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RESENHA DAS PRINCIPAIS OBRAS DE
CLARICE LISPECTOR
Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector
No romance Perto do Coração Selvagem (primeiro romance de Clarice
Lispector - 1944) é notória a aproximação com os ficcionistas de
vanguarda da época, James Joyce, Virgínia Woolf e William Faulkner,
pelo uso intensivo da metáfora insólita, entrega ao fluxo da consciência e
ruptura com o enredo final.
Caracteriza-se pela exacerbação do momento interior de tal modo
intensa, que, a certa altura de seu itinerário, a própria subjetividade entra
em crise. O espírito, perdido no labirinto da memória e da auto-análise,
reclama um novo equilíbrio, transcendendo do plano psicológico para o
metafísico. A própria narradora revela a consciência desse salto, quando
diz: Além do mais a "psicologia" nunca me interessou. O olhar
psicológico me impacientava e me impacienta, é um instrumento que só
transpassa. Acho que desde a adolescência eu havia saído do estágio do
psicológico.
• A prosa leve discorre com fluência e fluidez nos meandros da protagonista, na sua visão de mundo e
interação com os demais personagens. Tudo isso revelou Clarice Lispector como mais que mera
promessa na prosa da Geração de 45. É o texto do sensível e do imaginário, ora enfrentando ora
diluindo-se aos incidentes reais de Joana.
• A amoralidade diante da maldade. O instinto na condução da trama, com uma certa dose de auto-
martírio. A história de Joana (protagonista) - não a Virgem d'Orleans, mas a personagem de Clarice
Lispector nesta obra de estréia, marcou a ficção brasileira em 1944. A narrativa inovadora provocou
frisson nos círculos literários. A técnica de Clarice Lispector funde subjetividade com objetividade,
alterna os focos literários e o tempo cronológico dá lugar ao psicológico (o presente entremeado ao
intermitente flashback). Joana expressa, por fluxos de consciência, sua vida interior, contrapondo suas
experiências de menina às de adulta, mergulhando ora no passado, ora no presente, segundo o fio
condutor da memória.
• Deve-se ler a obra com instrumentos de anatomia: usa-se bisturi para dissecá-la e pinça para estudar os
personagens como órgãos autônomos, que se ligam por estranhas artérias e nervos à personagem de
coração e cérebro Joana. São eles: o pai prematuramente falecido, incentivador das brincadeiras na
infância; a tia assustada com as estripulias da órfã, a quem chama de víbora; o tio fazendeiro, afetuoso
com Joana e abúlico diante das reclamações da mulher; o professor confidente e orientador (como a
paixão da puberdade); Otávio, o rapaz que se casa com Joana ao romper o noivado com Lígia, de quem
posteriormente se torna amante; Lígia, grávida de Otávio, conta tudo à protagonista; o homem sem
nome, sustentado pela mulher, participante silenciosa do romance clandestino e sem compromisso dele
com Joana.
• A leitura é caleidoscópica. A protagonista ora tem uma cor, ora outra, conforme o momento ("real" ou
onírico). As cores dançam no enredo misturado ao cenário e às sensações da menina-mulher-amante.
Joana desfila na vida dos outros personagens, destilando o veneno de víbora, instilado com ironia e
respostas cruéis diante dos fatos. A leitura também é lúdica, quando o leitor tenta adivinhar o que a
autora preparou páginas adiante e se surpreende com o que presencia.
• Joana viveu a infância ao lado do pai, a quem confiou, por meio de brincadeiras, suas incertezas infantis.
Era sonhadora, contemplativa e, inconscientemente, provocava os adultos com suas questões e opiniões.
Escrevia versos, tinha medo de dormir sozinha e sentia muita pena das galinhas. Para ela, estas nem
sabiam que iam morrer. A mãe, Elza, morreu, quando ela ainda era muito pequena; conhecia-a pelas
descrições do pai. O tempo junto a este também foi curto, morreu quando ela ainda era menina.
• Órfã, Joana vai morar com os tios. Logo nos primeiros dias de convívio, a severidade na casa se revela
hipócrita, despertando-lhe uma visão repugnante daquilo que a esperaria no futuro; eles fingem condoer-
se da sua infelicidade. A relação entre sobrinha e tia é tensa, mas aceitável; a presença da menina a
sufocava.
ENREDO
• Um dia ao acompanhar a tia às compras, como num teste para si mesma e causar espanto aos outros,
Joana roubou um livro, fazendo com que a realidade de sua relação com aquela família viesse à tona.
Desabonando esse tipo de conduta, a tia pediu ao marido que encaminhasse a menina a um colégio
interno, onde as diferenças, entre Joana e o mundo que a cercava, iriam se acentuar.
• Essa inadaptabilidade aos lugares, a constante vocação para o mal e o desconhecimento de si mesma
faziam parte do processo de descobrir-se, encontrar a razão de ser de sua existência.
• Nesse processo, surge um professor casado, que lhe dá ouvidos, aconselhando-a, na medida do possível.
Ele torna-se seu amor adolescente, e Joana, sentindo uma espécie de inveja da esposa, sofre as agruras
dessa primeira paixão.
• Desligada do internato, Joana casou-se com Otávio, que divagava tão intensamente quanto ela. Embora
casado, mantinha um relacionamento amoroso com, Lídia, sua ex-noiva, a quem engravidou. Isso
aparentemente seria a causa da separação entre Otávio e Joana, além da diferença de temperamentos,
expectativa de vida e compreensão de mundo do casal. Joana, que sabia tudo sobre o relacionamento dos
dois, abordou a situação naturalmente, sem escândalo ou drama passional. No entanto, no seu interior,
esse fato lhe suscitava muitas reflexões, sendo uma delas o projeto de ter um filho com o marido, antes
de devolvê-lo à rival. Isso não se realizou e Otávio partiu, deixando uma suposta promessa de volta no ar.
• Depois da separação, um homem desconhecido passou a seguir Joana, durante algum tempo. Um certo
dia, ela se viu na casa desse estranho e, sem sequer saber-lhe o nome, desejando conhecê-lo por outras
fontes e por outros caminhos, com ele teve alguns encontros. O desconhecido que, para ela, era mais um
salto para sua auto-investigação, um dia, acabou partindo. Ela, também, embarcou sozinha para uma
viagem não muito bem definida, dando a entender que, naquele momento, teria condições de se resgatar.
Laços de Família, de Clarice Lispector
O livro " Laços de família ", escrito por Clarice Lispector,
em 1960, é composto por treze contos. Em 1961, o livro
recebeu o Prêmio Jabuti.
De forma profunda e sensível, Clarice parece revelar ao
leitor mistérios da alma humana. Os personagens são
apresentados por inteiro, e, durante a leitura, é impossível
não sentir o que eles mesmos estão sentindo.
Essa maneira introspectiva (ou psicológica) de narrar faz
com que mesmo as situações cotidianas descritas por ela se
tornem primores literários. Os contos são envolventes e,
alguns deles, angustiantes.
• Um almoço em família; uma esposa bêbada em um jantar de negócios do marido; uma menina cruelmente violentada; uma
dona de casa que se irritou ao se deparar com um cego mascando chiclete; ovos quebrados num bonde; uma festa que reuniu
inúmeros convidados não por amor, mas por convenção social; a depressão; o ser humano sendo tratado como coisa... Esses
são alguns pontos levantados pela obra.
• “Laços de família" marca, choca e, também, traz certa identificação ao leitor - afinal, alguns sentimentos são comuns a todos
os seres humanos.
1. Devaneio e embriaguez duma rapariga;
2. Amor;
3. Uma galinha;
4. A imitação da rosa;
5. Feliz aniversário;
6. A menor mulher do mundo;
7. O Jantar;
8. Preciosidade;
9. Os laços de família;
10. Começos de uma fortuna;
11. Mistério em São Cristóvão;
12. O crime do professor de matemática;
13. O búfalo.
Opinião do professor: Acredito que na resenha eu já tenha deixado transparecer minha opinião. Gostei da experiência de
leitura. A escrita de Clarice pode ser tão brutal e acabei percebendo que sua genialidade está nisso. Fechei o livro e continuei
pensando sobre ele durante um tempão. "Preciosidade", ao trazer como tema central o abuso de uma adolescente de 15
anos, foi, para mim, o mais triste e mais intenso conto. Leitura recomendada.
A Maçã no Escuro, de Clarice Lispector
(…) A amizade é muito bonita mesmo. Mas o amor é mais.
Eu não podia ter amizade por um homem que eu tinha
amado. (p. 206)
Em “A maçã no escuro”, Clarice Lispector (Chechelnyk-
Ucrânia, 10 de dezembro de 1920 – Rio de Janeiro, 9 de dezembro
de 1977) conta a história de Martim, um homem que foge na noite,
se refugia num hotel e depois numa fazenda, pois pensa que havia
matado a esposa. Completamente corporal, sentimos toda a agonia
física de Martim durante essa fuga. O corpo é o artificie da
escritura de Clarice durante todo o romance. O ambiente é o das
sensações, do pensamento, nós vamos construindo o nosso
entendimento aos poucos. Um livro denso, como costuma ser
Clarice com a sua literatura psicológica.
• Nota-se claramente que esse livro foi o precursor de “A paixão segundo G.H.” (1965), a protagonista
(aquela que comeu uma barata) e a forma de narrar é muito parecida com “A maçã no escuro”, inclusive
usando expressões iguais ou similares, como as “coisas sem nome”, coisas que os narradores de ambos
livros não conseguem nomear, sensações que parecem não ter nome. Martim está no coração do Brasil e
foge na escuridão, anda de olhos fechados há duas semanas, desde que sua casa foi incendiada. Clarice
escreveu esse livro quando morava no exterior entre Torquay (Inglaterra) e Washington (EUA), e foi
escrito com trilha sonora: ela ouviu até a exaustão a Quarta Sinfonia de Brahms.
• Este é o quarto romance de Clarice Lispector, “A maçã no escuro” (1961) é dividido em três capítulos:
“Como se faz um homem”, “Nascimento de um herói” e “A maçã no escuro.
