SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 3
D. Dinis

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente d'esse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.

1
Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa,
escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se nos Castelos à semelhança do poema
Ulisses. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros.
Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação
dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica,
podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual
sujeito
poético
se
exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação o princípio de Portugal. O
título D. Dinis remete-nos para os primórdios da nossa nacionalidade, assumindo assim o poeta a perspectiva
longínqua de D. Dinis, observando no século XX à posteriori a empresa dos Descobrimentos.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por duas estrofes, de cinco versos (quintilhas). Quanto ao
metro e ao ritmo os versos são irregulares. O segundo verso de cada estrofe tem oito sílabas métricas, enquanto os
restantes são decassilábicos. Predomina o ritmo binário, aparecendo também o ternário, no verso primeiro da
segunda estrofe. A rima é sempre consoante, variando entre rica e pobre, e obedece ao seguinte esquema rimático:
abaab, com rimas cruzadas, emparelhadas e interpoladas, portanto. O verso decassilábico, de ritmo largo, adequa-se à
expressão de uma mensagem que traduz o meditar repousado de um poeta que é rei e vai ao leme de um povo que
quer
ser
grande.
Ainda ao nível das sonoridades merecem destaque as assonâncias (alteração entre vogal aberta e fechada) e as
aliterações em sibilantes. Esta repetição de sons produz um conjunto harmónico de versos que combinam as
potencialidades do significado com o significante. D. Dinis é poeta e é o criador de condições necessárias às
navegações. Surge assim num contexto verbal que enquadra esses sentidos: consubstanciando matéria épica e lírica,
jogando
com
o
tempo
histórico
de
futuro
adivinhado.
Na primeira estrofe o sujeito lírico imagina D. Dinis a compor um cantar de amigo. Eis-nos diante do rei poeta. Já no
segundo verso é o lavrador que emerge. Seria dos pinhais plantados por D. Dinis que viria a madeira com a qual se
construiriam as naus para os descobrimentos. D. Dinis representa a certeza adivinhada do futuro. A expressão “ ouve
um silêncio múrmuro consigo”, contendo um oxímoro realça a atitude meditativa do rei que, como um rei-mago, ao
escrever o seu cantar de amigo profetiza já a epopeia marítima dos portugueses. O sujeito lírico recua no tempo e
escuta com o rei o rumor dos pinhais que ondulam ( metáfora de inspiração marinha).. Esta metáfora e a
personificação contidas na expressão “é o rumor dos pinhais como um Trigo de Império” sugere que esse sussurrar
pressentido por D. Dinis era a fala misteriosa dos pinhais que já ondulavam na imaginação do poeta “como um trigo
de império”. Esta metáfora é extremamente expressiva. Os pinhais contribuiriam para permitir a expansão portuguesa
e esta criaria a riqueza do nosso império. O pão é símbolo de alimentos de poder económico, sendo o trigo , as searas
promessa de riqueza para um país. Este ondular invisível deixa já antever a aventura marítima e o Império que lhe está
associado. Assinale-se ainda o animismo é o rumor dos pinhais. Os pinhais parecem ter linguagem e inspiram o
próprio cantar do rei-poeta, porque anunciam qualquer coisa de grande, ainda envolvida em mistério. Os verbos
encontram-se no presente com aspecto durativo, traduzindo acções que se prolongam no tempo, tornando a
descrição
mais
impressionista
e
visualista.
Na segunda parte, mantém-se a preocupação por parte do “eu” poético de nos fazer chegar o cantar do jovem rei e o
“marulho obscuro” dos seus pinhais. Tudo isto era, na perspectiva do rei, o pressentimento embora obscuro de
qualquer coisa grande que estava para vir, era “o som presente desse mar futuro”. Esta ideia põe em destaque o
carácter mítico deste “herói”, como uma espécie de intérprete de uma vontade superior. A mensagem deste poema
centra-se sobretudo no futuro e a razão disto poderá encontrar-se a partir do que atrás ficou dito: se a perspectiva
temporal é a de D. Dinis, e este rei prepara as glórias futuras da sua grei, é evidente que a mensagem do poema se
centra sobretudo no futuro. Isso mesmo se confirma no texto “ O plantador de naus a haver”, Arroio, esse cantar ... e
a fala dos pinhais...é som presente desse mar futuro.... O cantar de quem, dos pinhais ? Do poeta? Ou dos dois? Esse
cantar era apenas um regatozinho que procurava o mar por achar. Esta metáfora exprime como os portugueses
começando quase do nada foram engrossando caudal das suas forças até chegarem à Índia. O poema refere duas
fases da nossa história: o ciclo terra (plantador de naus, pinhais, trigo) e o ciclo do mar (arroio, naus e mar). A terra e o
mar dois pólos entre os quais se balouçou o povo português, sem nunca ter encontrado uma distância equilibrada
entre
os
dois.
Após termos perspectivado a mensagem do tempo é mais fácil perspectivar a do espaço. Há expressões que apontam
2
para o estreito espaço lusíada antes dos Descobrimentos “o plantador de naus ... o rumor dos pinhais... o som
presente ... e a voz da terra.... É o espaço limitado dos primeiros tempos da pátria.
Mas surgem por antítese a estas, outras expressões que projectam a nação através do mundo: “como um trigo de
império ... busca o Oceano por achar ... desse mar futuro, ... ansiando pelo mar...”
Relacionando o espaço e o tempo, verificamos que ao tempo futuro corresponde o alargamento do território
português,
a
projecção
da
nação
através
dos
mares.
Ao longo do poema devemos destacar as expressões que se congregam para dar a sugestão de um mistério
premonitório do domínio dos mares “ na noite ... silêncio múrmuro... rumor dos pinhais, marulho obscuro. É voz
presente
desse
mar
futuro”.
De notar que o rumor dos pinhais de tal forma se insinua no cantar profético do poeta que se atribui a esse cantar o
mesmo efeito que à fala dos pinhais “esse cantar busca o oceano por achar; e a fala dos pinhais é som presente desse
mar
futuro”.
Concluindo, este poema está imbuído de sensibilidade épica. A grandeza dos feitos de uma nação é inseparável da sua
grandeza literária. Pelo que se compreende que Fernando Pessoa tenha concebido na Mensagem um super Portugal
em que ele seria o super Poeta. A cultura parece desempenhar aqui um papel de importância acrescentada. Também
o Quinto império será cultural.

