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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
Campus Baixada Santista
MARCOS HEINTZ
Facilitar:
trilhas, instrumentos de percurso e
caminhos possíveis
Produto técnico apresentado ao Programa
de Pós-Gradução Ensino em Ciências da
Saúde da Universidade Federal de São
Paulo – Campus Baixada Santista para
obtenção do título de Mestre Profissional
em Ciências da Saúde.
Orientador: Sidnei José Casetto
Co-orientadora: Jaquelina Maria Imbrizi
2018
2
Sumário
APRESENTAÇÃO ............................................................................. 3
SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA ......................................................... 4
OFICNA................................................................................................ 8
REINVENTAR (-SE)........................................................................ 12
FACILITAR...................................................................................... 17
FORMAÇÃO DE GRUPOS ............................................................. 29
APRENDIZADO INVENTIVO........................................................ 37
EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS......................................................... 45
TERRITÓRIOS E AFETOS.............................................................. 52
PLANEJAR E REGISTRAR ............................................................ 56
REFERÊNCIAS................................................................................ 63
3
APRESENTAÇÃO
As políticas da Assistência Social têm buscado ações
efetivas que permitam a superação das situações de
vulnerabilidades. O Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) atua de forma a fortalecer e qualificar seus serviços para
melhor atender as expectativas e necessidades da população em
geral, sobretudo dos segmentos sociais mais vulneráveis.
Este Produto técnico dedica-se ao compartilhamento
de práticas que ofereçam a possibilidade de discussão, reflexão e
associação de saberes que contribuam com a atuação de
facilitadores (educadores sociais) nos Serviços de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos (SCFV) em seus processos de
promover o desenvolvimento de autonomia naqueles que
participam das oficinas oferecidas nestes espaços.
A produção deste material se baseia na experiência
de acompanhamento de um grupo de jovens que participaram
das oficinas de musicalidade no SCFV da Zona Noroeste de
Santos (CEJUV ZNO), em 2017. O leitor perceberá fragmentos
de diários (em itálico) usados para registro dos encontros nas
oficinas de musicalidade com o grupo mencionado. O presente
material também se apoia no conceito de aprendizagem
inventiva de Virgínia Kastrup (2000) e nos processos de
subjetivação registrados durante as práticas do trabalho com o
grupo.
Boa leitura!
4
SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA
Os Serviços de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos (SCFV) são um serviço complementar ao serviço de
proteção e atendimento integral às famílias (PAIF) e ao serviço
de proteção e atendimento especializado as famílias e indivíduos
(PAEFI). O SCFV está pautado em três eixos fundamentais: 1.
Convivência social; 2. Direito de ser; 3. Participação.
Os SCFV da prefeitura de Santos oferecem, nos
diferentes territórios em que estão instalados, atividades lúdicas
e culturais que permitem trabalhar no âmbito da proteção social
básica das populações atendidas. Estas atividades oferecidas,
vestidas como oficinas (teatro, musicalidade, comunicação, artes
plásticas, dança, produção musical, desenho, etc.) atraem um
bom número de participantes, divididos em faixas etárias,
considerando as especificidades de cada ciclo de vida.
O funcionamento do SCFV está referenciado a um
Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). É este
serviço (CRAS) que encaminha o público atendido aos SCFV. A
Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais elenca
5
alguns sujeitos que devem ser especialmente alcançados pelo
SCFV (como as pessoas com deficiência e os beneficiários de
programas de transferência de renda). Além dos sujeitos
elencados pela tipificação, há o público prioritário para o
atendimento (não são idênticos, embora haja coincidências).
Dentre todos os usuários que podem ser atendidos no SCFV há
os que vivenciam as situações de risco social (elencadas) e que
são os usuários prioritários para atendimento – mas não
exclusivos.
Segundo a Resolução CIT nº 01/2013 e a Resolução
CNAS nº 01/2013, considera-se público prioritário para o
atendimento no SCFV crianças e/ou adolescentes e/ou pessoas
idosas nas seguintes situações (Brasil, 2016):
• em situação de isolamento;
• trabalho infantil;
• vivência de violência e/ou negligência;
• fora da escola ou com defasagem escolar superior a dois anos;
• em situação de acolhimento;
• em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto;
• egressos de medidas socioeducativas;
• situação de abuso e/ou exploração sexual;
• com medidas de proteção do ECA;
• crianças e adolescentes em situação de rua;
• vulnerabilidade que diz respeito às pessoas com deficiência.
As políticas da Assistência Social afirmam a
convivência social como segurança (PNAS) e este fato apoia e
norteia para práticas profissionais na assistência social, que
demandam uma especificidade de atenções e propostas técnicas
e éticas cujo conteúdo a ser trabalhado contemple formas de
promover e trabalhar a convivência. Portanto, com métodos de
6
intervenção e com os resultados que se pretende alcançar nos
SCFV.
(foto de acervo pessoal).
Deste modo, é fundamental que a convivência tenha
papel central no trabalho social nos SCFV. É importante que as
equipes de trabalho preparem-se no sentido de reconhecer o
silenciamento e outras atitudes dos participantes das oficinas,
como um reflexo do ambiente de violências, invisibilidade e
sofrimento sociopolíticos a que estes sujeitos podem estar sendo
submetidos.
7
Para refletir e discutir:
Você tem uma rede de pessoas que te apoiam? Você se sente protegido, por
esta rede? Como seria se não tivesse com quem contar? Quanto, de nosso
modo de ser e conviver, está ligado ao estado protegido/desprotegido em
nossas experiências de vida?
Leitura sugerida:
Solicite à chefia dos espaços onde atua, ou acesse os links indicados:
CONCEPÇÃO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE
VÍNCULOS – Secretaria Nacional de Assistência Social
CADERNO DE ORIENTAÇÕES
https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/assistencia_social/cartilha_paif
_2511.pdf
PERGUNTAS E RESPOSTAS
http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/perguntas
_e_respostas/PerguntasFrequentesSCFV_230315.pdf
ROSA, Miriam Debieux. A clinica psicanalítica em face da dimensão
sociopolítica do sofrimento [S.l: s.n.], 2016.
https://www.researchgate.net/publication/320038239_CLINICA_PSICANAL
ITICA_IMPLICADA_CONEXOES_COM_A_CULTURA_A_SOCIEDADE
_E_A_POLITICA
SAWAIA, B. B. (org.). As artimanhas da exclusão: uma análise ético-
psicosocial da desigualdade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.OFICINAS
8
OFICINA
(foto de acervo pessoal)
Os processos que ocorrem na oficina de
musicalidade têm muito a oferecer no sentido de que a
aprendizagem da linguagem musical convida à reflexão sobre os
temas apresentados pelas músicas escolhidas, o contexto
histórico no qual as letras foram escritas e as possíveis leituras
que se pode fazer sobre o conjunto letra, ritmo e sonoridade. Ao
mesmo tempo, busca-se criar um espaço horizontal de diálogo
aberto no qual os jovens possam exercer alguma autonomia. Seja
na escolha das músicas trabalhadas, seja na escolha da forma
como desejam participar das discussões e das execuções das
músicas sobre as quais conversamos e as quais tocamos.
As oficinas são um espaço participativo. Embora se
procure estabelecer com o grupo a forma mais livre possível, há
vários limites que balizam esse trabalho como, por exemplo, o
tempo de início e término, os momentos em que se conversa, em
que pegam os instrumentos e tocam, o momento em que cada
um toca e faz seu treino, o momento em que todos tocam juntos,
a guarda do material e a conversa final. Além dessas balizas há,
durante o processo dos encontros, aquilo que o grupo constrói
como pontes entre si, ligando-se e recriando uma forma de
9
convivência que busca a harmonia musical e de convívio, que se
traduz em respeito quanto à escolha estético/musical de cada um,
assim como toda diferença que houver no grupo (o sotaque, a
linguagem, o conhecimento, a personalidade, a orientação
sexual, o humor, o desconhecimento, estilo, gênero, cor, etnia,
religião, posição política etc.).
Todas essas diferenças propiciam trabalhar a
reciprocidade, a não violência verbal (e física) e o respeito à
diversidade. Busca-se criar um ambiente que possibilite ao
jovem que participa das oficinas sentir-se respeitado e bem-
vindo. Vale ressaltar que a quase totalidade destes jovens
costuma experimentar situações de preconceitos que, somadas às
condições de moradia precária, fome, situação de miséria (ou
perto disso) e outras vulnerabilidades sociais, os situam em um
lugar de menosprezo e incapacidade. A oficina de musicalidade
aposta na perspectiva de exercitar atividades que promovam uma
participação coletiva prazerosa, e respeitando as singularidades.
Nesse sentido, ao se perceber capaz de aprender, de criar, de se
surpreender com seu próprio corpo na adaptação de braços, mãos
e dedos no domínio dos instrumentos, nesse processo de
invenção de um músico e, portanto, exercitando atividades antes
impensadas, é possível que este sujeito possa ampliar seu
repertório cultural e sua percepção sobre as potencialidades da
vida.
As oficinas pretendem oferecer uma nova
experiência nestes modelos de relação entre os sujeitos,
propiciando que os encontros sejam espaços onde haja liberdade
de expressão e onde haja escuta e acolhimento delicado daquilo
que os participantes desejarem dividir em grupo. Também
propõe ofertar um clima cultural no qual o que se ouve não é
menosprezo e reforço de suposta incapacidade, inabilidade ou
incompetência, mas ao contrário, o encorajamento para que se
siga em frente, que se possa ousar e ocupar um lugar no mundo.
10
Um lugar diferente deste que nosso modelo de sociedade
desigual insiste em fazer acreditar objetivamente e
subjetivamente como única posição para ocupar. Ao contrário, a
oficina serve como lugar de produção de novas experiências que
ofereçam a cada sujeito a possibilidade de explorar, inventar e
reinventar seu próprio lugar, ou ao menos enxergar
possibilidades outras, que não a de ficar à margem do mundo e
da vida.
Nos encontros dessa oficina mantém-se um formato
que costuma se repetir: um primeiro momento em que, em
círculo, todos se cumprimentam e é apresentado à turma qual o
tema planejado para a atividade daquele encontro. Pergunta-se se
há sugestões ou contribuições que os participantes queiram
fazer. Esta conversa tem a duração de uns 15 minutos. Em geral,
o tema sugerido é apresentado em forma de música, vídeo, texto
ou dinâmica. Após o disparador, faz-se uma roda de conversa na
qual todos têm a possibilidade de (e são encorajados a)
discordar, concordar, e dar opiniões. Após a discussão de ideias,
que dura por volta de uns 15 a 20 minutos, dependendo do
assunto, interesse e intensidade com que o grupo abraça a
discussão, passa-se a atividade que, juntos, escolhemos fazer. No
caso da musicalidade, este momento esteve mais ligado aos
instrumentos, aprendizado e estudos de alguma canção
escolhida.
Esse é um momento muito rico, porque é quando o
grupo mergulha em um processo de experimentação da
linguagem trabalhada. Tocar, cantar, dançar, desenhar, pintar,
dramatizar, escrever, contar, fotografar, etc. são atividades com
potências de se trabalhar a subjetividade e capacidade de
composição e recomposição dos sujeitos. Este momento do
encontro na oficina de musicalidade costuma ter uma duração
média de uns 40 minutos. O tempo restante é para que todos
toquem juntos a(s) música(s) que estão aprendendo e/ou que se
11
toquem canções que eles sugerem e desejam tocar e cantar –
inclusive utilizando os outros instrumentos oferecidos. Costuma
ser um momento de muita diversão, alegria e celebração. É
também um momento especial e poderoso, no qual se exercita a
força que há no coletivo, juntando vários instrumentos e vozes
que encontram harmonia entre si. Ao final, guarda-se todo o
material e faz-se uma rápida avaliação do encontro e da evolução
de cada um. Muitas vezes os jovens já apontam assuntos de
interesse para o próximo encontro. Busca-se sempre dar as
melhores condições para a prática de uma ética afirmativa, que
produza encontros nos quais o singular e o coletivo possam
experimentar a melhor possibilidade de convivência e
experimentação de processos vivos e fluidos que permitam
ampliar repertórios existenciais.