• No primeiro capitulo, Martim aboliu a palavra “culpa” do seu entendimento e a substituiu pela
palavra “ato”. Não se arrependeu de ter cometido um crime, que ele substituiu pela expressão “o grande
pulo”, considerou uma vitória. Agora o único inimigo que tinha eram os outros e não a si próprio:
Sim. naquele instante de espantada vitória o homem de repente descobrira a potência de um gesto. O bom do ato é que ele
nos ultrapassa. Em um minuto Martim fora transfigurado pelo seu próprio ato. Porque depois de duas semanas de silêncio,
eis que ele muito naturalmente passara a chamar seu crime de ‘ato’. (p. 36)
• Mas arrependeu- se em seguida de tal pensamento. Ainda estou tentando entender Martim, tudo parece
contraditório. A impressão que dá é que Martim é uma espécie de psicopata, tenta justificar e perdoar o
seu ato para poder continuar vivendo. Mas não é isso, afinal os psicopatas são desprovidos de qualquer
moralidade, são frios e não têm empatia pelo outro. Alguém que comete um ato muito ruim, geralmente
sente o peso da culpa, como se estivesse sujo, indigno, mas com Martim isso não acontece, é bem ao
contrário, o mal funciona como uma espécie de purificação. Clarice entrou no pensamento de alguém que
se achava assassino, o narrador- onisciente nos conta tudo:
Desta hora em diante teria a oportunidade de viver sem fazer o mal porque já o fizera: ele era agora um inocente. (p. 42)
• Morto de fome e de sede, Martim encontra uma fazenda pela rota de sua fuga e a dona Vitória acaba
por contratá- lo por casa e comida. Fazenda não, um sítio decadente. As sensações do primeiro encontro
gera um combate de percepções entre os envolvidos, que demanda uma série de conhecimentos prévios
sobre a nossa percepção do outro. Vitória e a hermética prima Ermelinda moravam juntas, essa veio de
visita e ficou:
‘O que é que faz com que eu, não fazendo nenhum ato de maldade, seja a ruim? e Ermelinda, não fazendo um ato de
bondade, seja boa?’ O mistério das coisas serem como nós sabemos que elas são (…) (p.72)
Ermelinda passou a infância toda doente e virou uma adulta irresponsável, como se todos tivessem que
estar à sua disposição, como se o passado triste a desse carta branca para procrastinar. Ermelinda adora
uma “vagabundagem”, tem medo do escuro, fala sem dizer nada e é um pouco espírita. Vitória é obrigada
a carregar esse “peso morto”, assim sente Vitória. A moça Ermelinda apaixona- se por Martim. É
magistral a descrição das sensações físicas e psicológicas que Clarice faz da paixão no corpo da mulher.
(p. 90) Ermelinda, a prima indesejada. Mas Martim, o homem de olhos azuis e “sobrancelhas baixas”
gosta é da mulata fogosa que trabalha na fazenda. Martim estabelece uma relação com Vitória de total
subserviência. Ele obedece as mil ordens de Vitória e nada mais. Vitória incômoda, o espreme, quer saber
o segredo do homem, mas esse aguenta tudo e não revela. Martim achava as duas primas chatas e
Ermelinda feia, “uma adolescente envelhecida”. O cavalgar junto com Vitória numa montanha com o
vento batendo o fez enxergar a Vitória e a si mesmo. Quem sabe o início de um amor, principalmente
consigo próprio. Foi aí que ele começou a se encontrar.
• No segundo capítulo (p. 126), Martim sente- se feliz e tem a necessidade de comunicar- se. As
lembranças da sua vida anterior vêm à tona, lembra do seu filho. Ermelinda continua insistindo em
conquistar Martim, que tenta ignorá- la quando ela começa com as suas sandices:
(…) você não é doida. É que você vive muito isolada e já não sabe mais o que se conta aos outros e o que não se conta. (p.
130)
• Clarice faz longas descrições do mundo interior de Martim, que busca a sua “reconstrução” como ser
humano depois do ato de matar. Foi quando Vitória falou no alemão, o mesmo que estava trabalhando
no hotel na noite do crime de Martim e agora ele desconfiava de Vitória, será que ela conhecia o seu
segredo?
• Agora é a época de Martim arriscar tudo, como na adolescência:
Sim. A reconstrução do mundo. É que o homem acabara de perder completamente a vergonha. Não teve sequer pudor de
voltar a usar palavras da adolescência: foi obrigado a usá- las pois a última vez que tivera linguagem própria fora na
adolescência; adolescência era arriscar tudo- e agora ele estava arriscando tudo. (p. 140)
• Essa reconstrução desse mundo é o do seu mundo interior. A viagem psicológica de Martim o leva a
sentir- se livre e a amar a vida que tem, a sua vida e o trabalho no sítio, encerrou a sua vida anterior e
sentiu- se feliz.
• No terceiro capítulo (p. 203), o desencanto de Ermelinda que amou, mas tinha deixado de amar; o
encontro de Vitória com o alemão. O desencanto também de Martim ao descobrir a cobiça de uma
criança que brincava tranquila montando tijolos e lhe exigia um presente, correu incrédulo, com a sujeira
da inocência, com o olhar da menina e retrocedeu no seu processo de reconstrução, viu-se a si mesmo,
sujo. Clarice usa adjetivos que hoje são considerados politicamente incorretos, será que ela os usaria hoje?
Chama a menina de preta, a compara com uma prostituta, a menina é má. Nós conseguiríamos sentir o
mesmo horror que sentiu martim sem esse dado da cor da pele da criança. Por outro lado, literatura
nunca tem que ser politicamente correta, na ficção pode tudo. A liberdade artística está em primeiro
lugar, mas que choca, choca.
• Martim é chamado pelo prefeito de Vila Baixa e dois investigadores. Martim revela que não é
engenheiro e sim “estatístico” e só na página 310, quase no final do romance descobrimos qual foi a
motivação do crime (que não vou contar) e a revelação de que a esposa não morreu só vem na página
314, esse spoiler já está revelado em quase todas as resenhas e sinopses na internet, o que tira a graça da
história e é uma pena. Ler o livro todo sem saber desse detalhe fundamental tornaria a obra muito mais
interessante, mas o estrago já está feito, então vamos lá:
– Talvez o senhor fique triste, disse então com ironia o investigador de fumo preto na lapela, mas ela não morreu. A
assistência chegou a tempo, e ainda conseguiu salvar a sua esposa.”
Trechos destacados do livro:
(…) Estar contente era um modo de amar. (p. 28)
(…) houve uma época que o mundo era liso como a pele de uma fruta lisa. (…) A vida naquele tempo ainda não era
curta. (p.44)
(…) Aquele homem possuía uma cara. Mas aquele homem não era a sua cara . (p. 67)
(…) O que tem que ser, tem muita força. (p.82)
(…) Meditar era olhar o vazio. (p. 90)
(… ) Por uma obscura necessidade de preservação, estava procurando recuperar no campo aquele minuto em que ela
ousadamente aceitara amar aquele homem: procurava recuperar o minuto para destruí-lo. Mas, estonteada, talvez soubesse
que também a necessidade de destruir amor era o próprio amor porque amor é também luta contra o amor, e se ela o soube é
porque uma pessoa sabe. (p. 91-92)
A Legião Estrangeira, de Clarice Lispector
Livro de contos, publicado em setembro de 1946, reune
13 contos/cronicas que abordam temáticas familiares,
semelhantes ao estilo dos contos que compõem Felicidade
Clandestina . Temáticas como a solidão, a perversidade, o
egoísmo, a relação entre o homem e os animais, a oposição
entre o ‘eu’ e o outro, etc, levam o leitor a enxergar o
interior das personagens, seus pensamentos e sentimentos,
enfim, sua intimidade. Durante cada história os
personagens vão descobrindo o que há de interessante,
diferente e até extraordinário no seu cotidiano.
• Nos treze contos de A Legião Estrangeira encontramos temas diversos, e não apenas um. Dentre os
contos, encontraremos:
• Viagem a Petrópolis - escrito quando a autora tinha somente 14 anos, fala de uma senhora idosa que
muda o tempo todo de residência.
• Mensagem - conto que trata de dois amigos que são apaixonados mas não admitem isso. O homem só
percebe quando a mulher vai embora.
• Alguns contos de A Legião Estrangeira foram republicados com modificações no livro Felicidade
Clandestina, em 1971. Um exemplo disso é o próprio conto que dá nome ao livro, A Legião Estrangeira.
Conto publicado nas obras Felicidade Clandestina e Legião Estrangeira de Clarice Lispector, começa com
a personagem principal lembrando de Ofélia e de seus pais, que há muito tempo não via. A protagonista
fala da família de uma forma rancorosa, o que podemos ver no seguinte trecho: “Estou tentando falar
daquela família que sumiu há anos sem deixar traços em mim”.
O aparecimento de um pinto na sua casa, na véspera do natal, relembra-lhe a família, com a qual se
preocupa. Seu marido e seus filhos se admiram com a situação, enquanto a protagonista compara este
fato com um sentimento que vai se modificando, ou como a água que vai se transformando.
O CONTO
• Discorre sobre a bondade e seus efeitos no coração das pessoas de sua família. Descreve que os
sentimentos vão se transformando como a água, e pela falta de habilidade de sermos bons, os
sentimentos são efêmeros, indo facilmente da bondade para a falta de bondade. “Daí a pouco olhamos
enredados pela falta de habilidades de sermos bons, e o sentimento já era outro, da falta de bondade para
tínhamos no rosto a responsabilidade de uma aspiração, o coração pesado de um amor que já não era
mais livre. Passado o momento do pinto, os adultos já o tinham esquecido, mas os meninos não, ficara
uma indignação. Não só indignação, mas também acusação de que nada fazíamos pelo Pinto e pela
humanidade”
• Dentre estas e outras reflexões que fazem a respeito daquele pinto, de si mesmos, do amor e da sua
condição humana, a protagonista chega à conclusão final de que um dia, sem que ela mesma soubesse,
sua família a amara.
Paixão Segundo G.H., de Clarice Lispector
A obra literária “A Paixão Segundo G.H.” da escritora Clarice
Lispector, escrita em 1963 e publicada em 1964, no Rio de Janeiro,
pela Editora do Autor, essa obra teve cinco edições em vida da
autora: a segunda e a terceira pela Editora Sabiá nos anos de 1968
e 1972 (respectivamente); a quarta e quinta pela Editora José
Olympio nos anos de 1974 e 1976 respectivamente. Em vinte de
outubro de 1976, em uma entrevista cedida para o Museu da
Imagem e do som no Rio de Janeiro, Lispector afirma que estava
na pior das situações: “tanto sentimental, quanto familiar” quando
escreveu o livro. Contudo, ela afirma que a obra não reproduz esse
momento complicado da sua vida, porque ela não escreve como
purificação, segundo a autora, ela: “nunca desabafa num livro”.
• Clarice Lispector inicia e finaliza o livro – “A Paixão Segundo G.H. com seis travessões, indicando o divórcio
de G.H. com o seu mundo. E o mundo dela é o ápice que a maioria das pessoas da contemporaneidade
almejam. G.H. não tinha filhos e não era casada, por opção; morava em uma cobertura no Rio de Janeiro, isto
é, era burguesa; tinha como profissão a escultura, poderia ser definida como uma pessoa realizada, bem
sucedida; ou seja, estava inclusa no sistema. O começo da obra é o relato da personagem-narradora
descrevendo o que ela viu. E o que ela viu foi a sua própria vida. Entretanto, pelo fato de ter visto a sua vida,
ela fez um exame subjetivo da sua existência e, por isso, perde a sua “terceira perna” . Esse termo é entendida
na obra como a pessoa que se realizou no mundo. Ou seja, é a mulher que se casou, teve filhos; a pessoa que é
realizada no trabalho. Clarice usa esse termo para explicar a ligação do homem com o mundo, ou seja, é o que
mantém a pessoa firme ao mundo e com isso dá uma familiaridade do homem com o espaço que ele está
inserido. E G.H. tinha a sua “terceira perna” , ela era escultora, morava em uma cobertura no Rio de Janeiro.