3

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Álvaro Campos - 3ª Fase
Álvaro Campos - 3ª FaseÁlvaro Campos - 3ª Fase
Álvaro Campos - 3ª FaseDina Baptista
 
Santo António. sermao aos peixes
Santo António. sermao aos peixesSanto António. sermao aos peixes
Santo António. sermao aos peixesJoão Félix
 
"Fernão de Magalhães", a Mensagem
"Fernão de Magalhães", a Mensagem"Fernão de Magalhães", a Mensagem
"Fernão de Magalhães", a MensagemIsabel Costa
 
Fernando Pessoa Nostalgia da Infância
Fernando Pessoa Nostalgia da InfânciaFernando Pessoa Nostalgia da Infância
Fernando Pessoa Nostalgia da InfânciaSamuel Neves
 
Análise do canto ix
Análise do canto ixAnálise do canto ix
Análise do canto ixKaryn XP
 
Mensagem - D. Sebastião Rei de Portugal
Mensagem - D. Sebastião Rei de PortugalMensagem - D. Sebastião Rei de Portugal
Mensagem - D. Sebastião Rei de PortugalMaria Teixiera
 
Mensagem: Análise "Escrevo meu livro à beira-mágoa"
Mensagem: Análise "Escrevo meu livro à beira-mágoa"Mensagem: Análise "Escrevo meu livro à beira-mágoa"
Mensagem: Análise "Escrevo meu livro à beira-mágoa"InsdeCastro7
 
10ºano camões parte C
10ºano camões parte C10ºano camões parte C
10ºano camões parte CLurdes Augusto
 
Alberto Caeiro - poema I do guardador de rebanhos
Alberto Caeiro - poema I do guardador de rebanhosAlberto Caeiro - poema I do guardador de rebanhos
Alberto Caeiro - poema I do guardador de rebanhosBruno Meirim
 
áLvaro de campos
áLvaro de camposáLvaro de campos
áLvaro de camposAna Teresa
 
Mar português e velho do restelo
Mar português e velho do resteloMar português e velho do restelo
Mar português e velho do resteloMaria Hogan Teves
 
