Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
A importância da Páscoa e seus ensinamentos
1. FELIZ PÁSCOA!
Querido,
outra vez temos a alegria de celebrar a festa da Páscoa do Senhor.
Durante a trajetória da Quaresma a liturgia nos ajudou a abrir nosso coração para acolher o grande
mistério a ser celebrado: a Ressurreição do Senhor! Com nossos “corações rasgados” e iluminados
pela graça de um Deus que não nos abandona fizemos esse caminho de fé. A liturgia do Domingo de
Ramos nos convidou a entrar com Jesus em Jerusalém e seguir seus passos definitivos. Hosana ao
Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! “Quem é esse homem?” murmuravam
muitos daquela cidade palestinense! Quem é este que, também, quer entrar nas vielas me meu
estreito ser e me conduzir à vida?
Jerusalém, Getsêmani, Calvário, não são só lugares físicos que podem ser revistos e
recordados. Os textos bíblicos não são apenas recordação nostálgica de um passado. Tem “lugares”
muito parecidos com esses nossa vida. Eles precisam ser visitados com Jesus. Deixemos que nesta
Páscoa, o véu do templo interior também se rompa e que nosso relacionamento com Deus seja mais
afetivo e próximo.
Neste texto, lembro alguns dos velhos personagens, santos e pecadores, tão
mencionados esses dias, que se misturam na trama de nossa existência. Quando eles nos visitam
parece que trazem consigo enormes espelhos, em suas mãos, onde nossa vida vai sendo refletida
nos gestos deles. Não devemos nos esquecer de que, dentro de nós, assim como daquela multidão
nos tempos de Jesus, o grito de “Hosana” e o de “crucifica-o”, parecem separados apenas por um fio
tão minúsculo.
Comecemos por Pedro. Este acreditando em suas próprias forças - sua espada - sentia que
seria capaz de resolver tudo ao seu modo. Bem, a história já conhecemos: Jesus pede ao futuro
papa que guarde a espada. Como o pescador, também podemos aprender o que a “Páscoa” pode
fazer em nossa vida: passagem da auto-suficiência para o verdadeiro amor, que vem sempre
desarmado. Passar da arrogância à pura confiança em Deus. O galo cantou e a rocha chorou! Um
coração de pedra, até como o meu, também pode chorar amargamente, diante do olhar
misericordioso de Jesus. Celebrar a Páscoa tem consequências, mesmo quando vivida meio de longe
e se negando a se comprometer com o “impostor que abraça a cruz” por nós. Outras vezes, nossos
“sotaques” também nos denunciam, até onde pensamos que ninguém poderá nos reconhecer.
Já o estilo Iscariotes de ser está bem mais presente em nós do que imaginamos. Judas era
inteligente e um bom administrador. Na atualidade, no mundo doutrinado pelo mercado, seria um
verdadeiro “management”, ou, como gostamos de dizer, o gestor do grupo. Bem, naquele tempo,
essas palavras não eram usuais. Tampouco, se aplicava em Bolsa de Valores, porém, Judas roubava
os valores colocados na “bolsa comum”. Foi ele quem percebeu o péssimo “investimento” de Maria,
irmã de Lázaro. Foi um “desperdício” da parte daquela que derramou, fartamente, o precioso
unguento nos pés de Jesus. Rapidamente, calculou tudo e já deu o resultado: muitos pobres seriam
ajudados, se não fosse a má administração daquele bem. Hoje, uma notícia destas, “derrubaria as
Bolsas em efeito manada”. Seria um caos! Até as fábricas de ovos de chocolate poderiam se
quebrar, sem falar da inflação na área da perfumaria. Para Judas aquela páscoa, realmente, não era
feliz, pois exigia dele uma “passagem” difícil: ser gratuito e honesto. Passar da concepção de uma
teologia retributiva para a compreensão de um Deus da gratuidade.
Bem, mas nenhum dos seus companheiros, naquela quinta feira, desejou: “Feliz Páscoa!” a
Judas. Parece que, também, foi traído pelos outros amigos. Nem o destemido Pedro, nem o discípulo
que soube, confidentemente, do caso. Penso que Jesus esperava uma atitude diferente. Acabara de
ensinar o serviço, a doação, o perdão... Afinal, era a noite da ceia, dia em que os discípulos fizeram a
“primeira comunhão” e dia do “mandamento do amor”. Ninguém correu noite adentro para
convencer Judas a mudar de idéia. A “celebração” terminou e ele se foi, só e sem paz! Apenas
dividido, ou como dizem os analistas: “desintegrado”.
Páscoa é uma passagem comprometedora. Pede a superação do constante desejo de trair -
às vezes, por “moedas” até mais desvalorizadas - a fé, a vida cristã e a de religioso. Rogo para que
nunca omita, por mais doloroso que seja, de desejar para meu próximo: Feliz Páscoa! Rogo,
também, que ninguém se esqueça de mim, quando, “de noite” e desintegrado, abandonar a
comunhão.