Portanto, ela estava situada no sistema, isto é: “Algo como o que se chama de pessoa realizada. Ter feito
escultura durante muito tempo indeterminado e intermitente também me dava um passado e um presente que
faziam com que os outros me situassem.” (LISPECTOR, 1998, 26p.).
• G.H. se sente fora do sistema que sempre lhe foi familiar, todavia, isso foi dado dentro da sua própria casa.
Numa manhã ela sai da mesa depois de tomar seu café, lê o jornal e fuma seu cigarro, e levanta-se decidida a
arrumar a casa, porque estava sem empregada. Ela decide começar a organização pelo quarto da empregada,
que na sua concepção deveria estar imundo. Mas, para surpresa dela o quarto estava inteiramente limpo: “O
quarto parecia estar em nível incomparavelmente acima do próprio apartamento”. (LISPECTOR, 1998, 38p.).
Essa fora a primeira decepção que G.H. tivera ao entrar no quarto da empregada, mas o que deixou ela
divorciada do seu mundo foi um desenho feito à carvão pela empregada Janair que trabalhou com ela durante
seis meses. O desenho que ela fez tinha uma mulher nua, um homem nu e um cão. O que chamou a atenção da
escultora foi a falta de ligação do desenho feito por Janair, pois as figuras (o homem, a mulher e o cão) não se
olhavam. Um existia sem preocupar se o outro existia ou não.
• G.H. depara-se com o grande mau da sociedade contemporânea, a niilização do outro. Ela negou a sua
empregada que conviveu junto a ela durante seis meses, e ter visto no desenho que Janair lhe julgou te fez
entrar em angústia existencial. Com isso, Lispector descreve o absurdo da existência da personagem-
narradora, mostrando que ela sempre usou as aspas para existir. Ou seja, ela não procurou o seu modo de
ser mais próprio. Ela sempre existiu na familiaridade do seu mundo e a presença da barata no guarda-
roupa é o que leva a personagem fazer uma introspecção da sua vida. No inferno da matéria viva, G.H.
entra pela porta estreita: a barata. E chega ao irredutível, ao inexpressivo, ao não-ser, ao nada. Portanto,
ela encontra a sua identidade, o seu princípio e isso a angustia em descobrir a identidade da sua
humanidade. A escultora conhecera as raízes da sua identidade e com isso, viu o quanto é contraditória a
sua civilização, o quanto é desumano a sua humanidade. O divórcio com o mundo, o sentimento do
absurdo leva ela a extrema falta de sentido em continuar existindo como sempre foi. Albert Camus, no
livro- “ O Mito de Sísifo”, trata dessa problemática do divorcio do homem com o mundo, a perda da
totalidade e com essa perda a instalação da melancolia no seu estado de espírito. “Esse divórcio entre o
homem e sua vida, o ator e seu cenário é propriamente o sentimento do absurdo”. (CAMUS, 2006, 20p.).
O sentimento do absurdo camusiano é o “non sens”, ou seja, é o sem sentido, é o incompreendido. E o
absurdo clariciano é a pessoa amar mais o ritual da vida do que a si próprio; isto é, ser de acordo com o
sistema, fazer e obedecer às regras impostas sem contestar.
• Por não saber a sua identidade, a sua própria vida é mais usada pelo mundo do que por si próprio.
Entretanto, G.H. não desistiu e caiu na tentação de ver, saber e sentir a vida. E o sentido da vida tinha
gosto de coisa alguma. Pois, ela degustou a vida, ou seja, comeu a barata. A barata é a metáfora da vida. E
a vida tinha gosto de nada. Depois de provar a si mesma, ela vomita. Esse “engolir” é uma metáfora de
um exame subjetivo da existência e depois dessa introspecção ela conclui que a “condição humana é a
Paixão de Cristo”. O Título da obra é nitidamente configurado sobre a conhecida expressão: “Paixão de
Jesus Cristo segundo Mateus” ou “A paixão de Cristo segundo João”. Isto é, o sofrimento de Cristo
narrado por seus discípulos. No caso de G.H., a paixão é da protagonista, narrada por ela mesma. E para
enfatizar a analogia da obra, além do título, com a metáfora bíblica, o texto é dividido em trinta e três
partes, que, segundo afirmam, foi a idade com a qual Jesus Cristo morreu.
• Esse percurso doloroso, essa consciência da existência absurda, leva G.H. a entrar em estado de
melancolia, por compreender que a construção da sua existência fora erguida sobre as aspas. Com isso, a
personagem é tomada pela bile negra, por ter visto por meio das patas; dos cílios e da pasta branca da
barata a sua essência, a sua identidade aquilo que te faz ser. Todavia, a sua essência te angustia, ela sente
nojo de si mesma. Assim, como sentimos nojo de um leproso; de uma pessoa que tem uma doença
terminal; da guerra; da miséria, disso sentimos repulsão. Isto é, sentimos náusea de nós mesmos,
entretanto, ter nojo da sua raiz contradizia a si mesma. Com essa constatação, G.H. - a mulher anônima -
perde as esperanças e não concebe mais nada além da sua existência, para ela Deus já é. A miséria
humana, a ignobilidade da existência é o reino dos céus, portanto o reino dos céus, o que tanto a pessoa
humana deseja alcançar já é. A sua vida, sua condição humana, ou seja, a aprovação insensível do
sofrimento físico ou moral, por amarmos mais ao sistema da vida do que a si próprio levamos a uma
existência “feliz”, porém, quanto mais G.H. fazia uma introspecção da condição humana, mais ela se
divorciava do mundo e enveredava-se nos contraditórios da existência.
A escultora por não desistir de querer saber e sentir a sua raiz não recebe o prêmio de
estar inclusa no sistema, ou seja, de ser bem sucedida na vida; contudo, recebe a
recompensa de não ser mais humana. Essa mulher absurda a partir do momento que
formou perfeita idéia da condição existencial começa a preferir o inumano, o
inexpressivo. Portanto, quando ela estiver no leito de morte não perguntará se viver é só
isto, ou seja, trabalhar para sobreviver; não ter o domínio da sua vida, porque a sua vida
é mais usada pela terra do que por você mesma, e por ter “comungado” e vomitado a
sua vida ela por não perguntar, não ouvirá essa resposta: “Não é só isto, é exatamente
isto”. (LISPECTOR, 1998, 173p.). A vida.
Portanto, a obra, “ A Paixão Segundo G.H.”, nos proporciona uma reflexão da nossa condição humana.
Indaga a respeito do sistema de vida contemporânea que só incuti nos valores das pessoas que elas devem
sempre estar inclusa no sistema. Entretanto, conhecer si próprio e com isso ter conhecimento das suas
potencialidades não é motivado pela constituição política social a qual o individuo está inserido. Dessa
maneira a pessoa vive cega diante de si própria e conseqüentemente dos absurdos os quais está imersa. A
personagem G.H, só percebeu que se negou quando percebe que negou a empregada janair. E o resto do
mundo quando perceberá que perdeu a sua totalidade, será que em algum momento da vida as pessoas no
século vinte um não se deparou com algum fato absurdo? Como por exemplo, os conflitos entre nações
por causa das altas produções econômicas e por conta disso falecendo vidas; as várias formas de
manifestações de preconceitos que brutalmente destrói existências humanas. Diante desses fatos é difícil
de conceber que a existência humana é o paraíso do reino dos céus.
Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector
Lançado inicialmente em 1971, "Felicidade
Clandestina" reúne diversos textos de Clarice
Lispector que foram escritos em diversas fases da vida
da autora. Os textos reunidos nessa obra podem mais
facilmente serem classificados como “contos”, mas
como Clarice não se prendia a convenções de gêneros,
todo o conjunto reunido em Felicidade Clandestina
migra de gênero em gênero, ora aproximando-se do
conto, ora aproximando-se da crônica, ou por vezes
sendo quase um ensaio. De fato, muitos dos textos
reunidos neste livro foram publicados como crônicas
no Jornal do Brasil, para onde Clarice escrevia
semanalmente de 1967 a 1972.
• Ao todo, Felicidade Clandestina reúne 25 textos que tratam de temas diversos, tais como a infância, a
adolescência, a família, o amor e questões da alma. Assim como a crônica que dá título ao livro, muitos
dos textos apresentam algo de autobiográfico, trazendo recordações da infância da autora em Recife,
alguma personagem que marcou seu passado, etc. Através da recordação de fatos do seu passado, Clarice
Lispector busca nos contos fazer uma investigação psicológica de autoanálise.
• Uma das técnicas mais empregadas nesses contos é a da narrativa em fluxo de consciência, que é uma
tentativa de representação dos processos mentais das personagens. Esse tipo de narrativa não possui uma
estrutura sequencial, uma vez que o pensamento não se expressa de uma forma ordenada. Dessa forma,
seria como se o autor não tivesse controle sobre a personagem e a deixasse entregue a seus próprios
pensamentos e divagações.
• Assim, dentro desse processo de associação de ideias e pensamentos desconexos, em um dado
momento a personagem passa por um momento de epifania, que é uma súbita revelação ou compreensão
de algo. Ao passar por esse momento de epifania, a personagem descobre a essência de algo que muda
sua visão de mundo ou sua própria vida. Através desses momentos de epifania, personagens que
poderiam ser considerados sem relevância alguma aos olhos da sociedade ganham profundidade
psicológica e existencial.
• Nesta crônica a narradora em primeira pessoa conta sua primeira experiência com um livro. Porém, este
livro é de uma menina má que o oferece emprestado para a narradora, mas sempre inventa uma desculpa
para não entregar o livro a ela. Até que a mãe da menina má descobre isso e entrega o livro para a
narradora, que passa a saborear o livro como se fosse um amante. Esta crônica tem um cunho
autobiográfico, como comprovou a própria irmã da escritora dizendo que se lembra da “menina má”.
• O ponto central desse texto é o conceito de “felicidade”. Nele, a escritora parece se questionar “afinal,
o que é felicidade?”. A menina presente na crônica parece conhecer bem o dito popular “felicidade é
bom, mas dura pouco”, uma vez que ela se utiliza de todas as formas para prolongar seu sentimento de
felicidade. Uma vez que ela ganhou permissão para ficar com o livro pelo tempo que desejasse, ela o
deixa no quarto e finge esquecer que o possui, só para se redescobrir possuidora dele. Dessa forma, sua
felicidade aparece como um sentimento “clandestino”, já que nem ela mesma pode se conscientizar de
sua própria felicidade para que esse sentimento não acabe. Concluísse, portanto, que a felicidade deve ser
descoberta a todos os momentos e nas coisas mais simples.