Mar Português
Mar PortuguêsMar Português
Mar PortuguêsAna Cruz
 
"Mensagem" de Fernando Pessoa- "O Infante"
"Mensagem" de Fernando Pessoa- "O Infante""Mensagem" de Fernando Pessoa- "O Infante"
"Mensagem" de Fernando Pessoa- "O Infante"VniaRodrigues30
 

Mais procurados (20)

Álvaro Campos - 3ª Fase
Álvaro Campos - 3ª FaseÁlvaro Campos - 3ª Fase
Álvaro Campos - 3ª Fase
 
Mensagem - Fernando Pessoa
Mensagem - Fernando Pessoa Mensagem - Fernando Pessoa
Mensagem - Fernando Pessoa
 
Santo António. sermao aos peixes
Santo António. sermao aos peixesSanto António. sermao aos peixes
Santo António. sermao aos peixes
 
Ricardo reis
Ricardo reisRicardo reis
Ricardo reis
 
"Fernão de Magalhães", a Mensagem
"Fernão de Magalhães", a Mensagem"Fernão de Magalhães", a Mensagem
"Fernão de Magalhães", a Mensagem
 
Fernando Pessoa Nostalgia da Infância
Fernando Pessoa Nostalgia da InfânciaFernando Pessoa Nostalgia da Infância
Fernando Pessoa Nostalgia da Infância
 
Noite
NoiteNoite
Noite
 
O Mostrengo
O MostrengoO Mostrengo
O Mostrengo
 
Análise do canto ix
Análise do canto ixAnálise do canto ix
Análise do canto ix
 
Cronica
CronicaCronica
Cronica
 
Mensagem - D. Sebastião Rei de Portugal
Mensagem - D. Sebastião Rei de PortugalMensagem - D. Sebastião Rei de Portugal
Mensagem - D. Sebastião Rei de Portugal
 
Mensagem: Análise "Escrevo meu livro à beira-mágoa"
Mensagem: Análise "Escrevo meu livro à beira-mágoa"Mensagem: Análise "Escrevo meu livro à beira-mágoa"
Mensagem: Análise "Escrevo meu livro à beira-mágoa"
 
10ºano camões parte C
10ºano camões parte C10ºano camões parte C
10ºano camões parte C
 
A fragmentação do eu
A fragmentação do euA fragmentação do eu
A fragmentação do eu
 
Alberto Caeiro - poema I do guardador de rebanhos
Alberto Caeiro - poema I do guardador de rebanhosAlberto Caeiro - poema I do guardador de rebanhos
Alberto Caeiro - poema I do guardador de rebanhos
 
áLvaro de campos
áLvaro de camposáLvaro de campos
áLvaro de campos
 
Mar português e velho do restelo
Mar português e velho do resteloMar português e velho do restelo
Mar português e velho do restelo
 
Mar Português
Mar PortuguêsMar Português
Mar Português
 
"Mensagem" de Fernando Pessoa- "O Infante"
"Mensagem" de Fernando Pessoa- "O Infante""Mensagem" de Fernando Pessoa- "O Infante"
"Mensagem" de Fernando Pessoa- "O Infante"
 
poema bucólica
poema bucólicapoema bucólica
poema bucólica
 

Destaque (8)

D.Sebastião
D.SebastiãoD.Sebastião
D.Sebastião
 
D. Dinis
D. DinisD. Dinis
D. Dinis
 
D dinis
D dinisD dinis
D dinis
 
Análise do poema ulisses
Análise do poema ulissesAnálise do poema ulisses
Análise do poema ulisses
 
Os Lusíadas - a estrutura
Os Lusíadas - a estruturaOs Lusíadas - a estrutura
Os Lusíadas - a estrutura
 
Invocação e Dedicarória
Invocação e DedicaróriaInvocação e Dedicarória
Invocação e Dedicarória
 
Mensagem & Os Lusíadas
Mensagem & Os LusíadasMensagem & Os Lusíadas
Mensagem & Os Lusíadas
 
Análise de Os Lusíadas
Análise de Os Lusíadas Análise de Os Lusíadas
Análise de Os Lusíadas
 

