONTRATO COLETIVO -
É abusiva a cláusula contratual que confere ao plano de
saúde a possibilidade de rescindir o contrato
unilateralmente - RECURSO NAO PROVIDO.
0104030-09.2011.8.26.0000 Agravo de Instrumento
Relator (a): José Joaquim dos Santos
Comarca: São Bernardo do Campo
Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 09/08/2011
Data de registro: 12/08/2011
Outros números: 01040300920118260000
Ementa: Plano de saúde. Preliminar de irregularidade da
representação processual afastada. Questão que deve
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ser analisada com primazia pelo juízo "a quo". Rescisão
unilateral e imotivada do plano durante internação do
autor. Aplicação dos ditames do CDC. A aparente
proteção exclusiva do art. 13, parágrafo único, inciso
II, aos contratos individuais, estende-se também aos
contratos coletivos por adesão, sob pena de ferir
gravemente todo o sistema protetivo tanto do Código
de Defesa do Consumidor como da Lei nº 9656/98.
Nos contratos coletivos o beneficiário final é o
consumidor, tal qual nos contratos individuais ou
familiares. Presentes os requisitos do artigo 273 do
CPC, deve-se manter a tutela antecipada deferida.
Necessidade de resguardar o direito à vida. Decisão
mantida. Recurso improvido.
Demócrito Reinaldo Filho, Juiz de Direito da 32ª Vara
Cível do Recife, em trabalho intitulado, EXTINÇÃO DE CONTRATO
COLETIVO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE – Obrigação da operadora de
oferecimento de planos individuais aos beneficiários, pondera que “há quem
sustente que a regra de renovação automática, tal qual prevista no art. 13,
somente tem aplicação em relação aos planos de saúde de contratação
individual, em razão da norma do parágrafo único, inciso II, do mesmo artigo,
que faz referência expressa somente a essa categoria. Existe inclusive
jurisprudência apoiando essa interpretação. Todavia, a despeito desses
posicionamentos, resta evidente que a regra da indeterminação de prazo
aplica-se indistintamente aos contratos e aos contratos individuais de
assistência à saúde.”
PLANO DE SAÚDE – ART. 13. PARÁGRAFO ÚNICO.
INCISO II, LEI N. 9.656/98 – CONTRATO COLETIVO
INAPLICABILIDADE – DENUNCIA SEGURADORA –
POSSIBILIDADE. Em se tratando de contrato coletivo,
perfeitamente possível a denúncia por parte da
seguradora, visto que o art. 13, parágrafo único, inciso II,
da Lei 9.656/98 protege somente o contrato individual”
(Tribunal de Alçada de MG, 6ª. Câm. Civ.. Ap. Civ. N.
409.675-1, rel. Juiz Valdez Leite Machado, AC. Um., j.
27.11.03 e “SEGURO-SAÚDE – Medida cautelar –
Concessão de liminar para determinar a continuidade do
contrato de seguro saúde coletivo – Cláusula resolutória
expressa – Impedimento legal à rescisão unilateral que
somente se aplica à contratação individual ou familiar –
Parágrafo único do artigo 13 da Lei 9.656/98 – Ausência
do fumus boni júris reconhecida – Recurso provido para
revogar a decisão que concedeu a liminar” (Agravo de
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Instrumento n. 255.12-4-SP – 1ª. Câmara de Direito
Privado do TJSP, rel. Elliot Akel, m.v.,08.10.02).
Pelo parágrafo único acima transcrito, as vedações de
que tratam o inciso II, inclusive a denúncia unilateral do contrato, refere-se
apenas aos planos de saúde individuais ou familiares, não se referindo a
plano empresarial ou coletivo que é o do caso sob comento.
E, em consonância com este entendimento foi a
decisão do egrégio Tribunal de Alçada do Paraná, que o ilustre Juiz singular de
forma apropriada e oportuna, trouxe à colação, cuja decisão transcrevemos:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - MEDIDA CAUTELAR
INOMINADA - DESPACHO CONCEDEU LIMINAR NO
SENTIDO DE PRORROGAR CONTRATO DE SEGURO
COLETIVO DE SAÚDE APÓS O SEU VENCIMENTO -
CONTRATO POR TEMPO DETERMINADO DE
NOTIFICAÇÃO PREMONITÓRIA - INEXISTÊNCIA DE
ACORDO DE VONTADE ENTRE AS PARTES - FALTA
DE INTERESSE EM RENOVAR O MESMO -
POSSIBILIDADE DE DENÚNCIA POR PARTE DA
SEGURADORA - Inaplicabilidade do art. 13, parágrafo
único, inciso II da Lei n. 9.656/98, com redação dada
pela M.P. 1685-4/98, por ser contrato coletivo,
enquanto tal dispositivo protege somente contrato de
seguro individual - Recurso Provido". (Tribunal de
Alçada do Paraná - Agravo de Instrumento n. 129203500 -
Cascavel - Juiz Conv. Paulo Vasconcelos - Primeira
Câmara Cível - julg. 16-3-99 - AC 10750 - Public. 26-3-
99).