2. Precisamos da Páscoa! Precisamos passar dessa visão
mercantil e de vantagens para a experiência do derramar tudo nos
pés do mestre, como fez Maria de Betânia. A Páscoa sempre nos
lembra que, apesar de tudo, a vida derramada a serviço do Reino
nunca será desperdício. Confesso que é bem mais fácil só “malhar o
Judas” e soltar fogos! Porém, essa incômoda Maria nos ajuda a
perceber que Páscoa tem odor de amor, de compaixão e perdão.
Seguindo a liturgia da Semana Maior, nos encontramos,
também, com Pilatos. Este nos ensina o “caminho do meio”,
muitos dizem que é preciso o consenso, mesmo que seja um
contra-senso. Se isso é uma virtude, como ensinava a velha filosofia
greco-romana, não podemos aceitar. Pois o risco é, no intento de
agradar a todos, lavar as mãos e permanecer na mediocridade. Os
medíocres têm tempo para, mesmo no ápice do conflito, se
esquivar dos problemas e tentar se refugiar no debate
especulativo.
- O que é a verdade, pergunta Pilatos?
Precisamos de uma Páscoa de verdade! Passar de Pilatos para Verônica, eis um sinal de
Páscoa sábia e que edifica. Aquela que foi verdadeira e não ficou na abstração dos pensamentos
fúteis, embora interessantes, foi ao encontro de Jesus, nas tortuosas veredas da dor, e teve
estampado em sua toalha a verdade molhada, suada e ensanguentada.
- Onde está o rosto de Deus hoje? Como posso enxugá-lo?
O resto é debate enquanto, na encruzilhada da vida, o povo sofrendo na carne, se debate para
sobreviver. Nunca havia pensado que a verdade tem cor, cheiro e marcas de cravos, de espinhos e
que pode ficar estampada na minha alma...
João, o discípulo amado, em seus relatos contundentes, nos obriga a olhar para o
traspassado. Não é fácil olhar para o corpo febril e chagado de Jesus na Cruz, pois contrasta com as
imagens do homem saudável e de corpo esculpido cultuados nos tempos líquidos e fragmentados
de hoje. Lá na cruz, um corpo ferido, um coração rasgado, uma sede terrível e um silêncio absurdo
de tudo e de todos. Aprendemos com nosso primeiro irmão pascal que Jesus padeceu o suplício da
cruz para que tivéssemos vida em plenitude! Não certa “qualidade de vida”, assegurada pela
malhação, pelo botox ou por um excesso de coisificação do corpo. Como celebrar a páscoa olhando
para essa imagem terrível em nossos tempos de pura estética e plástica? Mas, precisamos desejar
também essa Páscoa!
Talvez, nunca tenha sido tão necessário o nosso testemunho pascal diante de uma sociedade
neo-pagã que quer se livrar até dos crucifixos. Na verdade, dos Crucificados. Será que a ética não
está questionando o nosso jeito apenas estético de viver? De fato, talvez olhar para Jesus
desfigurado na cruz, um Cristo que “não pode salvar-se a si mesmo”, seja um tremendo mau gosto.
Pelo menos, se a imagem fosse digital, em 3D e se o letreiro da cruz fosse um SMS, ou, ainda se eu
pudesse acompanhar tudo isso em tempo real pelo Twiter... Como é difícil crer na ressurreição da
carne, na vida eterna, quando o dinheiro parecer eternizar, rejuvenescer e esticar os dias, os anos e
a pele? No mundo de hoje, estão aí os shoppings que “vendem eternidade”. Que paradoxo! A Páscoa
vem nos recordar que o mundo real existe e não é pura ficção científica. Martelo, prego, madeira,
espinhos, lanças, são provas de que Ele nos amou até o fim, ou melhor, além do fim...
Concluo, recordando Maria, a mãe de Jesus, com seu pequeno grupo. Eles não nos
decepcionaram. Ela permaneceu “em pé”, mesmo vendo o filho se apagando como uma vela
bruxuleante no final de uma longa noite. Assim, nos ensinou que, por mais que a dor seja forte e que
a agonia anuncie a hora da morte, ela não nos deixará só nesta grande soledade da vida. No seu
coração de mãe, pressente que o parto está chegando ao fim. A VIDA vai vencer! Em lágrimas e
soluços, mas está presente. Nem tudo está perdido em nossa humanidade. Ser presença na vida do
outro também nos ajuda a entender a páscoa! “Rogai por nós, santa mãe de Deus, agora e na
hora de nossa páscoa, amém”!
Pe. Benedito Ângelo Cortez, msc