Semelhante a D. Dinis e a visão dos Descobrimentos

Apoesiatrovadoresca.pdf
Apoesiatrovadoresca.pdfApoesiatrovadoresca.pdf
Apoesiatrovadoresca.pdfBeatriz Gomes
 
Quero Ser Tambor, José Craveirinha
Quero Ser Tambor, José CraveirinhaQuero Ser Tambor, José Craveirinha
Quero Ser Tambor, José Craveirinhacatiasgs
 
TROVADORISMO EM PORTUGAL MOVIMENTO LITERÁRIO DO SÉCULO XII
TROVADORISMO EM PORTUGAL MOVIMENTO LITERÁRIO DO SÉCULO XIITROVADORISMO EM PORTUGAL MOVIMENTO LITERÁRIO DO SÉCULO XII
TROVADORISMO EM PORTUGAL MOVIMENTO LITERÁRIO DO SÉCULO XIIpatriciasofiacunha18
 
Herança portuguesa - resumo dos movimentos portugueses
Herança portuguesa - resumo dos movimentos portuguesesHerança portuguesa - resumo dos movimentos portugueses
Herança portuguesa - resumo dos movimentos portuguesesCiceroMarcosSantos1
 
Revisão de literatura
Revisão de literaturaRevisão de literatura
Revisão de literaturaRaika Barreto
 
Ficha 5 lusiadas
Ficha 5  lusiadasFicha 5  lusiadas
Ficha 5 lusiadas1950casal
 
Topicos em literatura
Topicos em literaturaTopicos em literatura
Topicos em literaturaValeria Nunes
 
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdf
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdfOs Lusíadas - Estrutura e resumo.pdf
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdfPaula Vieira
 
Terceira geração da poesia romântica
Terceira geração da poesia românticaTerceira geração da poesia romântica
Terceira geração da poesia românticama.no.el.ne.ves
 
Tanto mar: construção trocada em miúdos, por Elisa Campos de Quadros
Tanto mar: construção trocada em miúdos, por Elisa Campos de QuadrosTanto mar: construção trocada em miúdos, por Elisa Campos de Quadros
Tanto mar: construção trocada em miúdos, por Elisa Campos de QuadrosRenan Lazzarin
 
O%20 Epis%C3%93 Dio%20 Do%20%20%20%20 Velho%20 De%20 Restelo
O%20 Epis%C3%93 Dio%20 Do%20%20%20%20 Velho%20 De%20 ResteloO%20 Epis%C3%93 Dio%20 Do%20%20%20%20 Velho%20 De%20 Restelo
O%20 Epis%C3%93 Dio%20 Do%20%20%20%20 Velho%20 De%20 Restelosonyna
 

Semelhante a D. Dinis e a visão dos Descobrimentos (20)

Apoesiatrovadoresca.pdf
Apoesiatrovadoresca.pdfApoesiatrovadoresca.pdf
Apoesiatrovadoresca.pdf
 
d.dINIS
d.dINIS d.dINIS
d.dINIS
 
Quero Ser Tambor, José Craveirinha
Quero Ser Tambor, José CraveirinhaQuero Ser Tambor, José Craveirinha
Quero Ser Tambor, José Craveirinha
 
TROVADORISMO EM PORTUGAL MOVIMENTO LITERÁRIO DO SÉCULO XII
TROVADORISMO EM PORTUGAL MOVIMENTO LITERÁRIO DO SÉCULO XIITROVADORISMO EM PORTUGAL MOVIMENTO LITERÁRIO DO SÉCULO XII
TROVADORISMO EM PORTUGAL MOVIMENTO LITERÁRIO DO SÉCULO XII
 
O mar na literatura port.
O mar na literatura port.O mar na literatura port.
O mar na literatura port.
 