CONTOS REPRESENTATIVOS
“FELICIDADE CLANDESTINA”
“Amizade sincera”
• Este conto é a história de dois homens que se tornam amigos inseparáveis, mas em dado momento
começa a faltar assunto entre eles. Os dois vão morar junto, mas não conseguem mais voltar a ser amigos
como antes e, por fim, eles tomam rumos diferentes na vida e sabem que não irão mais se ver.
• Este conto tematiza os paradoxos das relações humanas e o individualismo das pessoas. Se por um lado
queremos manter uma amizade a todo custo, a ponto de quase “ceder a alma” ao amigo, quem de fato
gostaria de “ceder a alma”? – pergunta-se o narrador. Assim como aparece em outros contos de Clarice, a
relação entre as pessoas parece estar fundamentada em uma “relação de troca”. No conto, os dois amigos
já não encontram mais o que “trocar” entre si e disso nasce uma grande melancolia e desilusão,
corroendo a amizade entre os dois. Por fim, o que sobra de sincero aos dois é saber que eles não mais se
falarão porque escolheram isso.
Este é um dos contos mais emblemáticos de Clarice Lispector. A partir da visão de um ovo que está
sobre a mesa da cozinha, o narrador inicia uma série de pensamentos a cerca das mais diversas coisas.
Esses pensamentos aparecem de forma aleatória e em fluxo de consciência, onde uma ideia, sentimento,
sensação etc, desencadeia outro e assim sucessivamente. Dessa forma, ele vai desconstruindo o objeto
que está sendo visto e o ovo passa, então, a ser uma representação de qualquer coisa, física ou abstrata
(liberdade, amor, vida, etc.). Assim, através dessa “desconstrução”, o ovo deixa de ser simplesmente um
ovo e torna-se a chave para a compreensão do amor, da vida e da própria existência humana.
“O OVO E A GALINHA”
Neste conto a narradora relembra seus tempos de escola. Por volta dos nove anos de idade, ela nutre uma
espécie de amor pelo professor, um homem feio e aparentemente frustrado. A menina-narradora entra
em um jogo sádico com o professor, de forma que ela faz tudo para que ele a odeie. Até que em certo
momento da narrativa ele pede para que a sala escreva uma história a partir de dados que ele fornece.
Ansiosa para ser a primeira a terminar, a menina-narradora escreve a sua história rapidamente e sai da
sala triunfante. Porém, após o professor ler o texto que ela escreveu, ele se mostra impressionado e até
sorri. A menina-narradora percebe que o olhar do professor não tem mais o ódio de antes, e ela se
desespera com sua nova realidade. A partir disso ocorre um momento de epifania em que ela se depara
com a verdade do mundo e sua vida muda.
“OS DESASTRES DE SOFIA”
• O título do conto é provavelmente uma alusão a um livro infantil escrito no século XIX pela francesa
Condessa de Ségur e que também se chama “Os desastres de Sofia”. Porém, no conto de Clarice, o nome
“Sofia” não aparece nenhuma vez além do título. Este nome, “Sofia”, é de origem grega e significa
“sabedoria”. Assim como em muitos outros contos da escritora, o núcleo temático de “Os desastres de
Sofia” parece ser o da autodescoberta. Isso parece ser sugerido também pela ausência do nome Sofia no
conto, pois a personagem estaria em busca de sua própria identidade, o que acontece só ao final do livro
com o momento de epifania.
• Por fim, cabe ressaltar que a narradora traça o seu passado de uma forma autobiográfica, mas ela não o
faz de uma forma “fiel”. Ao invés de simplesmente contar os fatos e acontecimentos de seu passado, ela
o reinventa a partir das experiências do “eu” presente. Isso fica bem marcado em passagens em que a
narradora confessa ter dúvidas sobre o que aconteceu ao certo em determinadas ocasiões e se mostra
constantemente hesitante. Assim, através da reconstrução não sistemática de seu passado, a narradora
constrói a imagem que faz de si mesmo no seu presente.
Água Viva, de Clarice Lispector
Neste longo texto ficcional em forma de
monólogo, Clarice Lispector se confunde com a
personagem, uma solitária pintora que se lança em
infinitas reflexões sobre o tempo, a vida e a morte,
os sonhos e visões, as flores, os estados da alma, a
coragem e o medo e, principalmente, a arte da
criação, do saber usar as palavras num jogo de
sons e silêncios que se combinam. Tudo é revelado
através do olhar dessa pintora-narradora, que cai
em estado de graça em plena madrugada.
• Clarice Lispector dá voz a uma narradora abstrata e ao mesmo tempo celestial, que não é possível ser
identificada, mas que é quase tangível. Faz uso de uma metalinguagem, onde a arte fala da arte,
envolvendo seu processo de criação. A autora tem um quê de melancólico-reflexivo em seus livros que é
sua marca registrada. Nesse não poderia ser diferente. Embora seja um texto curto, é interessante notar a
cadência das passagens do discurso que ascendem e decrescem ao longo da leitura. Há várias nuances e
mudanças de tópicos num mesmo texto, que por sinal é corrido, não contando com capitulação.
Contudo, a maneira como é escrito permite pequenas pausas, as quais a personagem vai e volta com sua
narração.
• Engraçado (sem ser cômico), melancólico e poético – devido sobretudo ao português erudito. Essas são
as poucas palavras que definem este livro que, ao chegar ao fim, já senti uma plena vontade de recomeçar.
Leia Água Viva e alimente-se de reflexão.
Os melhores trechos de Água Viva por Clarice Lispector:
"O dia parece a pele esticada e lisa de uma fruta que em uma pequena catástrofe os dentes rompem, o seu caldo escorre.
Tenho medo do domingo maldito que me liquifica."
==========
"E tão curioso ter substituído as tintas por essa coisa estranha que é a palavra. Palavras - movo-me com cuidado entre elas
que podem se tornar ameaçadoras; posso ter a liberdade de escrever o seguinte: "peregrinos, mercadores e pastores guiavam
suas caravanas rumo ao Tibet e os caminhos eram difíceis e primitivos". Com esta frase fiz uma cena nascer, como em um
flash fotográfico."
==========
"Nunca é o impossível. Gosto de nunca. Também gosto de sempre. Que há entre nunca e sempre que os liga tão
indiretamente e intimamente?"
==========
"Sei que depois de me leres é difícil reproduzir de ouvido a minha música, não é possível cantá-la sem tê-la decorado. E
como decorar uma coisa que não tem."
A Hora da Estrela, de Clarice Lispector
"O fato é um ato? Juro que este livro é feito sem palavras. É uma
fotografia muda. Este livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta."
(pg 17).
O livro conta a história da nordestina
Macabéa , mulher feia e alienada, que se muda para o Rio
após perder sua tia. Ela trabalha como datilógrafa e passa
suas horas livres ouvindo a Rádio Relógio. Logo ela se
apaixona por Olímpico de Jesus , um metalúrgico
nordestino, que a trai com sua colega de trabalho. E é
depois de receber um conselho da própria 'colega' que
Macabéa resolve ir a uma cartomante, e em pouco tempo
vai ver sua hora da estrela chegar.
• A hora da estrela é um livro muito pequeno, um dos menores da minha estante, com pouco mais que 80
páginas. A história é contada por um narrador-personagem, Rodrigo S.M., que até mesmo se identifica
com a protagonista Macabéa. Há momentos em que ele a ama, há momentos em que ele é contra a
mulher, o que faz com que as características da própria Clarice Lispector fiquem mais evidentes.
• Nosso narrador, Rodrigo S.M ., retarda bastante o início da narração da vida de Macabéa, para
desenvolver um autoquestionamento. Autoquestionamento acerca de várias coisas, principalmente sobre
a vida e sobre o 'escrever'.
"Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho.
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever."
(pg 11).
"Mas que ao escrever - que o nome real seja dado às coisas. Cada coisa é uma palavra. E quando não se a tem, inventese-
a. Esse vosso Deus que nos mandou inventar.
Por que escrevo? Antes de tudo porque captei o espírito da língua e assim às vezes a forma é que faz conteúdo." (pg 18).
• Macabéa era incompetente. Incompetente para a vida.' Tinha saído do Alagoas depois de perder seu
único elo com o mundo, sua tia, e mudou-se para Rio, onde foi morar com as quatro Marias em uma
espécie de pensão miserável. Já na nova cidade começou a trabalhar como datilógrafa, sempre muito
orgulhosa da profissão que a tia havia lhe proporcionado. Enquanto gastava suas horas livres ouvindo a
rádio relógio, esperava pelo seu salário para que pudesse então ir ao cinema e tomar coca-cola.
• A protagonista é um grande exemplo da miséria humana. Passava seus dias sem nada, era uma inútil,
mal sabia que era uma peça descartável. Não tinha nem consciência da sua própria existência, era passiva
diante de tudo, se conformava com a vida que tinha. Aliás, ela até mesmo pensava que era feliz. Era uma
alienada, um verdadeiro 'cabelo na sopa'.
"Já que sou, o jeito é ser." (pg 34).
"Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam." (pg 40).
"Maca, porém, jamais disse frases, em primeiro lugar por ser de parca palavra. E acontece que não tinha consciência de si e
não reclamava de nada, até pensava que era feliz. Não se tratava de uma idiota mas tinha a felicidade dos idiotas. E
também não prestava atenção em si mesma: ela não sabia." (pg 69).
• Então ela conhece Olímpico de Jesus, nordestino como ela, que trabalhava como metalúrgico.
Entretanto, ele era muito diferente dela. Gostava de fingir que sabia de tudo, era ambicioso com relação
ao seu futuro. Não demora muito para que o namorado da coitada a traia com a sua colega de trabalho,
Glória.
• Macabéa ficou desesperada, embora não aparentasse. Foi quando a própria Glória sugeriu que ela fosse
a uma cartomante. A mulher prevê um futuro radiante para a nossa pobre protagonista, que finalmente
percebe que existe um futuro . Percebe que ela existe para um futuro , e assim vê sua hora da estrela
chegar.
"Ela se abraçava a si mesma com vontade do doce nada. Era maldita e não sabia. Agarrava-se a um fiapo de consciência e
repetia mentalmente sem cessar: eu sou, eu sou, eu sou." (pg 84).
• A mais surpreendente obra de Clarice Lispector nos faz refletir acerca do desamparo ao qual estamos
todos suscetíveis. Aqui, o escrever é uma necessidade, onde desenvolvem-se reflexões sobre a vida e
sobre a morte, sobre a palavra.
• O leitor é raptado pela leitura. Desde a dedicatória que Clarice escreveu no início do livro, já
percebemos que o que vai se suceder será grande. E é.
