Este documento trata de um recurso especial interposto pela UNILEVER contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que manteve condenação por danos morais. A recorrente alega nulidade pelo indeferimento de prova pericial e que o valor da indenização deve ser reduzido. A ministra relatora nega provimento ao recurso, entendendo que não há nulidade e que o valor arbitrado é adequado.
1. Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.317.611 - RS (2011/0297473-2)
RECORRENTE : UNILEVER BRASIL LTDA
ADVOGADO : DOUGLAS PEREIRA GOVEA E OUTRO(S)
RECORRIDO : CINTIA MAYERLE OLIVEIRA
ADVOGADO : RUBEM JOSÉ ZANELLA E OUTRO(S)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por UNILEVER BRASIL LTDA.
objetivando impugnar acórdão exarado pelo TJ/RS no julgamento de recurso de apelação.
Ação: de indenização por dano moral, ajuizada por CINTIA MAYERLE
OLIVEIRA em face da recorrente. A autora alega, na inicial, que, em 27/12/2002,
cozinhava para sua família utilizando extrato de tomate fabricado pela ré quando
encontrou, dentro da lata, um preservativo masculino enrolado dentro do recipiente.
Levou o produto para análise na universidade local e entrou em contato com o fabricante
que recusou-se a, amigavelmente, compor os prejuízos morais que sofreu na situação.
Sentença: julgou procedente o pedido inicial, fixando a indenização em R$
10.000,00. A ré requerera, durante a audiência de instrução, a produção de prova pericial,
que restou indeferida (fls. 158 a 167, e-STJ).
A sentença foi impugnada mediante recurso de apelação, interposto pela
UNILEVER.
Acórdão: negou provimento ao recurso nos termos da seguinte ementa (fls.
196 a 210, e-STJ):
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR
DANOS MORAIS. OBJETO ESTRANHO EM PRODUTO ALIMENTÍCIO.
ÍNDICE DE SUJIDADE MÁXIMO. DEVER DE QUALIDADE NÃO
OBSERVADO. FATO DO PRODUTO. ART. 12, CAPUT, E §1º, DO CDC.
PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE SANITÁRIA.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FABRICANTE.
Preliminar de nulidade e cerceamento de defesa rejeitada.
RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO - ART. 12,
CAPUT E §1º, DO CDC
O fabricante do produto responde, independentemente da existência de
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2. Superior Tribunal de Justiça
culpa, pela reparação dos danos causados por vício de qualidade por
insegurança dos produtos que disponibiliza no mercado de consumo.
Contaminação de extrato de tomate por preservativo masculino encontrado no
interior de embalagem enlatada.
FATO DO PRODUTO DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DO DEVER
DE INOCUIDADE DOS ALIMENTOS.
Conquanto automatizada em sua maior parte a produção de extrato de
tomate, em algum momento houve a contaminação do produto com inserção
do objeto estranho encontrado, quiçá até originado dos ingredientes utilizados
ou por ato de sabotagem. De qualquer sorte, a responsabilidade é do fabricante,
por violação do princípio da segurança sanitária, já que substâncias estranhas
encontradas em alimentos industrializados são consideradas prejudiciais à
saúde humana. Caso em que a contaminação se deu com grau de sujidade
máximo.
QUANTUM INDENIZATÓRIO DOS DANOS MORAIS
O valor a ser arbitrado a título de indenização por danos morais deve
refletir sobre o patrimônio da ofensora, a fim de que sinta, efetivamente, a
resposta da ordem jurídica ao resultado lesivo produzido, sem, contudo,
conferir enriquecimento ilícito ao ofendido. Valor que se mostra adequado às
especificidades do caso em análise.
APELO DESPROVIDO.
Embargos de declaração: interpostos pela UNILEVER (fls. 215 a 219,
e-STJ), foram rejeitados pelo TJ/RS (fls. 222 a 225, e-STJ).
Recurso especial: interposto por UNILEVER, com fundamento na alínea
'a' do permissivo constitucional. Alega-se violação dos arts. 125, I, 145 e 420, do CPC;
4º, III, e 14, §3º, do CDC; e 186 a 884, do CC/02.
Admissibilidade: o recurso não foi admitido na origem.
É o relatório.
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3. Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.317.611 - RS (2011/0297473-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : UNILEVER BRASIL LTDA
ADVOGADO : DOUGLAS PEREIRA GOVEA E OUTRO(S)
RECORRIDO : CINTIA MAYERLE OLIVEIRA
ADVOGADO : RUBEM JOSÉ ZANELLA E OUTRO(S)
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cinge-se a lide a determinar se há nulidade no processo pela negativa de
deferimento da produção de prova pericial requerida pela recorrente, bem como se é
possível eliminar ou reduzir a indenização por dano moral fixada.
I – A alegada nulidade do julgamento pelo indeferimento do pedido de
prova pericial. Violação dos arts. 125, I, 145 e 420 do CPC, bem como 4º, III e 14,
§3º, do CDC.
A primeira questão contra a qual se insurge o recorrente diz respeito ao
indeferimento do pedido, por ele formulado, de produção de prova pericial para
demonstrar que o sistema de fabricação do extrato de tomate é totalmente automatizado,
tornando impossível a intervenção humana. A ideia do recorrente, com essa prova, seria
demonstrar que o preservativo não poderia ter sido inserido na fábrica e, por isso, o dano
alegadamente experimentado pelo consumidor decorreria de fato próprio ou de fato de
terceiro.