Para refletir e discutir:
De que modo a linguagem que utilizo promove convivência? Propicio
espaços de fala (e outros modos de expressão) dos sujeitos? Há escuta?
Como garantir horizontalidade nas relações estabelecidas na oficina? De
que forma minha oficina pode conversar e contribuir com as demais
oficinas do espaço, fortalecendo ações coletivas?
Leitura sugerida:
PERGUNTAS E RESPOSTAS
http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/perguntas
_e_respostas/PerguntasFrequentesSCFV_230315.pdf
Políticas sociais para o desenvolvimento – Superar a pobreza e promover a
inclusão
http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/pol
iticas_desenvolvimento.pdf
12
REINVENTAR (-SE)
(foto de acervo pessoal)
Tenho trabalhado mais especificamente com o
ensino da música desde 2013 e, neste processo de trabalho, tenho
percebido a linguagem musical como um campo fértil com
potência para experiências que podem produzir efeitos múltiplos,
inclusive na subjetividade. Não se trata aqui de apresentar a
música ou a arte como redentora, mas sim como mediadora em
processos que propiciem experiências que possam oferecer
recursos capazes de provocar posições subjetivas não casuais.
De fato, tenho percebido nas atividades que o processo de
aprendizagem musical se apresenta para muitos como uma
experiência com grande capacidade transformadora, com
potência de provocar, na ação, mudanças na sua percepção de si
e do mundo em que está inserido. Uma cena que vivi em um dos
encontros da oficina de musicalidade no Centro da Juventude da
Zona Noroeste de Santos, em 2014, exemplifica essa percepção:
13
1
Em uma tarde chuvosa, ao final de um encontro de
musicalidade, enquanto os últimos meninos e meninas iam
deixando a sala em meio às algazarras costumeiras. Entre eles,
um jovem (que fazia parte da turma) se aproxima e pede minha
atenção. Um tanto tímido, ele retira, de um surrado saco de
pano, um instrumento, e pede que eu o avalie. Trata-se de um
violão usado, muito malcuidado, com alguns adesivos antigos e
arranhões no seu velho tampo de madeira. Faltam-lhe algumas
cordas – e enquanto o limpo, lustro e coloco cordas novas, afino
e analiso o instrumento, conversamos. O jovem explica que o
violão pertence a um vizinho que, embora possua o instrumento
há muitos anos, nunca aprendeu a tocá-lo. Passou os últimos
tempos esquecido sobre um armário e seu dono mostrou-se
interessado em vendê-lo. O menino é um jovem interessado e
comprometido em aprender a tocar. Parece mesmo apaixonado
pela música. Mais do que as técnicas, ele se mostra aberto para
perceber o lado abstrato e a dimensão cultural da arte da
música e de tocar um instrumento. Apesar do pouco tempo de
participação no Centro da Juventude, o jovem evoluíra bastante,
muito por conta da dedicação em fazer os exercícios propostos –
apesar das dores nos dedos e articulações, e também por
possuir um talento próprio e uma sensibilidade artística.
Conseguiu grande progresso, tendo treinado seus dedos e mãos
nos movimentos variados e rítmicos exigidos para montar e
trocar de acordes. Conseguindo mostrar que sabia tocar
algumas músicas, seu pai convenceu-se em dar o violão de
presente para o filho – desde que fosse um violão usado, de
baixo custo.
1
Este e todos os demais trechos em itálico, neste texto, referem-se a
fragmentos dos registros em diários de campo usados na cartografia do
acompanhamento na oficina de musicalidade de jovens do Cejuv zno, em
2017.
14
Na medida em que evoluía, aumentava seu interesse
em saber mais, chegando aos encontros sempre com muitas
perguntas e se mostrando aberto para receber as respostas que
buscava e experimentá-las sonoramente com suas mãos em um
dos violões que o Centro da Juventude disponibiliza para as
oficinas de musicalidade. Ele entendeu que as notas, além da
sequência a serem tocadas para se obter a melodia desejada,
podem e devem receber a intenção de quem as está tocando.
Entendeu o que é essa intencionalidade e explorava muito bem
os seus sentidos, conseguindo formar uma ligação entre sua
emoção e o toque dos dedos nas cordas, a técnica. Durante a
conversa, o jovem conta que não pensava ser capaz de aprender
a tocar o violão. Disse que na escola as notas não eram boas.
Contou que sentia muita falta da mãe – que vive no nordeste do
país; e que quase não saía de casa desde que o pai o trouxe
para viver em Santos. Disse que sentia muita dificuldade em se
adaptar àquela vida em que “tudo era muito difícil”. E,
portanto, aprender a tocar um instrumento – embora fosse seu
desejo – seria mais uma “coisa difícil” que não conseguiria.
Apesar daquela visão negativa, inicial, em relação
ao aprendizado do violão, ele havia vencido muito bem as
dificuldades até ali, e percebia isso. Disse que não julgava ser
capaz de aprender a tocar. Muito menos daquele modo que ele
mesmo gostava e percebia ser “bom de ouvir”. Contou
orgulhoso que havia conseguido um violão emprestado e
mostrou para o seu pai o que já conseguia tocar. Disse que o
pai ficou com os olhos cheios de lágrimas quando o ouviu tocar
“Asa Branca”. Ao final daquela tarde, segurando o violão que
logo passaria a ser seu novo companheiro, o jovem agradeceu
de forma sincera a ajuda recebida. Na despedida, disse ter
percebido que nem tudo era impossível como lhe parecia no
início. E concluiu que, se ele tinha conseguido chegar até ali,
poderia ser capaz também de aprender outras coisas novas que,
antes do violão, ele não acreditava serem possíveis.
15
(foto de acervo pessoal).
Este jovem continuou a evoluir e hoje, além do
violão, toca guitarra, teclado e bateria. Conheceu e se
apaixonou pelo universo do rock: de Beatles a AC/DC, Nirvana,
Metálica e Santana. Mas ainda mantém seu gosto por Villa
Lobos, Bach e outros eruditos. Está montando uma banda e já é
reconhecido e respeitado pelos jovens que também frequentam o
CEJUV. Continua aplicado e hoje ajuda, na oficina de
musicalidade, os novos aprendizes que chegam àquele
equipamento da prefeitura. Ele diz que quer crescer na música,
quer saber mais e acredita que este crescimento o ajudará a
mudar de vida. O Centro da Juventude da Zona Noroeste o
incluiu no programa de valorização do jovem, da prefeitura de
Santos ele passou a receber uma bolsa auxílio que o ajuda a
manter-se estudando e frequentando o CEJUV. Talvez esse
jovem consiga mesmo mudar sua realidade. Ao que tudo indica,
já houve uma significativa mudança: ele transformou sua visão
de si e das suas potencialidades. Expandiu seus horizontes e se
sente mais capaz. Parece ter adquirido uma nova visão do seu
próprio potencial e da sua capacidade de realizar mudanças.
16
Para refletir e discutir:
Você conhece histórias semelhantes que possam ser compartilhadas? O que
parece agir nestes jovens quando acontece algo deste tipo? Quais atividades
podem ser propostas para estimular mudanças de percepção das próprias
potencialidades?
Leitura sugerida:
MORAES, M. e KASTRUP, V. Atualizando Virtualidades: construindo a
articulação entre arte e deficiência visual. In: MORAES, Márcia; KASTRUP,
V. (Org.). Exercícios de Ver e não Ver: arte e pesquisa com pessoas com
deficiência visual. Rio de Janeiro: NAU, 2010.
KASTRUP, V. Autopoiese e subjetividade: sobre o uso da noção de
autopoiese por G. Deleuze e F. Guattari. Revista do Departamento de
Psicologia da UFF, Niterói, v. 7, n. 1, p. 96-97, 1995.
Entrevista com Paulo Freire: “Nós podemos reinventar o mundo” –
https://novaescola.org.br/conteudo/266/paulo-freire-nos-podemos-reinventar-
o-mundo
AZEVEDO, Fernando Antônio Gonçalves de. Retomando – A arte possibilita
ao ser humano repensar suas certezas e reinventar o seu cotidiano – a partir da
ideia: Incerteza Viva. Revista GEARTE, [S.l.], v. 4, n. 2, ago. 2017. ISSN
2357-9854. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/gearte/article/view/75188>.
Acesso em: 25 ago. 2018. doi:https://doi.org/10.22456/2357-9854.75188.
17
FACILITAR
(foto da facilitadora Maria Lisboa - uma das cenas do musical, ao som da
música Fé na Luta2
).
Estar à frente de um grupo demanda uma série de
atenções e decisões. O convite a novas experiências anima
muitos, mas pode inibir outros. Dar liberdade e tempo para que
cada participante escolha quando e onde entrar pode ser
significativo para a ação (ou não ação) de facilitar.
...Depois passamos a ouvir novamente a música, desta vez com
os ouvidos atentos aos sons, ao ritmo e à melodia. Em seguida
passamos a tocar no violão junto com a gravação do Chico. Aos
poucos, cada um foi escolhendo algum instrumento e chegamos
a formação de dois violões, uma alfaia, duas vozes, um chimbal,
uma meia lua e uma flauta. Passamos a tocar sem a gravação e
mesmo com as dificuldades iniciais, o grupo gostou do
resultado: pediam para tocar de novo, e mais outra vez, sem
parar. Que bom! Noto que à medida em que alguns ficam mais
seguros no ritmo ou no instrumento, os demais – menos seguros
– sentem-se atrapalhando ou envergonhados de sua dificuldade.
2
Fé na Luta, de Gabriel Pensador.
18
(foto de acervo pessoal)
Converso com todos sobre o processo e peço a ajuda mútua, de
forma que os que já pegaram o ritmo ajudem aos demais.
Explico sobre terças e quintas na música e mostro um efeito
dessa harmonia na flauta (usando três vozes de flauta). Eles
riem um riso de aprovação e espanto. A sequência de notas é de
grande simplicidade e ofereço a três jovens que ainda não
integravam o grupo da “banda”. Eles aceitam com certa
relutância. Estão com vergonha, mas interessados em aprender.
Passo uma sequência diferente para cada um. Cada jovem
treina sua parte. Depois eu os ajudo a tocarem juntos, cada um
em sua sequência que é diferente do outro. O som se funde e o
que se ouve é um acorde de flautas que combina muito bem com
os dois violões e com os demais instrumentos. Os três jovens da
flauta me olham surpresos e felizes. Lançam olhares um tanto
impressionados e outro tanto orgulhosos do resultado daquele
estudo cooperativo. Todos tocam juntos a música toda e sinto a
aprovação do grupo por aquilo que se criou em conjunto.
Percebo que os jovens ficariam ali tocando ainda muitas vezes a
música do Chico, que agora pertencia a todos ali também.
...Um pequeno jogo de forças se estabelece em uma discussão
sobre as possibilidades de como se fazer a “levada” da canção
Geni e o Zepelim. Intervenho buscando um consenso. Explico
que aqui na musicalidade nosso espaço é democrático. Que ter
19
ideias de como executar a música é ótimo e reflete a
compreensão e leitura de cada um para a obra. Há muitos
caminhos sonoros possíveis.
(foto de acervo pessoal)
A única coisa que nos limita é nosso número de instrumentos e
nosso conhecimento e domínio sobre eles. Fazemos um exercício
de ouvir uns aos outros e, afinal, as ideias nem eram muito
discrepantes. Há ótimas ideias sobre onde se colocar novos
acompanhamentos de flauta. Alguém sugeriu se colocar a gaita
de boca e fazer soar um som parecido ao da sanfona. Todos
acharam muito boa a ideia. Outra ideia bacana foi o de usar a
batida na alfaia como se fossem as batidas de um coração, o
coração da Geni.