• Mesmo criando um falso narrador, motivada pelo desejo de desaparecimento, Clarice não conseguiu
concretizar sua saída discreta pela porta dos fundos. Em seu último livro publicado em vida fica provado
que ela era realmente a mestra de sua literatura.

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Resenha das principais obras de clarice lispector

  • 1. RESENHA DAS PRINCIPAIS OBRAS DE CLARICE LISPECTOR
  • 2. Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector No romance Perto do Coração Selvagem (primeiro romance de Clarice Lispector - 1944) é notória a aproximação com os ficcionistas de vanguarda da época, James Joyce, Virgínia Woolf e William Faulkner, pelo uso intensivo da metáfora insólita, entrega ao fluxo da consciência e ruptura com o enredo final. Caracteriza-se pela exacerbação do momento interior de tal modo intensa, que, a certa altura de seu itinerário, a própria subjetividade entra em crise. O espírito, perdido no labirinto da memória e da auto-análise, reclama um novo equilíbrio, transcendendo do plano psicológico para o metafísico. A própria narradora revela a consciência desse salto, quando diz: Além do mais a "psicologia" nunca me interessou. O olhar psicológico me impacientava e me impacienta, é um instrumento que só transpassa. Acho que desde a adolescência eu havia saído do estágio do psicológico.
  • 3. • A prosa leve discorre com fluência e fluidez nos meandros da protagonista, na sua visão de mundo e interação com os demais personagens. Tudo isso revelou Clarice Lispector como mais que mera promessa na prosa da Geração de 45. É o texto do sensível e do imaginário, ora enfrentando ora diluindo-se aos incidentes reais de Joana. • A amoralidade diante da maldade. O instinto na condução da trama, com uma certa dose de auto- martírio. A história de Joana (protagonista) - não a Virgem d'Orleans, mas a personagem de Clarice Lispector nesta obra de estréia, marcou a ficção brasileira em 1944. A narrativa inovadora provocou frisson nos círculos literários. A técnica de Clarice Lispector funde subjetividade com objetividade, alterna os focos literários e o tempo cronológico dá lugar ao psicológico (o presente entremeado ao intermitente flashback). Joana expressa, por fluxos de consciência, sua vida interior, contrapondo suas experiências de menina às de adulta, mergulhando ora no passado, ora no presente, segundo o fio condutor da memória.
  • 4. • Deve-se ler a obra com instrumentos de anatomia: usa-se bisturi para dissecá-la e pinça para estudar os personagens como órgãos autônomos, que se ligam por estranhas artérias e nervos à personagem de coração e cérebro Joana. São eles: o pai prematuramente falecido, incentivador das brincadeiras na infância; a tia assustada com as estripulias da órfã, a quem chama de víbora; o tio fazendeiro, afetuoso com Joana e abúlico diante das reclamações da mulher; o professor confidente e orientador (como a paixão da puberdade); Otávio, o rapaz que se casa com Joana ao romper o noivado com Lígia, de quem posteriormente se torna amante; Lígia, grávida de Otávio, conta tudo à protagonista; o homem sem nome, sustentado pela mulher, participante silenciosa do romance clandestino e sem compromisso dele com Joana. • A leitura é caleidoscópica. A protagonista ora tem uma cor, ora outra, conforme o momento ("real" ou onírico). As cores dançam no enredo misturado ao cenário e às sensações da menina-mulher-amante. Joana desfila na vida dos outros personagens, destilando o veneno de víbora, instilado com ironia e respostas cruéis diante dos fatos. A leitura também é lúdica, quando o leitor tenta adivinhar o que a autora preparou páginas adiante e se surpreende com o que presencia.
  • 5. • Joana viveu a infância ao lado do pai, a quem confiou, por meio de brincadeiras, suas incertezas infantis. Era sonhadora, contemplativa e, inconscientemente, provocava os adultos com suas questões e opiniões. Escrevia versos, tinha medo de dormir sozinha e sentia muita pena das galinhas. Para ela, estas nem sabiam que iam morrer. A mãe, Elza, morreu, quando ela ainda era muito pequena; conhecia-a pelas descrições do pai. O tempo junto a este também foi curto, morreu quando ela ainda era menina. • Órfã, Joana vai morar com os tios. Logo nos primeiros dias de convívio, a severidade na casa se revela hipócrita, despertando-lhe uma visão repugnante daquilo que a esperaria no futuro; eles fingem condoer- se da sua infelicidade. A relação entre sobrinha e tia é tensa, mas aceitável; a presença da menina a sufocava. ENREDO
  • 6. • Um dia ao acompanhar a tia às compras, como num teste para si mesma e causar espanto aos outros, Joana roubou um livro, fazendo com que a realidade de sua relação com aquela família viesse à tona. Desabonando esse tipo de conduta, a tia pediu ao marido que encaminhasse a menina a um colégio interno, onde as diferenças, entre Joana e o mundo que a cercava, iriam se acentuar. • Essa inadaptabilidade aos lugares, a constante vocação para o mal e o desconhecimento de si mesma faziam parte do processo de descobrir-se, encontrar a razão de ser de sua existência. • Nesse processo, surge um professor casado, que lhe dá ouvidos, aconselhando-a, na medida do possível. Ele torna-se seu amor adolescente, e Joana, sentindo uma espécie de inveja da esposa, sofre as agruras dessa primeira paixão.
  • 7. • Desligada do internato, Joana casou-se com Otávio, que divagava tão intensamente quanto ela. Embora casado, mantinha um relacionamento amoroso com, Lídia, sua ex-noiva, a quem engravidou. Isso aparentemente seria a causa da separação entre Otávio e Joana, além da diferença de temperamentos, expectativa de vida e compreensão de mundo do casal. Joana, que sabia tudo sobre o relacionamento dos dois, abordou a situação naturalmente, sem escândalo ou drama passional. No entanto, no seu interior, esse fato lhe suscitava muitas reflexões, sendo uma delas o projeto de ter um filho com o marido, antes de devolvê-lo à rival. Isso não se realizou e Otávio partiu, deixando uma suposta promessa de volta no ar. • Depois da separação, um homem desconhecido passou a seguir Joana, durante algum tempo. Um certo dia, ela se viu na casa desse estranho e, sem sequer saber-lhe o nome, desejando conhecê-lo por outras fontes e por outros caminhos, com ele teve alguns encontros. O desconhecido que, para ela, era mais um salto para sua auto-investigação, um dia, acabou partindo. Ela, também, embarcou sozinha para uma viagem não muito bem definida, dando a entender que, naquele momento, teria condições de se resgatar.
  • 8. Laços de Família, de Clarice Lispector O livro " Laços de família ", escrito por Clarice Lispector, em 1960, é composto por treze contos. Em 1961, o livro recebeu o Prêmio Jabuti. De forma profunda e sensível, Clarice parece revelar ao leitor mistérios da alma humana. Os personagens são apresentados por inteiro, e, durante a leitura, é impossível não sentir o que eles mesmos estão sentindo. Essa maneira introspectiva (ou psicológica) de narrar faz com que mesmo as situações cotidianas descritas por ela se tornem primores literários. Os contos são envolventes e, alguns deles, angustiantes.
  • 9. • Um almoço em família; uma esposa bêbada em um jantar de negócios do marido; uma menina cruelmente violentada; uma dona de casa que se irritou ao se deparar com um cego mascando chiclete; ovos quebrados num bonde; uma festa que reuniu inúmeros convidados não por amor, mas por convenção social; a depressão; o ser humano sendo tratado como coisa... Esses são alguns pontos levantados pela obra. • “Laços de família" marca, choca e, também, traz certa identificação ao leitor - afinal, alguns sentimentos são comuns a todos os seres humanos. 1. Devaneio e embriaguez duma rapariga; 2. Amor; 3. Uma galinha; 4. A imitação da rosa; 5. Feliz aniversário; 6. A menor mulher do mundo; 7. O Jantar; 8. Preciosidade; 9. Os laços de família; 10. Começos de uma fortuna; 11. Mistério em São Cristóvão; 12. O crime do professor de matemática; 13. O búfalo. Opinião do professor: Acredito que na resenha eu já tenha deixado transparecer minha opinião. Gostei da experiência de leitura. A escrita de Clarice pode ser tão brutal e acabei percebendo que sua genialidade está nisso. Fechei o livro e continuei pensando sobre ele durante um tempão. "Preciosidade", ao trazer como tema central o abuso de uma adolescente de 15 anos, foi, para mim, o mais triste e mais intenso conto. Leitura recomendada.
  • 10. A Maçã no Escuro, de Clarice Lispector (…) A amizade é muito bonita mesmo. Mas o amor é mais. Eu não podia ter amizade por um homem que eu tinha amado. (p. 206) Em “A maçã no escuro”, Clarice Lispector (Chechelnyk- Ucrânia, 10 de dezembro de 1920 – Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977) conta a história de Martim, um homem que foge na noite, se refugia num hotel e depois numa fazenda, pois pensa que havia matado a esposa. Completamente corporal, sentimos toda a agonia física de Martim durante essa fuga. O corpo é o artificie da escritura de Clarice durante todo o romance. O ambiente é o das sensações, do pensamento, nós vamos construindo o nosso entendimento aos poucos. Um livro denso, como costuma ser Clarice com a sua literatura psicológica.
