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           5. As professoras das Classes de Aceleração da
           Escola I

           A Escola I situa-se em um bairro populoso da periferia do
município e foi implantada, inicialmente, dentro do programa de instalações
de CAIC’s (Centro de Atendimento Integral à Criança) do Governo Collor,
em 1990. Não foi alvo do processo de reorganização da rede de ensino até o
segundo semestre de 1999, pois era a única escola existente no bairro. Após
essa reorganização tardia, passou a atender as quatro primeiras séries do
Ensino Fundamental.
           O prédio é grande, com dois andares, muito colorido, o que o
destaca a distância. Junto ao prédio principal onde funciona a escola, existe
um pequeno prédio anexo, onde funciona uma Escola Municipal de
Educação Infantil, destinada a crianças de quatro à seis anos.
           No primeiro andar do edifício existem as salas de aula, o
refeitório dos alunos, o pátio e a quadra coberta. No segundo andar, existe
uma biblioteca ampla, uma sala de vídeo e um laboratório de ciências que é
utilizado pelas professoras como uma espécie de refeitório, durante o
intervalo das aulas. Ainda no segundo andar há a sala do diretor, da
coordenadora pedagógica e a secretaria escolar.
           As Classes de Aceleração também estão localizadas no segundo
andar do prédio, longe das salas de aulas regulares. A Classe de Aceleração
I, da professora Bianca, fica ao lado da sala da coordenação e a Classe de
Aceleração II, da professora Ana, fica no extremo oposto do segundo andar,
ao lado da biblioteca e defronte à sala de vídeo.
           As salas destinadas às Classes de Aceleração são pequenas, mas
conseguem acomodar vinte e cinco cadeiras e mesas, que são agrupadas de
quatro em quatro, permitindo o trabalho em grupo, apesar de haver pouco
espaço para a circulação de alunos e da professora. Um armário de ferro
com portas contém o material utilizado pelas professoras e alunos: Ensinar
100




para Valer! (Livro do Professor) e Aprender para Valer! (Livro do Aluno),
artigos de papelaria e fitas de vídeo. Nas paredes, cartazes: numerais de
zero a nove, meses do ano, dias da semana, calendário anual, folhetos de
supermercado, fases da Lua e trabalhos temáticos (Dia das Mães, bandeiras
de festa junina).
           Há um sistema de som com alto - falantes presentes em todos os
espaços da escola e que é utilizado continuamente para tocar músicas
evangélicas e enviar comunicados do diretor ou da coordenadora
pedagógica.

           5.1. As Classes de Aceleração na ótica das professoras
           Os dados que serão descritos e analisados abaixo referem-se às
respostas obtidas por meio da entrevista em grupo realizada com as duas
professoras em exercício da Escola I, Ana e Bianca e da entrevista
individual realizada com a ex - professora Célia, de Classe de Aceleração
da mesma escola.

           5.1.1. Trajetória acadêmica e profissional das professoras
           A professora Ana possui formação em nível superior em
História, realizada em uma instituição privada de ensino superior, além da
Habilitação Específica para o Magistério. Docente há mais de dez anos,
possui experiência em Educação Infantil, terceiras e quartas séries, além de
uma passagem pela segunda série do Ensino Fundamental.
           A professora Bianca possui a Habilitação Específica para o
Magistério e leciona há mais de quinze anos. Tem experiência no ensino de
adultos (MOBRAL e Supletivo) e no Ensino Fundamental, especificamente
em quartas séries.
           A professora Célia é formada em Pedagogia por uma
universidade pública estadual e leciona há mais de dez anos; já atuou nas
primeiras séries do Ensino Fundamental e em salas de reforço, no Programa
101




de Formação Integral da Criança (PROFIC) onde, segundo ela, teve contato
com vários alunos com histórico de fracasso escolar. Na época da entrevista
ambicionava ingressar em um programa de pós - graduação strito sensu,
com o objetivo de obter o título de Mestre em Educação.

          5.1.2. Ingresso e atuação nas Classes de Aceleração
          Com relação à opção pelas Classes de Aceleração, as três
professoras da Escola I optaram por fatores como a atração que sentiram
pela possibilidade de enfrentar de novos desafios profissionais, como
também a necessidade de um maior aperfeiçoamento profissional, através
do processo de formação continuada proporcionado aos professores
integrantes do projeto Classes de Aceleração e pelo efetivo exercício
docente frente a uma clientela comumente rejeitada e rotulada pela maioria
dos professores: os alunos multirrepententes.
          Este parece ser o caso da professora Ana:
                “Ninguém na escola queria pegar, todo mundo achava que era
                uma coisa muito difícil, muito complicada, aí me ofereci para o
                seu A. (diretor da escola), falei que se ele não se importasse
                (porque ele já tinha escolhido pessoas) assumiria, para ver o
                que era, como era, para crescer, para aprender mais. Em 1997,
                também escolhi porque quis e esse ano não... eles eram
                defasados de idade, de atraso no estudo mesmo, não entendiam
                matemática, português muito, sem coerência nenhuma, esse
                ano foi bem mais difícil...”


          E, principalmente, da professora Célia:
                “Houve uma rejeição na escola por parte dos professores, por
                que acham que é o “entulho”, o “lixão”. O diretor veio me
                oferecer e aceitei. Quis essa sala porque ninguém queria, sou
                atraída pelo fracasso, me questiono por que algumas crianças
                aprendem e outras não. Me preocupo muito com as que ficam.
                Quando foi falado na escola, os efetivos não quiseram pegar e
                foi passado para os ACT. Me entusiasmei por causa disso e
                também pela aprendizagem que os professores têm, aprendem
102




                 muito, porque são estas crianças que precisam de um
                 atendimento especial; achava que, se ia ser professora desse
                 atendimento, ia me melhorar, sair em busca de uma melhor
                 aula, uma melhor forma de trabalho.”


           A professora Bianca, por sua vez, admite que optou pelas
Classes de Aceleração por não ter conseguido outra classe no ensino regular
mas, mesmo assim, coloca que sentiu um certo “interesse” pelo projeto:
“Me interessei pela Classe de Aceleração, porque todo mundo falava que
era “gostoso”, uma amiga que lecionou comigo na Aceleração no ano
passado falava “pega Bianca, é gostoso.”
           Solicitou-se a cada professora que fizesse uma avaliação de sua
turma atual. Essa solicitação deu-se pela crença de que conteúdos
importantes como por exemplo, as suas concepções sobre as dificuldades
dos alunos e a atribuição de causas às mesmas, a identificação de suas
próprias dificuldades em trabalhar com turma, o tipo de relação que
estabelece com o grupo de alunos e dos alunos enquanto grupo, dentre
outros temas relevantes, são revelados no momento em que o professor
avalia sua classe como um todo.
           A professora Ana colocou que seus alunos, apesar de
apresentarem dificuldades graves no processo de aquisição da leitura e
escrita, desenvolveram habilidades que lhes permitem uma melhor
expressão oral e escrita.
           Destacou a situação em que os alunos se encontravam no início
do ano letivo, especialmente o medo face ao desconhecido de uma nova
sala de aula e de uma nova “vida” escolar. Comentou sobre a dificuldade de
se trabalhar com a auto - estima dos alunos, um conceito que ela acredita
que eles não compreendem e que nem mesmo ela, às vezes, conseguia
compreender.
           Considerou que os seus alunos possuíam muito potencial para o
aprendizado e que havia tentado desenvolver, junto aos alunos, uma postura
103




crítica frente aos conteúdos, postura essa que ela acreditava que poderia ser
retomada pelos alunos, posteriormente, em suas vidas acadêmicas:
                “.... quando eu peguei a classe alguns alunos estavam terríveis
                na escrita, indecifráveis... agora eles já fazem frases mais
                completas, a oralidade foi mais trabalhada, começaram a se
                expressar melhor. O aluno não precisa deixar de apresentar os
                erros ortográficos na sua escrita, mas na hora de colocar no
                papel já se lê uma frase que se compreende. Em relação ao
                autoconceito, eles chegaram bem medrosos: no início, não
                estavam entendendo o negócio de sair da terceira e ir para a
                quinta. Fizemos todo um trabalho de levantar a auto - estima.
                Achei que eles saíram melhores preparados, menos briguentos,
                já estavam mais acomodados. Eles não sabem agora, tenho a
                impressão de que eles armazenam isso e que na hora em que
                for solicitado eles vão saber, acho que eles viraram alunos
                críticos, mesmo que eles ainda não saibam o que é criticidade,
                a hora em que for acionado eles vão ser críticos.” (professora
                Ana)


           A professora Bianca iniciou a avaliação de sua turma atual com
uma frase que pode ser considerada muito significativa: “Recebi a classe
com bastante problema, eram crianças carentes, que não sabiam nada,
nada, nada, nada, nada e nada e têm alguns que não estão sabendo
ainda.”
           Ao dizer que seus alunos não sabiam “nada”, repetiu essa
palavra inúmeras vezes, enfatizando-a com bastante veemência.
           Bianca não parecia acreditar na capacidade de aprendizagem de
seus alunos. Não parecia, igualmente, compartilhar de idéias essenciais para
a atuação no projeto de Aceleração, como que é necessário valorizar os
conhecimentos prévios do aluno (SÃO PAULO - Estado, 1997a).
           Isentou-se de responsabilidade no processo de aprendizagem (ou
melhor, de não aprendizagem) de seus alunos, com o argumento de que
havia feito por eles “o possível e o impossível”:
104




                “Me esforcei bastante, acho que fiz o possível e o impossível
                para eles. Acho que eles trazem muitos problemas de casa. Eles
                chutam, xingam. No final, acho que tentei e que recuperei um
                pouquinho. De 18 alunos da classe, um vai para a 5 a, quatro
                vão para a 4a e 13 vão fazer recuperação nas férias. Se tiverem
                possibilidades vão para a 4a, senão vão ficar na Aceleração II.”
                (professora Bianca)


           Apesar de ter, anteriormente, depreciado a situação acadêmica de
seus alunos, afirmou que eles eram “uns alunos rebeldes, alunos bravos,
uns alunos teimosos...”
           Encerrou a avaliação de sua turma, complementando a sua idéia
de que o professor está isento de responsabilidade no processo de
aprendizagem dos alunos, ao colocar que o “bom desempenho é mais um
esforço dos alunos que da professora”, pois quando eles não querem, não
fazem: “Acho que o bom desempenho é mais um esforço dos alunos do que
da professora, porque quando eles falam “eu não vou fazer, eu não faço,
eu não faço e eu vou fazer o quê?”
           Deve-se considerar que a professora Bianca foi a que apresentou
um dos argumentos mais frágeis para sua opção pela Classe de Aceleração
já que, segundo ela, apesar de um certo interesse por essas classes, o
principal motivo de sua escolha foi a falta de outras oportunidades no
processo da atribuição de aulas.
           Já a professora Célia, bastante detalhista em sua avaliação da
classe pela qual foi responsável no período em que lecionou na Escola I
(Classe de Aceleração I, ano de 1997), considerou que percebeu avanços na
turma, não somente em termos de aprendizagem, mas também na conduta e
socialização; não usou de rótulos com relação a eles e demonstrou
compreensão para com as suas atitudes:
                “No começo do ano, eles eram muito revoltados; não queriam
                aprender, tinham vergonha de ler, tinha que fazer o diagnóstico
105




                 inicial e isso foi muito difícil porque eles mesmos não
                 acreditavam que sabiam alguma coisa; eles eram fechados,
                 muita agressividade, cada um “chapava” mais o outro para se
                 sobressair como melhor, então foi um trabalho muito difícil,
                 em termos de auto - estima. No final do ano (1997), eu senti
                 que eles já tinham superado, já não brigavam tanto, escreviam
                 espontaneamente, não tinha mais aquela dificuldade de
                 comunicação, de atendimento; formavam grupos, trabalhavam
                 juntos e não eram mais tão agressivos.”


            A professora Ana relatou que, no ano letivo em que trabalhou
com a professora Célia, elas adquiriram o hábito de “trocar” os alunos entre
as Classes de Aceleração I e II:
                 “Tinha uma colega que tinha pego Aceleração I, a Célia, e nós
                 trocávamos os alunos. Ela também estava estudando, então
                 trocávamos; eu mandei um grupo de alunos para a Aceleração
                 II, que tinham condições de ir para uma 5 a série e ela tinha
                 crianças que não sabiam e estavam na alfabetização inicial.”
                 (professora Ana)


            O procedimento descrito pela professora Ana não é previsto pela
Proposta Pedagógica Curricular. Entretanto, mesmo não recomendado ou
previsto oficialmente, essa não pareceu ser uma atitude de caráter
discriminatório ou sabotadora por parte das professoras, mas uma
alternativa utilizada pelas mesmas para contornar problemas na composição
das classes, guiada pela avaliação diagnóstica inicial da turma. Não foi
possível analisar os resultados das trocas de alunos entre as salas, pois essa
prática limitou-se ao período em que a professora Célia estava atuando na
Escola I.
            No tocante às relações entre professoras e alunos, foram
relatadas dificuldades circunstanciais e regulares.
            Segundo a professora Ana, no início de sua participação no
projeto de Aceleração, chegou ao limite de agredir fisicamente um dos
106




alunos, considerado por ela como um “bandido”; posteriormente comunicou
à coordenadora pedagógica que não mais o aceitaria na sala de aula:

                “No começo do ano, cheguei a me agarrar com um aluno. Fui
                na coordenadora e falei que não queria o aluno na sala, era um
                aluno assim tipo bandido mesmo. Agora passaram ele para a
                suplência, porque a escola não agüentou o menino...”


           A dificuldade da professora Bianca em interagir e, até mesmo,
aceitar a sua classe atual foi novamente manifestada. O descontentamento e
a interação negativa, aparentemente, existiam desde o começo do ano
letivo:
                “Esse ano eu estou arrasada, mas arrasada mesmo, com o tipo
                de alunos que são... Eu acho que eu nunca peguei uma classe
                desse jeito; é a idade deles porque o mais velho está com
                quinze anos, então é dez, onze, doze, quinze, então é tudo
                assim. Então, esse ano para mim...”


           O choque de realidade apresentado pela professora Bianca diante
da idade de alguns de seus alunos é incompreensível quando se parte da
hipótese que, desde o processo de atribuição de aulas, ela já deveria estar
ciente do perfil dos alunos selecionados (onde a idade avançada é uma das
principais características) para comporem as Classes de Aceleração.
           Pediu-se a cada professora que destacasse casos de sucesso ou
fracasso de alunos de sua classe.
           A professora Ana destacou três alunos (S., R. e E.) como os que
mais haviam marcado a sua experiência na Classe de Aceleração até aquele
momento:
                “S.: é um caso espantoso, foi um aluno que eu achei que fosse
                ficar enroscado e agora os textinhos dele têm certa coerência.
                Sempre vai para a lousa, vem sentar perto, “dona, eu não
                entendi, ajuda a fazer essa frase aqui”. Fica mais próximo...
                R.: Não conseguiu atingir nada, se pegar a pasta dele não tem
                nada. Se recusou a fazer. ele virou um dia e disse “olha, eu não
107




                quero nem aprender a ler, nem aprender a escrever”... A mãe
                conta que é porque ele viu o pai morrer quando estava na fase
                de alfabetização...
                E.: Dezesseis anos, teve um desentendimento com a professora
                da tarde e passou para minha sala. Sinto que ele tem uma
                deficiência, a mãe já foi chamada, desde que ele estava na 3 a, 4a
                série e a mãe não aceita. Quando falei com a mãe, ela pediu
                que o aprovasse e eu disse “eu, por mim, está aprovado”. Aí a
                turma da Diretoria não aprovou e a mãe não mandou mais o
                aluno na sala, porque ela não aceita que o filho dela é uma
                criança especial. Falei que ela tinha que procurar uma escola
                especial, aí ela queria que falasse APAE, mas não existe só a
                APAE de escola especial. Falei pra ela “a senhora tem que
                primeiro levar ele no médico, o médico vai diagnosticar,
                porque eu não sou uma pessoa especializada, eu sei que ele é
                uma criança especial, que merece um tratamento especial,
                agora, a senhora tem que ir ao médico para ele indicar o que a
                senhora tem que fazer”... Ela disse: “eu vou colocar na
                professora particular”. Eu falei: “ele não precisa de professora
                particular, ele é um aluno hiper ativo aqui, ele gosta de ler, dá
                coisas para ele ler”. Então eu falei para ela “compra a revista
                Superinteressante, quem sabe vai despertando, coloca ele numa
                aula de computação”. Ele já tem dezesseis anos e quer ser
                mecânico, é uma coisa que vai exigir precisão e a mãe não
                ficou muito satisfeita...”


          O caso do aluno E. mereceu maior destaque da professora, talvez
por ele ser um adolescente, estar muito defasado em termos pedagógicos,
apresentar indícios de um déficit cognitivo e, apesar de tudo, ainda não ter
desistido da escola e ou de suas ambições profissionais.
          Apesar de sua preocupação com este aluno, a professor Ana
aparentemente não considerou as dificuldades da família do rapaz seja para
comprar revistas, como para matriculá-lo em um curso de computação, pois
como ela mesmo situou, a maioria de seus alunos, inclusive este, eram
oriundos de classes sociais com poucos recursos financeiros.
108




          A vivência adquirida pela pesquisadora no atendimento
psicológico de escolares, mostra que muitos outros adolescentes com
histórico de fracasso escolar possuem uma história semelhante a de E., ou
seja, histórias onde a dúvida sobre a possível existência de necessidades
especiais é persistente e onde são feitas insistentes recomendações para que
esses jovens freqüentem uma escola especial ou para que sejam
encaminhados a profissionais de saúde.
          Nas Classes de Aceleração e nas classes do ensino regular,
quando o professor se detém sobre situações particulares de alunos com
histórico de fracasso escolar, o seu discurso parece, freqüentemente,
apontar para causas de caráter orgânico, seja pela presença de lesões
neurológicas ou de uma suposta deficiência mental.
          A professora Bianca selecionou dois casos alunos com história
de fracasso. Elogiou o discurso da mãe de um desses alunos, a qual
aconselhou as outras mães a levarem os seus filhos para a APAE. Além
disso, a professora recriminou a atitude de um pai que reagiu contra o
encaminhamento de seu filho para a mesma instituição:
                “P.: A avó levou ele para a APAE. A avó esteve aqui, falou
                “dona Bianca, eu acho que a senhora deveria falar com as
                mães. Olha o P., a senhora falou para mim do P., eu levei, fez o
                exame, passou pela psicóloga. Olha, e ele adorou”.
                N.: Tem um aluno que eu encaminhei pra APAE, mas não
                adiantou, o pai não aceitou. E eu vou fazer o que? Não vou
                falar com a mãe de ninguém e eu acho que a mãe está vendo o
                filho, né? Eu sou apenas professora, eu oriento, mas a mãe não
                quer, então eu não faço nada. ”


          A professora Célia analisou um caso de sucesso de um aluno,
que aparentemente resgatou sua auto - estima. Mas, ao mesmo tempo, a
professora parece ter se desculpado sobre a maneira como o aluno em
questão foi promovido para a 5a série:
109




                “D.: Falava assim: “professora, eu precisei ficar quatro anos na
                escola para esse ano aprender com a senhora”. Foi para a 5a
                série; no começo não sabia ler, depois foi se aperfeiçoando e
                acabou indo, com alguns erros ortográficos, mais foi a
                instrução que a gente recebeu, a orientação recebida.”

           Outro fato marcante na convivência com os alunos que
compõem as Classes de Aceleração foram as histórias relacionadas aos
medos que eles possuíam.
           A professora Célia se emocionou ao relatar uma dinâmica
relacionada aos medos, que foi realizada como atividade do conteúdo
curricular de Língua Portuguesa:
                “Uma vez eu perguntei sobre os medos, então chegou a vez de
                um aluno e ele falou “eu tenho medo de perder a minha
                família, medo que alguém mate os meus irmãos”... depois eu
                fiquei sabendo que ele tinha irmãos com problemas de drogas,
                já haviam sido presos, ele já tinha fugido de casa, foi parar no
                Rio de Janeiro, a polícia foi buscar, é por isso que ele tinha
                medo de perder a família.”