...Entrego uma alfaia a um jovem e passo, a ele, o andamento
(tempo musical) que deve usar para tocar. Outro jovem muito
apático, G., que está ao lado de J., pede para tocar a outra
alfaia.
20
(foto de acervo pessoal)
G. tem muita dificuldade em concentrar-se e isso o impede de
manter o ritmo. Indico que ele siga J. Duas meninas novas no
grupo e no CEJUV e que têm tido dificuldade em participar das
oficinas, hoje estão na musicalidade. Convido-as e entrego uma
função a cada uma (I. no Cajon e S. no chimbal). Tocamos e o
grupo vai encontrando uma harmonia no decorrer da execução
da música. Os sons e os sujeitos, aos poucos, encontram seus
tempos e seus espaços, seus sons e seus silêncios enquanto se
entregam de corpo e sensibilidade na melodia que vai se
formando com alfaias, violões, flautas, vozes, pandeiros, agogô,
xequerês e chocalhos. Percebo J. envolvido e atento em auxiliar
G., para que este não se perca. A jovem A. também auxilia
outros dois jovens. Um dos facilitadores visitantes acompanha
uma das novas jovens e eu acompanho a outra. Percebo o grupo
unido na execução da música, concentrado e entretido.
Intensidade no refrão, leveza nas demais partes da canção,
ritmo, tons e afinação. Tudo está bem.
21
(Jovens ganham confiança e se lançam em novos desafios (foto de acervo
pessoal))
... A. assumiu o microfone e o compromisso de cantar a música.
Foram muito bem. Atentos, concentrados e tensos no início,
foram se soltando e entrando no clima e andamento do que
tocavam. O jovem J. tomou para si a coordenação da
percussão: com gestos corporais, olhares e até mesmo
verbalizando, ele chamava a atenção dos demais para o ritmo,
andamento, paradas e volume. Sozinho, por si mesmo. Isso me
chamou muita atenção. Até poucas semanas ele ficava apático,
sem nenhuma interação com o grupo ou com a música. Agora
assumira uma postura comprometida e de liderança.
Muitos inícios de atividade nas oficinas carregam em
si variadas possibilidades de percurso. Há aquilo que o
facilitador preparou para ser abordado pelo grupo, mas sempre
há aquilo que o grupo traz consigo. Cada participante carrega
sua própria história e não raro compartilham dramas e
vulnerabilidades vividas no cotidiano familiar e da comunidade.
Manter-se atento aos sinais do território e do grupo, em cada
22
encontro, parece ser uma prática importante na arte de facilitar.
É possível “facilitar” a convivência e a participação, assim como
é possível também propiciar um ambiente onde se possa
simplesmente ser.
(descobrir novos papéis e criar novas relações (foto de acervo pessoal))
Grande parte dos participantes das oficinas –
independente do ciclo de vida - expressa a dor emudecida
produzida pelos processos alienantes a que estão submetidos, por
sua condição social. O silenciamento – muitas vezes fruto da
opressão vivida, pode ser confundido por apatia ou desinteresse
e merece atenção para que seja respondido com confiança e
crença nas potencialidades do jovem e do grupo. Mesmo diante
de realidades hostis há pistas de que os processos subjetivos
apoiados na arte e na convivência, como é o aprendizado
musical inventivo, pode promover a transformação de sujeitos
contribuindo para uma relação com o mundo em que os papéis
não estejam cristalizados.
É importante chamar a atenção para o fato que o
SCFV é um serviço da Secretaria de Assistência Social, não da
Cultura. Portanto, a arte, embora presente em muitas das
atividades realizadas nas oficinas, deve manter seu caráter de
ferramenta para convivência e participação, não sendo colocada
23
como fim em si mesma. O aprendizado da dança, música,
desenho, pintura, atuação cênica, pode ser excelente meio para
que se trabalhe novas formas de ser e conviver.
(foto de acervo pessoal)
... Reúno o grupo em um grande círculo e vamos
fazendo nossa costumeira combinação das propostas para
aquele encontro, enquanto mais jovens vão chegando e se
unindo ao nosso grupo. Percebo o jovem L. abatido e com ar
pesado, quieto – ele não costuma ser assim. As vozes excitadas
querem dar vazão à energia e deixo que o grupo descarregue
um pouco essa energia, falando sobre suas expectativas e
pesquisas sobre como desejam se vestir e caracterizar para o
halloween. Quando sinto que o grupo acalmou, convido para
pensarmos nosso encontro de hoje e sobre nossos objetivos para
aquele momento... Enquanto o grupo organiza a sala para que
toquemos, me aproximo do jovem L., que está claramente triste.
Pergunto se ele está bem e ele passa a me contar o que houve:
L. é o segundo violino em uma orquestra jovem de Santos,
mantida por uma grande empresa.
24
Ele adora música e se dedica bastante para manter-
se na orquestra. Teve a sorte ter ganhado o instrumento de um
músico que o presenteou – para incentivá-lo, por reconhecer seu
talento e esforço – mas agora precisa trabalhar para ajudar em
casa. Com a escola, o trabalho e o Cejuv sobra-lhe pouco tempo
para estudar o repertório da orquestra. Ele conta que sua
tristeza vem do fato de ter levado uma grande bronca, na frente
de todos os músicos da orquestra em que toca. Ele errou
algumas notas na execução de uma parte da primavera de
Vivaldi e foi repreendido de modo exagerado, segundo sua
visão. Fico triste por ele. Reconheço seu esforço e seu amor pela
música. L. é um jovem educado, interessado em aprender sobre
tudo. Comprometido e sério – sem deixar a alegria de ser jovem
– ele conquistou a confiança dos facilitadores, a amizade e
admiração dos jovens e é fácil perceber o interesse das meninas
por ele.
Em nossa conversa, ele fala do prazer que
experimenta por tocar e aprender música. Chama-me a atenção
quando ele faz uma comparação entre orquestra em que toca
com o Cejuv. Lembro a ele que somos (Cejuv) um espaço da
Assistência Social e que nosso papel ali, não é o de ensinar
música, mas de – no caso da música – usá-la como base de
nossas atividades com o objetivo de provocar reflexões e ações
que contribuam com a convivência e o fortalecimento de
vínculos. Sem querer defender a professora que deu a bronca,
lembro que os objetivos da orquestra passam por outras
questões. Ele retruca:” Então, queria que lá eles fossem assim,
mais humanos, sabe? Porque eu não quero deixar a orquestra.
Essa é uma oportunidade muito legal. Mas também acho que a
música, a arte, devem dar prazer, não é? É pra ser bom, leve. E
não vergonhoso e cheio de pressão. Não gosto do jeito como
tratam os músicos, lá. Aqui vocês dão força, valorizam. Lá é só
pressão. Mas é orquestra e se eu sair...” Concordo e dou um
abraço no jovem. Peço que ele use nosso encontro de hoje para
25
encontrar essa leveza. Para aliviar essa pressão. Ele aceita e
comprime os lábios.
Chamo todo o grupo para uma conversa. Já está
praticamente tudo pronto. Antes de tocarmos falo sobre um
filme - documentário que um professor meu me falou e indicou
(Nelson Freire - Um Filme Sobre um Homem e Sua Música
(2003)). Temos um PC com acesso à internet na sala de música
e enquanto converso, busco rapidamente um trecho deste
documentário que pode ser bacana para o L. e para toda turma
– uma vez que esse assunto emergiu. Explico que gostaria de
conversarmos rapidamente sobre prazer, alegria e tristeza,
relembrando de nossa recente conversa sobre poder e
sufocamento. Assistimos juntos o trecho entre o ponto 1:06:30
até o ponto 1:36:50 do documentário sobre este grande pianista,
conhecido e respeitado no universo da música erudita, por
críticos, público e principais grandes orquestras do mundo com
as quais, muitas, já tocou.
No ponto em questão3
, Freire está assistindo a um
DVD de jazz em que é possível ver os músicos tocando com
muito entusiasmo e alegria. Nelson comenta: “Olha, eu tenho
uma inveja de quem sabe tocar jazz, incrível. Sabe uma coisa
assim, que eu adoraria? Por exemplo, chegar assim e, de
repente... improvisar e tocar. Tenho fascinação por Errol
Garner. Eu nunca vi ninguém tocar com tanto prazer, sabe? Um
prazer assim. Alegria! Alegria de tocar.” As frases de Nelson,
são entremeadas pelas cenas do DVD que ele assiste, e a mesma
banda de jazz segue tocando animada. Os músicos tocam
sorrindo e se olhando parecendo experimentarem, cada um, um
grande prazer e alegria. Nelson fala “Foi isso que me levou ao
piano! O piano era o momento em que – eu era pequenininho –
3
O vídeo, no trecho indicado, está disponível no site:
http://100melhoresfilmes.blogspot.com/2012/01/nelson-freire.html
26
que eu tinha prazer. Eu não saio satisfeito de um concerto se eu
não tiver pelo menos um minutinho disso. Os pianistas clássicos
de antigamente tinha essa alegria. Rubens Stein, e outros tinham
isso, sabe? Essa, essa...(alegria). Guiomar Novaes tinha isso...”.
O entrevistador, no documentário, questiona Freire: “E você?”.
Freire olha para o entrevistador, acende um cigarro, olha para
o horizonte e não responde com palavras. O que diz seu
silêncio?
Neste momento eu interrompo o vídeo e olho para o
grupo. Vejo o jovem L. me olhar e balançar a cabeça,
afirmativamente. Alguns jovens me perguntam por que eu estou
mostrando esse vídeo. Respondo que é para refletirmos um
pouco sobre o poder e o sufocamento que pode haver mesmo
naquilo que gostamos de fazer. Falo da música que o grupo
aprende e pratica ali. São unânimes em afirmar que não se
sentem sufocados. Lembro do início daqueles que aprenderam a
tocar violão e teclado. Da insistência de cada um consigo
mesmo. Da bolha na ponta do dedo. Eles respondem que foi
escolha deles, que era uma coisa que eles queriam aprender e
que valeu a pena (para minha alegria). Conversamos um pouco
e L. pede a palavra e voluntariamente explica ao grupo seu
drama com a decisão de ficar ou não na orquestra.
O grupo ouve em silêncio respeitoso. Ele fala da
bronca e de seu amor pela música. Fala que gosta muito de
tocar ali no Cejuv, porque é leve, alegre e lhe faz bem. Ele diz
que na orquestra, com toda aquela pressão e tratamento, não
tem encontrado a alegria na música, como tem ali. Mas a
orquestra trabalha a linguagem erudita, que ele gosta e não
queria perder. Fala da oportunidade que a experiência
representa e do medo de não o aceitarem em outra orquestra. O
grupo argumenta. O jovem G. diz que ele deve tentar outras
orquestras, que ele é bom e encoraja o colega nesta busca.
Outros três jovens, entre brincar e falar sério, perguntam se L.
27
quer que eles vão lá “dar uma lição nessa professora”. L. ri, diz
que não precisa. Ele parece entender o apoio que o grupo
procura lhe passar, cada um de seu modo. Tomo a palavra e
digo que a música estará sempre com ele. Assim como o violino
e o desenho, que ele tanto gosta. Aponto outros que sinto que
também já “contraíram” a música para dentro de si.
... L. agradece o apoio de todos e diz: “Estou com
medo de não estar fazendo a coisa certa. Mas acho que a música
é algo que deveria nos alegrar e nos fazer bem. E a partir do
momento em que algo tão lindo passa a ser ruim, me faz pensar
que alguma coisa está errada”. Falamos sobre decisões que
doem e sobre o processo de assumir responsabilidades e
precisar fazer escolhas difíceis. Sobre o “não saber se está
fazendo a coisa certa” e algumas incertezas que fazem parte da
arte de tocar a vida. Todos parecem querer ajudar L. Em
relação aos objetivos do serviço, o grupo está muito bem:
servem como rede de apoio e mostram vínculos fortalecidos no
respeito e interesse em ajudar uns aos outros.
