2. Anemia falciforme (ou drepanocitose) é o nome dado a uma doença
hereditária que causa a malformação das hemácias, que assumem forma semelhante
a foices (de onde vem o nome da doença), com maior ou menor severidade de
acordo com o caso, o que causa deficiência do transporte de oxigênio nos indivíduos
acometidos pela doença. É comum na África, na Europa mediterrânea, no Oriente
Médio e regiões da Índia.
A expectativa de vida é encurtada, com estudos reportando uma expectativa
de vida média de 42 e 48 anos, em indivíduos masculinos e femininos,
respectivamente.Esta expectativa de vida encurtada é resultado de algumas das
complicações associadas à AF, como por exemplo, megaesôfago, cardiomiopatia
restritiva, sepse, doenças das vias biliares e câncer de intestino.
3. Origem
A presença da anemia falciforme, é determinada por uma quantidade elevada
de hemácias deformadas. Em indivíduos normais, as células de transporte de gases,
hemácias, têm forma arredondada côncava e flexível, e possuem em si moléculas de
hemoglobina,que é responsável por fazer as ligações gasosas. Essa constituição
permite que essas células consigam executar sua função mesmo através dos mais finos
capilares.
A formação dessa hemoglobina, determinada por um par genético no
cromossoma 11, muda nos indivíduos falciformes. Neles, há a presença de ao menos
um gene mutante, que leva o organismo a produzir a hemoglobina S. Essa
hemoglobina é devida à substituição de um único nucleotídeo que altera o códon do
sexto aminoácido da B-Globina de ácido glutâmico para valina (GAG → GTG:
Glu6Val). A homozigosidade para esta mutação é a causa dessa anemia falciforme.
Um heterozigoto tem uma mistura dos dois tipos de hemoglobinas, A e S, além de um
tetrâmero híbrido de Hemoglobina. Ela consegue transportar o oxigênio mas, quando
o mesmo passa para os tecidos, as moléculas da sua hemoglobina se aglutinam em
formas gelatinosas de polímeros, também chamadas tactóides, que acabam por
distorcer as hemácias, que tornam-se duras e quebradiças devido às mudanças na sua
membrana.
4. Quando recebem novamente o oxigênio, podem ou não reganhar seu
formato: após algum tempo, por não suportar bem modificações físicas, a
hemoglobina pode manter a forma gelatinosa permanentemente e,
consequentemente, a deformação que ela gera. Nessa forma, sua vida útil se
extingue mais rapidamente, o que pode vir a causar anemia hemolítica (ou
comum). Contudo, ao contrário da anemia comum, não há tratamento definitivo
para a forma falciforme. O gene causador desse último problema tem uma relação
de co-dominância com o gene normal. Assim, há indivíduos portadores de uma
forma branda e de uma forma severa da mesma doença.
5. Sintomas
Há a presença de alguns dos sintomas clássicos da anemia, causados pelo
déficit de hemácias (uma vez que estas tendem a ter sua vida útil encurtada). Desses
podem-se citar fadiga, astenia e palidez (principalmente nas conjuntivas e mucosas).
Há contudo a presença de uma gama de sintomas característicos da anemia
falciforme aguda, que são causados pelo aumento da viscosidade sanguínea que é a
aglomeração de hemacias comprometidas. Por causa disso pode haver formação de
trombos (coágulos) nas mais diversas áreas do organismo, com défice do transporte
sanguíneo para a área. Em regiões musculares ou conjuntivas, isso pode causar
crises de dor intensa.
Concomitantemente a isso, há um aumento do número de hemácias
comprometidas, uma vez que a acidose e a deficiência de oxigênio facilita a
deformação permanente. Pode causar também hemorragia, descolamento retiniano,
priapismo, acidente vascular cerebral enfarte, calcificações em ossos com dores
agudas, insuficiência renal e pulmonar, dependendo da fase de vida. Nas mãos e nos
pés principalmente das crianças, pode haver tumefacção causado pela obstrução de
vasos naquelas áreas, também acompanhado de dor. Pode ainda ocasionar uma
maior suscetibilidade à infecções.
6. Tratamento
O único tratamento curativo para a anemia falciforme é o transplante de
medula óssea. Este tratamento, no entanto, foi realizado em um número relativamente
pequeno de pacientes ao redor do mundo, com maior taxa de sucesso entre crianças.
Ainda é necessário um número maior de estudos e a determinação de características
clínicas que permitam indicar o transplante com maior segurança. Alguns trabalhos
experimentais tem sido feitos com terapia gênica.
Do ponto de vista clínico, o uso de hidroxiuréia, um quimioterápico inibidor da
ribonucleotidase vem se revelando útil, por diminuir o número de episódios dolorosos e
síndrome torácica aguda. Esta medicação atua por diversos meios, aumentando
hemoglobina fetal, diminuindo leucócitos e reticulócitos aderentes ao endotélio e
elevando os níveis de óxido nítrico. O uso de hidroxiuréia deve ser feito com supervisão
médica, pelo risco de depressão da função da medula óssea e infecções. Além disso os
usuários não podem engravidar durante seu uso pelo risco de teratogenicidade para o
feto. A experiência clínica de 25 anos com esta medicação não revelou aumento da
chance de câncer em seus usuárioe e trabalhos recentes sugerem aumento da sobrevida
dos pacientes.
7. São realizadas transfusões durante exacerbações da anemia. Pacientes com
complicações graves, como acidente vascular cerebral, são submetidos a regimes
regulares de transfusão sanguínea ou exsanguineo-transfusão, em geral a cada 28
dias. Pacientes neste regime tendem a acumular ferro no organismo
(hemossiderose), o que pode ser controlado com o uso de substâncias quelantes. Se
o ferro não for adequadamente quelado pode se depositar em órgãos como fígado e
coração trazendo outras complicações.
Durante crises, deve ser administrada hidratação intravenosa e analgesia
preferencialmente com opióides. É sugerido que o uso de dolantina, um dos
opióides endovenosos, seja evitado, pelo risco maior de dependência.Toda crise
dolorosa tem de ser avaliada como prenúncio de complicações graves, como a
síndrome torácica aguda. O tratamento deve evitar hiper-hidratação e hiper-sedação
e privilegiar a fisioterapia respiratória.
8. Relação com outras doenças do
sangue
Um ponto curioso a respeito da doença é que os portadores da anemia
falciforme são geralmente mais resistentes a algumas doenças do sangue, de onde se
destacam as diferentes variedades de malária. Isso ocorre pois os protozoários
Plasmodium necessariamente se reproduzem no interior das hemácias humanas.
Contudo, as hemácias danificadas do indivíduo falciforme não são adequadas a esse
tipo de função, mesmo quando exposto ao vetor da doença, o mosquito Anopheles
contaminado. Em indivíduos com o traço, a presença dessas doenças pode ser
atenuada. Na África subsaariana à exemplo do Congo, isso acaba gerando uma
seleção natural as avessas; enquanto nos outros locais do mundo a seleção natural dá
preferência aos mais sadios e eugênicos, a malária acaba selecionando somente os
com a disgenia falciforme, já que é dos poucos casos no mundo em que uma disgenia
num meio se torna mais vantajosa perante a um agente de competição evolutiva que
um ser sadio propriamente dito (algo similar ocorre com a obesidade no Ártico e
outras terras mais frias onde alguém esbelto/musculoso teria menos chances de
sobrevida, já que o excesso de gordura a exemplo de seres marinhos cetáceos,
ursídeos e cia ajuda no isolamento térmico, dando vantagem aos obesos frente aos
não-obesos nesses meios divergentes).