           5.1.3. Avaliação do processo de capacitação docente
           Na avaliação sobre o processo de capacitação docente, algumas
professoras fizeram críticas específicas quanto à falta de discussão existente
nesse processo sobre a realidade do professor e de suas dificuldades,
principalmente, no tocante à resistência de alguns alunos em participar das
atividades propostas.
           Para elas, durante as capacitações, não houve maior articulação
ou entrosamento entre a teoria e a prática:
                “As capacitações são muito boas, porque levam as professoras
                a crescer muito, refletir bastante, mas acho que é pouco o
                tempo e que deveria ser discutida a realidade das professoras,
                por exemplo: na hora de discutir textos, as professoras
                deveriam discutir os textos produzidos pelos alunos.... Então, a
                gente estaria trocando experiências da nossa realidade e lá
                ficou muito longe. As capacitações que tivemos com o pessoal
                do CENPEC foram melhores e as que foram feitas aqui mesmo
110




                  parece que não tinham novidade, que a pessoa estudou para
                  falar para você, a mesma coisa que se estivesse lendo um livro
                  e estivesse passando para você. Não tem experiência de sala de
                  aula, que é o que as professoras precisam, de experiência de
                  sala de aula, porque chegar e falar é muito bonitinho, é fácil
                  falar. As capacitadoras falam assim: “você pega as fichinhas,
                  põe na mesa, faz um joguinho”. E não é como as capacitadoras
                  falam... os alunos falam que eles não querem fazer e não
                  fazem...” (professora Ana)
                  “Elas falam que é para colocar um textinho e a reescrita do
                  texto, agora como é que você vai fazer com todos os alunos a
                  reescrita de um texto?” (professora Bianca)


             À primeira vista, pode parecer que as colocações das professoras
se relacionam a já conhecida reclamação dos docentes em relação a cursos
de capacitação: a falta ou a pouca prescrição de “receitas” metodológicas.
             No entanto, também pode-se ponderar que a reclamação das
professoras se relacione menos à prescrição de receitas de uso prático e
mais à necessidade de uma aprendizagem situacional ou em contexto, um
tipo de capacitação onde o professor possa aprender as técnicas inserido em
um contexto o mais próximo possível da situação real, vivenciando a
prática de modo mais seguro e, se possível, acompanhado de tutores que
façam observações construtivas e que subsidiem as mudanças ou ajustes
necessários em sua maneira de atuar.
             Nas falas das professora Célia e Ana, há uma crítica à
capacitação pelo acúmulo de informações e a necessidade de aplicação
imediata, pelo professor, do conteúdo trabalhado, sem que fosse possível
uma reflexão posterior por parte do professor sobre aquilo que estava sendo
discutido.
             Para elas, como para qualquer estudante, é necessário um tempo
para que sejam processadas as informações recebidas no processo de
formação, assim como para a tradução dos conhecimentos teóricos e
metodológicos para a prática escolar:
111




                “As capacitações eram atropeladas, tinha que ser tudo rápido,
                porque o projeto estava sendo implantado, então aquilo tudo na
                cabeça da professora, aí quando eu parei nas férias e comecei a
                refletir, eu falei “ah, se eu for com calma parece que vai dar
                certo.” (professora Ana)
                “Eu acho que a capacitação foi válida, só que eu penso assim:
                que a gente tem que ter um tempo para refletir sobre o
                aprendizado, então, de repente, era um monte de informações,
                não dava tempo de trocar experiências, a gente não tinha tempo
                de comentar nada, já voltava para sala sem essa pausa. Não sei,
                eu, como estudante preciso de uma pausa para refletir sobre o
                que foi aprendido para poder passar para frente e não foi isso
                que aconteceu. Agora as capacitadoras eram muito boas, foi
                muito bom. Eu só acho que houve pouco aproveitamento
                devido às muitas horas seguidas e não ter tempo para
                discussão.” (professora Célia)


           As reclamações das professoras encontram respaldo na
afirmação de McDIARMID (1995) quanto à importância de que os
professores tenham tempo e condições mentais propícias para que seus
pensamentos sobre o ensino fiquem distantes das exigências físicas e
psicológicas da sala de aula.
           Como as próprias professoras da Escola I afirmaram, não havia
tempo hábil para que elas pudessem “digerir” as informações recebidas nas
capacitações, muito menos possibilidade para refletirem sobre a nova
postura que deveriam assumir ao se comprometerem com o sucesso de seus
alunos.

           5.1.4. Avaliação do projeto Classes de Aceleração
           Houve consenso entre as professoras da Escola I sobre a
altíssima qualidade do projeto Classes de Aceleração.
           Dentre os elogios feitos com relação ao projeto, a professora Ana
destaca a organização curricular, a qual facilitou o seu trabalho e direcionou
112




sua atuação. Acredita que o conteúdo e a proposta de trabalho por projetos,
que partem da realidade dos alunos, os torna mais críticos:
                “... eu gostei muito da proposta, porque ela é muito boa... tem o
                limite até onde vai a Aceleração I, tem os pontos de chegada,
                que a gente encontra assim nos parâmetros: “a Aceleração I é
                até aqui, a Aceleração II é daqui pra cá”. Eu achei ótimo, já
                vem tudo divididinho, você não tem que ficar perdida... e para
                os alunos, é boa... resolve, faz eles se tornarem críticos. A
                proposta em si é tornar os alunos críticos: quando ele vai
                estudar História, Geografia e Ciências ele não vai estudar sobre
                um lugar que eles não conhecem, parte da realidade deles, o eu,
                minha família, meu bairro, minha cidade, meu estado, meu país
                e vai abrangendo tudo.”


           A professora Bianca, apesar de apreciar a proposta, tornou a
condicionar o sucesso das Classes de Aceleração ao desempenho do aluno,
ao seu interesse e vontade de aprender. Elogiou a qualidade do material
didático, especialmente os jogos pedagógicos.
           No entanto, fez uma crítica sutil à coordenadora pedagógica, por
achar que ela estava “perdida” e não que solucionava as suas dúvidas:
                “Em termos de proposta é rica, eu adorei, eu adorei os
                livros, adorei tudo... é muito bom mesmo. Se você pegar
                aluno que tenha vontade, mas vontade mesmo, sabe
                aqueles alunos que mostram interesse, a gente cresce,
                mas cresce mesmo... É a vida do aluno inteirinha,
                começa do comecinho, da identidade dele, desde de
                quando ele nasceu, da certidão de nascimento dele,
                começa do começo até o fim... Os jogos são ricos, mas se
                você dá os joguinhos pra eles, eles não se interessam... e
                os jogos são ótimos, eu mesma adorei, eu me apaixonei
                pelos joguinhos. Eu gostei da coordenação, mesmo por
                que até, é nova, nova, ficou perdida igualzinha a nós...
                quando eu ia pedir “como que faz isso?”, “não sei”,
                “como que é pra fazer aquilo?”, “ah...” Perguntava, como
                agora, a gente tem que encaminhar os alunos, não é pegar
                essa   fichinha   e   mandar   os   alunos   fracos   para
113




                recuperação, nós temos que ver porquê o aluno não
                conseguiu aquilo, tem que sentar o professor mais o
                coordenador, mas ela não tem tempo.” (professora
                Bianca)


          Célia considerou o projeto muito moderno e avançado, não só
em termos metodológicos, como também em relação ao material.
          Colocou que a vivência como professora de uma Classe de
Aceleração modificou a sua visão sobre a movimentação física e a
manifestação verbal dos alunos, anteriormente percebida como uma ameaça
à disciplina ou ao silêncio dentro de sala de aula, passou a encará-la como
uma característica do processo de ensino - aprendizagem, em uma
abordagem que valoriza a participação dos alunos:
                “Eu acho muito boa, eu acho que os livros são muito bons, a
                forma de trabalhar também, que tudo se modernizou e a escola
                tem também de se modernizar. Eu acho que é muito válido
                porque o que eu usei para esse ano, foi minha sorte. A gente,
                quando está dando aula, é importante para a gente parecer para
                os outros que estão lá fora, aquele silêncio das crianças, aquela
                classe bem comportada, todo mundo sentadinho, e na classe de
                Aceleração você não conseguia isso porque eles eram alunos
                que não tinham essa quietude, eram alunos que andavam
                muito, falavam muito, interrompiam. Então, eu aprendi
                também, além dessas coisas que já falei, se eles estão
                participando da aula não é importante o silêncio, se a discussão
                for feita de acordo, naqueles moldes que a gente está propondo,
                eles tem mais que se manifestar.” (professora Célia)


          A fala da professora Célia aponta duas questões importantes, que
se encontram relacionadas. Ao colocar que “é importante para a gente
parecer para os outros que estão lá fora aquele silêncio das crianças,
aquela classe bem comportada, todo mundo sentadinho”, pode estar
apontando a existência de uma cultura escolar onde o trabalho do professor
e do aluno é visto dentro de perspectiva bastante rigorosa mas que, ao
114




mesmo tempo, existiria, por parte do professor, uma necessidade de
valorização de sua atuação por essa mesma cultura.
           Diante do questionamento sobre possíveis dificuldades para
atuar de acordo com o projeto Classes de Aceleração, a professora Ana
novamente enfatizou o trabalho de resgate da auto - estima dos alunos, os
quais, segundo ela, já haviam introjetado em si o rótulo de “burro”:
                  “... o difícil mesmo é lidar com as crianças, é recuperar a auto -
                  estima delas; hoje eu falei “você acha que você vai para a 5 a
                  série?”, “não, eu não vou para a 5 a”. “Por que você não vai?”
                  “É porque eu sou burro”. É porque isso ainda não saiu da
                  cabeça dele, acho que escutou tanto, “você é burro, você é
                  burro, você é burro”, que incorporou... Eu acho que o mais
                  difícil mesmo é lidar com as crianças, tentar levantar a auto -
                  estima e fazer com que eles colaborem, é muito difícil a
                  participação deles...”


           A fala da professora pode ser melhor compreendida se for
reportada à análise das aulas observadas, nas quais a professora procurava,
ainda que de maneira irregular, resgatar a auto - estima de seus alunos e
incentivar a sua participação nas atividades realizadas.
           Para a professora Bianca, as dificuldades para atuar de acordo
com a Proposta Pedagógica Curricular das Classe de Aceleração foram
gerais.
           Atribuiu como causa para essas dificuldades as características de
seus alunos, principalmente, à falta de interesse. Fez uma avaliação bastante
negativa em relação à classe, apresentando, na maioria dos seus
comentários    sobre       a    turma,       idéias     bastante       preconceituosas    e
discriminatórias. Isto fica evidente quando diz que se estivesse em uma
classe do ensino regular, com certeza os alunos teriam um bom
aproveitamento.
           Em vários momentos, a professora utilizou expressões a levaram
a crer na existência que ela possuía uma percepção e um vínculo afetivo
115




bastante negativo em relação aos seus alunos, além de uma excessiva
idealização do processo de ensino - aprendizagem, expresso pela última
frase do depoimento abaixo:
                 “Eu senti muita dificuldade mesmo, eu acho que os alunos não
                 têm interesse por nada, você pode trazer cartaz, falar, eles não
                 tem auto - estima, não tem vontade, falta de interesse, não
                 adianta você fazer ... o material é rico, se eu pegar uma classe
                 de 3a ou 4a série com uns livros desses ali, um material rico
                 assim, eu acho que eu caminho bem, até uma 2a, mas olha esses
                 alunos eles vêm já analfabetos, não sabem nada e são alunos de
                 idade avançada, eles não têm interesse por nada. Agora, se
                 pegar um aluno, uma classe boa...” (professora Bianca)


          Ao se referir à ausência de auto - estima dos alunos, a professora
Bianca, aparentemente, ignorou que com relação à auto - estima, sua
ausência ou rebaixamento não é uma questão de caráter ou personalidade,
de se querer ou de não se querer ter, mas sim relacionada às vivências dos
alunos, marcadas geralmente por uma história acadêmica desgastante.
          A afirmação abaixo parece evidenciar que a professora Bianca
atribui o fracasso escolar não só ao aluno como à sua família, assim como
parece compartilhar da idéia de que as classes populares não valorizam o
ensino formal:
                 “Os pais não têm interesse por nada, eles não motivam a
                 criança em nada. Eu acho que os pais não dão continuação para
                 as crianças em casa, “como foi hoje?” A criança chega em
                 casa, joga a bolsa e vai brincar, não estão nem aí. A mãe
                 deveria vir, ela não vem saber se o filho está bem, se não está
                 bem, o que está precisando...” (professora Bianca)


          A professora Célia, por sua vez, levantou uma questão
importante em sua avaliação sobre as dificuldades para atuar de acordo com
o projeto de Aceleração: o conflito do professor diante da necessidade de
mudar o paradigma teórico - metodológico de sua prática. No seu caso
específico, a mudança de uma prática educacional enraizada no ensino
116




tradicional e na visão do professor como transmissor do conhecimento, para
uma prática fundamentada no construtivismo, com ênfase na atividade do
aluno, no trabalho por projetos e na concepção do professor como mediador
do processo de apropriação do conhecimento por parte dos alunos.
          As    professoras        Ana      e    Bianca       também        se       referiram,
especificamente, a dificuldades em trabalhar com o construtivismo sócio -
histórico, o fundamento teórico - metodológico da Proposta Pedagógica
Curricular das Classes de Aceleração.
          A professora Bianca deixou claro que não aceitava muito bem as
recomendações construtivistas, chegando a propôr a retomada do ensino
tradicional em sua classe, pelo menos até que os livros didáticos do projeto
de Aceleração chegassem:
                “No comecinho, antes de chegar os livros por que não pode
                alfabetizar como nós fomos alfabetizadas? Fala pra mim,
                Juliana? Eu não entendo isso, agora não pode xerocar mais
                nada... mimeografar mais nada... a supervisora pegou a minha
                pasta e disse: “nossa senhora, isso não está certo, isso não, isso
                não, isso não, isso não”. Eu não sei qual é, eu não sei como,
                porque primeiro que você passa no mimeógrafo e dá, ali você
                vai explicando eles vão até fazendo, mas não fazer mais nada
                no mimeógrafo, mais nada, nada...”


          Acredita-se que a proibição para a confecção do material
didático via xerox e mimeógrafo não diz respeito ao material em si, mas a
um desvirtuamento de seu uso por parte do professor pois, em nossa
opinião, o problema central não parece estar no tipo de material utilizado
mas, sim, em como o professor o utiliza. Dessa forma, é possível utilizar-se
um texto xerocopiado como material didático, desde que se oriente a
criança para que ela, a partir deste material, seja capaz de construir o seu
próprio conhecimento. Por outro lado, a atitude da professora Bianca em
fazer uso do texto xerocopiado, poderia ser decorrente de sua insegurança
diante da atividade proposta, da sensação de estar “sem chão” para fazer o
117




seu trabalho e, principalmente, sem a possibilidade de apelar para o uso de
estratégias conhecidas e, sobretudo, testadas por ela.
           A professora Ana fez uma crítica já conhecida nos meios
educacionais sobre a aplicação do construtivismo nas escolas, ou seja, que
na verdade não existe a prática de um construtivismo “puro” nas salas de
aula:
                “É o construtivismo, só que é muito difícil de entender o
                construtivismo... porque eu acho que ainda não existe aquele
                construtivismo puro, é uma mistura e a gente ainda está
                perdido nisso daí. O referencial         para trabalhar com
                construtivismo são os livros mesmo, o material todinho, os
                joguinhos são construtivistas... é que na cabeça dá um
                choque...”


           As colocações das professora quanto às dificuldades para se
adaptar ao Construtivismo parecem refletir a dificuldade de adaptação a um
outro método de ensino, bastante diferente do ensino tradicional, o qual é
conhecido pelos professores e fácil de ser realizado. Segundo a O.C.D.E.
(1992: 161):
                Ensinar as matérias tradicionais e aplicar os bons velhos
                métodos de avaliação era relativamente simples: o docente
                possuía uma certa soma de conhecimentos (a maioria das
                vezes, informações concretas) que deviam ser assimilados e
                reproduzidos pelos alunos. A tarefa do mestre consistia em
                apresentar este saber sob uma forma assimilável,
                memorizando os alunos a informação e, ao fim de um certo
                tempo, o mestre controlava a sua memória. Era fácil
                desempatar as respostas correctas das falsas e classificar os
                alunos.

           Outra dificuldade importante, colocada pela professora Célia, foi
a aparente falta de infra - estrutura da Escola I para a realização de algumas
atividades previstas no planejamento das Classes de Aceleração:
                “Os livros da Classe de Aceleração são trabalhados como
                projetos, diversos projetos e eu vim ainda daquela forma
                tradicional de se trabalhar, então, às vezes, eu sentia
                dificuldade de poder “bolar” a aula do jeito que estava no livro
                e tinha também algumas atividades que não eram adequadas à
118




                  escola, por exemplo, um ambiente escuro (teria que usar
                  lanterna) era uma atividade que tinha no livro e a dificuldade
                  que a gente tinha de arrumar um ambiente escuro na escola.
                  Certas atividades que precisava ter certos materiais que na
                  escola não tinha. Nesse tipo de coisa que a gente sentiu
                  dificuldade.”


             O que as professoras faziam para tentar superar as dificuldades
encontradas na prática das Classes de Aceleração?
             Dentre os recursos elencados por elas, havia o registro por
escrito de suas dificuldades num diário, a leitura de textos técnicos e,
principalmente, a troca de idéias e de soluções entre as próprias professoras.
             A professora Ana afirmou, veementemente, que não existia a
quem recorrer em caso de dificuldades:
                  “Não tem ninguém. Quando nós fizemos a capacitação o ano
                  passado, com a supervisora, ela falou para a gente assim
                  “quando vocês quiserem desabafar vocês escrevam, porque vai
                  ser muito difícil”. Não tem a quem recorrer e, então, a gente
                  escrevia muito o ano passado, acabava de dar a atividade,
                  aquele dia foi assim. Aí você pegava o papel, escrevia,
                  escrevia, escrevia, escrevia, e pronto, desabafava o que tinha
                  acontecido na sala, fazia um desabafo, e no dia seguinte, bola
                  pra frente...”


             A prática de elaborar registros é altamente recomendada pelos
idealizadores do projeto de Aceleração, como uma ferramenta de grande
auxílio para a avaliação não só da evolução dos alunos, como também do
professor.
             Segundo as “Orientações para a Capacitação de Professores”
(SÃO PAULO - Estado, 1999: 40):
                  (...) os registros permitem acompanhar a aprendizagem,
                  analisar o aproveitamento dos alunos e redirecionar o
                  planejamento de ensino. Com essa prática, aliada à discussão
                  freqüente com os alunos dos dados colhidos, eles poderão
                  acompanhar a própria evolução, tornando-se conscientes e
                  autônomos em seu percurso escolar.
119




           Apesar da importância de se registrar as dificuldades da prática
docente, é necessário ressaltar que somente o uso do registro não garante
que os problemas do professor sejam solucionados.
           Ainda sobre o suporte para a superação das dificuldades, a
professora Ana complementou:
                “Não tem ninguém para recorrer, porque todo mundo tem só a
                teoria, não tem a prática, então é fácil falar para você “sai por
                aqui, faz assim, assim”. Se eu não conheço os seus alunos,
                então, não tem a quem recorrer. Eu acho que precisaria de mais
                apoio, união; a gente recebe uma boa capacitação, mas
                precisaria discutir “olha, não está dando isso, como que eu
                tenho que fazer”, “eu não estou conseguindo, o que eu tenho
                que fazer com esse aluno?” e elas respondem “como? você
                pega a fichinha e faz com ele, pega o textinho e faz a
                reescrita”... não é isso que eu quero saber.”