No serviço usamos o verbo facilitar para indicar a
atuação de pessoas no apoio a outras pessoas, mas este poderia
ser substituído por uma série de outros verbos que
representariam este mesmo fazer: desembaraçar; ajudar;
contribuir; oferecer; desimpedir; viabilizar, etc....
28
Para refletir e discutir:
Que atitudes de jovens podem demonstrar desinteresse pela proposta?
Como podem ser compreendidas? Quais seriam modos de lidar com elas
que favoreceriam os objetivos do SCFV? Como facilitar estes caminhos?
Leitura sugerida:
Uma escuta psicanalítica das vidas secas (Miriam Debieux Rosa):
https://scholar.google.com/scholar_lookup?title=Uma+escuta+psicanal%C3%
ADtica+das+vidas+secas&publication_year=2002&journal=Revista+Textura
&issue=2&pages=42-47
29
FORMAÇÃO DE GRUPOS
(foto de acervo pessoal)
Os SCFV trabalham com grupos organizados por ciclos
etários. Este sistema permite trabalhar com temas e abordagens
que sejam mais adequados a cada ciclo. Entretanto, o simples
ajuntamento de indivíduos em um mesmo ambiente não cria um
grupo, necessariamente. Segundo Pichon-Riviere (2000) pode-se
referir-se a grupo quando se identifica um conjunto de pessoas
movidas por necessidades semelhantes, reunidas em torno de
uma tarefa específica. O autor também trata do que chama de
grupos operativos, nos quais não basta que o conjunto de
pessoas tenha um mesmo objetivo, ou tarefa como finalidade
comum. É necessário que esses elementos façam parte de uma
estrutura dinâmica chamada vínculo. À medida que se
relacionam e se reorganizam no desenvolvimento das tarefas,
deixam de ser um agrupamento e vão tornando-se um grupo.
30
Este processo implica em oferecer espaços de fala e respeito às
opiniões contrárias e mesmo ao silêncio. O debate é sempre
benéfico, pois exercita a argumentação e fortalece a perspectiva
de cada um. Também abre a possibilidade de experimentação de
algo que pode não ter sido pensado como possível.
Mas enquanto o grupo está no início de seu
desenvolvimento como tal, é necessário ter delicadeza e respeito
ao aspecto heterogêneo de seus participantes: há os mais abertos
e falantes, os mais fechados ou completamente fechados. Há
aqueles que têm medo, vergonha, afobamento, desconfiança etc.
Há que se respeitar e conduzir atividades que encorajem a
confiança de todos. Aos poucos a participação poderá ficar mais
completa. Um grupo também se constrói pela constância da
presença de seus elementos, assim como na constância de suas
atividades. Enquanto os elementos não se conhecem,
experimentam modos de relacionarem-se. Avançam, retrocedem,
experimentam os limites e possibilidades que possa haver nesta
relação facilitador-elementos-facilitador.
(foto de acervo pessoal)
31
Um grupo se constrói enfrentando o medo que o
diferente, o novo, provocam. Oferecer novos papéis e novas
possibilidades de ação pode ser um caminho promissor para a
invenção de um grupo e pode contribuir para a experiência da
força do coletivo, ainda que se esbarre em limites próprios e do
outro, na construção desta experiência, do conhecimento e da
vida.
Neste encontro seguimos nossa experiência estética na
criação do jeito dos jovens reproduzem a música Geni e o
Zeppelin. Uma semana depois de nosso exitoso encontro, todos
estão na expectativa de tocarem novamente juntos e
experimentarem o prazer do jogo coletivo que é tocar uma
música em grupo, com vários instrumentos. Hoje, quis ouvir
mais vozes. O menino que cantou com a menina não apareceu e
convidei os demais para que experimentassem. No entanto
ninguém se dispôs a cantar. Apenas a mesma menina de voz
doce e delicada que já havia oferecido sua voz ao grupo, na
semana anterior. Mas outros estavam interessados em explorar
instrumentos diferentes. E a flauta, que no início foi olhada com
certo desdém, depois dos resultados sonoros de nosso último
encontro, agora é disputada e um bom número dos jovens
presentes deseja experimentar o pequeno e harmonioso arranjo
feito para três flautas.
Tocamos a música novamente, agora criando pequenos
arranjos para os violões e para a percussão. A presença de um
operador social conosco me ajuda organizar as “vozes” (sons)
dos instrumentos de percussão. Para aqueles que não chegaram
a escolher ou definir um instrumento para tocarem, eu passo
32
uma sequência de palmas que devem ser batidas junto com a
execução do refrão “Joga pedra na Geni...”. O grupo menos
participativo se rendeu à ideia das palmas, um pouco
envergonhados. Experimentamos tocar algumas vezes a entrada
do refrão, o refrão todo e o final, e este pareceu ser para eles
um grande exercício de atenção (atenção em si mesmo e no
conjunto). Treinamos as flautas novamente e a nova introdução,
agora com um pequeno solo de violão. Tocamos a música toda e
houve vários erros por conta da dificuldade de concentração e
atenção de alguns. Noto que eu não preciso mais fazer o
trabalho do “professor que chama a atenção”: os próprios
jovens lembram aos demais quando é sua parte de tocar ou de
silenciar. Parecem ter entendido qual a estética da música e
onde as intenções de força, ou suavidade podem ou devem estar.
Um pequeno jogo de forças se estabelece em uma discussão
sobre as possibilidades de como se fazer a “levada” (jeito de
tocar) da canção. Intervenho buscando um consenso. Explico
que nosso espaço é democrático. Que ter ideias de como
executar a música é ótimo e reflete a compreensão e leitura de
cada um para a obra. Há muitos caminhos sonoros possíveis.
Nós passamos a experimentar na prática as ideias dos jovens
para a execução da música.
Em dado momento, recebemos a visita do grupo de
Corpo e Movimento (dança) em nossa sala de música. O grupo,
que já havia criado uma cena para a música, veio dar uma
espiada para ver e ouvir como estava ficando a versão dos
jovens da musicalidade para a execução da música. Os meninos
e meninas se prepararam com a pompa de uma orquestra para
aquela sua estreia em tocar para uma plateia. Silêncio,
33
concentração e lá foram eles. O som dos violões era
acompanhado pelos olhares curiosos do grupo da dança.
Quando entraram as flautas a plateia ficou claramente
encantada, o que provocou no grupo que tocava uma reação de
orgulho e o grupo parecia brilhar, todos concentrados e
mergulhados naquela experiência sonora. No refrão as meninas
da dança não aguentaram e cantaram junto. Ao final era claro o
encantamento de nossos visitantes, assim como o elevado apreço
do grupo de musicalidade por si mesmo. Ainda estávamos
ouvindo os elogios quando vieram avisar de nosso atraso para o
lanche. Encerramos a atividade com uma última combinação de
que no próximo encontro experimentaríamos os dois grupos no
palco, tocando e dançando/atuando.
Nesta cena extraída do diário, pode-se acompanhar um
pouco do processo que se deu não apenas para a escolha de uma
estética para a canção que os jovens desejavam tocar, mas,
sobretudo a partir desse objetivo comum, como os jovens vão se
tornando um grupo. Mesmo com as dificuldades e limites de
cada um e com as divergências de opinião, o grupo foi se
consolidando como tal pela afinidade em encontrarem, juntos,
uma afinação de sua convivência na oficina, no espaço; uma
harmonia na atenção e interesse. Aos poucos, as discordâncias
vão dando cada vez mais lugar aos acordos e a mediação do
facilitador se restringe mais em acompanhar as discussões do
que interferir nelas.
34
(foto de acervo pessoal)
... O grupo que toca pede para tocar outra vez. O que
apoia, pede para ouvir de novo. Há um notável interesse, prazer
e dedicação dos jovens seja na proposição de ideias e na
participação tocando e cantando, seja na ajuda mútua e apoio
de todos na manutenção do foco, nos pedidos de silêncio e no
cuidado em entrar/sair da sala em silêncio e com cuidado de
não atrapalhar. Assim como, também, na própria montagem e
organização da sala e equipamentos para que possam tocar. A
guarda e reorganização da sala, ao final do encontro, também é
realizada pelo grupo – que assumiu este compromisso como seu,
voluntariamente. O grupo se autogere. No final de nosso
encontro de hoje, a jovem A. se demora em deixar a sala – que
preciso fechar. Quando a chamo e a convido para subirmos
para o lanche ela me diz: “Ah, professor, dá pena ir embora. Ai,
eu quero aprender a tocar todos esses instrumentos”
(apontando o olhar para violões, guitarra, alfaia, bateria,
bongôs, teclado, etc). Suspira e conclui: “quero morar nessa
sala!”.
35
Podemos perceber aqui, como a questão da presença de
normas comuns (demandadas, respeitadas e mantidas pelo
grupo) e do prazer na participação e construção coletivas pode
contribuir na formação de um grupo. Há o prazer estético, mas
pode haver também o prazer em ter vencido o novo, em explorar
e ultrapassar limites pessoais pressupostos. À medida que os
jovens se ajudam mutuamente, têm objetivos comuns e avançam
para lugares novos – que antes não pensavam como possíveis
para si – é possível que experimentem o prazer desta sua
conquista, além da satisfação sonora direta que podem sentir. E
ainda há o divertimento e alegria envolvidos no recebimento de
respostas positivas de quem os ouve e elogia a criação e
execução do grupo. Estas experiências podem ajudar a resgatar o
jovem que esteja em um modo constrangido para um modo mais
participativo e confiante.
36
Para refletir e discutir:
Você já sentiu a força que há no coletivo? Pense nos grupos que participa
(participou), como escola, família, trabalho, grêmios, etc. Analise sua
participação nestes grupos. Seus papéis são iguais nos grupos que participa?
Em quais você sente que há vínculo? Seu modo de trabalho promove a
construção de grupos?
Leitura sugerida:
A teoria do Vículo – Pichón-Riviere: PICHON-RIVIÈRE, Enrique.
Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes,2000.
Pichon-Rivière, a dialética e os grupos operativos: implicações para
pesquisa e intervenção
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-
29702013000100004
37
APRENDIZADO INVENTIVO
(foto de acervo pessoal)
Os processos reflexivos e criativos nas oficinas de
musicalidade foram sendo exercitados pelo grupo a partir de seu
interesse nas discussões e principalmente pelo entusiasmo de
todos em tocar as músicas. Os jovens foram se apropriando de
algum conhecimento – ainda rudimentares – das técnicas
musicais, mas se mostravam bastante atraídos por
experimentarem formatos e estéticas musicais. Passaram a
sugerir o uso de outros instrumentos e decidiram misturar estilos
e sonoridades, recriando novas estéticas por meio de
combinações e formatos musicais que o próprio grupo propunha.
Pode-se dizer que estavam em busca de encontros, de
experiências e de aprendizagem, e não de informação e de um
saber pronto para ser absorvido e consumido (KASTRUP,
2010). Estavam provocando encontros que os surpreendiam, que
provocavam estranhamento e isso se mostrou prazeroso e
estimulante para o grupo. As reflexões e discussões acerca das
38
letras, do contexto histórico em que foram escritas e o modo
como essa reflexão reverberava na experiência de vida singular e
coletiva do grupo os levou a pensar e parece ter desencadeado
processos de criação, ou de aprendizagem inventiva.
(foto de acervo pessoal).