Dessa forma, não há como impor à apelada a obrigação
de renovar o contrato rescindido.
Pelas razões expostas, nego provimento ao recurso,
mantendo a r. sentença recorrida pelos seus próprios e
jurídicos fundamentos.
Custas recursais pela apelante, aplicando-se, contudo, o
art. 12 da Lei 1.060/50, por estar a mesma sob o pálio da
justiça gratuita. JUIZ VALDEZ LEITE MACHADO
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O citado Dr. Fabio Camacho Dell'Amore Torres aponta
que, “o fim social da Lei 9656 é a proteção do consumidor do plano de saúde.
Como não há diferença entre o consumidor do plano coletivo e do
individual, a única interpretação possível a atender os indigitados fins é
aquela que aplique a vedação de resilição unilateral também aos
contratos coletivos.”
“Entender de forma diversa, por outro lado, seria
incompatível com o entendimento atual de que a interpretação da
legislação ordinária deve ser feita conforme a Constituição e os princípios
jurídicos (o que se denomina de neoconstitucionalismo). Por esse motivo,
concluir que é possível a resilição unilateral dos contratos coletivos de
plano de saúde viola a dignidade humana, o direito à saúde, à vida, à
proteção ao consumidor, à proteção ao idoso e permite também o abuso
do poder econômico por parte de grandes empresas (art. 173, § 4.º,
Constituição).”
E conclui o mencionado jurista: “em face de todo o
exposto, a interpretação que permite a resolução unilateral do contrato
coletivo de seguros de saúde é abusiva, imoral, ilegal e inconstitucional,
devendo ser discutida pelos consumidores e rechaçada pelo Poder
Judiciário.” Fonte: Revista Consultor Jurídico .
http://dp-pa.jusbrasil.com.br/noticias/3033032/a-pratica-ilegal-e-abusiva-dos-planos-de-saude
Por outro lado, em interpretação diametralmente oposta
está o assinalado pelo articulista Carlos Eduardo Jar e Silva, em artigo
publicado no Jus Navigandi, sob o título Da legalidade da cláusula que prevê a
resilição unilateral do contrato de plano ou seguro de saúde coletivo, após a
prévia notificação. Artigo 13, parágrafo único, II, da Lei nº 9.656/98:
“Diante das robustas e judiciosas razões perfilhadas no
decorrer do presente trabalho, quedou-se demonstrado que em se tratando de
contrato de plano ou seguro saúde coletivo, é perfeitamente possível a
denúncia, por parte da Seguradora, visando rescindir a avença, pela falta
de interesse em manter o vínculo, uma vez que o Artigo 13, parágrafo
único, inciso II, da Lei nº. 9.656/98 protege, apenas, os contratos
individuais e familiares.
“Repugna aos mais comezinhos princípios do direito
contratual a imposição de que alguém se obrigue indefinidamente, e contra a
própria vontade, a permanecer vinculado à obrigação, cujo contrato previu
expressamente a faculdade de apostasia por qualquer dos contratantes.”
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13719>.
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Nota-se que há duas interpretações do texto contido no
Parágrafo único do Art. 13, uma restritiva, estrita que busca o sentido exato e a
outra menos estrita, elástica, de universo mais amplo e evocando outros
dispositivos legais, como a Constituição Federal, o Código de Defesa do
Consumidor e o Estatuto do Idoso, se mirando, por conseguinte, em valores
jurídico-sociais.
Carlos Maximiliano em sua obra clássica, Hermenêutica e
Aplicação do Direito, ensina que “quando se pronunciam pelo efeito extensivo,
fazem-no com o intuito de excluir o restritivo, tomado este na acepção
tradicional. Timbra em evitar que se aplique menos do que a norma admite;
porém não pretendem o oposto – ir além do que o texto prescreve. O seu
intento é tirar da regra tudo o que na mesma se contém, nem mais, nem
menos. Essa interpretação bastante se aproxima da que os clássicos
apelidaram declarativa; denomina-se estrita; busca o sentido exato; não dilata,
nem restringe. (p.235, 2º § 9ª ed. Forense).
“Melhor e com frequência maior do que a letra crua indicam se a exegese deve
ser mais, ou menos, estrita os motivos, o fim colimado, a razão lógica, os
valores jurídico-sociais que deram vida à regra e a justificam no sistema geral
da legislação. Como sempre sucede, a propósito de quaisquer questões de
Direito, também na órbita das normas excepcionais orienta-se o hermeneuta
pela perspectiva do resultado provável deste ou daquele modo de agir, atende
às consequências decorrentes da interpretação literal, ou rigorosa do texto.” (p.
237, 6º§).
Assim, iremos encontrar tanto na doutrina, quanto na
jurisprudência, como visto, mas numa posição minoritária, aqueles que
sustentam a inaplicabilidade desse dispositivo legal aos contratos coletivos de
seguros, podendo ser cancelados sem a observância daquele Parágrafo único
do Art. 13, por estar restrita a sua aplicabilidade somente aos contratos
individuais.