           A reclamação da professora Ana parece remeter ao clássico mal -
entendido onde aqueles que agem consideram os especialistas como
idealistas que não conhecem nada da realidade prática e, em contrapartida,
os que refletem acreditam que os que agem são ignorantes (HUTMACHER
in NÓVOA, 1995).
           Todavia, a professor Ana identifica dois pontos de apoio muito
importante para superar as dificuldades do dia - a - dia e para responder as
suas inquietações: a interação com as colegas de profissão e as leituras
realizadas por ela. Em suas próprias palavras:
                “O que eu faço?, me ajuda, me dá uma luz”, nessa parte
                que eu não encontrei (a capacitação), eu encontro assim
                conversando muito com as minhas colegas e lendo. Li
                tanto que eu estou até...”


           A posição da professora Ana também é reforçada pela professora
Célia: “Não tinha assessoria nenhuma para isso, então eu e a Ana, a gente
dividia muito isso, a gente sentava e via como é que poderia estar
trabalhando.”
120




           Diante da ausência de assessoria e de apoio externo, é
interessante ressaltar como as próprias professoras acabaram estabelecendo
um ambiente de trocas e de apoio mútuo.
           Solicitou-se às professoras que fizessem suas críticas sobre o
projeto e que dessem sugestões para o seu aperfeiçoamento.
           Ana fez aponta uma contradição de ordem metodológica,
referente ao formato do material didático pois, de acordo com as
orientações recebidas, os professores sempre deveriam escrever com letras
bastão maiúsculas, apesar do fato de que o material com que trabalhavam
apresentasse outros tipos de fonte, inclusive a letra cursiva:
                 “Sugeri que os livros que devem ser trabalhados no primeiro
                 semestre com os alunos sejam em letra bastão, que é o alfabeto
                 maiúsculo, já que o livro é todo em minúsculo e as atividades
                 são todas diferentes...”


           A professora Célia, por sua vez, fez críticas relevantes acerca do
sistema de atribuição de aulas, o qual, segundo ela, não possibilitou a
permanência de professores não efetivos nas Classes de Aceleração:
                 “O ano retrasado eu estive com as salas de aceleração, no final
                 do ano praticamente é que eu fui entender muitas coisas, e no
                 ano seguinte foi dado para outras professoras começarem tudo
                 de novo... agora, o ano que vem serão outras... você acaba não
                 tendo o começo e o fim bem determinado... a partir do
                 momento em que eu estava apta a fazer uma aplicação, não
                 sobrou classe, não fizeram nenhuma diferenciação, que
                 podiam, de repente, terem feito: quem deu aula na classe de
                 aceleração esse ano vai ser atribuído. Eu acho que seria uma
                 coisa justa porque foi um “abacaxi” que ninguém quis pegar e
                 de repente a gente pego, suou, como a gente estava mais seguro
                 do que a gente ia fazer, foi podado.”


           O paradoxo dessa situação parece estar claro: investe-se muito
na capacitação do professor, discursa-se sobre a importância de seu trabalho
no projeto de Aceleração mas, apesar de todo o investimento feito, não há
121




um esforço da direção escolar (que tem a prerrogativa na atribuição das
classes) ou, até mesmo, a mudança dos mecanismos burocrático -
          administrativos, de forma a mantê-lo por mais tempo junto aos
alunos das Classes de Aceleração.

          5.1.5. Reações da equipe escolar, alunos e pais em relação ao
          projeto, sob a ótica das professoras
          Das duas professoras de Classes de Aceleração da Escola I,
somente a professora Ana fez considerações sobre as reações da equipe
escolar, dos próprios alunos e de seus familiares quanto ao projeto de
Aceleração:
               “Eu acho que o ano passado as outras professoras acolheram
               melhor. Esse ano eu já achei meio no esquecimento; eu achei
               que os funcionários e professores não fazem diferença, por ser
               Classe de Aceleração, os funcionários nem perceberam... Eles
               acharam que as crianças eram diferentes, mas não sabiam no
               quê elas eram diferentes... Ás vezes falavam que eu sou
               baixinha e tenho alunos altos, “ah, a professora fica escondida
               no meio dos alunos”, então eles não perceberam o que era a
               Aceleração, mas eles sabiam que os meus alunos eram uma
               classe diferente...”


          Na análise realizada por ela, discorreu sobre o envolvimento do
diretor da Escola I na implementação das Classes de Aceleração, e o
desapontamento da professora diante de seu posterior afastamento:
               “O diretor esse ano se afastou um pouco porque o ano passado
               ele foi muito criticado pelas outras professoras, porque
               participava muito da Classe de Aceleração e recebeu críticas
               por causa disso, ele se afastou... Então nós ficamos soltas, eu
               acho que no ano passado ele tinha mais pulso com a gente, eu
               acho que ele entendia mais a parte pedagógica da Classe de
               Aceleração, ele tem uma cabeça muito boa para a parte
               pedagógica. Eu vou sentir a falta dele porque ele me leva a
               refletir muito, leva muito à reflexão. O ano passado ele fez a
               gente entender o que era um aluno silábico, que lá estava tudo
122




                muito confuso, silábico, pré - silábico, alfabético, ortográfico;
                ele fez a gente ler livros, trouxe apostilas e deu pra gente ler... e
                eu acho que foi o ano passado que eu cresci mais... Esse ano
                pouca coisa foi acrescentado, e eu acho que ele fez muita
                falta...”


           Pode-se perceber, pelas colocações acima, que o diretor da
Escola I agiu como uma espécie de tutor para a professora Ana,
estimulando um processo de reflexão - sobre - a - prática, seja por meio de
aconselhamentos ou quando deu a ela literatura de apoio. Em sua fala, a
professora vem reforçar a importância de uma direção escolar atuante no
contexto de um projeto educacional de superação do fracasso escolar.
           O afastamento do diretor, devido aos ciúmes dos outros
professores, parece ser um dos fatores explicativos para o desinvestimento
da professora com o seu trabalho nas Classe de Aceleração.
           Nessa perspectiva, é interessante colocar outra questão surgida
em relação ao vínculo entre as professoras das Classes de Aceleração e as
das classes regulares da Escola I.
           De acordo com o depoimento das professoras, num primeiro
momento, parece ter havido, de fato, um clima de descontentamento dos
professores das classes regulares quanto à atenção e aos “privilégios” que
os professores das Classes de Aceleração receberam, em relação ao número
de alunos por sala, à capacitação bimestral e ao material específico (jogos
pedagógicos, assinaturas de jornais e livros). Num segundo momento,
parece ter existido um movimento de aproximação desses mesmos
professores em relação aos das Classes de Aceleração, mediante o pedido
de empréstimo de material e a busca de orientações teórico - metodológicas:
                “Os outros professores? O ano passado tinham ciúmes... agora,
                esse ano não, esse ano inclusive elas queriam material, “a hora
                que sobrar você vai passando pra mim”. Eu recebi colegas
                minhas que quiseram os livros pra ler, eu emprestei os livros,
                porque eu não tenho tempo pra ler, vieram uns 10 livros. Então,
                a gente está lendo um, às vezes nem dá pra ler, e já pediram,
123




                 distribui livros... Mas, o ano passado o ciúme era grande...
                 vinha assinatura de revista, “ah, mas só pra elas, por que a
                 gente não tem? Por que só para elas, o que acontece com a
                 gente?”, todo livro quando viam as caixas chegando... “por que
                 para elas?”, era assim, esse ano não...” (professora Ana)

           5.2. A prática pedagógica em uma Classe de Aceleração
           No quarto capítulo foi dito que apenas a professora Ana, da
Classes de Aceleração da Escola II, havia permitido a realização de análises
sobre a sua prática pedagógica, mediante a observação de aulas. Esta seção
é dedicada à descrição e análise da prática dessa professora.
           Em primeiro lugar, é necessário caracterizar-se a turma de alunos
da professora Ana: vinte e quatro alunos, sendo treze meninos e onze
meninas, com a faixa etária variando de dez a dezesseis anos e média de
idade de doze anos. A média de retenções dos alunos era de quatro vezes,
com exceção de um rapaz de dezesseis anos que estava fora da escola e, ao
retornar, ingressou na Classe de Aceleração da referida professora.
           Segundo a professora, os alunos eram oriundos de classes sociais
desfavorecidas e a maioria dos pais trabalhava na construção civil ou mão -
de - obra operária nas indústrias locais.
           A rotina diária de trabalho na Classe de Aceleração consistia em:
estudar o Calendário, onde eram verificados o dia, o mês, o ano e o clima
do dia; conferir a tarefa de casa; registrar, no canto da lousa, das atividades
a serem realizadas no decorrer da aula: Português, Matemática, História,
Geografia e Educação Artística.
           O estabelecimento de uma rotina de trabalho pode ser
considerado como um elemento fundamental na organização do trabalho da
Classe de Aceleração. De acordo com a análise de SOUZA, VIÉGAS &
BONADIO (1999), a rotina de trabalho possibilita o estabelecimento, entre
os alunos, de um domínio mais amplo do funcionamento da sala de aula,
possibilitando o conhecimento da natureza e do tempo destinado a uma
dada atividade do dia, dentre outros aspectos.
124




            Outros rituais específicos faziam parte da rotina da Escola I, por
orientação da direção. Todas às segundas - feiras, através do sistema de
som, a coordenadora pedagógica avisava que era o momento da entonação
do Hino Nacional. No primeiro dia da semana, também havia o
“relaxamento”, com duração de trinta minutos, realizado pela coordenadora.
Os alunos sentavam-se nas cadeiras e deitavam as cabeças nas mesas,
seguindo as orientações para “soltarem o corpo”, “relaxarem a mente” e
“pensarem em coisas boas”. No entanto, as músicas vindas dos alto -
falantes pareciam ser muito altas e inadequadas a um trabalho dessa
natureza.
            Enquanto a coordenadora ia dando as instruções para a atividade,
algumas crianças escreviam, mexiam em seus materiais ou conversavam
entre si e com a professora. Durante a sessão de relaxamento, a professora
praticamente não interferia no que os alunos faziam.
            A rotina parecia ser muito valorizada na Classe de Aceleração da
professora Ana, em detrimento de certos momentos de descontração que, na
análise da pesquisadora, também mereciam ser aproveitados e trabalhados
como oportunidades para os alunos expressarem as suas idéias, contarem as
suas histórias e de se abordarem conteúdos tão importantes como aqueles
listados na lousa todo início da manhã.
            A metodologia de ensino e a abordagem dos conteúdos
curriculares serão tratados a seguir.
            A Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração
afirma que se deve considerar como conteúdo curricular mais do que os
temas, assuntos e informações a respeito de um determinado objeto do
conhecimento, mas também os conceitos, habilidades, hábitos, valores e
atitudes a serem trabalhados pelo professor, com a finalidade de formar
alunos democráticos, criativos, participantes e autoconfiantes (SÃO
PAULO - Estado, 1997a).
125




          O conteúdo abordado, após a análise do calendário e a
verificação da tarefa de casa, era a Língua Portuguesa. Quanto a esse
conteúdo específico, a Proposta Pedagógica Curricular (SÃO PAULO -
Estado, 1997a: 26) recomenda que o mesmo seja desenvolvido
                (...) através da leitura e produção de textos variados e da
                vivência de atos de leitura e escrita significativos, sempre numa
                relação de diálogo: ler e escrever para quem?, para quê?, o
                quê?, por quê?

          Na maioria das aulas observadas, a estratégia de ensino utilizada
pela professora para mediar a apropriação do conteúdo pelo aluno foi a aula
expositiva dialogada.
          Em geral, a professora reproduzia o conteúdo do Livro do Aluno
na lousa e realizava a atividade junto com eles, destacando os pontos
principais do conteúdo no decorrer do processo.
          Como ilustração desse tipo de prática da professora, tem-se a
análise de uma carta comercial:
                A professora avisa que irão fazer a tarefa da carta comercial e
                solicita aos alunos que, diante do documento:
                                 - encontrem e circulem o local e a data da carta;
                                 - encontrem o destinatário;
                                 - definam o que é a evocação;
                                 - definam o que é a despedida;
                                 - encontrem o remetente.
                                 - definam qual o conteúdo da carta.
                A professora pergunta aos alunos qual o conteúdo da carta e
                eles não respondem. Ela pede que todos leiam a carta. Pinça a
                expressão: “exercer a função”. Exemplifica: “eu sei exercer a
                função de ...”
                Pergunta à turma, mas não respondem. A professora faz uma
                expressão de insatisfação.
                Pinça: “venho pela presente”. “O que significa a palavra
                presente aqui?”
                Vai lendo a carta e dando explicações para os termos que vão
                aparecendo: anexo, apreciação, apto. Volta à questão do
                conteúdo: “O que está falando nessa carta?” Os alunos
126




                 respondem coisas como “emprego”, “quer trabalhar”, “não tem
                 experiência.” Pergunta: “O que é auxiliar de escritório?”
                 Respondem: “Secretária, caixa.” Finalmente, a professora
                 escreve na lousa o conteúdo da carta:
                 fazendo um pedido de emprego

            A descrição da atividade acima torna-se significativa na medida
em que a maioria das questões levantadas pela professora foram
respondidas pelos alunos com grandes dificuldades.
            Mas, mesmo diante das dificuldades de entendimento e de
expressão oral dos alunos, a professora sempre procurou valorizar a fala dos
alunos, através da formulação de perguntas, da leitura e da interpretação dos
textos, partindo de suas próprias idéias e conceitos, como na seguinte
situação:
                 A professora vai à lousa e escreve:
                 Fui a uma festa de aniversário e lá tinha: .....
                 Pede que as crianças relacionem por escrito tudo aquilo que
                 acham que há em uma festa de aniversário. Estimula, dá
                 dicas... Atende individualmente alguns alunos. Senta junto ao
                 aluno mais velho da classe, que apresenta dificuldades na
                 escrita e faz algumas correções na sua tarefa, procurando fazer
                 com que ele mesmo compreenda o que escreveu nas palavras
                 erradas e que encontre os próprios erros.
                 A professora volta à lousa e escreve as palavras encontradas

                 pelos alunos: Bolo, vela, presente, balão, suco


            O próximo assunto a ser tratado, na seqüência curricular, era a
Matemática e, para esse conteúdo específico, os objetivos a serem
alcançados eram norteados pelas seguintes concepções: a Matemática deve
capacitar o ser humano a lidar com situações do cotidiano e desenvolver o
seu raciocínio lógico, além de servir como instrumento de comunicação e
leitura do mundo.
            A metodologia de ensino sugerida pela Proposta Pedagógica
Curricular para o ensino de Matemática era o trabalho com situações -
127




problema, a partir da proposição de questões, da resolução das questões
propostas, do questionamento das respostas obtidas e da própria questão
original.


            Portanto,
                 resolver um problema significa não apenas compreender o que é
                 exigido, aplicar as técnicas ou fórmulas adequadas e obter a
                 resposta correta, mas também assumir uma atitude de
                 “investigação científica” em relação àquilo que está pronto.
                 (SÃO PAULO - Estado, 1997a: 47)

            Seguindo tal recomendação, a professora trabalhava o conteúdo
de Matemática através da resolução de situações - problema ligadas aos
temas de cada módulo. Estimulava constantemente a participação dos
alunos, por meio de questionamentos:
                 A professora diz que vão iniciar agora a resolução da situação -
                 problema. Pega no armário as folhas, rodadas em mimeógrafo,
                 com a atividade. Vai à lousa e reproduz o conteúdo da folha:
                                        Números do Paulista
                                        1995          1996




                    média de público                         média de gols
                 6742         5853                            2,42           3,06




                 A seguir, pede que respondam as seguintes questões:
                 a) De que trata o gráfico? b) Qual é o título do gráfico?
                 c) A pesquisa para fazer o gráfico usou dados de que anos?
                 d) Em que ano houve maior público nos estádios (ver gráfico)?
                 e) Quanto diminuiu o público nos estádios entre 1995 e 1996?
                 f) O que quer dizer média de gols?
128




                   g) Qual a média de gols no campeonato de 1996? E no ano de
                   1995?
                   Enquanto a professora lê as questões vai esclarecendo os
                   detalhes, como a nomenclatura e reforça aqueles que
                   respondem corretamente.
                   Os alunos apresentam maior dificuldade para compreenderem a
                   questão e). A professora explica que para se saber a diferença
                   de pessoas entre 1995 e 1996, é necessário fazer uma
                   determinada operação matemática e estimula os alunos a
                   responderem qual é a operação em questão. Alguns alunos
                   respondem corretamente.
                   A seguir, ela passa a resolver todas as questões na lousa, junto
                   com os alunos.


           A professora também recorria freqüentemente a esquemas
explicativos para abordar o conteúdo em determinadas atividades. Em uma
aula de Ciências, sobre o Ciclo da Água, após a leitura coletiva e a
interpretação do texto, a professora foi à lousa e desenhou um esquema
explicativo daquilo que tinha sido lido até então:
           Nuvem carregada de gotas de chuva




                   vapor         chuva
           terra


                   Um aluno pergunta como chama quando “tem chuva forte com
                   pedrinhas” e a professora responde: “granizo”. Pergunta à
                   classe: “como se chama então isso que eu expliquei aqui na
                   lousa?” Alguns alunos respondem: “ciclo da água.”


           Apesar de muitas vezes apresentar dificuldades para sair do
padrão “leitura, interpretação, perguntas e respostas”, a professora Ana
129




demonstrava, em determinadas ocasiões, capacidade de improvisação para
exemplificar, o que facilitava a compreensão dos alunos e também
surpreendia e divertia a turma:
                A professora pede para que os alunos abram o Livro do Aluno
                na página 63, item “Figuras e Propriedades”. Desenha na lousa
                1 retângulo, 1 quadrado e 1 triângulo. Pede para os alunos
                nomearem as figuras e eles o fazem corretamente. Pede que
                observem as propriedade de cada figura, seguindo as instruções
                do livro.
                Lados: pede para que escrevam quantos lados têm cada figura
                da lousa e depois, coloca no quadro os dados apontados pelos
                alunos.
                Pede para que procurem as outras propriedades no texto:
                conceito de par. “O que é um par?”, pergunta. Os alunos
                permanecem em silêncio. Depois de uma pausa, a professora
                prossegue e pede para que as crianças identifiquem os lados
                iguais no retângulo.


                                                  2 cm


                                       4 cm




                Pergunta quantos lados tem um par. Pergunta quantos lados
                têm dois pares. Os alunos mostram dúvidas e debatem entre si.
                Pergunta: “quantos pares de lados iguais a figura tem?”
                Na hora de aplicar o conceito de par à figura, os alunos
                apresentam respostas diferentes e se dividem entre si, pois um
                grupo acha que é um par, o outro que são dois pares. A
                professora pede para que as crianças que acertaram expliquem
                o seu raciocínio, mas essas têm dificuldade. A professora
                retoma o conceito de par na figura geométrica de outra
                maneira: 1 par - 2 lados iguais     2 pares - 4 lados iguais
                Volta à figura. A professora desafia e anima a classe: quer que
                cheguem a resposta correta. Só alguns participam. A professora
                dá exemplos das figuras geométricas existentes na sala de aula:
                lousa, porta, janela, armário, mas os alunos continuam em
130




                 dúvida. Então, depois de alguns segundos, a professora tira o
                 próprio par de sapatos para explicar o conceito! Todos se
                 surpreendem com a atitude inesperada da professora e dão
                 muitas risadas...

            Ao tirar os sapatos para exemplificar o conceito de “par”, a
professora estava recorrendo ao conhecimento prévio dos alunos, para
aquilo que faz sentido e tem um significado em suas vidas cotidianas, assim
como se utilizasse a idéia de um par de olhos, um par de orelhas ou um par
de luvas.
            Também parece possível que a professora tenha elaborado essa
solução exatamente porque a maneira pela qual ela estava ensinando o
conceito de par não parecia estar dando resultados.
            O que intriga é que a estratégia da professora poderia ter sido
utilizada como o ponto de partida para a explicação do conceito de par e
então, aplicada ao estudo da figura geométrica. Essa inversão, na opinião da
pesquisadora, poderia facilitar muito mais a compreensão dos alunos sobre
o conceito em questão.
            A Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração
(SÃO PAULO - Estado, 1997a) afirma que a avaliação da aprendizagem
dos alunos deve ser considerada como um processo contínuo para
estabelecer   diagnósticos           e   para   realizar   o   acompanhamento    da
aprendizagem da classe, sempre a favor do aluno e respeitando o seu ritmo
de aprendizagem.
            Dessa maneira, partindo da concepção de que a aprendizagem
não é uma fato repentino mas um processo que requer tempo,
                 (...) a avaliação não pode se deter em resultados ocasionais,
                 mas deve acompanhar a aprendizagem, o que leva à necessidade
                 de se observarem o caminho, as dúvidas e os progressos, assim
                 como os resultados alcançados (SÃO PAULO - Estado, 1997a:
                 18).