O processo de aprendizagem musical inventiva
difere do processo de recognição4
, em que o aprendiz se detém a
repetir exercícios de fixação e de escalas para o controle de
dedos e mãos, por seu caráter inventivo. Neste segundo modelo,
o aprendiz é convidado a explorar e descobrir caminhos musicais
por meio do instrumento escolhido por ele. Deste modo, ao invés
de receber informações e instruções de “como e quando tocar”, o
jovem vai explorando o instrumento e escolhendo “como e
quando tocar”. Não se trata de uma liberdade anárquica e sem
normas, mas um exercício de sensibilidade e de escolha, um
espaço criativo em que não há uma subordinação à tirania do
4
Ação ou resultado de reconhecer, reconhecimento de determinada coisa,
“marcada pela repetição, por um funcionamento que se mantém sempre o
mesmo, resguardado de efeitos de transformação” (KASTRUP, 2007, p. 67).
39
arbítrio, mas uma ação normativa, um não constrangimento em
agir.
(foto de acervo pessoal)
A obra de Georges Canguilhem O Normal e o
Patológico, escrita em 1943, propõe a noção de normatividade
vital. O autor considera que um ser vivo é algo mais do que a
simples soma de suas partes constituintes. Há muitos fenômenos
envolvidos sem os quais a vida não seria possível; ainda assim, a
vida não seria o simples somatório desses fenômenos, mas algo a
mais. Nesta perspectiva, a saúde não poderia ser entendida como
uma adaptação bem-sucedida do organismo ao meio, mas como
uma capacidade de provocar desequilíbrios e recriar, inventar
maneiras inéditas para reequilibrar este organismo com base em
normas diferentes sempre que necessário. Esta “nova forma”
pode não ser melhor que a antiga, mas é a que foi possível
(re)criar, conceber, inventar para o reequilíbrio daquele
organismo. Todo ser vivo é normativo, no sentido de que é capaz
de produzir novas normas para si, em função dos desequilíbrios
e constrangimentos que a vida lhe impõe.
É possível fazer uma analogia entre esta noção de
normatividade vital para o âmbito social, pensando que um
sujeito pode sentir-se constrangido em sua potência de agir dada
uma determinada condição de vulnerabilidade social
(relacional). As oficinas nos SCFV podem ser o espaço que
40
ofereça aos participantes, oportunidades de entrar em contato
com sua potência de transformação, de invenção de si por meio
da produção de subjetividade. São muitos os constrangidos não
por uma patologia, mas por sua condição social e há propostas
que podem produzir um desequilíbrio que provoque o
deslocamento deste estado de constrangimento para um novo
lugar que colabore para uma nova forma de ver a si e ao mundo
de maneira mais criativa, ativa e normativa.
(Foto de acervo pessoal)
Esta é, portanto, uma experiência exploratória na
qual o aprendizado não se estabelece pelo que está pré-
determinado e planejado (ainda que seja importante ter um
planejamento como ponto de partida e falaremos disso mais
adiante), mas justamente pelo imprevisto. Desta maneira, cabe
acolher tudo o que o grupo traz, assim como também, cabe o
totalmente novo, o inusitado ou o antes impensado pelo grupo.
Este processo é fluido, e está sempre em movimento. Cabe
àquele que acompanha as atividades na oficina, fluir junto com
os participantes, encorajando a participação de todos (cada um a
41
seu modo) facilitando seus movimentos e oferecendo espaços
para a frutificação das invenções surgidas.
O aprendizado inventivo, por seu caráter livre e com
a facilitação dos processos costuma apresentar-se como uma
experiência geradora de mudanças no modo como o grupo atua
no singular e no coletivo. Na experiência do aprendizado
musical inventivo tivemos, em um primeiro momento, o
encantamento do grupo por aquilo que construíram juntos – no
caso, a música Geni e o Zepelim, cantada e tocada por várias
vozes e instrumentos. À medida que o grupo explorava e
dominava melhor os instrumentos e o microfone, foram ficando
mais exigentes consigo mesmos, tornando mais profundas e
complexas as experiências que se propunham vivenciar.
(foto de acervo pessoal)
Há neste processo uma passagem pela recognição, e
por sua atitude programada como resposta à apresentação de
novas experiências. Vencidas as (possíveis) resistências iniciais,
a proposta é de exploração espontânea do participante com o
objeto escolhido. No caso da musicalidade, o instrumento.
Percebem a importância de ouvir antes de tocar: ouvir o tom, o
ritmo, os tempos e o desenho das frases musicais. É neste ponto,
a partir dele, que os processos subjetivos começam a aparecer
42
musicalmente. Faz-se necessário um mergulho nos sentidos para
ouvir e escolher como e onde tocar. É quando os jovens
escolhem se as notas devem aparecer mais curtas ou mais
alongadas. Decidem tocar muitas notas ou apenas poucas, tocar
imprimindo força ou leveza. Esta experiência atencional de
exploração dos sons costuma levar bastante tempo até que se
sintam suficientemente prontos para a experiência de tocarem a
música escolhida em um sentido mais de execução da “música
pronta”, não necessariamente definitiva, mas com seu desenho e
caminhos gerais produzidos e definidos, de forma que agrade ao
grupo. É comum que, à medida que se sintam mais apropriados
no controle dos instrumentos, cada um vá refinando e propondo
alterações nos pontos em que percebem ser possível montar
algum arranjo mais elaborado, que possa compor melhor com os
demais instrumentos.
(foto de acervo pessoal)
Neste processo, é possível traçar um paralelo com a
própria convivência do grupo, que também vai se refazendo em
invenções e ajustes de (in)formações, de trocas e descobertas que
partem da exploração de si, do grupo, do território e de um olhar
atento ao que nos afeta e de novas possibilidades de arranjos do
coletivo, com a participação de todos. Embora esta experiência
da aprendizagem musical inventiva se baseie nas vivências da
43
oficina de musicalidade, foi notável o modo como os
participantes levaram este modo mais inventivo de ser e estar
para as demais oficinas. Logo, passaram a “inventar
problemas”: a característica mais marcante da aprendizagem
inventiva. A aprendizagem inventiva não trata da ação de
resolução de problemas. Vai além: a criação de problemas.
O grupo já não espera receber algo pronto; passa a
transformar as propostas da oficina em algo que ele próprio
decide experimentar e criar. Este modo mais inventivo de estar e
ser extrapolou os espaços da oficina de musicalidade. Em
seguida, a atitude inventiva estava na oficina de artes, de teatro,
dança de rua, e demais oficinas. Mais do que isso, o grupo
assumiu a gestão da organização das salas, e dos espaços que
ocupavam. Os jovens organizaram assembleias e decidiram
juntos fazer algumas propostas para a chefia do espaço. Tais
atitudes se deram sem a ajuda ou interferência de facilitadores ou
operador social, o que mostra um novo posicionamento diante
das relações estabelecidas (invenção de problemas). Esta
maneira de desenvolver as atividades por meio da aprendizagem
inventiva foi utilizada inicialmente com a música, mas podemos
substituir a música por qualquer outro objeto. A atividade
inventiva não está no objeto (música), mas no modo como
acolhemos o novo e com os estímulos que damos e recebemos.
44
Para refletir e discutir:
Os jovens podem tomar decisões relativas às atividades que farão? Sugestões
são acolhidas? Quem e como se decide por sua aceitação? Há espaço para o
não programado?
Leitura sugerida:
APRENDIZAGEM, ARTE E INVENÇÃO (Virgínia Kastrup):
http://www.scielo.br/pdf/pe/v6n1/v6n1a03.pdf
A INVENÇÃO DE SI E DO MUNDO (Virgínia
Kastrup):https://issuu.com/grupoautentica/docs/a_inven____o_de_si_e_do_m
undo_-_uma
O NORMAL E O PATOLÓGICO (Georges Canguilhem):
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3114962/mod_resource/content/1/O
_Normal_e_o_Patologico.pdf
45
EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS
(foto do grupo em atividade externa5
)
Neste dia tivemos uma atividade externa e todos os
jovens que participam das oficinas de terças-feiras
(musicalidade e teatro) foram ao Sesc para a exposição
“Incertezas Vivas”. A proposta da exposição é provocar e
estimular a criação de outras formas de interagir com a
dimensão cotidiana. “As formas de convívio e de ocupação
humana são dinâmicas que se reinventam diante de novas
perspectivas ou impedimentos e passam a escrever outras
narrativas”. A saída do equipamento foi animada. Todos se
prepararam para a ocasião especial: os meninos de calça e
tênis; as meninas com suas produções femininas, cabelos com
novo visual, vestidos, batons, todos contentes pela expectativa
do que encontrariam na exposição. Tivemos violão e cantoria no
percurso até o Sesc. Chegando lá, tivemos contato com a
monitoria que havia montado uma proposta para nossa
5
Sob o título Incerteza Viva, a 32a Bienal de São Paulo teve como eixo
central a noção de incerteza a fim de refletir sobre atuais condições da vida
em tempos de mudança contínua e sobre as estratégias oferecidas pela arte
contemporânea para acolher ou habitar incertezas. Parte itinerante da
Bienal foi exposta no SESC, onde tivemos a atividade externa.
46
visitação. Divididos em três grupos, os jovens deveriam se guiar
por uma linha de cor específica (uma cor diferente para cada
grupo). Cada linha guiava o grupo por uma sequência de
visualização das obras expostas. Em cada obra havia uma
questão disparadora que estimulava o observador a refletir
sobre um tema que se relacionava com a criação artística
observada.
• Qual é a frente e o verso de Santos prá você?
A frente: “a orla”; “a ponta da praia”; “o Gonzaga”.
O verso: “Zona Noroeste”; “as favelas”; “cuidado com
o destino, ele brinca com as pessoas” (Chorão); “Mas a
vida ensina, só eu sei o que passei; A vida não é fácil,
mas eu tô ligado, eu sei; eu sigo o meu caminho, tô firme,
tô aí; Não há nada nessa vida que me faça desistir”
(Chorão) – Trechos de música que os jovens vão citando.
• O que ela mostra e o que esconde?
• Se você escolher uma imagem para mostrar Santos, o
que você escolheria?
• Se você fosse desenhar ou fotografar um lugar, ou
recolher um objeto que representasse a sua cidade, qual
seria?
Os jovens se mostraram interessados e abertos ao
pensamento abstrato, embora no início tenham parecido
indecisos quanto às suas impressões a respeito das obras que
viam, aos poucos foram se abrindo e explorando seus
pensamentos e encontrando diversas leituras para o que viam.
Sobre uma grande bancada quadrada, havia dezenas de
pequenas formas feitas de uma massa branca. Todas alinhadas,
de tamanhos variados, cuidadosamente separadas da menor
para a maior. Alguns jovens entenderam que era uma
representação do tempo, da vida e sua finitude. Noutra obra, um
47
grande círculo cheio de água, com um cubo de concreto bem no
centro: “É Santos! Era uma ilha e foi concretada”, disse uma
menina. E assim seguia nosso percurso pela exposição. Ao
encontrarmos uma peça composta de um livro de poesia com
uma concha pintada de preto sobre ele, um menino disse que era
“o luto por conta do desinteresse pela leitura”. Outra menina
arriscou que se tratava de “da poluição dos mares e da
natureza, que faziam diminuir a poesia do mundo”. Outro
preocupou-se que poderia ser por conta do autor do livro, que
poderia ter morrido e por isso a concha preta. Ao final, os três
grupos se reuniram para comentarem juntos, no grande grupo,
suas impressões daquela visita.
À frente de um quadro com a imagem de várias
conchas diferentes, o monitor pergunta: o que são? “Conchas”,
respondem os jovens. O monitor torna a questionar: “E nós, o
que somos?” Os jovens respondem “gente, pessoas, seres
humanos”. O monitor provoca: “que relação há entre as
conchas e nós?” Quase todos os jovens vão pelo caminho da
relação com o mar e/ou com o fato de sermos todos “seres
vivos”. Uma menina traz a ideia de que embora sejam todas
conchas, cada uma tem uma particularidade. Um menino
completa: “A gente não sabe o que tem dentro da concha. Nem
sempre a gente mostra o que está dentro da gente”. E o que há
dentro de você? “Sentimentos”; “Um lugar”; “Coração”,
respondem.