Herança portuguesa - resumo dos movimentos portugueses
Herança portuguesa - resumo dos movimentos portuguesesHerança portuguesa - resumo dos movimentos portugueses
Herança portuguesa - resumo dos movimentos portugueses
 
Espumas flutuantes
Espumas flutuantesEspumas flutuantes
Espumas flutuantes
 
Revisão de literatura
Revisão de literaturaRevisão de literatura
Revisão de literatura
 
literatura_trovadorismo.ppt
literatura_trovadorismo.pptliteratura_trovadorismo.ppt
literatura_trovadorismo.ppt
 
literatura_trovadorismo.ppt
literatura_trovadorismo.pptliteratura_trovadorismo.ppt
literatura_trovadorismo.ppt
 
Lusiadas resumo2
Lusiadas resumo2Lusiadas resumo2
Lusiadas resumo2
 
Ficha 5 lusiadas
Ficha 5  lusiadasFicha 5  lusiadas
Ficha 5 lusiadas
 
Mensagem
MensagemMensagem
Mensagem
 
Topicos em literatura
Topicos em literaturaTopicos em literatura
Topicos em literatura
 
Ceifeira
CeifeiraCeifeira
Ceifeira
 
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdf
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdfOs Lusíadas - Estrutura e resumo.pdf
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdf
 
Terceira geração da poesia romântica
Terceira geração da poesia românticaTerceira geração da poesia romântica
Terceira geração da poesia romântica
 
Tanto mar: construção trocada em miúdos, por Elisa Campos de Quadros
Tanto mar: construção trocada em miúdos, por Elisa Campos de QuadrosTanto mar: construção trocada em miúdos, por Elisa Campos de Quadros
Tanto mar: construção trocada em miúdos, por Elisa Campos de Quadros
 
O%20 Epis%C3%93 Dio%20 Do%20%20%20%20 Velho%20 De%20 Restelo
O%20 Epis%C3%93 Dio%20 Do%20%20%20%20 Velho%20 De%20 ResteloO%20 Epis%C3%93 Dio%20 Do%20%20%20%20 Velho%20 De%20 Restelo
O%20 Epis%C3%93 Dio%20 Do%20%20%20%20 Velho%20 De%20 Restelo
 
Simulado lit-prise 2.1 ok
Simulado lit-prise 2.1 okSimulado lit-prise 2.1 ok
Simulado lit-prise 2.1 ok
 