            Para cada conteúdo curricular são estabelecidos marcos de
aprendizagem, os quais pautam a conduta avaliativa do professor em
131




relação a cada aluno. O registro do trabalho torna-se um instrumento
indispensável e o professor o organizará reunindo observações regulares
sobre cada um dos alunos, tanto em relação às suas produções, quanto ao
resultado de avaliações individuais.
           Um outro recurso importante é aquele que diz respeito ao
percurso do trabalho do professor, onde são registrados os caminhos bem -
sucedidos ou inadequados, subsidiando melhor adequação do processo
pedagógico.
           Assim, a professora procedia o registro periódico do avanço dos
alunos, a partir de todas as suas produções, dos trabalhos realizados dentro
da sala aula ou fora da escola, através da conferência da tarefa de casa.
           Era freqüente observar a professora registrando por escrito o
aproveitamento da turma, ao término de cada etapa da aula ou antes do
intervalo. Ela também revelou que escrevia muito em casa, mas não foi
possível ter acesso a esses registros, apesar de ter sido solicitado algumas
vezes.
           Quanto ao incentivo à participação da turma, a professora
tentava garantir que todos os alunos participassem da aula limitando,
algumas vezes, a participação de uma mesma criança, considerada pela
turma como boa aluna em determinada matéria. Isso acontecia muitas vezes
nas resoluções de problemas de Matemática, quando os alunos pediam para
a professora que chamasse sempre uma determinada aluna e, diante desse
pedido dos alunos, ela dizia que não chamaria a aluna porque ela era tímida
e que outro aluno deveria ir à lousa.
           Durante o período de observação, percebeu-se que a professora
procurava, em várias oportunidades, incentivar a participação dos alunos na
realização das atividades mas, mesmo diante de seu esforço, poucos alunos
participavam das atividades. No entanto, a ausência de participação dos
alunos não parecia incomodar tanto a professora quanto o fato de que os
alunos que efetivamente participavam não emitiam as respostas corretas, o
132




que chegou a provocar manifestações explícitas de frustração por parte da
professora:
                Diante de um aluno que montara na lousa uma conta de
                subtração com os valores invertidos, a professora coloca que há
                algo errado e pede para que ele e os outros alunos verifiquem
                onde está o erro. Todos permanecem em silêncio. Depois de
                um breve intervalo, Ana coloca para a classe, em tom de
                desânimo: “eu não sei qual é o problema com vocês porque lá
                no curso eles dizem para passar o problema e ficar discutindo
                com os alunos que eles dão a resposta. Cadê a resposta?!”
                Todos permanecem em silêncio.


           Com relação à reação de frustração e impaciência da professora,
a Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração (SÃO PAULO
- Estado, 1997a: 47) coloca que
                Deve ficar claro que trabalhar com resolução de problemas
                requer paciência, pois essa atividade demanda muitas idas e
                vindas, cabendo ao professor orientar os alunos sem atropelar
                o processo de criação. Cada nova colocação sobre um
                problema requer tempo para que os alunos compreendam e se
                decidam por condutas de ação, nem sempre as mais eficientes
                e às vezes até incorretas.

           No entanto, era freqüente perceber-se que diante da ausência de
respostas dos alunos para os seus questionamentos, a professora parecia
desanimar e, algumas vezes, chegava a se irritar com a turma.
           Diante das negativas de participação por parte de certos alunos, a
professora não insistia e, por vezes, acabava reforçando a atitude deles:
                Um dos alunos que durante praticamente toda a aula não
                realizou nenhuma atividade, diz que está com calor (a sala é
                muito mal ventilada e a porta está fechada, realmente está
                quente) e a professora, um pouco irritada, diz para ele deitar na
                carteira e dormir.


           A atitude da professora em relação à participação dos alunos no
processo de ensino - aprendizagem mostrou-se instável pois, várias vezes,
ela aparentemente se esforçou muito para que eles se expressassem e, em
133




outros momentos, nem chegou a insistir na sua participação, passando
rapidamente para outra atividade. No entanto, a instabilidade pode ser
considerado como parte da natureza da atividade docente.
           O clima de trabalho entre alunos e professora era, em geral,
descontraído e, em alguns momentos, conflituoso, como se viu
anteriormente.
           Os alunos conversavam entre si num tom de voz adequado,
movimentavam-se bastante pela sala para buscar objetos com outros
colegas e com a professora, faziam brincadeiras entre si, sem maiores
conseqüências.
           A professora estimulava esse clima de descontração, fazendo
brincadeiras com os alunos, mesmo durante as atividades:
                 A professora pede para que os alunos abram os livros numa
                 página onde há uma história em quadrinhos com reproduções
                 de obras de arte (Mona Lisa de Michelangelo e uma obra de
                 Anita Malfatti). Ela prende na lousa duas fotos de jornal, uma
                 figura feminina e outra masculina. Apresenta o trabalho
                 realizado no dia anterior, cujo objetivo era a reproduzir a foto a
                 partir de um desenho. Coloca na lousa a sua reprodução das
                 fotos. Há um momento de descontração com a apresentação
                 dos desenhos dos alunos e da professora, pois todos se
                 divertem fazendo comparações entre os desenhos e as fotos e
                 tecem comentários críticos, mas sem ofensas ou rudezas.


           Não foram presenciadas, no decorrer das observações, situações
mais graves de confronto entre a professora e os alunos, nem momentos de
indisciplina severa.
           Era possível perceber quando as regras e limites haviam sido
violados, por meio das verbalizações da professora: “não gritem”, “não
falem muito alto”, “cada um espera a sua vez para falar”, “não
desperdicem material”, dentre outras.
           Mesmo quando dava “broncas” na turma, a professora procurava
manter-se bem - humorada, não desrespeitava os alunos e detinha-se apenas
134




no comportamento provocador da repreensão. Não se presenciou qualquer
situação onde a professora tentasse atacar o caráter ou a moral de qualquer
aluno que estivesse sendo repreendido por ela.
           Uma das situações em que a professora interferia com mais
energia era em relação ao mal uso do material escolar, como quando
advertiu severamente algumas alunas que estavam utilizando cola branca
para fazer tatuagens.
           A professora também era enérgica quando um grupo de alunos
conversava mais alto enquanto ela atendia individualmente a outros alunos:
                Enquanto os alunos fazem a tarefa, a professora passa pelas
                carteiras e tira as dúvidas individuais. Detém-se sobre uma
                aluna que apresenta dificuldade em identificar a medida do
                perímetro de uma figura geométrica (centímetro). Diante da
                agitação e do barulho de alguns alunos que não estão fazendo
                tarefa, a professora adverte: “desse jeito eu não posso ver a
                tarefa dos que estão interessados, porque tem gente aqui que
                fica destruindo a sala.”


           No entanto, em várias ocasiões, foram presenciadas situações em
que um ou mais alunos se recusavam a fazer alguma tarefa ou desistiam da
atividade que começavam a realizar, mediante o argumento de que “não
sabiam fazer” ou que “não queriam fazer” a atividade proposta, como na
seguinte situação:
                A professora chama uma das alunas para resolver uma das contas
                de divisão na lousa. A aluna resolve a primeira conta sem
                dificuldade, com a professora sempre ao seu lado, orientando-a.
                Na segunda conta, a aluna apresenta dificuldades em uma
                determinada etapa da operação de divisão. A professora
                interrompe a resolução da operação e parte para a explicação do
                conceito de divisão através de um esquema simples que desenha
                a lousa:
135




                        1 1 1
                Pede para que a aluna imagine que cada bolinha desenhada é
                uma bala e que cada número 1 é um menino. Faz a distribuição
                das “balas” para os “meninos” e pergunta à aluna: “quantas balas
                você acha que cada menino ganhou?”
                A aluna fica em silêncio e logo responde que não sabe. A
                professora pede para que ela tente, que não desista tão
                facilmente. Com a ajuda e a insistência da professora a aluna
                consegue resolver o problema e, então, a professora o aplica na
                resolução da operação de divisão. A professora diz que vai
                escrever mais uma conta para a aluna, que diz, enfaticamente:
                “não vou fazer!”
                Diante da recusa da aluna, o aluno E. diz: “é isso aí, não faz
                não!” A professora permanece em silêncio e chama um outro
                aluno à lousa.


           As duas situações relatadas acima, remetem à análise de
PERRENOUD (1995) sobre as cinco estratégias dos alunos face ao trabalho
escolar, estratégias essas apresentadas principalmente diante de uma prática
pedagógica mais tradicional, mas ainda presentes no que o autor denomina
como “novas didáticas”:
           a) Beber o cálice da amargura: o aluno aceita realizar a tarefa,
renuncia à revolta e executa docilmente aquilo que lhe é solicitado e da
maneira como é solicitado; não discute, nem questiona. Realiza a atividade
com o menor investimento de si mas, pelo menos, não pode ser acusado
pelo professor de ter má vontade, garantindo assim a confiança do mesmo e
uma certa autonomia nas correções das tarefas;
           b) Depressa! depressa! depressa!, ou como rapidamente se
livrar da tarefa: o aluno realiza a tarefa o mais rapidamente possível para se
ocupar de outras coisas; copia do vizinho mais adiantado, utiliza o menor
tempo possível para refletir, verificar o seu raciocínio ou reler o que
escreveu. Seu maior objetivo é acabar antes para poder usufruir de alguns
136




momentos de descanso até que seja solicitada a realização de uma nova
tarefa;
           c) Despacha-te lentamente: sem recusar a atividade proposta, o
aluno tenta gastar o maior tempo possível para realizá-la; aponta o lápis,
procura material ou solicita explicações, fazendo o que for possível para
ganhar tempo; aparenta um ar ocupado, mas não se esforça muito, apesar de
parecer interessado pelos exercícios;
           d) “Não percebo nada disto”: o aluno mostra-se incompetente
frente à tarefa para poder se esquivar dela; utiliza a incompetência, a
incapacidade de compreender as instruções ou de visualizar a solução para
justificar longos períodos de ociosidade, principalmente quando o professor
está ocupado com outros alunos. Caso o professor esteja disponível, essa
estratégia permite que o docente faça uma parte da tarefa para o aluno, ao
oferecer-lhe pistas e subsídios para a resolução da atividade;
           e) Contestação aberta: é a mais perigosa das estratégias,
consistindo no fato do aluno negar abertamente a utilidade da tarefa ou
recusar-se a fazê-la de forma explícita e, para isso, alega falta de interesse,
de vontade, cansaço ou indisposição. Poucos são os alunos que adotam
regularmente essa atitude sem sofrerem medidas disciplinares mais
rigorosas e, portanto, essa estratégia é mais ocasional que as anteriores; os
alunos que a utilizam geralmente são aqueles que não tem mais nada a
perder e estão vivendo uma relação de desgaste com a instituição escolar.
           Pode-se observar que as três últimas estratégias e, em especial, a
última, foram as mais utilizadas pelos alunos diante das tarefas propostas.
           As atitudes dos alunos face às atividades propostas pela
professora podem ser mais facilmente compreendidas se for considerado
que as suas trajetórias escolares foram, muito possivelmente, marcadas por
constantes frustrações, esforços mal - sucedidos, avaliações depreciativas e,
especificamente, a realização de tarefas escolares sem significado para as
suas vidas cotidianas.
137




          O resgate da auto - estima dos alunos, por parte da professora,
ocorria principalmente através da valorização de seus avanços acadêmicos.
          A professora, durante a realização conjunta das atividades,
principalmente nos momentos de leitura de textos, fazia constantemente
elogios públicos aos alunos:
                Iniciam a leitura de uma poesia de Ruth Rocha, “Quem tem
                medo de quê?”. A professora coloca um trecho do texto na
                lousa:
                                   Lagartixa? Vejam só!

                                    Isso parece piada...

                                  Nem ligo pra lagartixa!

                                   Acho ela uma coitada!

                                Sabe do que eu tenho medo?

                                  Que me dói o coração?

                                 Até me arrepia a espinha?

                                 Tenho medo ... de injeção!
                Todos lêem em voz alta junto com a professora. Somente os
                meninos; depois as meninas, que parecem ler com mais
                entusiasmo. Então o S. lê., com certa hesitação, mas
                corretamente.
                A professora comenta animada: “Palmas gente, ele não lia
                nada e agora está lendo!” Depois a J.: “Palmas para ela
                também!”


          Um outro comportamento freqüentemente apresentado pela
professora era encorajar o aluno a não desistir diante dos erros cometidos.
Assim, frente a um aluno que diz não saber resolver uma conta de divisão, a
professora aconselha: “não diga que você não sabe fazer, diga que não
consegue, mas que vai tentar.”
          Para crianças com histórico de múltiplos fracassos na escola
esses momentos de valorização pública de seus pequenos (mas
significativos) avanços parecem ser muito importantes para resgatar a auto -
estima e o desejo de aprender.
138




             No entanto, mesmo mostrando-se consciente da necessidade de
empreender o resgate da auto - estima de seus alunos, a professora nem
sempre o fazia quando surgiam situações inesperadas, como no dia em que
um aluno chamou o outro de “burro”, após o primeiro ter dado uma
resposta incorreta na resolução de um exercício de matemática. Diante
dessa situação, inesperada frente aos padrões de intervenção da professora,
ela não interviu e continuou realizando a atividade, simplesmente ignorando
o comentário ofensivo do aluno em relação ao outro.
             Não houve oportunidade de se conversar com a professora sobre
a situação descrita já que, logo após o término da aula, ela estava com
pressa para ir para a outra escola onde lecionava no período da tarde.
             Sua atitude faz refletir sobre a necessidade de que a professora
Ana procedesse a problematização do fato ocorrido para além da sala de
aula, partindo das idéias dos alunos, de modo que eles próprios
apresentassem suas análises, versões, hipóteses e posições a respeito do
ocorrido (SOUZA, VIÉGAS & BONADIO, 1999: 11).
             Em uma Classe de Aceleração acredita-se ser vital para o resgate
da auto - estima e de valores éticos e sociais que sejam aproveitadas as
situações e experiências ocorridas na sala de aula. O uso dessas situações
parece ser essencial para a abordagem de assuntos como o preconceito 16 e a
rotulação dos alunos que fracassam, a postura adequada diante do erro e do
acerto e outros temas emergentes relacionados ao dia - a - dia dos alunos
com história de multirrepetências, o que não se configurou na prática
pedagógica da professora Ana, pelo menos no período observado.
             Houve momentos que a professora compartilhou com a
pesquisadora análises mais amplas sobre o projeto de Aceleração, como
quando afirmou que, na sua opinião, apesar das Classes de Aceleração não

16 Segundo HELLER (1989: 47) preconceitos são os juízos provisórios refutados pela ciência e
por uma experiência cuidadosamente analisada, mas que se conservam inabalados contra todos
os argumentos da razão.
139




continuarem acreditava que a mentalidade das professoras participantes
mudara, pois haviam se tornado mais críticas e melhores preparadas em
termos metodológicos ou quando comentou que, mesmo com a existência
de módulos e de uma rotina norteadora do trabalho em sala de aula,
acreditava que era possível que o professor improvisasse e criasse as suas
próprias atividades dentro de um determinado conteúdo, sempre seguindo
os parâmetros do Livro do Professor.
           As professoras substitutas, encarregadas das aulas quando as
professoras titulares estavam sendo capacitadas, não participavam de um
processo de capacitação paralela e não usavam o Livro do Professor e,
segundo ela, os alunos consideravam que os dias de aulas com as
professoras substitutas eram “dias perdidos”.
           De acordo com a professora, o conteúdo e os objetivos das
Classes de Aceleração I e II eram o mesmo, mas a maneira de se trabalhar o
conteúdo era diferencial. Desse modo, na Classe de Aceleração I a ênfase
seria na alfabetização enquanto que, na Classe de Aceleração II, seria
enfatizado a compreensão de idéias e a estimulação da expressão oral do
aluno.
           A professora Ana achava ser necessário a implantação de um
projeto de Aceleração de 5a à 8a séries pois, para ela, os alunos continuariam
a ter dificuldades nessas séries.
           Segundo Ana, somente naquele período existia um bom clima
entre ela e os alunos da turma atual pois, no começo do ano, a indisciplina
era muito severa e a conquista da disciplina havia sido realizada com muito
diálogo e “pulso firme” por parte da professora.
           Naquele momento específico Ana estava desanimada e
ponderava se deveria continuar na Classe de Aceleração no próximo ano
letivo, por sentir-se cansada e solitária sem a presença do diretor e de sua
antiga colega Célia, com quem havia vivenciado o processo de
implementação do projeto naquela escola.
140




            Em uma das conversas sobre as dificuldades dos alunos, a
professora pediu à pesquisadora a sua opinião sobre o caso de um
determinado o aluno (E., de dezesseis anos): “o que você acha que pode ser
uma criança que não lê, mas escreve?” Perguntou-se a ela qual era a sua
hipótese sobre o problema. Ela, então, respondeu: “acho que é uma coisa
da cabeça, não consigo entender...”
            Diante de sua impotência para compreender as dificuldades de
aprendizagem específicas do aluno E., a professora parece expressar uma
representação de fracasso escolar centrado no aluno, o que contraria, a
princípio, a posição defendida pelo referencial teórico do projeto de
Aceleração, mas que parece indicar aquilo que a professora Ana é capaz de
ensinar, face ao momento de desenvolvimento e de aprendizagem
profissional que estava vivendo e ao contexto educacional em estava
inserida.
            Portanto, pode-se perceber que as alterações previstas pelas
políticas educacionais para assegurar o sucesso de alunos com histórico de
fracasso escolar não garantem, de imediato e na sua totalidade, as
necessárias mudanças nas mentalidades e nas práticas dos atores
(professores, coordenadores, diretores), cotidianamente envolvidos no
atendimento desses alunos. Em outras palavras, mesmo diante de uma
professora atuando no contexto de uma política de superação do fracasso
escolar, não é surpresa deparar-se com a sua concepção de fracasso escolar
que atribui o fracasso ao aluno.
            Essa suposta contradição pode ser explicada por PERRENOUD
(1997: 29) quando afirma que no estado de ambigüidade endêmica dos
discursos sobre o insucesso escolar  a favor da diferenciação, mas sem
colidir com os bastiões do conservadorismo , as opções individuais dos
professores tornam-se determinantes.
141




           A partir de agora serão tecidas algumas considerações sobre a
prática pedagógica da professora Ana.
           Em primeiro lugar, questiona-se: a prática docente da professora
Ana, da Classe de Aceleração II da Escola I, pode ser considerada uma
prática bem - sucedida?
           A fim de se responder a essa questão recorreu-se, inicialmente, à
Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração, a qual afirma
que:
                (...) o trabalho deverá desenvolver-se de maneira flexível, mas
                sem desvios de rumo, dentro de um padrão metodológico que
                se sustente em princípios norteadores claros. Assim, mobilizar
                interesses, ativar a participação, desafiar o pensamento,
                instalar o entusiasmo e a confiança, possibilitar acertos,
                valorizar os avanços e melhorar a auto - estima passam a ser
                diretrizes da atuação do professor, numa busca de tornar
                significativo o processo de ensino - aprendizagem (SÃO
                PAULO - Estado, 1997a: 10).