A experiência estética em nossa atividade externa
não se resume apenas à exposição das peças apresentadas, mas a
toda experimentação do espaço, ao encontro com as pessoas que
frequentam aquele local, aos sons, cheiros, a todo o caminho de
onde se sai até o lugar da visita, inclusive os banheiros, clima
etc. Nesta prática, o mais importante não é a informação, mas a
experiência marcada pela emoção estética. Tanto a oficina
quanto as vivências em atividades fora do SCFV contribuem em
48
muito para uma renovação do território existencial destes
sujeitos. Um dos pontos mais importantes da aprendizagem
inventiva é a invenção de mundo por meio da ampliação de
redes e conexões (KASTRUP, 2010). A convivência é
fundamental para a criação e recriação destas redes.
(imagem de acervo pessoal)
Em uma experiência como a visita destes jovens à
exposição Incertezas Vivas, há uma gama enorme de
possibilidades de encontros. Uma experiência estética não
necessita ser definida pelo objeto a que corresponde, como um
quadro ou a beleza que este possa apresentar por seus traços e
cores, à experiência comum (KASTRUP, 2010). Ela não precisa
ser uma vivência produzida a partir da arte. Uma experiência
estética também emerge na vida cotidiana, apresentando-se em
forma de momento especial, marcante. Pode ser a força de uma
tempestade ou de um pôr-do-sol; pode ser um encontro, uma
refeição compartilhada, uma experiência musical, algo marcante,
que se sobressaia aos fatos banais e corriqueiros. Segundo
Kastrup (2010), uma vivência deste tipo não é facilmente
esquecida, não se dissipa. Outra de suas características é a
síntese que parece formar entre suas partes constituintes. Por
fim, a terceira qualidade da experiência estética é que
encontramos misturadas as dimensões emocionais, prática e
49
intelectual, que só vamos conseguir analisar separadamente
depois de vivida a experiência.
(imagem de acervo pessoal)
A autora defende que uma experiência estética é
emocional; que a experimentação desta dimensão emocional se
dá por meio da conexão do sujeito (corpo) com o mundo a sua
volta; e que a última fase desta experiência seria a busca por um
significado desta experiência estética, por meio da dimensão
intelectual. Reconhecer uma experiência estética pode também
levar o sujeito a se tornar mais sensível, atento e aberto a novas
vivências que também produzam este tipo de encontro incomum
e surpreendente. Incomum, não porque o objeto que cause o
estranhamento deva ser novo, mas o olhar, o afetamento, e a
emoção gerada.
As experiências estéticas e de exploração de um
novo ambiente – como um museu ou um espaço de exposição
artística - por outro lado, não impedem também algum tipo de
discriminação quando sujeitos de diferentes camadas sociais se
encontram no mesmo espaço físico.
Se, por um lado, diante das obras expostas formam-
se conexões entre a obra e o olhar daquele que a examina,
50
causando afetações que podem acessar a subjetividade do
sujeito, provocando alguma transformação, também há – ou
pode haver – olhares ou atitudes de preconceito que podem
afetar o sujeito no instante de sua experiência no ambiente.
Deste modo, pode haver um deslocamento da experiência de
uma subjetivação que pertencia à interação do sujeito com a arte
para uma experiência subjetiva (e objetiva) do sujeito com uma
atitude de preconceito. Em nossa visita ao Sesc tivemos alguns
destes olhares de estranhamento em relação à presença de nossos
jovens. O grupo está acostumado a estes olhares. Como estamos
todos juntos, parecem mais fortalecidos e tais fatores não se
apresentam como impeditivo para que mergulhem na
experiência estético-artística. Também há sorrisos de aprovação
e admiração por parte de alguns frequentadores que
examinavam, ao mesmo tempo, as mesmas obras que os jovens e
ouviam os comentários pertinentes e as questões interessadas
daqueles meninos e meninas.
(foto de acervo pessoal)
As experiências estéticas também agregam bagagem
cultural pelos modos como podem afetar os sujeitos que se
abrem para esta experiência. Na experiência de criação do
51
musical pelos jovens do CEJUV as escolhas estéticas para o que
produziam eram intencionais e escolhidas pelo grupo para buscar
efeitos que desejavam fazer experimentar aqueles que
assistissem à representação. Cores, formas, ocupação dos
espaços, toda estética de criação foi concebida ou teve a
participação do grupo. Estas experiências também serviram para
entendermos as reflexões acerca das diferentes estéticas da
cidade e sua representação simbólica em nosso modelo de
sociedade (desigual).
Para refletir e discutir:
Quanto se pode explorar em uma atividade externa? É possível criar
experiências estéticas significativas no ambiente do SCFV? Podemos
encontrar novos olhares para o espaço cotidiano?
Leitura sugerida:
Experiência Estética para uma Aprendizagem Inventiva: notas sobre a
acessibilidade de pessoas cegas a museus (Virgínia Kastrup):
http://seer.ufrgs.br/InfEducTeoriaPratica/article/download/12463/13435
52
TERRITÓRIOS E AFETOS
(foto de acervo pessoal)
Os territórios (centro, área continental, zona
noroeste, zona intermediária, orla e morros) podem ter
características que os diferenciem uns dos outros, embora todos
apresentem desafios quanto à superação das situações de
vulnerabilidades no âmbito da assistência social. Reconhecer as
marcas do território onde se atua é fundamental para a melhor
interpretação dos sinais daquele lugar e, portanto, permite
abordagens mais assertivas e relevantes para os participantes dos
encontros nas oficinas oferecidas.
A Coordenadoria de Gestão do Sistema Único de
Assistência Social (COGESUAS), da Secretaria de Assistência
Social de Santos produziu o Diagnóstico Socioterritorial do
Município de Santos, em janeiro de 2014. Este importante
documento é um estudo das informações obtidas do IBGE
(2010) sobre as áreas de ponderação da cidade, sob aspectos
variados. O documento apresenta uma série de informações que
ajudam a delinear os territórios e o perfil das famílias, assim
como também os pontos de maiores riscos e vulnerabilidades no
município. Embora represente uma ótima base de consulta, o
trabalho não abrange todos os aspectos e minúcias dos
53
territórios. Antes de empreender uma ação no SCFV de qualquer
território seria valioso aprender um pouco sobre o local, sua
história, seu passado recente e seus dramas mais imediatos. A
conversa com os trabalhadores do equipamento e com o apoio
técnico pode ser de grande valia para a escolha das propostas
para os grupos trabalhados.
(foto de acervo pessoal)
... De setembro deste ano para agora já foram ao menos três
episódios em que a polícia atuou ostensivamente resultando em,
ao menos seis mortes oficiais. Número controverso, segundo
moradores da comunidade, que apontam haver mais – sumiram
e não há corpo e, portanto não há confirmação de morte.
Passamos algumas semanas com muitas viaturas rondando e
baseadas em alguns pontos de entrada da comunidade. O medo
é amortecido por um estado de normalidade gerado, acredito,
pela dura convivência com situações como esta. Ainda assim,
percebe-se um clima de atenção e tensão entre os jovens.
54
Lembro da poesia criada e cantada pelo jovem G., que foi
introduzida ao musical que preparam, em que ele fala:
“tiros, bombas, bala perdida
Quem vê de fora
Não sabe o que é nossa vida...”
Um dos episódios violentos levou o primo de uma jovem
do Cejuv. Ela conta que ele não tinha envolvimento com o
tráfico, mas que era amigo de infância de alguns meninos que se
ligaram ao comando. Segundo ela, o primo estava voltando da
feira e encontrou o amigo. Enquanto conversavam, apareceu um
carro policial e atirou no amigo. Algumas testemunhas contam
que o primo da menina, ajoelhado, assustado, pediu para não o
matarem, mas não adiantou. Ele tinha apenas 16 anos. Estas
cenas, infelizmente, são comuns. Estar no lugar errado, na hora
errada acontece com frequência, com essa população. Pode ser
alguém com envolvimento no crime ou apenas um jovem
voltando do trabalho ou de um curso noturno, ou da faculdade.
Apesar de toda dureza, são jovens. Gostam de se divertir
e de sentirem-se felizes. O quanto puderem. Enquanto tocam,
cantam e dançam, acompanho seus rostos e vejo alegria, leveza,
prazer. Sabem que estão seguros naquele ambiente até o final do
encontro e até que os portões se fechem, podem relaxar e cantar
livres, sem medo.
Outra chave valiosa para aqueles que desejam
facilitar é o olhar atento e a escuta aberta, receptiva. Muitas
informações relevantes para o entendimento das vulnerabilidades
55
relacionais vividas pelos participantes da oficina – e, portanto,
para a escolha do melhor acolhimento e condução das atividades
(de modo a trabalhar positivamente os sinais apresentados (ex.:
violência, abuso, isolamento etc.)) depende da atuação daquele
que facilita a atividade. A gentileza, respeito, cuidado, firmeza,
atenção, escuta e horizontalidade no trato, são fatores
fundamentais, entre outros, para estabelecer-se um ambiente
equilibrado e propício à convivência. Entretanto, uma parte das
respostas que os sujeitos dão a estes estímulos também está
ligada a relação que se estabelece entre cada participante e
aquele(a) que facilita, assim como também aos modos já
estabelecidos de relacionar-se com o outro – por conta das
experiências em vulnerabilidades vividas.
Para refletir e discutir:
Reconheço as marcas do território onde atuo? Nas minhas abordagens com os
grupos, levo em conta as características do território? Como fazer uma
aproximação delicada e amistosa com novos participantes de um encontro?
Minha linguagem corporal passa qual mensagem? De que modo o grupo me
percebe?
Leitura sugerida:
Solicite à chefia dos espaços (SCFV) onde atua:
DIAGNÓSTICO SOCIOTERRITORIAL DO MUNICÍPIO DE
SANTOS – Coordenadoria de gestão do sistema único de
assistência social (COGESUAS) 2014.
56
PLANEJAR E REGISTRAR
(foto de acervo pessoal)
O planejamento de uma equipe de trabalho em um
SCFV costuma basear-se nas demandas dos seus participantes
sob o ponto de vista dos três eixos principais que norteiam o
serviço: Convivência social; Direito de ser; Participação. A
convivência social foi afirmada em 2004 como segurança de
assistência social na Política Nacional de Assistência Social
(PNAS). A afirmação desta especificidade na intervenção
pública dessa política de seguridade social orienta que seus
sujeitos pensem e construam pactos coletivos em torno das
necessidades prioritárias a serem enfrentadas, nas metodologias
de trabalho e na expectativa de seus resultados. “Defende-se o
entendimento de que a convivência social é método de trabalho e
o fortalecimento de vínculos o resultado dessa intervenção”
(Brasil, 2013, p.43).
Neste sentido, as chefias dos SCFV costumam
receber informações dos CRAS (a que são referenciados) e
orientam a equipe de trabalho segundo esta comunicação,
transmitindo a todos, quaisquer cuidados ou atenções que deva
haver. Outro aspecto relevante ao planejamento, neste contexto
57
das reuniões de equipe, é aquilo que operadores sociais,
facilitadores e monitores podem trazer para conhecimento de
todos sobre algo que tenha emergido em algum(s) encontro(s) e
que seja tenha relevância no conjunto de aspectos que se trabalha
(ou que se deseja trabalhar). Além destes aspectos há, ainda,
outro e diz respeito ao momento que o território vive (incêndios,
violência policial, confrontos, questões da escola, enchentes,
deslizamentos, etc.). Caso haja algum acontecimento que de
algum modo cause (ou possa causar) impacto nos sujeitos que
participam da(s) oficina(s), o assunto passa a ser relevante ao
conhecimento de todos para que possam acolher com delicadeza
este aspecto e levá-lo em conta em seu(s) planejamento(s) e
modo(s) de acompanhar o grupo.
