2. Neste capítulo apresenta‐se uma revisão da literatura relacionada com o tema
em estudo. Neste sentido, a revisão releva sobretudo
actividades/estudos/investigações desenvolvidos também em Portugal e em meio
escolar.
Na secção 2.1 apresentam‐se estudos/investigações sobre utilização de
substâncias: álcool, tabaco e outras drogas, na secção 2.2 os efeitos associados ao uso
de álcool, tabaco e drogas e na secção 2.3 apresentam‐se uma descrição dos
programas de prevenção desenvolvidos em Portugal.
2.1 Uso de substâncias: álcool, tabaco e outras drogas
O HBSC – Health Behaviour in School‐Aged Children 1 é um estudo periódico,
de quatro em quatro anos, patrocinado pela Organização Mundial de Saúde (OMS),
que conta com a participação de vários países incluindo Portugal. O estudo tem como
público‐alvo alunos dos 2.º e 3.º ciclos e Secundário, nomeadamente dos 6.º, 8.º e 10.º
anos, com idades médias de referência de 11, 13 e 15 anos respectivamente. Até ao
momento Portugal vai com quatro participações. A primeira em 1998, a segunda em
2002, a terceira em 2006 e a quarta em 2010. O estudo tem por base um inquérito e
como objecto o uso de substâncias, a prática de exercício físico, alimentação,
comportamento sexual, violência, relações e grupos de pares, ambiente familiar entre
outros.
O ESPAD – European School Survey on Alcohol and Others Drugs de 1995 a
2003 é um estudo em forma de inquérito aplicado em meio escolar que aborda
especificamente o uso de substâncias, como álcool, tabaco e outras drogas por jovens
que completam 16 anos no ano de recolha de dados. Este estudo é de âmbito europeu
e tem uma periodicidade de 4 anos. O estudo teve o seu início em 1995 e
posteriormente em 1999 e 2003, é coordenado pelo CAN ‐ The Swedish Council for
Information on Alcohol and Other Drugs e tem o apoio do Grupo Pompidou do
Conselho da Europa e de instituições dos diferentes países participantes. Portugal tem
participado desde sempre.
Os estudos têm vindo a registar prevalências mais altas e uma tendência para o
aumento do consumo de tabaco e cannabis, principalmente verificado no sexo
feminino bem como a manutenção de prevalências e níveis altos de consumo de
álcool, com alterações nocivas dos padrões de consumo. Estas prevalências
encontram‐se em linha com as da população em geral, com destaque para o consumo
de álcool, tabaco e cannabis em relação às demais substâncias. As tendências de
resistência à redução do consumo destas substâncias nos jovens revelam‐se
relevantes.
2.2 Efeitos associados ao uso de álcool, tabaco e outras drogas
O tabaco é a principal causa de problemas de saúde a curto prazo nos jovens,
nomeadamente de agravamento de problemas respiratórios, tosse, catarro e
dispneia, e de sintomas relacionados com a asma, chiado na infância e adolescência
1
Comportamentos ligados à Saúde em jovens em idade escolar
3. (USDHHS, 1994, 2004). O uso de álcool está associado expressivamente a
mortalidade nos jovens (Murray et al., 1997) através de acidentes e violência, podendo
provocar traumatismos e ferimentos intencionais ou acidentais, problemas sociais
com as forças de segurança e actividade sexual não planeada e desprotegida.
O uso de outras substâncias ao contrário do consumo do tabaco tem
consequências directas e de curto prazo mais óbvias e graves para a saúde e
funcionamento social (Filho & Ferreira‐Borges, 2008).
O consumo de tabaco está também associado ao uso de álcool e à embriaguez, e
esses tipos de comportamento de risco estão associados ao uso de substâncias
ilícitas e ao comportamento anti‐social (Meyers et al., 1994; Tyas et al., 1998;
Cotrim et al ., 1999; WHO, 2001; Ferreira‐Borges et al ., 2004, 2006; Curie et
al.,2000, 2004; Matos et al., 2006), o que tem vindo a ser confirmado por
inúmeros estudos de diversos institutos de referência internacional (NIDA 1997,
1997ª; SAMHSA, 2001; Hawks et al.,2002; UNODC, 2003; Anderson et al., 2006).