           Deve ser levado em consideração que a professora Ana é uma
professora experiente, preocupada com a qualidade de seu trabalho e com o
desenvolvimento de seus alunos. Possui uma excelente compreensão dos
fundamentos da Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração,
como pôde-se observar pela maneira como desenvolve as aulas e nas
ocasiões onde se tratou desse assunto (conversas informais e entrevista).
           Os dados obtidos realmente revelam que o trabalho desenvolvido
pela professora converge com a maioria dos princípios contidos na Proposta
Pedagógica Curricular, especificamente no tocante ao seu empenho em
criar um clima de entusiasmo e estimular a auto - confiança dos alunos,
como também na valorização dos avanços e acertos apresentados por eles
no processo de aprendizagem.
           Porém, quanto à flexibilidade metodológica, à mobilização da
participação e o desafio ao pensamento do aluno, sua atuação parece um
tanto instável, quando comparada com os mesmos princípios. Pelo menos
no período de observação de aulas verificou-se que a metodologia de ensino
142




dominante foi a aula expositiva dialogada. Quanto a isso, deve-se esclarecer
que o uso da aula expositiva dialogada não deve ser considerado sinônimo
de um ensino convencional ou obsoleto, pois é uma técnica extremamente
útil, mesmo que o projeto de Aceleração seja baseado no referencial
construtivista.
           Nas várias oportunidades em que utilizou a aula expositiva
dialogada, a professora buscou criar situações desafiadoras e estimulantes
para a apropriação do conhecimento por parte dos alunos, mas nem sempre
obteve sucesso. Acredita-se que outras estratégias, como atividades em
grupo ou atividades individuais diferenciadas, poderiam ter sido utilizadas
de forma mais significativa e produtiva.
           Além disso, notou-se que do “kit” de material destinado às
Classes de Aceleração (quatro volumes destinados ao professor - Ensinar
pra Valer! - e aos alunos - Aprender pra Valer!, fichas, cartazetes e jogos
pedagógicos), os três últimos itens foram muito pouco utilizados, pelo
menos nas aulas observadas.
           Quanto à participação da turma e o desafio ao pensamento do
aluno, a professora poderia ter sido melhor sucedida se procurasse explorar
um pouco mais o conhecimento prévio e as vivências dos alunos sobre os
conteúdos trabalhados, mesmo diante de uma rotina de trabalho exigente
como a que caracteriza as Classes de Aceleração.
           Mas, em que medida essa avaliação da prática pedagógica da
professora Ana se diferencia da prática docente nas salas de aulas do ensino
regular?
           A grande diferença parece residir na capacidade da professora
Ana em compreender o perfil de seu alunado e, principalmente, em refletir
sobre as suas concepções sobre as causas dos fracassos desses alunos.
Aparentemente, aos olhos da professora Ana, o fracasso escolar ainda
parece estar mais relacionado ao fracasso individual do que propriamente a
fatores relacionados ao sistema educacional e à função social da escola.
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  • 1. 99 5. As professoras das Classes de Aceleração da Escola I A Escola I situa-se em um bairro populoso da periferia do município e foi implantada, inicialmente, dentro do programa de instalações de CAIC’s (Centro de Atendimento Integral à Criança) do Governo Collor, em 1990. Não foi alvo do processo de reorganização da rede de ensino até o segundo semestre de 1999, pois era a única escola existente no bairro. Após essa reorganização tardia, passou a atender as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. O prédio é grande, com dois andares, muito colorido, o que o destaca a distância. Junto ao prédio principal onde funciona a escola, existe um pequeno prédio anexo, onde funciona uma Escola Municipal de Educação Infantil, destinada a crianças de quatro à seis anos. No primeiro andar do edifício existem as salas de aula, o refeitório dos alunos, o pátio e a quadra coberta. No segundo andar, existe uma biblioteca ampla, uma sala de vídeo e um laboratório de ciências que é utilizado pelas professoras como uma espécie de refeitório, durante o intervalo das aulas. Ainda no segundo andar há a sala do diretor, da coordenadora pedagógica e a secretaria escolar. As Classes de Aceleração também estão localizadas no segundo andar do prédio, longe das salas de aulas regulares. A Classe de Aceleração I, da professora Bianca, fica ao lado da sala da coordenação e a Classe de Aceleração II, da professora Ana, fica no extremo oposto do segundo andar, ao lado da biblioteca e defronte à sala de vídeo. As salas destinadas às Classes de Aceleração são pequenas, mas conseguem acomodar vinte e cinco cadeiras e mesas, que são agrupadas de quatro em quatro, permitindo o trabalho em grupo, apesar de haver pouco espaço para a circulação de alunos e da professora. Um armário de ferro com portas contém o material utilizado pelas professoras e alunos: Ensinar
  • 2. 100 para Valer! (Livro do Professor) e Aprender para Valer! (Livro do Aluno), artigos de papelaria e fitas de vídeo. Nas paredes, cartazes: numerais de zero a nove, meses do ano, dias da semana, calendário anual, folhetos de supermercado, fases da Lua e trabalhos temáticos (Dia das Mães, bandeiras de festa junina). Há um sistema de som com alto - falantes presentes em todos os espaços da escola e que é utilizado continuamente para tocar músicas evangélicas e enviar comunicados do diretor ou da coordenadora pedagógica. 5.1. As Classes de Aceleração na ótica das professoras Os dados que serão descritos e analisados abaixo referem-se às respostas obtidas por meio da entrevista em grupo realizada com as duas professoras em exercício da Escola I, Ana e Bianca e da entrevista individual realizada com a ex - professora Célia, de Classe de Aceleração da mesma escola. 5.1.1. Trajetória acadêmica e profissional das professoras A professora Ana possui formação em nível superior em História, realizada em uma instituição privada de ensino superior, além da Habilitação Específica para o Magistério. Docente há mais de dez anos, possui experiência em Educação Infantil, terceiras e quartas séries, além de uma passagem pela segunda série do Ensino Fundamental. A professora Bianca possui a Habilitação Específica para o Magistério e leciona há mais de quinze anos. Tem experiência no ensino de adultos (MOBRAL e Supletivo) e no Ensino Fundamental, especificamente em quartas séries. A professora Célia é formada em Pedagogia por uma universidade pública estadual e leciona há mais de dez anos; já atuou nas primeiras séries do Ensino Fundamental e em salas de reforço, no Programa
  • 3. 101 de Formação Integral da Criança (PROFIC) onde, segundo ela, teve contato com vários alunos com histórico de fracasso escolar. Na época da entrevista ambicionava ingressar em um programa de pós - graduação strito sensu, com o objetivo de obter o título de Mestre em Educação. 5.1.2. Ingresso e atuação nas Classes de Aceleração Com relação à opção pelas Classes de Aceleração, as três professoras da Escola I optaram por fatores como a atração que sentiram pela possibilidade de enfrentar de novos desafios profissionais, como também a necessidade de um maior aperfeiçoamento profissional, através do processo de formação continuada proporcionado aos professores integrantes do projeto Classes de Aceleração e pelo efetivo exercício docente frente a uma clientela comumente rejeitada e rotulada pela maioria dos professores: os alunos multirrepententes. Este parece ser o caso da professora Ana: “Ninguém na escola queria pegar, todo mundo achava que era uma coisa muito difícil, muito complicada, aí me ofereci para o seu A. (diretor da escola), falei que se ele não se importasse (porque ele já tinha escolhido pessoas) assumiria, para ver o que era, como era, para crescer, para aprender mais. Em 1997, também escolhi porque quis e esse ano não... eles eram defasados de idade, de atraso no estudo mesmo, não entendiam matemática, português muito, sem coerência nenhuma, esse ano foi bem mais difícil...” E, principalmente, da professora Célia: “Houve uma rejeição na escola por parte dos professores, por que acham que é o “entulho”, o “lixão”. O diretor veio me oferecer e aceitei. Quis essa sala porque ninguém queria, sou atraída pelo fracasso, me questiono por que algumas crianças aprendem e outras não. Me preocupo muito com as que ficam. Quando foi falado na escola, os efetivos não quiseram pegar e foi passado para os ACT. Me entusiasmei por causa disso e também pela aprendizagem que os professores têm, aprendem
  • 4. 102 muito, porque são estas crianças que precisam de um atendimento especial; achava que, se ia ser professora desse atendimento, ia me melhorar, sair em busca de uma melhor aula, uma melhor forma de trabalho.” A professora Bianca, por sua vez, admite que optou pelas Classes de Aceleração por não ter conseguido outra classe no ensino regular mas, mesmo assim, coloca que sentiu um certo “interesse” pelo projeto: “Me interessei pela Classe de Aceleração, porque todo mundo falava que era “gostoso”, uma amiga que lecionou comigo na Aceleração no ano passado falava “pega Bianca, é gostoso.” Solicitou-se a cada professora que fizesse uma avaliação de sua turma atual. Essa solicitação deu-se pela crença de que conteúdos importantes como por exemplo, as suas concepções sobre as dificuldades dos alunos e a atribuição de causas às mesmas, a identificação de suas próprias dificuldades em trabalhar com turma, o tipo de relação que estabelece com o grupo de alunos e dos alunos enquanto grupo, dentre outros temas relevantes, são revelados no momento em que o professor avalia sua classe como um todo. A professora Ana colocou que seus alunos, apesar de apresentarem dificuldades graves no processo de aquisição da leitura e escrita, desenvolveram habilidades que lhes permitem uma melhor expressão oral e escrita. Destacou a situação em que os alunos se encontravam no início do ano letivo, especialmente o medo face ao desconhecido de uma nova sala de aula e de uma nova “vida” escolar. Comentou sobre a dificuldade de se trabalhar com a auto - estima dos alunos, um conceito que ela acredita que eles não compreendem e que nem mesmo ela, às vezes, conseguia compreender. Considerou que os seus alunos possuíam muito potencial para o aprendizado e que havia tentado desenvolver, junto aos alunos, uma postura
  • 5. 103 crítica frente aos conteúdos, postura essa que ela acreditava que poderia ser retomada pelos alunos, posteriormente, em suas vidas acadêmicas: “.... quando eu peguei a classe alguns alunos estavam terríveis na escrita, indecifráveis... agora eles já fazem frases mais completas, a oralidade foi mais trabalhada, começaram a se expressar melhor. O aluno não precisa deixar de apresentar os erros ortográficos na sua escrita, mas na hora de colocar no papel já se lê uma frase que se compreende. Em relação ao autoconceito, eles chegaram bem medrosos: no início, não estavam entendendo o negócio de sair da terceira e ir para a quinta. Fizemos todo um trabalho de levantar a auto - estima. Achei que eles saíram melhores preparados, menos briguentos, já estavam mais acomodados. Eles não sabem agora, tenho a impressão de que eles armazenam isso e que na hora em que for solicitado eles vão saber, acho que eles viraram alunos críticos, mesmo que eles ainda não saibam o que é criticidade, a hora em que for acionado eles vão ser críticos.” (professora Ana) A professora Bianca iniciou a avaliação de sua turma atual com uma frase que pode ser considerada muito significativa: “Recebi a classe com bastante problema, eram crianças carentes, que não sabiam nada, nada, nada, nada, nada e nada e têm alguns que não estão sabendo ainda.” Ao dizer que seus alunos não sabiam “nada”, repetiu essa palavra inúmeras vezes, enfatizando-a com bastante veemência. Bianca não parecia acreditar na capacidade de aprendizagem de seus alunos. Não parecia, igualmente, compartilhar de idéias essenciais para a atuação no projeto de Aceleração, como que é necessário valorizar os conhecimentos prévios do aluno (SÃO PAULO - Estado, 1997a). Isentou-se de responsabilidade no processo de aprendizagem (ou melhor, de não aprendizagem) de seus alunos, com o argumento de que havia feito por eles “o possível e o impossível”:
  • 6. 104 “Me esforcei bastante, acho que fiz o possível e o impossível para eles. Acho que eles trazem muitos problemas de casa. Eles chutam, xingam. No final, acho que tentei e que recuperei um pouquinho. De 18 alunos da classe, um vai para a 5 a, quatro vão para a 4a e 13 vão fazer recuperação nas férias. Se tiverem possibilidades vão para a 4a, senão vão ficar na Aceleração II.” (professora Bianca) Apesar de ter, anteriormente, depreciado a situação acadêmica de seus alunos, afirmou que eles eram “uns alunos rebeldes, alunos bravos, uns alunos teimosos...” Encerrou a avaliação de sua turma, complementando a sua idéia de que o professor está isento de responsabilidade no processo de aprendizagem dos alunos, ao colocar que o “bom desempenho é mais um esforço dos alunos que da professora”, pois quando eles não querem, não fazem: “Acho que o bom desempenho é mais um esforço dos alunos do que da professora, porque quando eles falam “eu não vou fazer, eu não faço, eu não faço e eu vou fazer o quê?” Deve-se considerar que a professora Bianca foi a que apresentou um dos argumentos mais frágeis para sua opção pela Classe de Aceleração já que, segundo ela, apesar de um certo interesse por essas classes, o principal motivo de sua escolha foi a falta de outras oportunidades no processo da atribuição de aulas. Já a professora Célia, bastante detalhista em sua avaliação da classe pela qual foi responsável no período em que lecionou na Escola I (Classe de Aceleração I, ano de 1997), considerou que percebeu avanços na turma, não somente em termos de aprendizagem, mas também na conduta e socialização; não usou de rótulos com relação a eles e demonstrou compreensão para com as suas atitudes: “No começo do ano, eles eram muito revoltados; não queriam aprender, tinham vergonha de ler, tinha que fazer o diagnóstico
  • 7. 105 inicial e isso foi muito difícil porque eles mesmos não acreditavam que sabiam alguma coisa; eles eram fechados, muita agressividade, cada um “chapava” mais o outro para se sobressair como melhor, então foi um trabalho muito difícil, em termos de auto - estima. No final do ano (1997), eu senti que eles já tinham superado, já não brigavam tanto, escreviam espontaneamente, não tinha mais aquela dificuldade de comunicação, de atendimento; formavam grupos, trabalhavam juntos e não eram mais tão agressivos.” A professora Ana relatou que, no ano letivo em que trabalhou com a professora Célia, elas adquiriram o hábito de “trocar” os alunos entre as Classes de Aceleração I e II: “Tinha uma colega que tinha pego Aceleração I, a Célia, e nós trocávamos os alunos. Ela também estava estudando, então trocávamos; eu mandei um grupo de alunos para a Aceleração II, que tinham condições de ir para uma 5 a série e ela tinha crianças que não sabiam e estavam na alfabetização inicial.” (professora Ana) O procedimento descrito pela professora Ana não é previsto pela Proposta Pedagógica Curricular. Entretanto, mesmo não recomendado ou previsto oficialmente, essa não pareceu ser uma atitude de caráter discriminatório ou sabotadora por parte das professoras, mas uma alternativa utilizada pelas mesmas para contornar problemas na composição das classes, guiada pela avaliação diagnóstica inicial da turma. Não foi possível analisar os resultados das trocas de alunos entre as salas, pois essa prática limitou-se ao período em que a professora Célia estava atuando na Escola I. No tocante às relações entre professoras e alunos, foram relatadas dificuldades circunstanciais e regulares. Segundo a professora Ana, no início de sua participação no projeto de Aceleração, chegou ao limite de agredir fisicamente um dos
  • 8. 106 alunos, considerado por ela como um “bandido”; posteriormente comunicou à coordenadora pedagógica que não mais o aceitaria na sala de aula: “No começo do ano, cheguei a me agarrar com um aluno. Fui na coordenadora e falei que não queria o aluno na sala, era um aluno assim tipo bandido mesmo. Agora passaram ele para a suplência, porque a escola não agüentou o menino...” A dificuldade da professora Bianca em interagir e, até mesmo, aceitar a sua classe atual foi novamente manifestada. O descontentamento e a interação negativa, aparentemente, existiam desde o começo do ano letivo: “Esse ano eu estou arrasada, mas arrasada mesmo, com o tipo de alunos que são... Eu acho que eu nunca peguei uma classe desse jeito; é a idade deles porque o mais velho está com quinze anos, então é dez, onze, doze, quinze, então é tudo assim. Então, esse ano para mim...” O choque de realidade apresentado pela professora Bianca diante da idade de alguns de seus alunos é incompreensível quando se parte da hipótese que, desde o processo de atribuição de aulas, ela já deveria estar ciente do perfil dos alunos selecionados (onde a idade avançada é uma das principais características) para comporem as Classes de Aceleração. Pediu-se a cada professora que destacasse casos de sucesso ou fracasso de alunos de sua classe. A professora Ana destacou três alunos (S., R. e E.) como os que mais haviam marcado a sua experiência na Classe de Aceleração até aquele momento: “S.: é um caso espantoso, foi um aluno que eu achei que fosse ficar enroscado e agora os textinhos dele têm certa coerência. Sempre vai para a lousa, vem sentar perto, “dona, eu não entendi, ajuda a fazer essa frase aqui”. Fica mais próximo... R.: Não conseguiu atingir nada, se pegar a pasta dele não tem nada. Se recusou a fazer. ele virou um dia e disse “olha, eu não
  • 9. 107 quero nem aprender a ler, nem aprender a escrever”... A mãe conta que é porque ele viu o pai morrer quando estava na fase de alfabetização... E.: Dezesseis anos, teve um desentendimento com a professora da tarde e passou para minha sala. Sinto que ele tem uma deficiência, a mãe já foi chamada, desde que ele estava na 3 a, 4a série e a mãe não aceita. Quando falei com a mãe, ela pediu que o aprovasse e eu disse “eu, por mim, está aprovado”. Aí a turma da Diretoria não aprovou e a mãe não mandou mais o aluno na sala, porque ela não aceita que o filho dela é uma criança especial. Falei que ela tinha que procurar uma escola especial, aí ela queria que falasse APAE, mas não existe só a APAE de escola especial. Falei pra ela “a senhora tem que primeiro levar ele no médico, o médico vai diagnosticar, porque eu não sou uma pessoa especializada, eu sei que ele é uma criança especial, que merece um tratamento especial, agora, a senhora tem que ir ao médico para ele indicar o que a senhora tem que fazer”... Ela disse: “eu vou colocar na professora particular”. Eu falei: “ele não precisa de professora particular, ele é um aluno hiper ativo aqui, ele gosta de ler, dá coisas para ele ler”. Então eu falei para ela “compra a revista Superinteressante, quem sabe vai despertando, coloca ele numa aula de computação”. Ele já tem dezesseis anos e quer ser mecânico, é uma coisa que vai exigir precisão e a mãe não ficou muito satisfeita...” O caso do aluno E. mereceu maior destaque da professora, talvez por ele ser um adolescente, estar muito defasado em termos pedagógicos, apresentar indícios de um déficit cognitivo e, apesar de tudo, ainda não ter desistido da escola e ou de suas ambições profissionais. Apesar de sua preocupação com este aluno, a professor Ana aparentemente não considerou as dificuldades da família do rapaz seja para comprar revistas, como para matriculá-lo em um curso de computação, pois como ela mesmo situou, a maioria de seus alunos, inclusive este, eram oriundos de classes sociais com poucos recursos financeiros.
  • 10. 108 A vivência adquirida pela pesquisadora no atendimento psicológico de escolares, mostra que muitos outros adolescentes com histórico de fracasso escolar possuem uma história semelhante a de E., ou seja, histórias onde a dúvida sobre a possível existência de necessidades especiais é persistente e onde são feitas insistentes recomendações para que esses jovens freqüentem uma escola especial ou para que sejam encaminhados a profissionais de saúde. Nas Classes de Aceleração e nas classes do ensino regular, quando o professor se detém sobre situações particulares de alunos com histórico de fracasso escolar, o seu discurso parece, freqüentemente, apontar para causas de caráter orgânico, seja pela presença de lesões neurológicas ou de uma suposta deficiência mental. A professora Bianca selecionou dois casos alunos com história de fracasso. Elogiou o discurso da mãe de um desses alunos, a qual aconselhou as outras mães a levarem os seus filhos para a APAE. Além disso, a professora recriminou a atitude de um pai que reagiu contra o encaminhamento de seu filho para a mesma instituição: “P.: A avó levou ele para a APAE. A avó esteve aqui, falou “dona Bianca, eu acho que a senhora deveria falar com as mães. Olha o P., a senhora falou para mim do P., eu levei, fez o exame, passou pela psicóloga. Olha, e ele adorou”. N.: Tem um aluno que eu encaminhei pra APAE, mas não adiantou, o pai não aceitou. E eu vou fazer o que? Não vou falar com a mãe de ninguém e eu acho que a mãe está vendo o filho, né? Eu sou apenas professora, eu oriento, mas a mãe não quer, então eu não faço nada. ” A professora Célia analisou um caso de sucesso de um aluno, que aparentemente resgatou sua auto - estima. Mas, ao mesmo tempo, a professora parece ter se desculpado sobre a maneira como o aluno em questão foi promovido para a 5a série:
  • 11. 109 “D.: Falava assim: “professora, eu precisei ficar quatro anos na escola para esse ano aprender com a senhora”. Foi para a 5a série; no começo não sabia ler, depois foi se aperfeiçoando e acabou indo, com alguns erros ortográficos, mais foi a instrução que a gente recebeu, a orientação recebida.” Outro fato marcante na convivência com os alunos que compõem as Classes de Aceleração foram as histórias relacionadas aos medos que eles possuíam. A professora Célia se emocionou ao relatar uma dinâmica relacionada aos medos, que foi realizada como atividade do conteúdo curricular de Língua Portuguesa: “Uma vez eu perguntei sobre os medos, então chegou a vez de um aluno e ele falou “eu tenho medo de perder a minha família, medo que alguém mate os meus irmãos”... depois eu fiquei sabendo que ele tinha irmãos com problemas de drogas, já haviam sido presos, ele já tinha fugido de casa, foi parar no Rio de Janeiro, a polícia foi buscar, é por isso que ele tinha medo de perder a família.” 5.1.3. Avaliação do processo de capacitação docente Na avaliação sobre o processo de capacitação docente, algumas professoras fizeram críticas específicas quanto à falta de discussão existente nesse processo sobre a realidade do professor e de suas dificuldades, principalmente, no tocante à resistência de alguns alunos em participar das atividades propostas. Para elas, durante as capacitações, não houve maior articulação ou entrosamento entre a teoria e a prática: “As capacitações são muito boas, porque levam as professoras a crescer muito, refletir bastante, mas acho que é pouco o tempo e que deveria ser discutida a realidade das professoras, por exemplo: na hora de discutir textos, as professoras deveriam discutir os textos produzidos pelos alunos.... Então, a gente estaria trocando experiências da nossa realidade e lá ficou muito longe. As capacitações que tivemos com o pessoal do CENPEC foram melhores e as que foram feitas aqui mesmo
  • 12. 110 parece que não tinham novidade, que a pessoa estudou para falar para você, a mesma coisa que se estivesse lendo um livro e estivesse passando para você. Não tem experiência de sala de aula, que é o que as professoras precisam, de experiência de sala de aula, porque chegar e falar é muito bonitinho, é fácil falar. As capacitadoras falam assim: “você pega as fichinhas, põe na mesa, faz um joguinho”. E não é como as capacitadoras falam... os alunos falam que eles não querem fazer e não fazem...” (professora Ana) “Elas falam que é para colocar um textinho e a reescrita do texto, agora como é que você vai fazer com todos os alunos a reescrita de um texto?” (professora Bianca) À primeira vista, pode parecer que as colocações das professoras se relacionam a já conhecida reclamação dos docentes em relação a cursos de capacitação: a falta ou a pouca prescrição de “receitas” metodológicas. No entanto, também pode-se ponderar que a reclamação das professoras se relacione menos à prescrição de receitas de uso prático e mais à necessidade de uma aprendizagem situacional ou em contexto, um tipo de capacitação onde o professor possa aprender as técnicas inserido em um contexto o mais próximo possível da situação real, vivenciando a prática de modo mais seguro e, se possível, acompanhado de tutores que façam observações construtivas e que subsidiem as mudanças ou ajustes necessários em sua maneira de atuar. Nas falas das professora Célia e Ana, há uma crítica à capacitação pelo acúmulo de informações e a necessidade de aplicação imediata, pelo professor, do conteúdo trabalhado, sem que fosse possível uma reflexão posterior por parte do professor sobre aquilo que estava sendo discutido. Para elas, como para qualquer estudante, é necessário um tempo para que sejam processadas as informações recebidas no processo de formação, assim como para a tradução dos conhecimentos teóricos e metodológicos para a prática escolar:
  • 13. 111 “As capacitações eram atropeladas, tinha que ser tudo rápido, porque o projeto estava sendo implantado, então aquilo tudo na cabeça da professora, aí quando eu parei nas férias e comecei a refletir, eu falei “ah, se eu for com calma parece que vai dar certo.” (professora Ana) “Eu acho que a capacitação foi válida, só que eu penso assim: que a gente tem que ter um tempo para refletir sobre o aprendizado, então, de repente, era um monte de informações, não dava tempo de trocar experiências, a gente não tinha tempo de comentar nada, já voltava para sala sem essa pausa. Não sei, eu, como estudante preciso de uma pausa para refletir sobre o que foi aprendido para poder passar para frente e não foi isso que aconteceu. Agora as capacitadoras eram muito boas, foi muito bom. Eu só acho que houve pouco aproveitamento devido às muitas horas seguidas e não ter tempo para discussão.” (professora Célia) As reclamações das professoras encontram respaldo na afirmação de McDIARMID (1995) quanto à importância de que os professores tenham tempo e condições mentais propícias para que seus pensamentos sobre o ensino fiquem distantes das exigências físicas e psicológicas da sala de aula. Como as próprias professoras da Escola I afirmaram, não havia tempo hábil para que elas pudessem “digerir” as informações recebidas nas capacitações, muito menos possibilidade para refletirem sobre a nova postura que deveriam assumir ao se comprometerem com o sucesso de seus alunos. 5.1.4. Avaliação do projeto Classes de Aceleração Houve consenso entre as professoras da Escola I sobre a altíssima qualidade do projeto Classes de Aceleração. Dentre os elogios feitos com relação ao projeto, a professora Ana destaca a organização curricular, a qual facilitou o seu trabalho e direcionou
  • 14. 112 sua atuação. Acredita que o conteúdo e a proposta de trabalho por projetos, que partem da realidade dos alunos, os torna mais críticos: “... eu gostei muito da proposta, porque ela é muito boa... tem o limite até onde vai a Aceleração I, tem os pontos de chegada, que a gente encontra assim nos parâmetros: “a Aceleração I é até aqui, a Aceleração II é daqui pra cá”. Eu achei ótimo, já vem tudo divididinho, você não tem que ficar perdida... e para os alunos, é boa... resolve, faz eles se tornarem críticos. A proposta em si é tornar os alunos críticos: quando ele vai estudar História, Geografia e Ciências ele não vai estudar sobre um lugar que eles não conhecem, parte da realidade deles, o eu, minha família, meu bairro, minha cidade, meu estado, meu país e vai abrangendo tudo.” A professora Bianca, apesar de apreciar a proposta, tornou a condicionar o sucesso das Classes de Aceleração ao desempenho do aluno, ao seu interesse e vontade de aprender. Elogiou a qualidade do material didático, especialmente os jogos pedagógicos. No entanto, fez uma crítica sutil à coordenadora pedagógica, por achar que ela estava “perdida” e não que solucionava as suas dúvidas: “Em termos de proposta é rica, eu adorei, eu adorei os livros, adorei tudo... é muito bom mesmo. Se você pegar aluno que tenha vontade, mas vontade mesmo, sabe aqueles alunos que mostram interesse, a gente cresce, mas cresce mesmo... É a vida do aluno inteirinha, começa do comecinho, da identidade dele, desde de quando ele nasceu, da certidão de nascimento dele, começa do começo até o fim... Os jogos são ricos, mas se você dá os joguinhos pra eles, eles não se interessam... e os jogos são ótimos, eu mesma adorei, eu me apaixonei pelos joguinhos. Eu gostei da coordenação, mesmo por que até, é nova, nova, ficou perdida igualzinha a nós... quando eu ia pedir “como que faz isso?”, “não sei”, “como que é pra fazer aquilo?”, “ah...” Perguntava, como agora, a gente tem que encaminhar os alunos, não é pegar essa fichinha e mandar os alunos fracos para
  • 15. 113 recuperação, nós temos que ver porquê o aluno não conseguiu aquilo, tem que sentar o professor mais o coordenador, mas ela não tem tempo.” (professora Bianca) Célia considerou o projeto muito moderno e avançado, não só em termos metodológicos, como também em relação ao material. Colocou que a vivência como professora de uma Classe de Aceleração modificou a sua visão sobre a movimentação física e a manifestação verbal dos alunos, anteriormente percebida como uma ameaça à disciplina ou ao silêncio dentro de sala de aula, passou a encará-la como uma característica do processo de ensino - aprendizagem, em uma abordagem que valoriza a participação dos alunos: “Eu acho muito boa, eu acho que os livros são muito bons, a forma de trabalhar também, que tudo se modernizou e a escola tem também de se modernizar. Eu acho que é muito válido porque o que eu usei para esse ano, foi minha sorte. A gente, quando está dando aula, é importante para a gente parecer para os outros que estão lá fora, aquele silêncio das crianças, aquela classe bem comportada, todo mundo sentadinho, e na classe de Aceleração você não conseguia isso porque eles eram alunos que não tinham essa quietude, eram alunos que andavam muito, falavam muito, interrompiam. Então, eu aprendi também, além dessas coisas que já falei, se eles estão participando da aula não é importante o silêncio, se a discussão for feita de acordo, naqueles moldes que a gente está propondo, eles tem mais que se manifestar.” (professora Célia) A fala da professora Célia aponta duas questões importantes, que se encontram relacionadas. Ao colocar que “é importante para a gente parecer para os outros que estão lá fora aquele silêncio das crianças, aquela classe bem comportada, todo mundo sentadinho”, pode estar apontando a existência de uma cultura escolar onde o trabalho do professor e do aluno é visto dentro de perspectiva bastante rigorosa mas que, ao
  • 16. 114 mesmo tempo, existiria, por parte do professor, uma necessidade de valorização de sua atuação por essa mesma cultura. Diante do questionamento sobre possíveis dificuldades para atuar de acordo com o projeto Classes de Aceleração, a professora Ana novamente enfatizou o trabalho de resgate da auto - estima dos alunos, os quais, segundo ela, já haviam introjetado em si o rótulo de “burro”: “... o difícil mesmo é lidar com as crianças, é recuperar a auto - estima delas; hoje eu falei “você acha que você vai para a 5 a série?”, “não, eu não vou para a 5 a”. “Por que você não vai?” “É porque eu sou burro”. É porque isso ainda não saiu da cabeça dele, acho que escutou tanto, “você é burro, você é burro, você é burro”, que incorporou... Eu acho que o mais difícil mesmo é lidar com as crianças, tentar levantar a auto - estima e fazer com que eles colaborem, é muito difícil a participação deles...” A fala da professora pode ser melhor compreendida se for reportada à análise das aulas observadas, nas quais a professora procurava, ainda que de maneira irregular, resgatar a auto - estima de seus alunos e incentivar a sua participação nas atividades realizadas. Para a professora Bianca, as dificuldades para atuar de acordo com a Proposta Pedagógica Curricular das Classe de Aceleração foram gerais. Atribuiu como causa para essas dificuldades as características de seus alunos, principalmente, à falta de interesse. Fez uma avaliação bastante negativa em relação à classe, apresentando, na maioria dos seus comentários sobre a turma, idéias bastante preconceituosas e discriminatórias. Isto fica evidente quando diz que se estivesse em uma classe do ensino regular, com certeza os alunos teriam um bom aproveitamento. Em vários momentos, a professora utilizou expressões a levaram a crer na existência que ela possuía uma percepção e um vínculo afetivo
  • 17. 115 bastante negativo em relação aos seus alunos, além de uma excessiva idealização do processo de ensino - aprendizagem, expresso pela última frase do depoimento abaixo: “Eu senti muita dificuldade mesmo, eu acho que os alunos não têm interesse por nada, você pode trazer cartaz, falar, eles não tem auto - estima, não tem vontade, falta de interesse, não adianta você fazer ... o material é rico, se eu pegar uma classe de 3a ou 4a série com uns livros desses ali, um material rico assim, eu acho que eu caminho bem, até uma 2a, mas olha esses alunos eles vêm já analfabetos, não sabem nada e são alunos de idade avançada, eles não têm interesse por nada. Agora, se pegar um aluno, uma classe boa...” (professora Bianca) Ao se referir à ausência de auto - estima dos alunos, a professora Bianca, aparentemente, ignorou que com relação à auto - estima, sua ausência ou rebaixamento não é uma questão de caráter ou personalidade, de se querer ou de não se querer ter, mas sim relacionada às vivências dos alunos, marcadas geralmente por uma história acadêmica desgastante. A afirmação abaixo parece evidenciar que a professora Bianca atribui o fracasso escolar não só ao aluno como à sua família, assim como parece compartilhar da idéia de que as classes populares não valorizam o ensino formal: “Os pais não têm interesse por nada, eles não motivam a criança em nada. Eu acho que os pais não dão continuação para as crianças em casa, “como foi hoje?” A criança chega em casa, joga a bolsa e vai brincar, não estão nem aí. A mãe deveria vir, ela não vem saber se o filho está bem, se não está bem, o que está precisando...” (professora Bianca) A professora Célia, por sua vez, levantou uma questão importante em sua avaliação sobre as dificuldades para atuar de acordo com o projeto de Aceleração: o conflito do professor diante da necessidade de mudar o paradigma teórico - metodológico de sua prática. No seu caso específico, a mudança de uma prática educacional enraizada no ensino
  • 18. 116 tradicional e na visão do professor como transmissor do conhecimento, para uma prática fundamentada no construtivismo, com ênfase na atividade do aluno, no trabalho por projetos e na concepção do professor como mediador do processo de apropriação do conhecimento por parte dos alunos. As professoras Ana e Bianca também se referiram, especificamente, a dificuldades em trabalhar com o construtivismo sócio - histórico, o fundamento teórico - metodológico da Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração. A professora Bianca deixou claro que não aceitava muito bem as recomendações construtivistas, chegando a propôr a retomada do ensino tradicional em sua classe, pelo menos até que os livros didáticos do projeto de Aceleração chegassem: “No comecinho, antes de chegar os livros por que não pode alfabetizar como nós fomos alfabetizadas? Fala pra mim, Juliana? Eu não entendo isso, agora não pode xerocar mais nada... mimeografar mais nada... a supervisora pegou a minha pasta e disse: “nossa senhora, isso não está certo, isso não, isso não, isso não, isso não”. Eu não sei qual é, eu não sei como, porque primeiro que você passa no mimeógrafo e dá, ali você vai explicando eles vão até fazendo, mas não fazer mais nada no mimeógrafo, mais nada, nada...” Acredita-se que a proibição para a confecção do material didático via xerox e mimeógrafo não diz respeito ao material em si, mas a um desvirtuamento de seu uso por parte do professor pois, em nossa opinião, o problema central não parece estar no tipo de material utilizado mas, sim, em como o professor o utiliza. Dessa forma, é possível utilizar-se um texto xerocopiado como material didático, desde que se oriente a criança para que ela, a partir deste material, seja capaz de construir o seu próprio conhecimento. Por outro lado, a atitude da professora Bianca em fazer uso do texto xerocopiado, poderia ser decorrente de sua insegurança diante da atividade proposta, da sensação de estar “sem chão” para fazer o
  • 19. 117 seu trabalho e, principalmente, sem a possibilidade de apelar para o uso de estratégias conhecidas e, sobretudo, testadas por ela. A professora Ana fez uma crítica já conhecida nos meios educacionais sobre a aplicação do construtivismo nas escolas, ou seja, que na verdade não existe a prática de um construtivismo “puro” nas salas de aula: “É o construtivismo, só que é muito difícil de entender o construtivismo... porque eu acho que ainda não existe aquele construtivismo puro, é uma mistura e a gente ainda está perdido nisso daí. O referencial para trabalhar com construtivismo são os livros mesmo, o material todinho, os joguinhos são construtivistas... é que na cabeça dá um choque...” As colocações das professora quanto às dificuldades para se adaptar ao Construtivismo parecem refletir a dificuldade de adaptação a um outro método de ensino, bastante diferente do ensino tradicional, o qual é conhecido pelos professores e fácil de ser realizado. Segundo a O.C.D.E. (1992: 161): Ensinar as matérias tradicionais e aplicar os bons velhos métodos de avaliação era relativamente simples: o docente possuía uma certa soma de conhecimentos (a maioria das vezes, informações concretas) que deviam ser assimilados e reproduzidos pelos alunos. A tarefa do mestre consistia em apresentar este saber sob uma forma assimilável, memorizando os alunos a informação e, ao fim de um certo tempo, o mestre controlava a sua memória. Era fácil desempatar as respostas correctas das falsas e classificar os alunos. Outra dificuldade importante, colocada pela professora Célia, foi a aparente falta de infra - estrutura da Escola I para a realização de algumas atividades previstas no planejamento das Classes de Aceleração: “Os livros da Classe de Aceleração são trabalhados como projetos, diversos projetos e eu vim ainda daquela forma tradicional de se trabalhar, então, às vezes, eu sentia dificuldade de poder “bolar” a aula do jeito que estava no livro e tinha também algumas atividades que não eram adequadas à
  • 20. 118 escola, por exemplo, um ambiente escuro (teria que usar lanterna) era uma atividade que tinha no livro e a dificuldade que a gente tinha de arrumar um ambiente escuro na escola. Certas atividades que precisava ter certos materiais que na escola não tinha. Nesse tipo de coisa que a gente sentiu dificuldade.” O que as professoras faziam para tentar superar as dificuldades encontradas na prática das Classes de Aceleração? Dentre os recursos elencados por elas, havia o registro por escrito de suas dificuldades num diário, a leitura de textos técnicos e, principalmente, a troca de idéias e de soluções entre as próprias professoras. A professora Ana afirmou, veementemente, que não existia a quem recorrer em caso de dificuldades: “Não tem ninguém. Quando nós fizemos a capacitação o ano passado, com a supervisora, ela falou para a gente assim “quando vocês quiserem desabafar vocês escrevam, porque vai ser muito difícil”. Não tem a quem recorrer e, então, a gente escrevia muito o ano passado, acabava de dar a atividade, aquele dia foi assim. Aí você pegava o papel, escrevia, escrevia, escrevia, escrevia, e pronto, desabafava o que tinha acontecido na sala, fazia um desabafo, e no dia seguinte, bola pra frente...” A prática de elaborar registros é altamente recomendada pelos idealizadores do projeto de Aceleração, como uma ferramenta de grande auxílio para a avaliação não só da evolução dos alunos, como também do professor. Segundo as “Orientações para a Capacitação de Professores” (SÃO PAULO - Estado, 1999: 40): (...) os registros permitem acompanhar a aprendizagem, analisar o aproveitamento dos alunos e redirecionar o planejamento de ensino. Com essa prática, aliada à discussão freqüente com os alunos dos dados colhidos, eles poderão acompanhar a própria evolução, tornando-se conscientes e autônomos em seu percurso escolar.
  • 21. 119 Apesar da importância de se registrar as dificuldades da prática docente, é necessário ressaltar que somente o uso do registro não garante que os problemas do professor sejam solucionados. Ainda sobre o suporte para a superação das dificuldades, a professora Ana complementou: “Não tem ninguém para recorrer, porque todo mundo tem só a teoria, não tem a prática, então é fácil falar para você “sai por aqui, faz assim, assim”. Se eu não conheço os seus alunos, então, não tem a quem recorrer. Eu acho que precisaria de mais apoio, união; a gente recebe uma boa capacitação, mas precisaria discutir “olha, não está dando isso, como que eu tenho que fazer”, “eu não estou conseguindo, o que eu tenho que fazer com esse aluno?” e elas respondem “como? você pega a fichinha e faz com ele, pega o textinho e faz a reescrita”... não é isso que eu quero saber.” A reclamação da professora Ana parece remeter ao clássico mal - entendido onde aqueles que agem consideram os especialistas como idealistas que não conhecem nada da realidade prática e, em contrapartida, os que refletem acreditam que os que agem são ignorantes (HUTMACHER in NÓVOA, 1995). Todavia, a professor Ana identifica dois pontos de apoio muito importante para superar as dificuldades do dia - a - dia e para responder as suas inquietações: a interação com as colegas de profissão e as leituras realizadas por ela. Em suas próprias palavras: “O que eu faço?, me ajuda, me dá uma luz”, nessa parte que eu não encontrei (a capacitação), eu encontro assim conversando muito com as minhas colegas e lendo. Li tanto que eu estou até...” A posição da professora Ana também é reforçada pela professora Célia: “Não tinha assessoria nenhuma para isso, então eu e a Ana, a gente dividia muito isso, a gente sentava e via como é que poderia estar trabalhando.”