  • 11. • Nota-se claramente que esse livro foi o precursor de “A paixão segundo G.H.” (1965), a protagonista (aquela que comeu uma barata) e a forma de narrar é muito parecida com “A maçã no escuro”, inclusive usando expressões iguais ou similares, como as “coisas sem nome”, coisas que os narradores de ambos livros não conseguem nomear, sensações que parecem não ter nome. Martim está no coração do Brasil e foge na escuridão, anda de olhos fechados há duas semanas, desde que sua casa foi incendiada. Clarice escreveu esse livro quando morava no exterior entre Torquay (Inglaterra) e Washington (EUA), e foi escrito com trilha sonora: ela ouviu até a exaustão a Quarta Sinfonia de Brahms. • Este é o quarto romance de Clarice Lispector, “A maçã no escuro” (1961) é dividido em três capítulos: “Como se faz um homem”, “Nascimento de um herói” e “A maçã no escuro. • No primeiro capitulo, Martim aboliu a palavra “culpa” do seu entendimento e a substituiu pela palavra “ato”. Não se arrependeu de ter cometido um crime, que ele substituiu pela expressão “o grande pulo”, considerou uma vitória. Agora o único inimigo que tinha eram os outros e não a si próprio: Sim. naquele instante de espantada vitória o homem de repente descobrira a potência de um gesto. O bom do ato é que ele nos ultrapassa. Em um minuto Martim fora transfigurado pelo seu próprio ato. Porque depois de duas semanas de silêncio, eis que ele muito naturalmente passara a chamar seu crime de ‘ato’. (p. 36)
  • 12. • Mas arrependeu- se em seguida de tal pensamento. Ainda estou tentando entender Martim, tudo parece contraditório. A impressão que dá é que Martim é uma espécie de psicopata, tenta justificar e perdoar o seu ato para poder continuar vivendo. Mas não é isso, afinal os psicopatas são desprovidos de qualquer moralidade, são frios e não têm empatia pelo outro. Alguém que comete um ato muito ruim, geralmente sente o peso da culpa, como se estivesse sujo, indigno, mas com Martim isso não acontece, é bem ao contrário, o mal funciona como uma espécie de purificação. Clarice entrou no pensamento de alguém que se achava assassino, o narrador- onisciente nos conta tudo: Desta hora em diante teria a oportunidade de viver sem fazer o mal porque já o fizera: ele era agora um inocente. (p. 42) • Morto de fome e de sede, Martim encontra uma fazenda pela rota de sua fuga e a dona Vitória acaba por contratá- lo por casa e comida. Fazenda não, um sítio decadente. As sensações do primeiro encontro gera um combate de percepções entre os envolvidos, que demanda uma série de conhecimentos prévios sobre a nossa percepção do outro. Vitória e a hermética prima Ermelinda moravam juntas, essa veio de visita e ficou: ‘O que é que faz com que eu, não fazendo nenhum ato de maldade, seja a ruim? e Ermelinda, não fazendo um ato de bondade, seja boa?’ O mistério das coisas serem como nós sabemos que elas são (…) (p.72)
  • 13. Ermelinda passou a infância toda doente e virou uma adulta irresponsável, como se todos tivessem que estar à sua disposição, como se o passado triste a desse carta branca para procrastinar. Ermelinda adora uma “vagabundagem”, tem medo do escuro, fala sem dizer nada e é um pouco espírita. Vitória é obrigada a carregar esse “peso morto”, assim sente Vitória. A moça Ermelinda apaixona- se por Martim. É magistral a descrição das sensações físicas e psicológicas que Clarice faz da paixão no corpo da mulher. (p. 90) Ermelinda, a prima indesejada. Mas Martim, o homem de olhos azuis e “sobrancelhas baixas” gosta é da mulata fogosa que trabalha na fazenda. Martim estabelece uma relação com Vitória de total subserviência. Ele obedece as mil ordens de Vitória e nada mais. Vitória incômoda, o espreme, quer saber o segredo do homem, mas esse aguenta tudo e não revela. Martim achava as duas primas chatas e Ermelinda feia, “uma adolescente envelhecida”. O cavalgar junto com Vitória numa montanha com o vento batendo o fez enxergar a Vitória e a si mesmo. Quem sabe o início de um amor, principalmente consigo próprio. Foi aí que ele começou a se encontrar.
  • 14. • No segundo capítulo (p. 126), Martim sente- se feliz e tem a necessidade de comunicar- se. As lembranças da sua vida anterior vêm à tona, lembra do seu filho. Ermelinda continua insistindo em conquistar Martim, que tenta ignorá- la quando ela começa com as suas sandices: (…) você não é doida. É que você vive muito isolada e já não sabe mais o que se conta aos outros e o que não se conta. (p. 130) • Clarice faz longas descrições do mundo interior de Martim, que busca a sua “reconstrução” como ser humano depois do ato de matar. Foi quando Vitória falou no alemão, o mesmo que estava trabalhando no hotel na noite do crime de Martim e agora ele desconfiava de Vitória, será que ela conhecia o seu segredo?
  • 15. • Agora é a época de Martim arriscar tudo, como na adolescência: Sim. A reconstrução do mundo. É que o homem acabara de perder completamente a vergonha. Não teve sequer pudor de voltar a usar palavras da adolescência: foi obrigado a usá- las pois a última vez que tivera linguagem própria fora na adolescência; adolescência era arriscar tudo- e agora ele estava arriscando tudo. (p. 140) • Essa reconstrução desse mundo é o do seu mundo interior. A viagem psicológica de Martim o leva a sentir- se livre e a amar a vida que tem, a sua vida e o trabalho no sítio, encerrou a sua vida anterior e sentiu- se feliz.
  • 16. • No terceiro capítulo (p. 203), o desencanto de Ermelinda que amou, mas tinha deixado de amar; o encontro de Vitória com o alemão. O desencanto também de Martim ao descobrir a cobiça de uma criança que brincava tranquila montando tijolos e lhe exigia um presente, correu incrédulo, com a sujeira da inocência, com o olhar da menina e retrocedeu no seu processo de reconstrução, viu-se a si mesmo, sujo. Clarice usa adjetivos que hoje são considerados politicamente incorretos, será que ela os usaria hoje? Chama a menina de preta, a compara com uma prostituta, a menina é má. Nós conseguiríamos sentir o mesmo horror que sentiu martim sem esse dado da cor da pele da criança. Por outro lado, literatura nunca tem que ser politicamente correta, na ficção pode tudo. A liberdade artística está em primeiro lugar, mas que choca, choca. • Martim é chamado pelo prefeito de Vila Baixa e dois investigadores. Martim revela que não é engenheiro e sim “estatístico” e só na página 310, quase no final do romance descobrimos qual foi a motivação do crime (que não vou contar) e a revelação de que a esposa não morreu só vem na página 314, esse spoiler já está revelado em quase todas as resenhas e sinopses na internet, o que tira a graça da história e é uma pena. Ler o livro todo sem saber desse detalhe fundamental tornaria a obra muito mais interessante, mas o estrago já está feito, então vamos lá:
  • 17. – Talvez o senhor fique triste, disse então com ironia o investigador de fumo preto na lapela, mas ela não morreu. A assistência chegou a tempo, e ainda conseguiu salvar a sua esposa.” Trechos destacados do livro: (…) Estar contente era um modo de amar. (p. 28) (…) houve uma época que o mundo era liso como a pele de uma fruta lisa. (…) A vida naquele tempo ainda não era curta. (p.44) (…) Aquele homem possuía uma cara. Mas aquele homem não era a sua cara . (p. 67) (…) O que tem que ser, tem muita força. (p.82) (…) Meditar era olhar o vazio. (p. 90) (… ) Por uma obscura necessidade de preservação, estava procurando recuperar no campo aquele minuto em que ela ousadamente aceitara amar aquele homem: procurava recuperar o minuto para destruí-lo. Mas, estonteada, talvez soubesse que também a necessidade de destruir amor era o próprio amor porque amor é também luta contra o amor, e se ela o soube é porque uma pessoa sabe. (p. 91-92)
  • 18. A Legião Estrangeira, de Clarice Lispector Livro de contos, publicado em setembro de 1946, reune 13 contos/cronicas que abordam temáticas familiares, semelhantes ao estilo dos contos que compõem Felicidade Clandestina . Temáticas como a solidão, a perversidade, o egoísmo, a relação entre o homem e os animais, a oposição entre o ‘eu’ e o outro, etc, levam o leitor a enxergar o interior das personagens, seus pensamentos e sentimentos, enfim, sua intimidade. Durante cada história os personagens vão descobrindo o que há de interessante, diferente e até extraordinário no seu cotidiano.
  • 19. • Nos treze contos de A Legião Estrangeira encontramos temas diversos, e não apenas um. Dentre os contos, encontraremos: • Viagem a Petrópolis - escrito quando a autora tinha somente 14 anos, fala de uma senhora idosa que muda o tempo todo de residência. • Mensagem - conto que trata de dois amigos que são apaixonados mas não admitem isso. O homem só percebe quando a mulher vai embora. • Alguns contos de A Legião Estrangeira foram republicados com modificações no livro Felicidade Clandestina, em 1971. Um exemplo disso é o próprio conto que dá nome ao livro, A Legião Estrangeira.
  • 20. Conto publicado nas obras Felicidade Clandestina e Legião Estrangeira de Clarice Lispector, começa com a personagem principal lembrando de Ofélia e de seus pais, que há muito tempo não via. A protagonista fala da família de uma forma rancorosa, o que podemos ver no seguinte trecho: “Estou tentando falar daquela família que sumiu há anos sem deixar traços em mim”. O aparecimento de um pinto na sua casa, na véspera do natal, relembra-lhe a família, com a qual se preocupa. Seu marido e seus filhos se admiram com a situação, enquanto a protagonista compara este fato com um sentimento que vai se modificando, ou como a água que vai se transformando. O CONTO
  • 21. • Discorre sobre a bondade e seus efeitos no coração das pessoas de sua família. Descreve que os sentimentos vão se transformando como a água, e pela falta de habilidade de sermos bons, os sentimentos são efêmeros, indo facilmente da bondade para a falta de bondade. “Daí a pouco olhamos enredados pela falta de habilidades de sermos bons, e o sentimento já era outro, da falta de bondade para tínhamos no rosto a responsabilidade de uma aspiração, o coração pesado de um amor que já não era mais livre. Passado o momento do pinto, os adultos já o tinham esquecido, mas os meninos não, ficara uma indignação. Não só indignação, mas também acusação de que nada fazíamos pelo Pinto e pela humanidade” • Dentre estas e outras reflexões que fazem a respeito daquele pinto, de si mesmos, do amor e da sua condição humana, a protagonista chega à conclusão final de que um dia, sem que ela mesma soubesse, sua família a amara.
  • 22. Paixão Segundo G.H., de Clarice Lispector A obra literária “A Paixão Segundo G.H.” da escritora Clarice Lispector, escrita em 1963 e publicada em 1964, no Rio de Janeiro, pela Editora do Autor, essa obra teve cinco edições em vida da autora: a segunda e a terceira pela Editora Sabiá nos anos de 1968 e 1972 (respectivamente); a quarta e quinta pela Editora José Olympio nos anos de 1974 e 1976 respectivamente. Em vinte de outubro de 1976, em uma entrevista cedida para o Museu da Imagem e do som no Rio de Janeiro, Lispector afirma que estava na pior das situações: “tanto sentimental, quanto familiar” quando escreveu o livro. Contudo, ela afirma que a obra não reproduz esse momento complicado da sua vida, porque ela não escreve como purificação, segundo a autora, ela: “nunca desabafa num livro”.