Em uma reunião de equipe é possível colher e
partilhar experiências. As diferentes personalidades presentes
podem trazer leituras distintas do que ocorre com um mesmo
grupo. E este deslocamento de olhares pode ser benéfico para
todos, por oferecer um enriquecimento de pontos de vista, um
compartilhamento de situações práticas e experiências do
cotidiano que muitas vezes são vividas e/ou acolhidas de modos
distintos por cada um. Explorar novas possibilidades de lidar
com as situações que se nos apresentam pode contribuir para o
repertório de respostas de todos. Por isso é fundamental que haja
espaço de fala reservado para que cada um possa contribuir.
Cabe à chefia mediar as falas e garantir que todos sejam
contemplados.
A partir destas informações e experiências, pode-se
trabalhar na construção de propostas para as oficinas, o
planejamento. Contudo, a elaboração de um planejamento
significa apenas estabelecer um plano de partida. O encontro nas
oficinas pode se parecer com uma travessia em que o barco
deixa o porto em uma determinada direção, com suas velas
reguladas para os ventos conhecidos, mas sabe-se sujeito à maré,
ao regime dos ventos e as correntes, ao sabor do oceano no qual
58
flutua. Do mesmo modo que cabe ao comandante ajustar as velas
para a realidade encontrada na travessia, cabe àquele(s) que
facilita(m), ajustar também os rumos do encontro, acolhendo o
que emerge do grupo e dando sentido ao contexto dos eixos
norteadores do serviço de convivência, à luz das discussões de
equipe. Nem sempre a travessia nas oficinas acompanha a
precisão da navegação (navegar é preciso), e as imprecisões
podem servir de experiência para que se ofereçam encontros
cada vez mais significativos e proveitosos para os participantes,
em seus processos de transformação. É muito importante abrir
espaço entre o planejado e o esperado.
(foto produzida pelos jovens na oficina de artes)
Criar a expectativa de seguir um planejamento que
pretenda alcançar um objetivo específico, determinado, pode
levar à frustração de quem planejou e também do grupo que
participa da oficina – se este grupo não se vir contemplado nas
suas necessidades e expectativas. A propósito, se tiver havido
aprendizagem inventiva, é presumível que haja a construção de
um grupo operativo, e é provável que o planejamento seja
59
substituído por aquilo que o grupo apresentar como proposta
para aquela oficina. Nesta perspectiva pode-se dizer que, se tudo
der certo, o planejamento não será usado. Ou, quando o for, este
será mesclado ao que o grupo propuser como resultado de plano
conjunto. Quando trabalhamos na direção promover o direito de
SER, proposto pelo bom jogo da CONVIVÊNCIA, estimulamos
a PARTICIPAÇÃO. E este conjunto de características operando
em um grupo irá criar um terreno fértil para que os sujeitos, em
conjunto, expressem suas demandas. E estas provavelmente
serão pertinentes e farão sentido a todos.
Ainda assim é possível pensar em propostas que
genericamente apostem em alguns caminhos comuns à
abordagem de qualquer planejamento:
• Atividades que envolvam movimentação corporal e
reconhecimento do ambiente;
• Que envolvam aspectos para além da transmissão de
informações e apreensão cognitiva;
• Propostas em que se possa compartilhar informações
sobre si (sem ser invasivo), a fim de possibilitar a
aproximação e fortalecer vínculos entre os participantes;
• Abrir espaço entre o planejado e o que emerge do grupo;
• Afirmar e garantir a horizontalidade na tomada de
decisões ao longo do processo das oficinas;
• Trabalhar o compartilhamento de responsabilidades entre
os participantes do grupo;
• Oferecer o novo, incentivando e promovendo o aumento
de repertório de convivência (social), assim como o
repertório cultural (apresentar algo diferente);
• Criar propostas que estimulem a construção coletiva,
para que a apropriação do aprendizado seja feita como
aquisição do grupo e não somente do sujeito.
60
• Explorar diferentes formas de expressão para ampliar o
repertório de possibilidades de participação;
• Registrar logo após o encerramento do encontro. Desta
forma é possível mapear e acompanhar os sinais que
marcaram aquele encontro.
Registrar o que ocorreu no encontro pode se revelar
instrumento muito potente no mapeamento do encadeamento
entre propostas e respostas a estas. O exercício de descrever o
que e como aconteceu na oficina pode revelar aspectos muito
significativos a respeito da trajetória do grupo. Se não houver
tempo para um registro detalhado, pode-se captar e registrar
aquilo que parecer mais relevante, como forma de acompanhar
melhor os processos e, com isso, facilitar melhor, além de poder
ser fonte de informações para operadores sociais e chefia do
SCFV.
É fundamental olhar de perto para as relações entre
os sujeitos – cartografá-las. Observar os laços que há e como se
dão suas particularidades. Cada lugar na convivência pode
oferecer relações de proteção ou desproteção, dependendo de
como se dão. Os sujeitos são marcados também por essas
experiências e muitas vezes transportam sentimentos e sensações
de uma relação para outra. Nos encontros da oficina é possível
observar como os sujeitos agem e reagem. Registrar os encontros
permite acompanhar deslocamentos de posições dos sujeitos,
assim como também possibilita planejar ações que provoquem
reações que se deseja trabalhar no grupo.
Na relação com o outro haverá algum tipo de
comunicação que pode ser verbal ou não verbal. As oficinas
podem fazer uso de muitas linguagens e oferecer diferentes
meios de expressão (visual, musical, cênica, por desenhos,
dança, etc.). Cabe a quem facilita, a leitura e tradução destes
61
discursos expressados pelos sujeitos, levando em conta que todo
discurso é uma construção social, que reflete uma visão de
mundo vinculada à sua experiência de vida na sociedade em que
está inserido e que só pode ser analisado considerando seu
contexto histórico-social e suas condições de produção.
Os acontecimentos significativos (sutis ou intensos)
podem ocorrer em profusão, nos encontros das oficinas. E estes
podem se perder se não forem registrados. As falas, gestos e
trocas que acontecem deixam pistas de uma estrutura
micropolítica que se estabelece entre os participantes. Modos de
conviver já estabelecidos e que apenas repetem nas oficinas. O
facilitador, assim como um pesquisador, poderá lançar mão de
uma análise do discurso (discurso visto como expressão),
levando em conta todo o contexto de vida do sujeito, para
compreender o que se estabelece. Esta delicadeza de um olhar
que se ajusta para entender o que está além e por trás de gestos e
falas, registrados, se traduz em ferramenta potente para se
trabalhar com o grupo.
Relatórios mensais tem sua relevância para que
chefias e apoio técnico possam acompanhar os processos
ocorridos nas oficinas, além de servir de documentação do
trabalho realizado nos SCFV, portanto uma importância mais
ligada à gestão. Os registros mais cotidianos (em diários de
bordo ou anotações), por sua vez, são muito significativos para
quem trabalha diretamente nas oficinas – mas não deixam de ser
também, uma fonte de informação e acompanhamento para
gestão, mas de uma forma consideravelmente mais rica e
detalhada, que possibilita aprofundamentos de análise e,
portanto, uma documentação com mais recursos. É importante
esclarecer que qualquer análise estará sujeita às implicações do
olhar de quem analisa, assim como o registro levará também a
marca da percepção do observador (facilitador). Não é possível
62
pretender a isenção do educador social que está mergulhado no
processo e é, portanto, parte desta dinâmica.
Ainda em relação aos registros das atividades, é
possível outras formas que contribuam com os diários e registros
escritos, como por exemplo desenhos, músicas, pinturas, textos e
outras expressões formuladas e desenvolvidas pelos sujeitos;
frases ditas (silêncios também) ou situações ocorridas no
encontro (anotadas/descritas pelo facilitador).
Para refletir e discutir:
Seus planejamentos contemplam as necessidades do grupo? De que forma o
grupo participa do planejamento? Você registra os acontecimentos relevantes
do cotidiano? Você percebe sua implicação política na forma como planeja e
como registra? Há espaço de tempo garantido para produzir registros (dentro
da carga horária)?
Sugestão de leitura:
KASTRUP, V. Escóssia, L. e Passos, E. Pistas do método da cartografia:
Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade - Porto Alegre: Sulina,
2015.
63
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Fernando Antônio Gonçalves. Retomando–A arte
possibilita ao ser humano repensar suas certezas e reinventar o
seu cotidiano–a partir da ideia: Incerteza Viva. Revista
GEARTE, v. 4, n. 2.
BRASIL, Caderno de Orientações – Serviço d Proteção
Integral à Família e Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos. MDS-SNAS, Brasília, 2015.
BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social. Concepção de
convivência e fortalecimento de vínculos – Brasília, DF: MDS,
Secretaria Nacional de Assistência Social, 2017.
BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome. Perguntas Frequentes - Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos. Brasília, 2016.
BRASIL, Ministério Do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome – Secretaria Nacional de Assistência Social. Política
Nacional de Assistência Social. Brasília. 2004.
CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. trad.
Maria Thereza Redig de Carvalho Barrocas e Luiz Octavio
Ferreira Barreto Leite.–. Coleção Campo Teórico, v. 3, 1990.
COELHO, Maria Francisca Pinheiro; TAPAJÓS, Luziele Maria
de Souza; RODRIGUES, Monica. Política Social Para o
Desenvolvimento: Superar a pobreza e promover a inclusão.
UNESCO, 2010.
FREIRE, Paulo. Paulo Freire: nós podemos reinventar o
mundo'. Obra de Paulo Freire; Série Entrevistas, 1993.
64
GONZAGA, Luiz; TEIXERA Humberto; Asa Branca. In. Vou
prá roça. Rio de Janeiro. RCA Victor. 1947. Lado A. Disco de
Vinil.
HOLLANDA, C. B. de. Geni e o Zepelim. In: Ópera do
Malandro. Rio de Janeiro: Polygram Philips, 1979. Disco 2.
Lado A. Faixa 5. Disco de Vinil.
IBGE. Censo demográfico 2010. IBGE: Instituto Brasileiro de
Geografia e, 2010.
KASTRUP, Virginia. A invenção de si e do mundo: uma
introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição.
Papirus Editora, 1999.
KASTRUP, Virginia. Atualizando Virtualidades: construindo a
articulação entre arte e deficiência visual. In: MORAES, Márcia;
KASTRUP, V. (Org.). Exercícios de Ver e não Ver: arte e
pesquisa com pessoas com deficiência visual. Rio de Janeiro:
NAU, 2010.
KASTRUP, Virginia. Autopoiese e subjetividade: sobre o uso
da noção de autopoiese por G. Deleuze e F. Guattari. Revista
do Departamento de Psicologia da UFF, Niterói, v. 7, n. 1, p. 96-
97, 1995.
KASTRUP, Virgínia. Experiência estética para uma
aprendizagem inventiva: notas sobre a acessibilidade de pessoas
cegas a museus. Inform Educ, v. 13, n. 2, p. 38-45, 2010.
KASTRUP, Virgínia. Aprendizagem, arte e invenção. Psicologia
em estudo, v. 6, n. 1, p. 17-27, 2001.
65
O PENSADOR, Gabriel. Fé na Luta. In. Fé na luta. Rio de
Janeiro, Hip Hop. 2016. Faixa 1. Cd.
PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTOS. Diagnóstico sócio-
territorial. Coordenadoria de gestão do SUAS, 2014.
PEREIRA, Thaís Thomé Seni Oliveira. Pichon-Rivière, a
dialética e os grupos operativos: implicações para pesquisa e
intervenção. Revista da SPAGESP, v. 14, n. 1, p. 21-29, 2013.
PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Teoria do vínculo. Tradução:
Eliane Toscano Zamikhouwsky. 1998
ROSA, Miriam Debieux. Uma escuta psicanalítica das vidas
secas. Textura: Revista de Psicanálise, v. 2, n. 2, p. 42-46,
2002
ROSA, Miriam Debieux. Psicanálise, Política e Cultura: A
Clínica em Face da Dimensão Sócio-Política do Sofrimento.