  • 22. 120 Diante da ausência de assessoria e de apoio externo, é interessante ressaltar como as próprias professoras acabaram estabelecendo um ambiente de trocas e de apoio mútuo. Solicitou-se às professoras que fizessem suas críticas sobre o projeto e que dessem sugestões para o seu aperfeiçoamento. Ana fez aponta uma contradição de ordem metodológica, referente ao formato do material didático pois, de acordo com as orientações recebidas, os professores sempre deveriam escrever com letras bastão maiúsculas, apesar do fato de que o material com que trabalhavam apresentasse outros tipos de fonte, inclusive a letra cursiva: “Sugeri que os livros que devem ser trabalhados no primeiro semestre com os alunos sejam em letra bastão, que é o alfabeto maiúsculo, já que o livro é todo em minúsculo e as atividades são todas diferentes...” A professora Célia, por sua vez, fez críticas relevantes acerca do sistema de atribuição de aulas, o qual, segundo ela, não possibilitou a permanência de professores não efetivos nas Classes de Aceleração: “O ano retrasado eu estive com as salas de aceleração, no final do ano praticamente é que eu fui entender muitas coisas, e no ano seguinte foi dado para outras professoras começarem tudo de novo... agora, o ano que vem serão outras... você acaba não tendo o começo e o fim bem determinado... a partir do momento em que eu estava apta a fazer uma aplicação, não sobrou classe, não fizeram nenhuma diferenciação, que podiam, de repente, terem feito: quem deu aula na classe de aceleração esse ano vai ser atribuído. Eu acho que seria uma coisa justa porque foi um “abacaxi” que ninguém quis pegar e de repente a gente pego, suou, como a gente estava mais seguro do que a gente ia fazer, foi podado.” O paradoxo dessa situação parece estar claro: investe-se muito na capacitação do professor, discursa-se sobre a importância de seu trabalho no projeto de Aceleração mas, apesar de todo o investimento feito, não há
  • 23. 121 um esforço da direção escolar (que tem a prerrogativa na atribuição das classes) ou, até mesmo, a mudança dos mecanismos burocrático - administrativos, de forma a mantê-lo por mais tempo junto aos alunos das Classes de Aceleração. 5.1.5. Reações da equipe escolar, alunos e pais em relação ao projeto, sob a ótica das professoras Das duas professoras de Classes de Aceleração da Escola I, somente a professora Ana fez considerações sobre as reações da equipe escolar, dos próprios alunos e de seus familiares quanto ao projeto de Aceleração: “Eu acho que o ano passado as outras professoras acolheram melhor. Esse ano eu já achei meio no esquecimento; eu achei que os funcionários e professores não fazem diferença, por ser Classe de Aceleração, os funcionários nem perceberam... Eles acharam que as crianças eram diferentes, mas não sabiam no quê elas eram diferentes... Ás vezes falavam que eu sou baixinha e tenho alunos altos, “ah, a professora fica escondida no meio dos alunos”, então eles não perceberam o que era a Aceleração, mas eles sabiam que os meus alunos eram uma classe diferente...” Na análise realizada por ela, discorreu sobre o envolvimento do diretor da Escola I na implementação das Classes de Aceleração, e o desapontamento da professora diante de seu posterior afastamento: “O diretor esse ano se afastou um pouco porque o ano passado ele foi muito criticado pelas outras professoras, porque participava muito da Classe de Aceleração e recebeu críticas por causa disso, ele se afastou... Então nós ficamos soltas, eu acho que no ano passado ele tinha mais pulso com a gente, eu acho que ele entendia mais a parte pedagógica da Classe de Aceleração, ele tem uma cabeça muito boa para a parte pedagógica. Eu vou sentir a falta dele porque ele me leva a refletir muito, leva muito à reflexão. O ano passado ele fez a gente entender o que era um aluno silábico, que lá estava tudo
  • 24. 122 muito confuso, silábico, pré - silábico, alfabético, ortográfico; ele fez a gente ler livros, trouxe apostilas e deu pra gente ler... e eu acho que foi o ano passado que eu cresci mais... Esse ano pouca coisa foi acrescentado, e eu acho que ele fez muita falta...” Pode-se perceber, pelas colocações acima, que o diretor da Escola I agiu como uma espécie de tutor para a professora Ana, estimulando um processo de reflexão - sobre - a - prática, seja por meio de aconselhamentos ou quando deu a ela literatura de apoio. Em sua fala, a professora vem reforçar a importância de uma direção escolar atuante no contexto de um projeto educacional de superação do fracasso escolar. O afastamento do diretor, devido aos ciúmes dos outros professores, parece ser um dos fatores explicativos para o desinvestimento da professora com o seu trabalho nas Classe de Aceleração. Nessa perspectiva, é interessante colocar outra questão surgida em relação ao vínculo entre as professoras das Classes de Aceleração e as das classes regulares da Escola I. De acordo com o depoimento das professoras, num primeiro momento, parece ter havido, de fato, um clima de descontentamento dos professores das classes regulares quanto à atenção e aos “privilégios” que os professores das Classes de Aceleração receberam, em relação ao número de alunos por sala, à capacitação bimestral e ao material específico (jogos pedagógicos, assinaturas de jornais e livros). Num segundo momento, parece ter existido um movimento de aproximação desses mesmos professores em relação aos das Classes de Aceleração, mediante o pedido de empréstimo de material e a busca de orientações teórico - metodológicas: “Os outros professores? O ano passado tinham ciúmes... agora, esse ano não, esse ano inclusive elas queriam material, “a hora que sobrar você vai passando pra mim”. Eu recebi colegas minhas que quiseram os livros pra ler, eu emprestei os livros, porque eu não tenho tempo pra ler, vieram uns 10 livros. Então, a gente está lendo um, às vezes nem dá pra ler, e já pediram,
  • 25. 123 distribui livros... Mas, o ano passado o ciúme era grande... vinha assinatura de revista, “ah, mas só pra elas, por que a gente não tem? Por que só para elas, o que acontece com a gente?”, todo livro quando viam as caixas chegando... “por que para elas?”, era assim, esse ano não...” (professora Ana) 5.2. A prática pedagógica em uma Classe de Aceleração No quarto capítulo foi dito que apenas a professora Ana, da Classes de Aceleração da Escola II, havia permitido a realização de análises sobre a sua prática pedagógica, mediante a observação de aulas. Esta seção é dedicada à descrição e análise da prática dessa professora. Em primeiro lugar, é necessário caracterizar-se a turma de alunos da professora Ana: vinte e quatro alunos, sendo treze meninos e onze meninas, com a faixa etária variando de dez a dezesseis anos e média de idade de doze anos. A média de retenções dos alunos era de quatro vezes, com exceção de um rapaz de dezesseis anos que estava fora da escola e, ao retornar, ingressou na Classe de Aceleração da referida professora. Segundo a professora, os alunos eram oriundos de classes sociais desfavorecidas e a maioria dos pais trabalhava na construção civil ou mão - de - obra operária nas indústrias locais. A rotina diária de trabalho na Classe de Aceleração consistia em: estudar o Calendário, onde eram verificados o dia, o mês, o ano e o clima do dia; conferir a tarefa de casa; registrar, no canto da lousa, das atividades a serem realizadas no decorrer da aula: Português, Matemática, História, Geografia e Educação Artística. O estabelecimento de uma rotina de trabalho pode ser considerado como um elemento fundamental na organização do trabalho da Classe de Aceleração. De acordo com a análise de SOUZA, VIÉGAS & BONADIO (1999), a rotina de trabalho possibilita o estabelecimento, entre os alunos, de um domínio mais amplo do funcionamento da sala de aula, possibilitando o conhecimento da natureza e do tempo destinado a uma dada atividade do dia, dentre outros aspectos.
  • 26. 124 Outros rituais específicos faziam parte da rotina da Escola I, por orientação da direção. Todas às segundas - feiras, através do sistema de som, a coordenadora pedagógica avisava que era o momento da entonação do Hino Nacional. No primeiro dia da semana, também havia o “relaxamento”, com duração de trinta minutos, realizado pela coordenadora. Os alunos sentavam-se nas cadeiras e deitavam as cabeças nas mesas, seguindo as orientações para “soltarem o corpo”, “relaxarem a mente” e “pensarem em coisas boas”. No entanto, as músicas vindas dos alto - falantes pareciam ser muito altas e inadequadas a um trabalho dessa natureza. Enquanto a coordenadora ia dando as instruções para a atividade, algumas crianças escreviam, mexiam em seus materiais ou conversavam entre si e com a professora. Durante a sessão de relaxamento, a professora praticamente não interferia no que os alunos faziam. A rotina parecia ser muito valorizada na Classe de Aceleração da professora Ana, em detrimento de certos momentos de descontração que, na análise da pesquisadora, também mereciam ser aproveitados e trabalhados como oportunidades para os alunos expressarem as suas idéias, contarem as suas histórias e de se abordarem conteúdos tão importantes como aqueles listados na lousa todo início da manhã. A metodologia de ensino e a abordagem dos conteúdos curriculares serão tratados a seguir. A Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração afirma que se deve considerar como conteúdo curricular mais do que os temas, assuntos e informações a respeito de um determinado objeto do conhecimento, mas também os conceitos, habilidades, hábitos, valores e atitudes a serem trabalhados pelo professor, com a finalidade de formar alunos democráticos, criativos, participantes e autoconfiantes (SÃO PAULO - Estado, 1997a).
  • 27. 125 O conteúdo abordado, após a análise do calendário e a verificação da tarefa de casa, era a Língua Portuguesa. Quanto a esse conteúdo específico, a Proposta Pedagógica Curricular (SÃO PAULO - Estado, 1997a: 26) recomenda que o mesmo seja desenvolvido (...) através da leitura e produção de textos variados e da vivência de atos de leitura e escrita significativos, sempre numa relação de diálogo: ler e escrever para quem?, para quê?, o quê?, por quê? Na maioria das aulas observadas, a estratégia de ensino utilizada pela professora para mediar a apropriação do conteúdo pelo aluno foi a aula expositiva dialogada. Em geral, a professora reproduzia o conteúdo do Livro do Aluno na lousa e realizava a atividade junto com eles, destacando os pontos principais do conteúdo no decorrer do processo. Como ilustração desse tipo de prática da professora, tem-se a análise de uma carta comercial: A professora avisa que irão fazer a tarefa da carta comercial e solicita aos alunos que, diante do documento: - encontrem e circulem o local e a data da carta; - encontrem o destinatário; - definam o que é a evocação; - definam o que é a despedida; - encontrem o remetente. - definam qual o conteúdo da carta. A professora pergunta aos alunos qual o conteúdo da carta e eles não respondem. Ela pede que todos leiam a carta. Pinça a expressão: “exercer a função”. Exemplifica: “eu sei exercer a função de ...” Pergunta à turma, mas não respondem. A professora faz uma expressão de insatisfação. Pinça: “venho pela presente”. “O que significa a palavra presente aqui?” Vai lendo a carta e dando explicações para os termos que vão aparecendo: anexo, apreciação, apto. Volta à questão do conteúdo: “O que está falando nessa carta?” Os alunos
  • 28. 126 respondem coisas como “emprego”, “quer trabalhar”, “não tem experiência.” Pergunta: “O que é auxiliar de escritório?” Respondem: “Secretária, caixa.” Finalmente, a professora escreve na lousa o conteúdo da carta: fazendo um pedido de emprego A descrição da atividade acima torna-se significativa na medida em que a maioria das questões levantadas pela professora foram respondidas pelos alunos com grandes dificuldades. Mas, mesmo diante das dificuldades de entendimento e de expressão oral dos alunos, a professora sempre procurou valorizar a fala dos alunos, através da formulação de perguntas, da leitura e da interpretação dos textos, partindo de suas próprias idéias e conceitos, como na seguinte situação: A professora vai à lousa e escreve: Fui a uma festa de aniversário e lá tinha: ..... Pede que as crianças relacionem por escrito tudo aquilo que acham que há em uma festa de aniversário. Estimula, dá dicas... Atende individualmente alguns alunos. Senta junto ao aluno mais velho da classe, que apresenta dificuldades na escrita e faz algumas correções na sua tarefa, procurando fazer com que ele mesmo compreenda o que escreveu nas palavras erradas e que encontre os próprios erros. A professora volta à lousa e escreve as palavras encontradas pelos alunos: Bolo, vela, presente, balão, suco O próximo assunto a ser tratado, na seqüência curricular, era a Matemática e, para esse conteúdo específico, os objetivos a serem alcançados eram norteados pelas seguintes concepções: a Matemática deve capacitar o ser humano a lidar com situações do cotidiano e desenvolver o seu raciocínio lógico, além de servir como instrumento de comunicação e leitura do mundo. A metodologia de ensino sugerida pela Proposta Pedagógica Curricular para o ensino de Matemática era o trabalho com situações -
  • 29. 127 problema, a partir da proposição de questões, da resolução das questões propostas, do questionamento das respostas obtidas e da própria questão original. Portanto, resolver um problema significa não apenas compreender o que é exigido, aplicar as técnicas ou fórmulas adequadas e obter a resposta correta, mas também assumir uma atitude de “investigação científica” em relação àquilo que está pronto. (SÃO PAULO - Estado, 1997a: 47) Seguindo tal recomendação, a professora trabalhava o conteúdo de Matemática através da resolução de situações - problema ligadas aos temas de cada módulo. Estimulava constantemente a participação dos alunos, por meio de questionamentos: A professora diz que vão iniciar agora a resolução da situação - problema. Pega no armário as folhas, rodadas em mimeógrafo, com a atividade. Vai à lousa e reproduz o conteúdo da folha: Números do Paulista 1995 1996 média de público média de gols 6742 5853 2,42 3,06 A seguir, pede que respondam as seguintes questões: a) De que trata o gráfico? b) Qual é o título do gráfico? c) A pesquisa para fazer o gráfico usou dados de que anos? d) Em que ano houve maior público nos estádios (ver gráfico)? e) Quanto diminuiu o público nos estádios entre 1995 e 1996? f) O que quer dizer média de gols?
  • 30. 128 g) Qual a média de gols no campeonato de 1996? E no ano de 1995? Enquanto a professora lê as questões vai esclarecendo os detalhes, como a nomenclatura e reforça aqueles que respondem corretamente. Os alunos apresentam maior dificuldade para compreenderem a questão e). A professora explica que para se saber a diferença de pessoas entre 1995 e 1996, é necessário fazer uma determinada operação matemática e estimula os alunos a responderem qual é a operação em questão. Alguns alunos respondem corretamente. A seguir, ela passa a resolver todas as questões na lousa, junto com os alunos. A professora também recorria freqüentemente a esquemas explicativos para abordar o conteúdo em determinadas atividades. Em uma aula de Ciências, sobre o Ciclo da Água, após a leitura coletiva e a interpretação do texto, a professora foi à lousa e desenhou um esquema explicativo daquilo que tinha sido lido até então: Nuvem carregada de gotas de chuva vapor chuva terra Um aluno pergunta como chama quando “tem chuva forte com pedrinhas” e a professora responde: “granizo”. Pergunta à classe: “como se chama então isso que eu expliquei aqui na lousa?” Alguns alunos respondem: “ciclo da água.” Apesar de muitas vezes apresentar dificuldades para sair do padrão “leitura, interpretação, perguntas e respostas”, a professora Ana
  • 31. 129 demonstrava, em determinadas ocasiões, capacidade de improvisação para exemplificar, o que facilitava a compreensão dos alunos e também surpreendia e divertia a turma: A professora pede para que os alunos abram o Livro do Aluno na página 63, item “Figuras e Propriedades”. Desenha na lousa 1 retângulo, 1 quadrado e 1 triângulo. Pede para os alunos nomearem as figuras e eles o fazem corretamente. Pede que observem as propriedade de cada figura, seguindo as instruções do livro. Lados: pede para que escrevam quantos lados têm cada figura da lousa e depois, coloca no quadro os dados apontados pelos alunos. Pede para que procurem as outras propriedades no texto: conceito de par. “O que é um par?”, pergunta. Os alunos permanecem em silêncio. Depois de uma pausa, a professora prossegue e pede para que as crianças identifiquem os lados iguais no retângulo. 2 cm 4 cm Pergunta quantos lados tem um par. Pergunta quantos lados têm dois pares. Os alunos mostram dúvidas e debatem entre si. Pergunta: “quantos pares de lados iguais a figura tem?” Na hora de aplicar o conceito de par à figura, os alunos apresentam respostas diferentes e se dividem entre si, pois um grupo acha que é um par, o outro que são dois pares. A professora pede para que as crianças que acertaram expliquem o seu raciocínio, mas essas têm dificuldade. A professora retoma o conceito de par na figura geométrica de outra maneira: 1 par - 2 lados iguais 2 pares - 4 lados iguais Volta à figura. A professora desafia e anima a classe: quer que cheguem a resposta correta. Só alguns participam. A professora dá exemplos das figuras geométricas existentes na sala de aula: lousa, porta, janela, armário, mas os alunos continuam em
  • 32. 130 dúvida. Então, depois de alguns segundos, a professora tira o próprio par de sapatos para explicar o conceito! Todos se surpreendem com a atitude inesperada da professora e dão muitas risadas... Ao tirar os sapatos para exemplificar o conceito de “par”, a professora estava recorrendo ao conhecimento prévio dos alunos, para aquilo que faz sentido e tem um significado em suas vidas cotidianas, assim como se utilizasse a idéia de um par de olhos, um par de orelhas ou um par de luvas. Também parece possível que a professora tenha elaborado essa solução exatamente porque a maneira pela qual ela estava ensinando o conceito de par não parecia estar dando resultados. O que intriga é que a estratégia da professora poderia ter sido utilizada como o ponto de partida para a explicação do conceito de par e então, aplicada ao estudo da figura geométrica. Essa inversão, na opinião da pesquisadora, poderia facilitar muito mais a compreensão dos alunos sobre o conceito em questão. A Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração (SÃO PAULO - Estado, 1997a) afirma que a avaliação da aprendizagem dos alunos deve ser considerada como um processo contínuo para estabelecer diagnósticos e para realizar o acompanhamento da aprendizagem da classe, sempre a favor do aluno e respeitando o seu ritmo de aprendizagem. Dessa maneira, partindo da concepção de que a aprendizagem não é uma fato repentino mas um processo que requer tempo, (...) a avaliação não pode se deter em resultados ocasionais, mas deve acompanhar a aprendizagem, o que leva à necessidade de se observarem o caminho, as dúvidas e os progressos, assim como os resultados alcançados (SÃO PAULO - Estado, 1997a: 18). Para cada conteúdo curricular são estabelecidos marcos de aprendizagem, os quais pautam a conduta avaliativa do professor em
  • 33. 131 relação a cada aluno. O registro do trabalho torna-se um instrumento indispensável e o professor o organizará reunindo observações regulares sobre cada um dos alunos, tanto em relação às suas produções, quanto ao resultado de avaliações individuais. Um outro recurso importante é aquele que diz respeito ao percurso do trabalho do professor, onde são registrados os caminhos bem - sucedidos ou inadequados, subsidiando melhor adequação do processo pedagógico. Assim, a professora procedia o registro periódico do avanço dos alunos, a partir de todas as suas produções, dos trabalhos realizados dentro da sala aula ou fora da escola, através da conferência da tarefa de casa. Era freqüente observar a professora registrando por escrito o aproveitamento da turma, ao término de cada etapa da aula ou antes do intervalo. Ela também revelou que escrevia muito em casa, mas não foi possível ter acesso a esses registros, apesar de ter sido solicitado algumas vezes. Quanto ao incentivo à participação da turma, a professora tentava garantir que todos os alunos participassem da aula limitando, algumas vezes, a participação de uma mesma criança, considerada pela turma como boa aluna em determinada matéria. Isso acontecia muitas vezes nas resoluções de problemas de Matemática, quando os alunos pediam para a professora que chamasse sempre uma determinada aluna e, diante desse pedido dos alunos, ela dizia que não chamaria a aluna porque ela era tímida e que outro aluno deveria ir à lousa. Durante o período de observação, percebeu-se que a professora procurava, em várias oportunidades, incentivar a participação dos alunos na realização das atividades mas, mesmo diante de seu esforço, poucos alunos participavam das atividades. No entanto, a ausência de participação dos alunos não parecia incomodar tanto a professora quanto o fato de que os alunos que efetivamente participavam não emitiam as respostas corretas, o