  • 23. • Clarice Lispector inicia e finaliza o livro – “A Paixão Segundo G.H. com seis travessões, indicando o divórcio de G.H. com o seu mundo. E o mundo dela é o ápice que a maioria das pessoas da contemporaneidade almejam. G.H. não tinha filhos e não era casada, por opção; morava em uma cobertura no Rio de Janeiro, isto é, era burguesa; tinha como profissão a escultura, poderia ser definida como uma pessoa realizada, bem sucedida; ou seja, estava inclusa no sistema. O começo da obra é o relato da personagem-narradora descrevendo o que ela viu. E o que ela viu foi a sua própria vida. Entretanto, pelo fato de ter visto a sua vida, ela fez um exame subjetivo da sua existência e, por isso, perde a sua “terceira perna” . Esse termo é entendida na obra como a pessoa que se realizou no mundo. Ou seja, é a mulher que se casou, teve filhos; a pessoa que é realizada no trabalho. Clarice usa esse termo para explicar a ligação do homem com o mundo, ou seja, é o que mantém a pessoa firme ao mundo e com isso dá uma familiaridade do homem com o espaço que ele está inserido. E G.H. tinha a sua “terceira perna” , ela era escultora, morava em uma cobertura no Rio de Janeiro. Portanto, ela estava situada no sistema, isto é: “Algo como o que se chama de pessoa realizada. Ter feito escultura durante muito tempo indeterminado e intermitente também me dava um passado e um presente que faziam com que os outros me situassem.” (LISPECTOR, 1998, 26p.). • G.H. se sente fora do sistema que sempre lhe foi familiar, todavia, isso foi dado dentro da sua própria casa. Numa manhã ela sai da mesa depois de tomar seu café, lê o jornal e fuma seu cigarro, e levanta-se decidida a arrumar a casa, porque estava sem empregada. Ela decide começar a organização pelo quarto da empregada, que na sua concepção deveria estar imundo. Mas, para surpresa dela o quarto estava inteiramente limpo: “O quarto parecia estar em nível incomparavelmente acima do próprio apartamento”. (LISPECTOR, 1998, 38p.). Essa fora a primeira decepção que G.H. tivera ao entrar no quarto da empregada, mas o que deixou ela divorciada do seu mundo foi um desenho feito à carvão pela empregada Janair que trabalhou com ela durante seis meses. O desenho que ela fez tinha uma mulher nua, um homem nu e um cão. O que chamou a atenção da escultora foi a falta de ligação do desenho feito por Janair, pois as figuras (o homem, a mulher e o cão) não se olhavam. Um existia sem preocupar se o outro existia ou não.
  • 24. • G.H. depara-se com o grande mau da sociedade contemporânea, a niilização do outro. Ela negou a sua empregada que conviveu junto a ela durante seis meses, e ter visto no desenho que Janair lhe julgou te fez entrar em angústia existencial. Com isso, Lispector descreve o absurdo da existência da personagem- narradora, mostrando que ela sempre usou as aspas para existir. Ou seja, ela não procurou o seu modo de ser mais próprio. Ela sempre existiu na familiaridade do seu mundo e a presença da barata no guarda- roupa é o que leva a personagem fazer uma introspecção da sua vida. No inferno da matéria viva, G.H. entra pela porta estreita: a barata. E chega ao irredutível, ao inexpressivo, ao não-ser, ao nada. Portanto, ela encontra a sua identidade, o seu princípio e isso a angustia em descobrir a identidade da sua humanidade. A escultora conhecera as raízes da sua identidade e com isso, viu o quanto é contraditória a sua civilização, o quanto é desumano a sua humanidade. O divórcio com o mundo, o sentimento do absurdo leva ela a extrema falta de sentido em continuar existindo como sempre foi. Albert Camus, no livro- “ O Mito de Sísifo”, trata dessa problemática do divorcio do homem com o mundo, a perda da totalidade e com essa perda a instalação da melancolia no seu estado de espírito. “Esse divórcio entre o homem e sua vida, o ator e seu cenário é propriamente o sentimento do absurdo”. (CAMUS, 2006, 20p.). O sentimento do absurdo camusiano é o “non sens”, ou seja, é o sem sentido, é o incompreendido. E o absurdo clariciano é a pessoa amar mais o ritual da vida do que a si próprio; isto é, ser de acordo com o sistema, fazer e obedecer às regras impostas sem contestar.
  • 25. • Por não saber a sua identidade, a sua própria vida é mais usada pelo mundo do que por si próprio. Entretanto, G.H. não desistiu e caiu na tentação de ver, saber e sentir a vida. E o sentido da vida tinha gosto de coisa alguma. Pois, ela degustou a vida, ou seja, comeu a barata. A barata é a metáfora da vida. E a vida tinha gosto de nada. Depois de provar a si mesma, ela vomita. Esse “engolir” é uma metáfora de um exame subjetivo da existência e depois dessa introspecção ela conclui que a “condição humana é a Paixão de Cristo”. O Título da obra é nitidamente configurado sobre a conhecida expressão: “Paixão de Jesus Cristo segundo Mateus” ou “A paixão de Cristo segundo João”. Isto é, o sofrimento de Cristo narrado por seus discípulos. No caso de G.H., a paixão é da protagonista, narrada por ela mesma. E para enfatizar a analogia da obra, além do título, com a metáfora bíblica, o texto é dividido em trinta e três partes, que, segundo afirmam, foi a idade com a qual Jesus Cristo morreu. • Esse percurso doloroso, essa consciência da existência absurda, leva G.H. a entrar em estado de melancolia, por compreender que a construção da sua existência fora erguida sobre as aspas. Com isso, a personagem é tomada pela bile negra, por ter visto por meio das patas; dos cílios e da pasta branca da barata a sua essência, a sua identidade aquilo que te faz ser. Todavia, a sua essência te angustia, ela sente nojo de si mesma. Assim, como sentimos nojo de um leproso; de uma pessoa que tem uma doença terminal; da guerra; da miséria, disso sentimos repulsão. Isto é, sentimos náusea de nós mesmos, entretanto, ter nojo da sua raiz contradizia a si mesma. Com essa constatação, G.H. - a mulher anônima - perde as esperanças e não concebe mais nada além da sua existência, para ela Deus já é. A miséria humana, a ignobilidade da existência é o reino dos céus, portanto o reino dos céus, o que tanto a pessoa humana deseja alcançar já é. A sua vida, sua condição humana, ou seja, a aprovação insensível do sofrimento físico ou moral, por amarmos mais ao sistema da vida do que a si próprio levamos a uma existência “feliz”, porém, quanto mais G.H. fazia uma introspecção da condição humana, mais ela se divorciava do mundo e enveredava-se nos contraditórios da existência.
  • 26. A escultora por não desistir de querer saber e sentir a sua raiz não recebe o prêmio de estar inclusa no sistema, ou seja, de ser bem sucedida na vida; contudo, recebe a recompensa de não ser mais humana. Essa mulher absurda a partir do momento que formou perfeita idéia da condição existencial começa a preferir o inumano, o inexpressivo. Portanto, quando ela estiver no leito de morte não perguntará se viver é só isto, ou seja, trabalhar para sobreviver; não ter o domínio da sua vida, porque a sua vida é mais usada pela terra do que por você mesma, e por ter “comungado” e vomitado a sua vida ela por não perguntar, não ouvirá essa resposta: “Não é só isto, é exatamente isto”. (LISPECTOR, 1998, 173p.). A vida.
  • 27. Portanto, a obra, “ A Paixão Segundo G.H.”, nos proporciona uma reflexão da nossa condição humana. Indaga a respeito do sistema de vida contemporânea que só incuti nos valores das pessoas que elas devem sempre estar inclusa no sistema. Entretanto, conhecer si próprio e com isso ter conhecimento das suas potencialidades não é motivado pela constituição política social a qual o individuo está inserido. Dessa maneira a pessoa vive cega diante de si própria e conseqüentemente dos absurdos os quais está imersa. A personagem G.H, só percebeu que se negou quando percebe que negou a empregada janair. E o resto do mundo quando perceberá que perdeu a sua totalidade, será que em algum momento da vida as pessoas no século vinte um não se deparou com algum fato absurdo? Como por exemplo, os conflitos entre nações por causa das altas produções econômicas e por conta disso falecendo vidas; as várias formas de manifestações de preconceitos que brutalmente destrói existências humanas. Diante desses fatos é difícil de conceber que a existência humana é o paraíso do reino dos céus.
  • 28. Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector Lançado inicialmente em 1971, "Felicidade Clandestina" reúne diversos textos de Clarice Lispector que foram escritos em diversas fases da vida da autora. Os textos reunidos nessa obra podem mais facilmente serem classificados como “contos”, mas como Clarice não se prendia a convenções de gêneros, todo o conjunto reunido em Felicidade Clandestina migra de gênero em gênero, ora aproximando-se do conto, ora aproximando-se da crônica, ou por vezes sendo quase um ensaio. De fato, muitos dos textos reunidos neste livro foram publicados como crônicas no Jornal do Brasil, para onde Clarice escrevia semanalmente de 1967 a 1972.
  • 29. • Ao todo, Felicidade Clandestina reúne 25 textos que tratam de temas diversos, tais como a infância, a adolescência, a família, o amor e questões da alma. Assim como a crônica que dá título ao livro, muitos dos textos apresentam algo de autobiográfico, trazendo recordações da infância da autora em Recife, alguma personagem que marcou seu passado, etc. Através da recordação de fatos do seu passado, Clarice Lispector busca nos contos fazer uma investigação psicológica de autoanálise. • Uma das técnicas mais empregadas nesses contos é a da narrativa em fluxo de consciência, que é uma tentativa de representação dos processos mentais das personagens. Esse tipo de narrativa não possui uma estrutura sequencial, uma vez que o pensamento não se expressa de uma forma ordenada. Dessa forma, seria como se o autor não tivesse controle sobre a personagem e a deixasse entregue a seus próprios pensamentos e divagações. • Assim, dentro desse processo de associação de ideias e pensamentos desconexos, em um dado momento a personagem passa por um momento de epifania, que é uma súbita revelação ou compreensão de algo. Ao passar por esse momento de epifania, a personagem descobre a essência de algo que muda sua visão de mundo ou sua própria vida. Através desses momentos de epifania, personagens que poderiam ser considerados sem relevância alguma aos olhos da sociedade ganham profundidade psicológica e existencial.