Por exemplo, os jovens fumadores têm três vezes mais probabilidades de
consumir álcool regularmente e oito vezes mais probabilidades de usar cannabis
do que os não‐fumadores, ao mesmo tempo que se pensa que o consumo de
tabaco seja o principal preditor para o uso de outras substâncias Kandel, 1992,
2002).
Tal quadro demonstra um nível considerável de risco para a saúde associado ao
uso destas substâncias, nomeadamente as ilícitas, o que torna a busca de
intervenções preventivas efectivas em relação à redução destes comportamentos
uma prioridade de Saúde Pública. Tais dados levam ainda a que cada vez mais se
aponte a prevenção do consumo de tabaco como um meio de prevenção do
consumo de outras substâncias lícitas, como o álcool, e as duas primeiras como
um meio de prevenção do consumo de substâncias ilícitas. O uso de substâncias
ilícitas como o haxixe ou a cocaína, por exemplo, é muitas vezes precedido pelo
uso de tabaco e álcool, já que são substâncias de fácil acesso e socialmente
aceites. Embora a maioria das pessoas que fume ou beba não use substâncias
ilícitas, quando o último tipo de uso ocorre, na maior parte das vezes, existe essa
trajectória. Ela pode reflectir, em parte, a disponibilidade e aceitabilidade social,
mas também a interacção de outros factores de risco, ambientais ou individuais,
como a desorganização familiar e comunitária, inconsistência de regras/sanções
de comportamento e de apoio, factores genéticos ou a ausência ou inadequação
de determinadas habilidades pessoais e sociais (Filho & Ferreira‐Borges, 2008, pp.
68‐69).
Tendo em conta o objectivo do trabalho: os problemas sociais ou de
funcionamento social, associados ao uso de substâncias, mais relevantes são a
disfunção familiar, desagregação familiar, baixo rendimento escolar, insucesso escolar
e abandono escolar; a principal consequência associada ao uso de tabaco é a maior
probabilidade de consumo de álcool e de outras substâncias, a principal consequência
associada ao consumo de álcool é a desintegração familiar e as principais
consequências associadas ao consumo de outras substâncias são problemas escolares
(insucesso e abandono escolar) e desintegração familiar (Filho & Ferreira‐Borges,
2008, pp. 45‐46).
4.
2.3 Programas escolares de prevenção em Portugal
O Instituto da Droga e da Toxicodependência é o principal proponente de
medidas de prevenção de uso de álcool, tabaco e outras drogas, através de programas
e planos dos quais se destacam o PIF – Programa de Intervenção Focalizada e o PORI –
Plano Operacional de Respostas Integradas, sendo que o PIF é exclusivamente
voltado para a prevenção. Este programa tem como objectivo criar condições para o
desenvolvimento de programas de intervenção baseados na evidência e, ao mesmo
tempo, constitui uma fonte de financiamento dos programas a realizar.
Dos programas aplicados e avaliados destaca‐se o programa de prevenção
universal. Este programa tem formulação da autoria de Jorge Negreiros em “Uma
abordagem socioafectiva de prevenção” (Negreiros, 1998). Este programa teve por
base as componentes, como indica a sua designação, afectiva e social. Em termos
gerais, a componente afectiva tem por objectivo facilitar a examinação e a análise das
atitudes dos jovens em relação ao uso de álcool e outras drogas e a componente social
visa estimular uma reflexão centrada e aprofundada nos diferentes tipos de
influências sociais para consumir de forma excessiva álcool e outras drogas. O
programa desenvolveu‐se em 8 sessões semanais de uma hora cada. A avaliação das
sessões demonstrou a redução do consumo de tabaco, embora estatisticamente
pouco expressiva, de álcool de forma mais significativa estatisticamente e mudança
em termos de atitudes menos favoráveis em relação ao uso de substâncias
(exceptuando as ilícitas por não ter sido possível tirar conclusões devido à baixa
prevalência do seu consumo) nos estudantes que participaram no estudo e que
compunham o grupo experimental comparativamente aos estudantes do grupo de
controlo.