  • 34. 132 que chegou a provocar manifestações explícitas de frustração por parte da professora: Diante de um aluno que montara na lousa uma conta de subtração com os valores invertidos, a professora coloca que há algo errado e pede para que ele e os outros alunos verifiquem onde está o erro. Todos permanecem em silêncio. Depois de um breve intervalo, Ana coloca para a classe, em tom de desânimo: “eu não sei qual é o problema com vocês porque lá no curso eles dizem para passar o problema e ficar discutindo com os alunos que eles dão a resposta. Cadê a resposta?!” Todos permanecem em silêncio. Com relação à reação de frustração e impaciência da professora, a Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração (SÃO PAULO - Estado, 1997a: 47) coloca que Deve ficar claro que trabalhar com resolução de problemas requer paciência, pois essa atividade demanda muitas idas e vindas, cabendo ao professor orientar os alunos sem atropelar o processo de criação. Cada nova colocação sobre um problema requer tempo para que os alunos compreendam e se decidam por condutas de ação, nem sempre as mais eficientes e às vezes até incorretas. No entanto, era freqüente perceber-se que diante da ausência de respostas dos alunos para os seus questionamentos, a professora parecia desanimar e, algumas vezes, chegava a se irritar com a turma. Diante das negativas de participação por parte de certos alunos, a professora não insistia e, por vezes, acabava reforçando a atitude deles: Um dos alunos que durante praticamente toda a aula não realizou nenhuma atividade, diz que está com calor (a sala é muito mal ventilada e a porta está fechada, realmente está quente) e a professora, um pouco irritada, diz para ele deitar na carteira e dormir. A atitude da professora em relação à participação dos alunos no processo de ensino - aprendizagem mostrou-se instável pois, várias vezes, ela aparentemente se esforçou muito para que eles se expressassem e, em
  • 35. 133 outros momentos, nem chegou a insistir na sua participação, passando rapidamente para outra atividade. No entanto, a instabilidade pode ser considerado como parte da natureza da atividade docente. O clima de trabalho entre alunos e professora era, em geral, descontraído e, em alguns momentos, conflituoso, como se viu anteriormente. Os alunos conversavam entre si num tom de voz adequado, movimentavam-se bastante pela sala para buscar objetos com outros colegas e com a professora, faziam brincadeiras entre si, sem maiores conseqüências. A professora estimulava esse clima de descontração, fazendo brincadeiras com os alunos, mesmo durante as atividades: A professora pede para que os alunos abram os livros numa página onde há uma história em quadrinhos com reproduções de obras de arte (Mona Lisa de Michelangelo e uma obra de Anita Malfatti). Ela prende na lousa duas fotos de jornal, uma figura feminina e outra masculina. Apresenta o trabalho realizado no dia anterior, cujo objetivo era a reproduzir a foto a partir de um desenho. Coloca na lousa a sua reprodução das fotos. Há um momento de descontração com a apresentação dos desenhos dos alunos e da professora, pois todos se divertem fazendo comparações entre os desenhos e as fotos e tecem comentários críticos, mas sem ofensas ou rudezas. Não foram presenciadas, no decorrer das observações, situações mais graves de confronto entre a professora e os alunos, nem momentos de indisciplina severa. Era possível perceber quando as regras e limites haviam sido violados, por meio das verbalizações da professora: “não gritem”, “não falem muito alto”, “cada um espera a sua vez para falar”, “não desperdicem material”, dentre outras. Mesmo quando dava “broncas” na turma, a professora procurava manter-se bem - humorada, não desrespeitava os alunos e detinha-se apenas
  • 36. 134 no comportamento provocador da repreensão. Não se presenciou qualquer situação onde a professora tentasse atacar o caráter ou a moral de qualquer aluno que estivesse sendo repreendido por ela. Uma das situações em que a professora interferia com mais energia era em relação ao mal uso do material escolar, como quando advertiu severamente algumas alunas que estavam utilizando cola branca para fazer tatuagens. A professora também era enérgica quando um grupo de alunos conversava mais alto enquanto ela atendia individualmente a outros alunos: Enquanto os alunos fazem a tarefa, a professora passa pelas carteiras e tira as dúvidas individuais. Detém-se sobre uma aluna que apresenta dificuldade em identificar a medida do perímetro de uma figura geométrica (centímetro). Diante da agitação e do barulho de alguns alunos que não estão fazendo tarefa, a professora adverte: “desse jeito eu não posso ver a tarefa dos que estão interessados, porque tem gente aqui que fica destruindo a sala.” No entanto, em várias ocasiões, foram presenciadas situações em que um ou mais alunos se recusavam a fazer alguma tarefa ou desistiam da atividade que começavam a realizar, mediante o argumento de que “não sabiam fazer” ou que “não queriam fazer” a atividade proposta, como na seguinte situação: A professora chama uma das alunas para resolver uma das contas de divisão na lousa. A aluna resolve a primeira conta sem dificuldade, com a professora sempre ao seu lado, orientando-a. Na segunda conta, a aluna apresenta dificuldades em uma determinada etapa da operação de divisão. A professora interrompe a resolução da operação e parte para a explicação do conceito de divisão através de um esquema simples que desenha a lousa:
  • 37. 135 1 1 1 Pede para que a aluna imagine que cada bolinha desenhada é uma bala e que cada número 1 é um menino. Faz a distribuição das “balas” para os “meninos” e pergunta à aluna: “quantas balas você acha que cada menino ganhou?” A aluna fica em silêncio e logo responde que não sabe. A professora pede para que ela tente, que não desista tão facilmente. Com a ajuda e a insistência da professora a aluna consegue resolver o problema e, então, a professora o aplica na resolução da operação de divisão. A professora diz que vai escrever mais uma conta para a aluna, que diz, enfaticamente: “não vou fazer!” Diante da recusa da aluna, o aluno E. diz: “é isso aí, não faz não!” A professora permanece em silêncio e chama um outro aluno à lousa. As duas situações relatadas acima, remetem à análise de PERRENOUD (1995) sobre as cinco estratégias dos alunos face ao trabalho escolar, estratégias essas apresentadas principalmente diante de uma prática pedagógica mais tradicional, mas ainda presentes no que o autor denomina como “novas didáticas”: a) Beber o cálice da amargura: o aluno aceita realizar a tarefa, renuncia à revolta e executa docilmente aquilo que lhe é solicitado e da maneira como é solicitado; não discute, nem questiona. Realiza a atividade com o menor investimento de si mas, pelo menos, não pode ser acusado pelo professor de ter má vontade, garantindo assim a confiança do mesmo e uma certa autonomia nas correções das tarefas; b) Depressa! depressa! depressa!, ou como rapidamente se livrar da tarefa: o aluno realiza a tarefa o mais rapidamente possível para se ocupar de outras coisas; copia do vizinho mais adiantado, utiliza o menor tempo possível para refletir, verificar o seu raciocínio ou reler o que escreveu. Seu maior objetivo é acabar antes para poder usufruir de alguns
  • 38. 136 momentos de descanso até que seja solicitada a realização de uma nova tarefa; c) Despacha-te lentamente: sem recusar a atividade proposta, o aluno tenta gastar o maior tempo possível para realizá-la; aponta o lápis, procura material ou solicita explicações, fazendo o que for possível para ganhar tempo; aparenta um ar ocupado, mas não se esforça muito, apesar de parecer interessado pelos exercícios; d) “Não percebo nada disto”: o aluno mostra-se incompetente frente à tarefa para poder se esquivar dela; utiliza a incompetência, a incapacidade de compreender as instruções ou de visualizar a solução para justificar longos períodos de ociosidade, principalmente quando o professor está ocupado com outros alunos. Caso o professor esteja disponível, essa estratégia permite que o docente faça uma parte da tarefa para o aluno, ao oferecer-lhe pistas e subsídios para a resolução da atividade; e) Contestação aberta: é a mais perigosa das estratégias, consistindo no fato do aluno negar abertamente a utilidade da tarefa ou recusar-se a fazê-la de forma explícita e, para isso, alega falta de interesse, de vontade, cansaço ou indisposição. Poucos são os alunos que adotam regularmente essa atitude sem sofrerem medidas disciplinares mais rigorosas e, portanto, essa estratégia é mais ocasional que as anteriores; os alunos que a utilizam geralmente são aqueles que não tem mais nada a perder e estão vivendo uma relação de desgaste com a instituição escolar. Pode-se observar que as três últimas estratégias e, em especial, a última, foram as mais utilizadas pelos alunos diante das tarefas propostas. As atitudes dos alunos face às atividades propostas pela professora podem ser mais facilmente compreendidas se for considerado que as suas trajetórias escolares foram, muito possivelmente, marcadas por constantes frustrações, esforços mal - sucedidos, avaliações depreciativas e, especificamente, a realização de tarefas escolares sem significado para as suas vidas cotidianas.
  • 39. 137 O resgate da auto - estima dos alunos, por parte da professora, ocorria principalmente através da valorização de seus avanços acadêmicos. A professora, durante a realização conjunta das atividades, principalmente nos momentos de leitura de textos, fazia constantemente elogios públicos aos alunos: Iniciam a leitura de uma poesia de Ruth Rocha, “Quem tem medo de quê?”. A professora coloca um trecho do texto na lousa:  Lagartixa? Vejam só! Isso parece piada... Nem ligo pra lagartixa! Acho ela uma coitada! Sabe do que eu tenho medo? Que me dói o coração? Até me arrepia a espinha? Tenho medo ... de injeção! Todos lêem em voz alta junto com a professora. Somente os meninos; depois as meninas, que parecem ler com mais entusiasmo. Então o S. lê., com certa hesitação, mas corretamente. A professora comenta animada: “Palmas gente, ele não lia nada e agora está lendo!” Depois a J.: “Palmas para ela também!” Um outro comportamento freqüentemente apresentado pela professora era encorajar o aluno a não desistir diante dos erros cometidos. Assim, frente a um aluno que diz não saber resolver uma conta de divisão, a professora aconselha: “não diga que você não sabe fazer, diga que não consegue, mas que vai tentar.” Para crianças com histórico de múltiplos fracassos na escola esses momentos de valorização pública de seus pequenos (mas significativos) avanços parecem ser muito importantes para resgatar a auto - estima e o desejo de aprender.
  • 40. 138 No entanto, mesmo mostrando-se consciente da necessidade de empreender o resgate da auto - estima de seus alunos, a professora nem sempre o fazia quando surgiam situações inesperadas, como no dia em que um aluno chamou o outro de “burro”, após o primeiro ter dado uma resposta incorreta na resolução de um exercício de matemática. Diante dessa situação, inesperada frente aos padrões de intervenção da professora, ela não interviu e continuou realizando a atividade, simplesmente ignorando o comentário ofensivo do aluno em relação ao outro. Não houve oportunidade de se conversar com a professora sobre a situação descrita já que, logo após o término da aula, ela estava com pressa para ir para a outra escola onde lecionava no período da tarde. Sua atitude faz refletir sobre a necessidade de que a professora Ana procedesse a problematização do fato ocorrido para além da sala de aula, partindo das idéias dos alunos, de modo que eles próprios apresentassem suas análises, versões, hipóteses e posições a respeito do ocorrido (SOUZA, VIÉGAS & BONADIO, 1999: 11). Em uma Classe de Aceleração acredita-se ser vital para o resgate da auto - estima e de valores éticos e sociais que sejam aproveitadas as situações e experiências ocorridas na sala de aula. O uso dessas situações parece ser essencial para a abordagem de assuntos como o preconceito 16 e a rotulação dos alunos que fracassam, a postura adequada diante do erro e do acerto e outros temas emergentes relacionados ao dia - a - dia dos alunos com história de multirrepetências, o que não se configurou na prática pedagógica da professora Ana, pelo menos no período observado. Houve momentos que a professora compartilhou com a pesquisadora análises mais amplas sobre o projeto de Aceleração, como quando afirmou que, na sua opinião, apesar das Classes de Aceleração não 16 Segundo HELLER (1989: 47) preconceitos são os juízos provisórios refutados pela ciência e por uma experiência cuidadosamente analisada, mas que se conservam inabalados contra todos os argumentos da razão.
  • 41. 139 continuarem acreditava que a mentalidade das professoras participantes mudara, pois haviam se tornado mais críticas e melhores preparadas em termos metodológicos ou quando comentou que, mesmo com a existência de módulos e de uma rotina norteadora do trabalho em sala de aula, acreditava que era possível que o professor improvisasse e criasse as suas próprias atividades dentro de um determinado conteúdo, sempre seguindo os parâmetros do Livro do Professor. As professoras substitutas, encarregadas das aulas quando as professoras titulares estavam sendo capacitadas, não participavam de um processo de capacitação paralela e não usavam o Livro do Professor e, segundo ela, os alunos consideravam que os dias de aulas com as professoras substitutas eram “dias perdidos”. De acordo com a professora, o conteúdo e os objetivos das Classes de Aceleração I e II eram o mesmo, mas a maneira de se trabalhar o conteúdo era diferencial. Desse modo, na Classe de Aceleração I a ênfase seria na alfabetização enquanto que, na Classe de Aceleração II, seria enfatizado a compreensão de idéias e a estimulação da expressão oral do aluno. A professora Ana achava ser necessário a implantação de um projeto de Aceleração de 5a à 8a séries pois, para ela, os alunos continuariam a ter dificuldades nessas séries. Segundo Ana, somente naquele período existia um bom clima entre ela e os alunos da turma atual pois, no começo do ano, a indisciplina era muito severa e a conquista da disciplina havia sido realizada com muito diálogo e “pulso firme” por parte da professora. Naquele momento específico Ana estava desanimada e ponderava se deveria continuar na Classe de Aceleração no próximo ano letivo, por sentir-se cansada e solitária sem a presença do diretor e de sua antiga colega Célia, com quem havia vivenciado o processo de implementação do projeto naquela escola.
  • 42. 140 Em uma das conversas sobre as dificuldades dos alunos, a professora pediu à pesquisadora a sua opinião sobre o caso de um determinado o aluno (E., de dezesseis anos): “o que você acha que pode ser uma criança que não lê, mas escreve?” Perguntou-se a ela qual era a sua hipótese sobre o problema. Ela, então, respondeu: “acho que é uma coisa da cabeça, não consigo entender...” Diante de sua impotência para compreender as dificuldades de aprendizagem específicas do aluno E., a professora parece expressar uma representação de fracasso escolar centrado no aluno, o que contraria, a princípio, a posição defendida pelo referencial teórico do projeto de Aceleração, mas que parece indicar aquilo que a professora Ana é capaz de ensinar, face ao momento de desenvolvimento e de aprendizagem profissional que estava vivendo e ao contexto educacional em estava inserida. Portanto, pode-se perceber que as alterações previstas pelas políticas educacionais para assegurar o sucesso de alunos com histórico de fracasso escolar não garantem, de imediato e na sua totalidade, as necessárias mudanças nas mentalidades e nas práticas dos atores (professores, coordenadores, diretores), cotidianamente envolvidos no atendimento desses alunos. Em outras palavras, mesmo diante de uma professora atuando no contexto de uma política de superação do fracasso escolar, não é surpresa deparar-se com a sua concepção de fracasso escolar que atribui o fracasso ao aluno. Essa suposta contradição pode ser explicada por PERRENOUD (1997: 29) quando afirma que no estado de ambigüidade endêmica dos discursos sobre o insucesso escolar  a favor da diferenciação, mas sem colidir com os bastiões do conservadorismo , as opções individuais dos professores tornam-se determinantes.
  • 43. 141 A partir de agora serão tecidas algumas considerações sobre a prática pedagógica da professora Ana. Em primeiro lugar, questiona-se: a prática docente da professora Ana, da Classe de Aceleração II da Escola I, pode ser considerada uma prática bem - sucedida? A fim de se responder a essa questão recorreu-se, inicialmente, à Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração, a qual afirma que: (...) o trabalho deverá desenvolver-se de maneira flexível, mas sem desvios de rumo, dentro de um padrão metodológico que se sustente em princípios norteadores claros. Assim, mobilizar interesses, ativar a participação, desafiar o pensamento, instalar o entusiasmo e a confiança, possibilitar acertos, valorizar os avanços e melhorar a auto - estima passam a ser diretrizes da atuação do professor, numa busca de tornar significativo o processo de ensino - aprendizagem (SÃO PAULO - Estado, 1997a: 10). Deve ser levado em consideração que a professora Ana é uma professora experiente, preocupada com a qualidade de seu trabalho e com o desenvolvimento de seus alunos. Possui uma excelente compreensão dos fundamentos da Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração, como pôde-se observar pela maneira como desenvolve as aulas e nas ocasiões onde se tratou desse assunto (conversas informais e entrevista). Os dados obtidos realmente revelam que o trabalho desenvolvido pela professora converge com a maioria dos princípios contidos na Proposta Pedagógica Curricular, especificamente no tocante ao seu empenho em criar um clima de entusiasmo e estimular a auto - confiança dos alunos, como também na valorização dos avanços e acertos apresentados por eles no processo de aprendizagem. Porém, quanto à flexibilidade metodológica, à mobilização da participação e o desafio ao pensamento do aluno, sua atuação parece um tanto instável, quando comparada com os mesmos princípios. Pelo menos no período de observação de aulas verificou-se que a metodologia de ensino
  • 44. 142 dominante foi a aula expositiva dialogada. Quanto a isso, deve-se esclarecer que o uso da aula expositiva dialogada não deve ser considerado sinônimo de um ensino convencional ou obsoleto, pois é uma técnica extremamente útil, mesmo que o projeto de Aceleração seja baseado no referencial construtivista. Nas várias oportunidades em que utilizou a aula expositiva dialogada, a professora buscou criar situações desafiadoras e estimulantes para a apropriação do conhecimento por parte dos alunos, mas nem sempre obteve sucesso. Acredita-se que outras estratégias, como atividades em grupo ou atividades individuais diferenciadas, poderiam ter sido utilizadas de forma mais significativa e produtiva. Além disso, notou-se que do “kit” de material destinado às Classes de Aceleração (quatro volumes destinados ao professor - Ensinar pra Valer! - e aos alunos - Aprender pra Valer!, fichas, cartazetes e jogos pedagógicos), os três últimos itens foram muito pouco utilizados, pelo menos nas aulas observadas. Quanto à participação da turma e o desafio ao pensamento do aluno, a professora poderia ter sido melhor sucedida se procurasse explorar um pouco mais o conhecimento prévio e as vivências dos alunos sobre os conteúdos trabalhados, mesmo diante de uma rotina de trabalho exigente como a que caracteriza as Classes de Aceleração. Mas, em que medida essa avaliação da prática pedagógica da professora Ana se diferencia da prática docente nas salas de aulas do ensino regular? A grande diferença parece residir na capacidade da professora Ana em compreender o perfil de seu alunado e, principalmente, em refletir sobre as suas concepções sobre as causas dos fracassos desses alunos. Aparentemente, aos olhos da professora Ana, o fracasso escolar ainda parece estar mais relacionado ao fracasso individual do que propriamente a fatores relacionados ao sistema educacional e à função social da escola.