D. Dinis e a visão dos Descobrimentos

  • 1. D. Dinis Na noite escreve um seu Cantar de Amigo O plantador de naus a haver, E ouve um silêncio múrmuro consigo: É o rumor dos pinhais que, como um trigo De Império, ondulam sem se poder ver. Arroio, esse cantar, jovem e puro, Busca o oceano por achar; E a fala dos pinhais, marulho obscuro, É o som presente d'esse mar futuro, É a voz da terra ansiando pelo mar. 1
  • 2. Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se nos Castelos à semelhança do poema Ulisses. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime. Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação o princípio de Portugal. O título D. Dinis remete-nos para os primórdios da nossa nacionalidade, assumindo assim o poeta a perspectiva longínqua de D. Dinis, observando no século XX à posteriori a empresa dos Descobrimentos. Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por duas estrofes, de cinco versos (quintilhas). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são irregulares. O segundo verso de cada estrofe tem oito sílabas métricas, enquanto os restantes são decassilábicos. Predomina o ritmo binário, aparecendo também o ternário, no verso primeiro da segunda estrofe. A rima é sempre consoante, variando entre rica e pobre, e obedece ao seguinte esquema rimático: abaab, com rimas cruzadas, emparelhadas e interpoladas, portanto. O verso decassilábico, de ritmo largo, adequa-se à expressão de uma mensagem que traduz o meditar repousado de um poeta que é rei e vai ao leme de um povo que quer ser grande. Ainda ao nível das sonoridades merecem destaque as assonâncias (alteração entre vogal aberta e fechada) e as aliterações em sibilantes. Esta repetição de sons produz um conjunto harmónico de versos que combinam as potencialidades do significado com o significante. D. Dinis é poeta e é o criador de condições necessárias às navegações. Surge assim num contexto verbal que enquadra esses sentidos: consubstanciando matéria épica e lírica, jogando com o tempo histórico de futuro adivinhado. Na primeira estrofe o sujeito lírico imagina D. Dinis a compor um cantar de amigo. Eis-nos diante do rei poeta. Já no segundo verso é o lavrador que emerge. Seria dos pinhais plantados por D. Dinis que viria a madeira com a qual se construiriam as naus para os descobrimentos. D. Dinis representa a certeza adivinhada do futuro. A expressão “ ouve um silêncio múrmuro consigo”, contendo um oxímoro realça a atitude meditativa do rei que, como um rei-mago, ao escrever o seu cantar de amigo profetiza já a epopeia marítima dos portugueses. O sujeito lírico recua no tempo e escuta com o rei o rumor dos pinhais que ondulam ( metáfora de inspiração marinha).. Esta metáfora e a personificação contidas na expressão “é o rumor dos pinhais como um Trigo de Império” sugere que esse sussurrar pressentido por D. Dinis era a fala misteriosa dos pinhais que já ondulavam na imaginação do poeta “como um trigo de império”. Esta metáfora é extremamente expressiva. Os pinhais contribuiriam para permitir a expansão portuguesa e esta criaria a riqueza do nosso império. O pão é símbolo de alimentos de poder económico, sendo o trigo , as searas promessa de riqueza para um país. Este ondular invisível deixa já antever a aventura marítima e o Império que lhe está associado. Assinale-se ainda o animismo é o rumor dos pinhais. Os pinhais parecem ter linguagem e inspiram o próprio cantar do rei-poeta, porque anunciam qualquer coisa de grande, ainda envolvida em mistério. Os verbos encontram-se no presente com aspecto durativo, traduzindo acções que se prolongam no tempo, tornando a descrição mais impressionista e visualista. Na segunda parte, mantém-se a preocupação por parte do “eu” poético de nos fazer chegar o cantar do jovem rei e o “marulho obscuro” dos seus pinhais. Tudo isto era, na perspectiva do rei, o pressentimento embora obscuro de qualquer coisa grande que estava para vir, era “o som presente desse mar futuro”. Esta ideia põe em destaque o carácter mítico deste “herói”, como uma espécie de intérprete de uma vontade superior. A mensagem deste poema centra-se sobretudo no futuro e a razão disto poderá encontrar-se a partir do que atrás ficou dito: se a perspectiva temporal é a de D. Dinis, e este rei prepara as glórias futuras da sua grei, é evidente que a mensagem do poema se centra sobretudo no futuro. Isso mesmo se confirma no texto “ O plantador de naus a haver”, Arroio, esse cantar ... e a fala dos pinhais...é som presente desse mar futuro.... O cantar de quem, dos pinhais ? Do poeta? Ou dos dois? Esse cantar era apenas um regatozinho que procurava o mar por achar. Esta metáfora exprime como os portugueses começando quase do nada foram engrossando caudal das suas forças até chegarem à Índia. O poema refere duas fases da nossa história: o ciclo terra (plantador de naus, pinhais, trigo) e o ciclo do mar (arroio, naus e mar). A terra e o mar dois pólos entre os quais se balouçou o povo português, sem nunca ter encontrado uma distância equilibrada entre os dois. Após termos perspectivado a mensagem do tempo é mais fácil perspectivar a do espaço. Há expressões que apontam 2
  • 3. para o estreito espaço lusíada antes dos Descobrimentos “o plantador de naus ... o rumor dos pinhais... o som presente ... e a voz da terra.... É o espaço limitado dos primeiros tempos da pátria. Mas surgem por antítese a estas, outras expressões que projectam a nação através do mundo: “como um trigo de império ... busca o Oceano por achar ... desse mar futuro, ... ansiando pelo mar...” Relacionando o espaço e o tempo, verificamos que ao tempo futuro corresponde o alargamento do território português, a projecção da nação através dos mares. Ao longo do poema devemos destacar as expressões que se congregam para dar a sugestão de um mistério premonitório do domínio dos mares “ na noite ... silêncio múrmuro... rumor dos pinhais, marulho obscuro. É voz presente desse mar futuro”. De notar que o rumor dos pinhais de tal forma se insinua no cantar profético do poeta que se atribui a esse cantar o mesmo efeito que à fala dos pinhais “esse cantar busca o oceano por achar; e a fala dos pinhais é som presente desse mar futuro”. Concluindo, este poema está imbuído de sensibilidade épica. A grandeza dos feitos de uma nação é inseparável da sua grandeza literária. Pelo que se compreende que Fernando Pessoa tenha concebido na Mensagem um super Portugal em que ele seria o super Poeta. A cultura parece desempenhar aqui um papel de importância acrescentada. Também o Quinto império será cultural. 3