No tocante à prevenção do uso de tabaco, no âmbito do programa prevenção
universal, existem alguns exemplos de boas práticas em Portugal. No âmbito do
ESFA – European Smoking Prevention Framework Approach desenvolveram‐se os
programas «Querer é poder» e «Turmas sem fumadores», levados a cabo pelo
Conselho de Prevenção do Tabagismo. Outros dois exemplos de programas de
prevenção do uso de tabaco são: «Não fumar é que Está a dar» e «Sinais de fumo»
desenvolvidos por José precioso e Associação CATR – Centro de apoio, tratamento e
recuperação, respectivamente.
O projecto ESFA foi implementado entre 1997 e 2002 na Espanha, Dinamarca,
Finlândia, Holanda, Inglaterra e Portugal tendo como objectivo evitar ou atrasar a
iniciação do uso do tabaco ou a transição da fase de experimental para a fase regular
do uso do tabaco em jovens do 3.º ciclo do ensino básico. Neste sentido e numa fase
intermédia o ESFA pretendia informar e sensibilizar os jovens para as várias razões
contra fumar, melhorar as habilidades sociais para resistir às pressões directas e
indirectas para fumar e reforçar a intenção contra fumar. No seguimento foram
implementados em Portugal os programas «Querer é Poder I» e «Querer é Poder II».
Estes dois programas integraram acções para levar a cabo na escola e na família. O
primeiro consistindo em 6 sessões sobre tabagismo em que se procurou informar
sobre os seus efeitos, discutir os prós e contras de fumar, tomar consciência dos
processos de influência social e promover competências para lidar com situações de
pressão social. O segundo também consistiu em 6 sessões sobre fumo passivo
informando sobre os seus efeitos e promovendo competências para lidar com
situações de exposição ao fumo passivo. Estas 12 acções relativas aos dois programas
foram ainda reforçadas com um programa de educação inter‐pares designado
5. «Programa 7 OK!» sustentado num jogo animado por colegas que tiveram 7 sessões
de formação previamente. O jogo orientou‐se por uma linha de informação e uma
outra de promoção de competências sociais. No final do projecto ESFA o grupo
experimental apresentava uma prevalência de fumadores regulares de 7% enquanto
que os do grupo de controlo apresentou uma taxa de 12%. Relativamente aos jovens
que nunca fumaram, no início do projecto eram 83% no grupo experimental e 81% no
grupo de controlo e no fim do projecto eram 55% e 44%, respectivamente, no grupo
experimental e no grupo de controlo, 11% de diferença na manutenção do estatuto de
nunca fumadores no grupo experimental em relação ao grupo de controlo.
O programa «Turmas sem fumadores» tem a participação de 15 países
europeus e tem como objectivo a prevenção do tabagismo nos jovens. Teve o seu
desenvolvimento na escola dirigido aos alunos do 3.º ciclo do ensino básico.
Particularmente, o programa foca a sua acção na prevenção ou atraso da iniciação
tabágica e a na promoção da mudança do comportamento tabágico nos jovens
iniciados no consumo visando a diminuição ou cessação desse comportamento. O
programa consiste na participação de turmas em que os respectivos alunos assinam
publica e voluntariamente uma declaração de compromisso de não fumarem durante
5 meses. Este compromisso é reafirmado mensalmente e verificado por uma
Comissão de Escola a quem compete o acompanhamento da implementação do
programa. As turmas competem entre si através de actividades de prevenção
tabágica e de promoção da saúde. No final dos 5 meses cada aluno das turmas
vencedoras recebe um certificado de participação e um prémio enquanto que a turma
recebe um prémio especial. Em termos da avaliação do impacto do programa
concluiu‐se que o programa parece revelar‐se preventivo no que toca aos jovens que
nunca fumaram e permitido que um grande número de jovens fumadores ocasionais
deixassem de fumar o mesmo acontecendo, menos expressivamente, com os jovens
fumadores regulares.
O programa «Não Fumar è que Está a Dar» desenvolveu‐se no âmbito de um
trabalho de doutoramento nas Escolas Secundárias de Vila Verde e da Póvoa do
Lanhoso, distrito de Braga. Os quatro objectivos do programa são: Contrariar a
influência dos principais factores de risco relacionados com o comportamento de
fumar; Reduzir a percentagem de alunos que experimentam fumar ou que fumam
regularmente; Ensinar a distinguir os comportamentos prejudiciais dos que são
benéficos para a saúde; e Promover a adopção de um estilo de vida saudável.