  • 30. • Nesta crônica a narradora em primeira pessoa conta sua primeira experiência com um livro. Porém, este livro é de uma menina má que o oferece emprestado para a narradora, mas sempre inventa uma desculpa para não entregar o livro a ela. Até que a mãe da menina má descobre isso e entrega o livro para a narradora, que passa a saborear o livro como se fosse um amante. Esta crônica tem um cunho autobiográfico, como comprovou a própria irmã da escritora dizendo que se lembra da “menina má”. • O ponto central desse texto é o conceito de “felicidade”. Nele, a escritora parece se questionar “afinal, o que é felicidade?”. A menina presente na crônica parece conhecer bem o dito popular “felicidade é bom, mas dura pouco”, uma vez que ela se utiliza de todas as formas para prolongar seu sentimento de felicidade. Uma vez que ela ganhou permissão para ficar com o livro pelo tempo que desejasse, ela o deixa no quarto e finge esquecer que o possui, só para se redescobrir possuidora dele. Dessa forma, sua felicidade aparece como um sentimento “clandestino”, já que nem ela mesma pode se conscientizar de sua própria felicidade para que esse sentimento não acabe. Concluísse, portanto, que a felicidade deve ser descoberta a todos os momentos e nas coisas mais simples. CONTOS REPRESENTATIVOS “FELICIDADE CLANDESTINA”
  • 31. “Amizade sincera” • Este conto é a história de dois homens que se tornam amigos inseparáveis, mas em dado momento começa a faltar assunto entre eles. Os dois vão morar junto, mas não conseguem mais voltar a ser amigos como antes e, por fim, eles tomam rumos diferentes na vida e sabem que não irão mais se ver. • Este conto tematiza os paradoxos das relações humanas e o individualismo das pessoas. Se por um lado queremos manter uma amizade a todo custo, a ponto de quase “ceder a alma” ao amigo, quem de fato gostaria de “ceder a alma”? – pergunta-se o narrador. Assim como aparece em outros contos de Clarice, a relação entre as pessoas parece estar fundamentada em uma “relação de troca”. No conto, os dois amigos já não encontram mais o que “trocar” entre si e disso nasce uma grande melancolia e desilusão, corroendo a amizade entre os dois. Por fim, o que sobra de sincero aos dois é saber que eles não mais se falarão porque escolheram isso.
  • 32. Este é um dos contos mais emblemáticos de Clarice Lispector. A partir da visão de um ovo que está sobre a mesa da cozinha, o narrador inicia uma série de pensamentos a cerca das mais diversas coisas. Esses pensamentos aparecem de forma aleatória e em fluxo de consciência, onde uma ideia, sentimento, sensação etc, desencadeia outro e assim sucessivamente. Dessa forma, ele vai desconstruindo o objeto que está sendo visto e o ovo passa, então, a ser uma representação de qualquer coisa, física ou abstrata (liberdade, amor, vida, etc.). Assim, através dessa “desconstrução”, o ovo deixa de ser simplesmente um ovo e torna-se a chave para a compreensão do amor, da vida e da própria existência humana. “O OVO E A GALINHA”
  • 33. Neste conto a narradora relembra seus tempos de escola. Por volta dos nove anos de idade, ela nutre uma espécie de amor pelo professor, um homem feio e aparentemente frustrado. A menina-narradora entra em um jogo sádico com o professor, de forma que ela faz tudo para que ele a odeie. Até que em certo momento da narrativa ele pede para que a sala escreva uma história a partir de dados que ele fornece. Ansiosa para ser a primeira a terminar, a menina-narradora escreve a sua história rapidamente e sai da sala triunfante. Porém, após o professor ler o texto que ela escreveu, ele se mostra impressionado e até sorri. A menina-narradora percebe que o olhar do professor não tem mais o ódio de antes, e ela se desespera com sua nova realidade. A partir disso ocorre um momento de epifania em que ela se depara com a verdade do mundo e sua vida muda. “OS DESASTRES DE SOFIA”
  • 34. • O título do conto é provavelmente uma alusão a um livro infantil escrito no século XIX pela francesa Condessa de Ségur e que também se chama “Os desastres de Sofia”. Porém, no conto de Clarice, o nome “Sofia” não aparece nenhuma vez além do título. Este nome, “Sofia”, é de origem grega e significa “sabedoria”. Assim como em muitos outros contos da escritora, o núcleo temático de “Os desastres de Sofia” parece ser o da autodescoberta. Isso parece ser sugerido também pela ausência do nome Sofia no conto, pois a personagem estaria em busca de sua própria identidade, o que acontece só ao final do livro com o momento de epifania. • Por fim, cabe ressaltar que a narradora traça o seu passado de uma forma autobiográfica, mas ela não o faz de uma forma “fiel”. Ao invés de simplesmente contar os fatos e acontecimentos de seu passado, ela o reinventa a partir das experiências do “eu” presente. Isso fica bem marcado em passagens em que a narradora confessa ter dúvidas sobre o que aconteceu ao certo em determinadas ocasiões e se mostra constantemente hesitante. Assim, através da reconstrução não sistemática de seu passado, a narradora constrói a imagem que faz de si mesmo no seu presente.
  • 35. Água Viva, de Clarice Lispector Neste longo texto ficcional em forma de monólogo, Clarice Lispector se confunde com a personagem, uma solitária pintora que se lança em infinitas reflexões sobre o tempo, a vida e a morte, os sonhos e visões, as flores, os estados da alma, a coragem e o medo e, principalmente, a arte da criação, do saber usar as palavras num jogo de sons e silêncios que se combinam. Tudo é revelado através do olhar dessa pintora-narradora, que cai em estado de graça em plena madrugada.
  • 36. • Clarice Lispector dá voz a uma narradora abstrata e ao mesmo tempo celestial, que não é possível ser identificada, mas que é quase tangível. Faz uso de uma metalinguagem, onde a arte fala da arte, envolvendo seu processo de criação. A autora tem um quê de melancólico-reflexivo em seus livros que é sua marca registrada. Nesse não poderia ser diferente. Embora seja um texto curto, é interessante notar a cadência das passagens do discurso que ascendem e decrescem ao longo da leitura. Há várias nuances e mudanças de tópicos num mesmo texto, que por sinal é corrido, não contando com capitulação. Contudo, a maneira como é escrito permite pequenas pausas, as quais a personagem vai e volta com sua narração. • Engraçado (sem ser cômico), melancólico e poético – devido sobretudo ao português erudito. Essas são as poucas palavras que definem este livro que, ao chegar ao fim, já senti uma plena vontade de recomeçar. Leia Água Viva e alimente-se de reflexão.
  • 37. Os melhores trechos de Água Viva por Clarice Lispector: "O dia parece a pele esticada e lisa de uma fruta que em uma pequena catástrofe os dentes rompem, o seu caldo escorre. Tenho medo do domingo maldito que me liquifica." ========== "E tão curioso ter substituído as tintas por essa coisa estranha que é a palavra. Palavras - movo-me com cuidado entre elas que podem se tornar ameaçadoras; posso ter a liberdade de escrever o seguinte: "peregrinos, mercadores e pastores guiavam suas caravanas rumo ao Tibet e os caminhos eram difíceis e primitivos". Com esta frase fiz uma cena nascer, como em um flash fotográfico." ========== "Nunca é o impossível. Gosto de nunca. Também gosto de sempre. Que há entre nunca e sempre que os liga tão indiretamente e intimamente?" ========== "Sei que depois de me leres é difícil reproduzir de ouvido a minha música, não é possível cantá-la sem tê-la decorado. E como decorar uma coisa que não tem."
  • 38. A Hora da Estrela, de Clarice Lispector "O fato é um ato? Juro que este livro é feito sem palavras. É uma fotografia muda. Este livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta." (pg 17). O livro conta a história da nordestina Macabéa , mulher feia e alienada, que se muda para o Rio após perder sua tia. Ela trabalha como datilógrafa e passa suas horas livres ouvindo a Rádio Relógio. Logo ela se apaixona por Olímpico de Jesus , um metalúrgico nordestino, que a trai com sua colega de trabalho. E é depois de receber um conselho da própria 'colega' que Macabéa resolve ir a uma cartomante, e em pouco tempo vai ver sua hora da estrela chegar.
  • 39. • A hora da estrela é um livro muito pequeno, um dos menores da minha estante, com pouco mais que 80 páginas. A história é contada por um narrador-personagem, Rodrigo S.M., que até mesmo se identifica com a protagonista Macabéa. Há momentos em que ele a ama, há momentos em que ele é contra a mulher, o que faz com que as características da própria Clarice Lispector fiquem mais evidentes. • Nosso narrador, Rodrigo S.M ., retarda bastante o início da narração da vida de Macabéa, para desenvolver um autoquestionamento. Autoquestionamento acerca de várias coisas, principalmente sobre a vida e sobre o 'escrever'. "Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho. Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever." (pg 11).
  • 40. "Mas que ao escrever - que o nome real seja dado às coisas. Cada coisa é uma palavra. E quando não se a tem, inventese- a. Esse vosso Deus que nos mandou inventar. Por que escrevo? Antes de tudo porque captei o espírito da língua e assim às vezes a forma é que faz conteúdo." (pg 18). • Macabéa era incompetente. Incompetente para a vida.' Tinha saído do Alagoas depois de perder seu único elo com o mundo, sua tia, e mudou-se para Rio, onde foi morar com as quatro Marias em uma espécie de pensão miserável. Já na nova cidade começou a trabalhar como datilógrafa, sempre muito orgulhosa da profissão que a tia havia lhe proporcionado. Enquanto gastava suas horas livres ouvindo a rádio relógio, esperava pelo seu salário para que pudesse então ir ao cinema e tomar coca-cola. • A protagonista é um grande exemplo da miséria humana. Passava seus dias sem nada, era uma inútil, mal sabia que era uma peça descartável. Não tinha nem consciência da sua própria existência, era passiva diante de tudo, se conformava com a vida que tinha. Aliás, ela até mesmo pensava que era feliz. Era uma alienada, um verdadeiro 'cabelo na sopa'. "Já que sou, o jeito é ser." (pg 34).
  • 41. "Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam." (pg 40). "Maca, porém, jamais disse frases, em primeiro lugar por ser de parca palavra. E acontece que não tinha consciência de si e não reclamava de nada, até pensava que era feliz. Não se tratava de uma idiota mas tinha a felicidade dos idiotas. E também não prestava atenção em si mesma: ela não sabia." (pg 69). • Então ela conhece Olímpico de Jesus, nordestino como ela, que trabalhava como metalúrgico. Entretanto, ele era muito diferente dela. Gostava de fingir que sabia de tudo, era ambicioso com relação ao seu futuro. Não demora muito para que o namorado da coitada a traia com a sua colega de trabalho, Glória. • Macabéa ficou desesperada, embora não aparentasse. Foi quando a própria Glória sugeriu que ela fosse a uma cartomante. A mulher prevê um futuro radiante para a nossa pobre protagonista, que finalmente percebe que existe um futuro . Percebe que ela existe para um futuro , e assim vê sua hora da estrela chegar.
  • 42. "Ela se abraçava a si mesma com vontade do doce nada. Era maldita e não sabia. Agarrava-se a um fiapo de consciência e repetia mentalmente sem cessar: eu sou, eu sou, eu sou." (pg 84). • A mais surpreendente obra de Clarice Lispector nos faz refletir acerca do desamparo ao qual estamos todos suscetíveis. Aqui, o escrever é uma necessidade, onde desenvolvem-se reflexões sobre a vida e sobre a morte, sobre a palavra. • O leitor é raptado pela leitura. Desde a dedicatória que Clarice escreveu no início do livro, já percebemos que o que vai se suceder será grande. E é. • Mesmo criando um falso narrador, motivada pelo desejo de desaparecimento, Clarice não conseguiu concretizar sua saída discreta pela porta dos fundos. Em seu último livro publicado em vida fica provado que ela era realmente a mestra de sua literatura.