Há, contudo, dois problemas nessa alegação. Em primeiro lugar, o acórdão
recorrido deixa consignado que o indeferimento da prova pericial se deu por decisão
inatacada do juízo de primeiro grau, verbis :
Bem andou, pois, o magistrado no indeferimento da prova pericial,
decisão contra a qual, ainda, não se insurgiu a contestante por meio de agravo
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de instrumento, sequer na forma retida, silenciando, ademais, quanto a isso em
suas alegações finais na forma de memoriais.
Esse fundamento, de que a decisão de indeferimento da perícia está
acobertada pela coisa julgada formal, não foi impugnado pela recorrente em seu recurso
especial de modo que incide, quanto ao ponto, o óbice do Enunciado 283 da Súmula do
STF.
Não obstante, importante ressaltar que a prova reputada imprescindível foi
indeferida de maneira fundamentada pelo Tribunal, que a respeito do tema teceu as
seguintes considerações:
Como destacado pelo magistrado, a apelante na sua contestação, e até
nas razões de apelo, em que pese mencionar a inexistência de contato manual,
não infirmou a existência desse em algumas etapas da produção, acompanhada
que é por técnicos, e a possibilidade de o objeto estranho ter sido inserido no
momento em que os ingredientes são transferidos de suas embalagens ou
depósitos de armazenamento para os tanques onde são misturados, para após
ser realizado o processo de envase. Em suma, afora uma sem gama de
possibilidades, sempre existe a possibilidade de o objeto estranho já se
encontrar no depósito dos ingredientes usados no fabrico do extrato de tomate,
o que por certo não seria afastado por exame do processo mecânico de
produção e envase.
Esses argumentos, ligados à análise dos fatos e documentos da causa, não
podem ser revistos nesta sede por força do óbice do Enunciado 7 da Súmula/STJ.
II – O valor da indenização. Sua redução ou eliminação. Violação dos
arts. 186 e 884 do CC/02
O segundo feixe de impugnações deste recurso diz respeito ao montante do
dano moral fixado. A recorrente afirma que um fato superveniente conduziria à
conclusão de que o dano moral alegado inexistiria. A recorrida deu entrevista a meios de
comunicação falando do ocorrido, narrando sua versão dos fatos. Para a recorrente
“aquele que sofre com abalo em sua moral, em que pese as variantes de características
pessoais, de forma geral normalmente (sic) não têm (sic) a intenção de propagar o fato
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que lhe teria causado o engodo”. A recorridoa, contudo, “parece relativamente
confortável ao contar a sua hitória e propagá-la pelos meios de comunicação, adotando
uma postura no mínimo estranha” (fl. 242, e-STJ).
Esses argumentos, contudo, não infirmam as conclusões do acórdão
recorrido. Ao contrário do que supõe o recorrente, o abalo causado a uma dona de casa
que encontra, num extrato de tomate que já ulitizou para consumo de sua família , um
preservativo aberto, é muito grande. Isso é do senso comum. É perfeitamente natural que,
diante da indignação sentida numa situação como essas, desperte-se no cidadão o desejo
de obter justiça. Uma parte da satisfação que aplaca a dor sentida pela pessoa está
justamente em obter a indenização pleiteada e, não só isso, demonstrar à população que,
ainda que tardia, a justiça não lhe faltou. Contar o que aconteceu é parte do processo de
expiação do mal. Dividir com todos a indignação e a reprimenda faz com que a pessoa
passe, da indignação ao sentimento de dever cumprido. O próprio fundamento do dano
moral, que além de reparação do mal também exerce uma função educadora, justifica a
divulgação do fato à imprensa.
De resto, o valor arbitrado pelo TJ/RS, mantendo a sentença que fixara a
indenização em R$ 10.000,00, é módico e não carece de revisão, notadamente
considerando que há, nesta Corte, precedente no qual a indenização foi fixada em R$
15.000,00 para uma hipótese muito semelhante à presente, na qual o consumidor
encontrou uma barata dentro de uma lata de leite condensado. Trata-se do REsp
1.239.060/MG (3ª Turma, minha relatoria, DJe de 10/5/2011), assim ementado:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO
ADESIVO. ADMISSIBILIDADE. REQUISITOS. AQUISIÇÃO DE
ALIMENTO COM INSETO DENTRO. INGESTÃO PELO CONSUMIDOR.
DANO MORAL. EXISTÊNCIA. VALOR. REVISÃO PELO STJ.
POSSIBILIDADE, DESDE QUE IRRISÓRIO OU EXORBITANTE.
1. Além de subordinar-se à admissibilidade do recurso principal, nos
termos do art. 500 do CPC, o próprio recurso adesivo também deve reunir
condições de ser conhecido. Nesse contexto, a desídia da parte em se opor à
decisão que nega seguimento ao recurso adesivo inviabiliza a sua apreciação
pelo STJ, ainda que o recurso especial principal venha a ser conhecido.
2. A avaliação deficiente da prova não se confunde com a liberdade de
persuasão do julgador. A má valoração da prova pressupõe errônea aplicação
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de um princípio legal ou negativa de vigência de norma pertinente ao direito
probatório. Precedentes.
3. A aquisição de lata de leite condensado contendo inseto em seu
interior, vindo o seu conteúdo a ser parcialmente ingerido pelo consumidor, é
fato capaz de provocar dano moral indenizável.
4. A revisão da condenação a título de danos morais somente é possível
se o montante for irrisório ou exorbitante. Precedentes.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
Recurso adesivo não conhecido.
Não há, para os fins deste julgamento, diferenças significativas entre a
repulsa que se sente ao encontrar uma barata ou um preservativo dentro de um alimento
que se acaba de consumir.
Forte nessas razões, conheço do recurso especial mas lhe nego provimento.
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