O programa visou essencialmente a prevenção do consumo do tabaco mas
também a aprendizagem de comportamentos benéficos para a saúde e a promoção
de um estilo de vida saudável.
O programa consiste de um conjunto de 15 sessões semanais de uma hora
dirigidas aos alunos do 7.º ano de escolaridade e por um conjunto de 6 sessões de
reforço dirigidas aos alunos do 8.º ano.
No que toca aos resultados do programa, verifica‐se que a primeira parte do
programa teve impacto positivo no controlo de alguns factores de risco relacionados
com o começo de fumar designadamente: capacidade de recusar cigarros; resposta
assertiva; promoção e manutenção de atitudes favoráveis ao não consumo do tabaco.
No final conclui‐se que o programa não teve influências significativas quanto aos
alunos que tinham experimentado fumar. Já relativamente aos jovens fumadores
ocasionais não houve evolução. Assim, apesar do programa não ter atingido o
objectivo no sentido de evitar a experimentação conseguiu que os jovens que já
tinham experimentado não se tornassem fumadores.
6. O programa «Sinais de Fumo» apoiado pela Câmara Municipal de Cascais
desde 2002 e pela Câmara Municipal de Lisboa desde 2004, envolve as componentes
individual, família, escola e comunidade e está divido em nove sessões, sete dedicadas
aos alunos com duração de hora e meia a decorrer nos horários de Área de Projecto e
Estudo Acompanhado com frequência mensal, uma sessão dedicada a professores e
auxiliares de educação e uma sessão para pais e encarregados de educação. A
dimensão comunitária do programa é‐lhe atribuída pela comemoração do Dia
Mundial Sem Tabaco (31 de Maio). Dia em que os estabelecimentos de ensino
envolvidos competem com actividades de prevenção tabágica. O programa tem 6
objectivos: 1) Sensibilizar os alunos para a problemática do consumo de substâncias
lícitas e ilícitas (Álcool, Fármacos, Tabaco e outras drogas) a partir de uma reflexão
durante as sessões da problemática do consumo de tabaco enquanto um
comportamento aditivo, problemático e prejudicial para a saúde; 2) Incentivar os
alunos a não experimentar, adiar ou a interromper precocemente o consumo de
substâncias psicoactivas, nomeadamente em relação ao tabaco, durante e após a
realização do programa; 3) Incentivar os alunos a manifestar as suas opiniões e
sentimentos em relação à problemática abordada, promovendo atitudes assertivas
em relação a estas práticas, envolvendo professores, pais e encarregados de educação
e motivando os alunos a participar activamente na promoção de espaços sem fumo
(escola, família e comunidade); 4) Fornecer informações e aumentar os
conhecimentos dos alunos sobre conceitos como. O que são drogas, como actua no
organismo, o que envolve o uso, abuso e dependência destas substâncias psicoactivas
e as suas consequências; 5) Consciencializar sobre a existência da pressão dos pares,
da publicidade, dos estilos de vida e das normas sociais em relação a fumar, beber e
usar outro tipo de drogas; 6) Desenvolver competências sociais e habilidades que
ajudem a gerir situações de pressão social para fumar ou usar outro tipo de
substâncias psicoactivas.
O programa teve duas edições (2002 e 2003 e 2003/2004) e envolveu uma
metodologia de avaliação ante e pós aplicação do programa. Da análise dos
questionários iniciais e finais verificou‐se uma ligeira diminuição em 2,4 pontos
percentuais do número de fumadores e, ao mesmo tempo, um aumento dos que já
tinham experimentado ao longo da vida em 2,4 pontos percentuais. Verificou‐se
também uma diminuição de pais e mães fumadores entre o início e o final do
programa (4% para os pais e 4,1% para as mães). Desta forma e em síntese, o
programa parece ter conseguido o seu objectivo quanto a evitar a experimentação e o
aumento do consumo do tabaco, estabilizando‐os, e parece ter um efeito positivo em
relação ao comportamento dos pais em relação ao tabaco.
Da revisão sobre programas escolares, resulta que os resultados dos
programas dependem do número de componentes incluídas, da resposta
multidisciplinar e da incorporação dos conhecimentos científicos obtidos nesta área
na construção e desenvolvimento dos programas de prevenção, os designados, por
Filho e Ferreira‐Borges (2008), programas compreensivos.