2015. 144 f. Tese (Livre Docência) – Curso de Psicologia
Clínica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
SAWAIA, B. B. (org.). As artimanhas da exclusão: uma
análise ético-psicosocial da desigualdade. Petrópolis, RJ: Vozes,
1999.

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Facilitar: trilhas, instrumentos de percurso e caminhos possíveis

  • 1. 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO Campus Baixada Santista MARCOS HEINTZ Facilitar: trilhas, instrumentos de percurso e caminhos possíveis Produto técnico apresentado ao Programa de Pós-Gradução Ensino em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo – Campus Baixada Santista para obtenção do título de Mestre Profissional em Ciências da Saúde. Orientador: Sidnei José Casetto Co-orientadora: Jaquelina Maria Imbrizi 2018
  • 2. 2 Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................. 3 SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA ......................................................... 4 OFICNA................................................................................................ 8 REINVENTAR (-SE)........................................................................ 12 FACILITAR...................................................................................... 17 FORMAÇÃO DE GRUPOS ............................................................. 29 APRENDIZADO INVENTIVO........................................................ 37 EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS......................................................... 45 TERRITÓRIOS E AFETOS.............................................................. 52 PLANEJAR E REGISTRAR ............................................................ 56 REFERÊNCIAS................................................................................ 63
  • 3. 3 APRESENTAÇÃO As políticas da Assistência Social têm buscado ações efetivas que permitam a superação das situações de vulnerabilidades. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) atua de forma a fortalecer e qualificar seus serviços para melhor atender as expectativas e necessidades da população em geral, sobretudo dos segmentos sociais mais vulneráveis. Este Produto técnico dedica-se ao compartilhamento de práticas que ofereçam a possibilidade de discussão, reflexão e associação de saberes que contribuam com a atuação de facilitadores (educadores sociais) nos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) em seus processos de promover o desenvolvimento de autonomia naqueles que participam das oficinas oferecidas nestes espaços. A produção deste material se baseia na experiência de acompanhamento de um grupo de jovens que participaram das oficinas de musicalidade no SCFV da Zona Noroeste de Santos (CEJUV ZNO), em 2017. O leitor perceberá fragmentos de diários (em itálico) usados para registro dos encontros nas oficinas de musicalidade com o grupo mencionado. O presente material também se apoia no conceito de aprendizagem inventiva de Virgínia Kastrup (2000) e nos processos de subjetivação registrados durante as práticas do trabalho com o grupo. Boa leitura!
  • 4. 4 SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA Os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) são um serviço complementar ao serviço de proteção e atendimento integral às famílias (PAIF) e ao serviço de proteção e atendimento especializado as famílias e indivíduos (PAEFI). O SCFV está pautado em três eixos fundamentais: 1. Convivência social; 2. Direito de ser; 3. Participação. Os SCFV da prefeitura de Santos oferecem, nos diferentes territórios em que estão instalados, atividades lúdicas e culturais que permitem trabalhar no âmbito da proteção social básica das populações atendidas. Estas atividades oferecidas, vestidas como oficinas (teatro, musicalidade, comunicação, artes plásticas, dança, produção musical, desenho, etc.) atraem um bom número de participantes, divididos em faixas etárias, considerando as especificidades de cada ciclo de vida. O funcionamento do SCFV está referenciado a um Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). É este serviço (CRAS) que encaminha o público atendido aos SCFV. A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais elenca
  • 5. 5 alguns sujeitos que devem ser especialmente alcançados pelo SCFV (como as pessoas com deficiência e os beneficiários de programas de transferência de renda). Além dos sujeitos elencados pela tipificação, há o público prioritário para o atendimento (não são idênticos, embora haja coincidências). Dentre todos os usuários que podem ser atendidos no SCFV há os que vivenciam as situações de risco social (elencadas) e que são os usuários prioritários para atendimento – mas não exclusivos. Segundo a Resolução CIT nº 01/2013 e a Resolução CNAS nº 01/2013, considera-se público prioritário para o atendimento no SCFV crianças e/ou adolescentes e/ou pessoas idosas nas seguintes situações (Brasil, 2016): • em situação de isolamento; • trabalho infantil; • vivência de violência e/ou negligência; • fora da escola ou com defasagem escolar superior a dois anos; • em situação de acolhimento; • em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto; • egressos de medidas socioeducativas; • situação de abuso e/ou exploração sexual; • com medidas de proteção do ECA; • crianças e adolescentes em situação de rua; • vulnerabilidade que diz respeito às pessoas com deficiência. As políticas da Assistência Social afirmam a convivência social como segurança (PNAS) e este fato apoia e norteia para práticas profissionais na assistência social, que demandam uma especificidade de atenções e propostas técnicas e éticas cujo conteúdo a ser trabalhado contemple formas de promover e trabalhar a convivência. Portanto, com métodos de
  • 6. 6 intervenção e com os resultados que se pretende alcançar nos SCFV. (foto de acervo pessoal). Deste modo, é fundamental que a convivência tenha papel central no trabalho social nos SCFV. É importante que as equipes de trabalho preparem-se no sentido de reconhecer o silenciamento e outras atitudes dos participantes das oficinas, como um reflexo do ambiente de violências, invisibilidade e sofrimento sociopolíticos a que estes sujeitos podem estar sendo submetidos.
  • 7. 7 Para refletir e discutir: Você tem uma rede de pessoas que te apoiam? Você se sente protegido, por esta rede? Como seria se não tivesse com quem contar? Quanto, de nosso modo de ser e conviver, está ligado ao estado protegido/desprotegido em nossas experiências de vida? Leitura sugerida: Solicite à chefia dos espaços onde atua, ou acesse os links indicados: CONCEPÇÃO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS – Secretaria Nacional de Assistência Social CADERNO DE ORIENTAÇÕES https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/assistencia_social/cartilha_paif _2511.pdf PERGUNTAS E RESPOSTAS http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/perguntas _e_respostas/PerguntasFrequentesSCFV_230315.pdf ROSA, Miriam Debieux. A clinica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento [S.l: s.n.], 2016. https://www.researchgate.net/publication/320038239_CLINICA_PSICANAL ITICA_IMPLICADA_CONEXOES_COM_A_CULTURA_A_SOCIEDADE _E_A_POLITICA SAWAIA, B. B. (org.). As artimanhas da exclusão: uma análise ético- psicosocial da desigualdade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.OFICINAS
  • 8. 8 OFICINA (foto de acervo pessoal) Os processos que ocorrem na oficina de musicalidade têm muito a oferecer no sentido de que a aprendizagem da linguagem musical convida à reflexão sobre os temas apresentados pelas músicas escolhidas, o contexto histórico no qual as letras foram escritas e as possíveis leituras que se pode fazer sobre o conjunto letra, ritmo e sonoridade. Ao mesmo tempo, busca-se criar um espaço horizontal de diálogo aberto no qual os jovens possam exercer alguma autonomia. Seja na escolha das músicas trabalhadas, seja na escolha da forma como desejam participar das discussões e das execuções das músicas sobre as quais conversamos e as quais tocamos. As oficinas são um espaço participativo. Embora se procure estabelecer com o grupo a forma mais livre possível, há vários limites que balizam esse trabalho como, por exemplo, o tempo de início e término, os momentos em que se conversa, em que pegam os instrumentos e tocam, o momento em que cada um toca e faz seu treino, o momento em que todos tocam juntos, a guarda do material e a conversa final. Além dessas balizas há, durante o processo dos encontros, aquilo que o grupo constrói como pontes entre si, ligando-se e recriando uma forma de
  • 9. 9 convivência que busca a harmonia musical e de convívio, que se traduz em respeito quanto à escolha estético/musical de cada um, assim como toda diferença que houver no grupo (o sotaque, a linguagem, o conhecimento, a personalidade, a orientação sexual, o humor, o desconhecimento, estilo, gênero, cor, etnia, religião, posição política etc.). Todas essas diferenças propiciam trabalhar a reciprocidade, a não violência verbal (e física) e o respeito à diversidade. Busca-se criar um ambiente que possibilite ao jovem que participa das oficinas sentir-se respeitado e bem- vindo. Vale ressaltar que a quase totalidade destes jovens costuma experimentar situações de preconceitos que, somadas às condições de moradia precária, fome, situação de miséria (ou perto disso) e outras vulnerabilidades sociais, os situam em um lugar de menosprezo e incapacidade. A oficina de musicalidade aposta na perspectiva de exercitar atividades que promovam uma participação coletiva prazerosa, e respeitando as singularidades. Nesse sentido, ao se perceber capaz de aprender, de criar, de se surpreender com seu próprio corpo na adaptação de braços, mãos e dedos no domínio dos instrumentos, nesse processo de invenção de um músico e, portanto, exercitando atividades antes impensadas, é possível que este sujeito possa ampliar seu repertório cultural e sua percepção sobre as potencialidades da vida. As oficinas pretendem oferecer uma nova experiência nestes modelos de relação entre os sujeitos, propiciando que os encontros sejam espaços onde haja liberdade de expressão e onde haja escuta e acolhimento delicado daquilo que os participantes desejarem dividir em grupo. Também propõe ofertar um clima cultural no qual o que se ouve não é menosprezo e reforço de suposta incapacidade, inabilidade ou incompetência, mas ao contrário, o encorajamento para que se siga em frente, que se possa ousar e ocupar um lugar no mundo.
  • 10. 10 Um lugar diferente deste que nosso modelo de sociedade desigual insiste em fazer acreditar objetivamente e subjetivamente como única posição para ocupar. Ao contrário, a oficina serve como lugar de produção de novas experiências que ofereçam a cada sujeito a possibilidade de explorar, inventar e reinventar seu próprio lugar, ou ao menos enxergar possibilidades outras, que não a de ficar à margem do mundo e da vida. Nos encontros dessa oficina mantém-se um formato que costuma se repetir: um primeiro momento em que, em círculo, todos se cumprimentam e é apresentado à turma qual o tema planejado para a atividade daquele encontro. Pergunta-se se há sugestões ou contribuições que os participantes queiram fazer. Esta conversa tem a duração de uns 15 minutos. Em geral, o tema sugerido é apresentado em forma de música, vídeo, texto ou dinâmica. Após o disparador, faz-se uma roda de conversa na qual todos têm a possibilidade de (e são encorajados a) discordar, concordar, e dar opiniões. Após a discussão de ideias, que dura por volta de uns 15 a 20 minutos, dependendo do assunto, interesse e intensidade com que o grupo abraça a discussão, passa-se a atividade que, juntos, escolhemos fazer. No caso da musicalidade, este momento esteve mais ligado aos instrumentos, aprendizado e estudos de alguma canção escolhida. Esse é um momento muito rico, porque é quando o grupo mergulha em um processo de experimentação da linguagem trabalhada. Tocar, cantar, dançar, desenhar, pintar, dramatizar, escrever, contar, fotografar, etc. são atividades com potências de se trabalhar a subjetividade e capacidade de composição e recomposição dos sujeitos. Este momento do encontro na oficina de musicalidade costuma ter uma duração média de uns 40 minutos. O tempo restante é para que todos toquem juntos a(s) música(s) que estão aprendendo e/ou que se
  • 11. 11 toquem canções que eles sugerem e desejam tocar e cantar – inclusive utilizando os outros instrumentos oferecidos. Costuma ser um momento de muita diversão, alegria e celebração. É também um momento especial e poderoso, no qual se exercita a força que há no coletivo, juntando vários instrumentos e vozes que encontram harmonia entre si. Ao final, guarda-se todo o material e faz-se uma rápida avaliação do encontro e da evolução de cada um. Muitas vezes os jovens já apontam assuntos de interesse para o próximo encontro. Busca-se sempre dar as melhores condições para a prática de uma ética afirmativa, que produza encontros nos quais o singular e o coletivo possam experimentar a melhor possibilidade de convivência e experimentação de processos vivos e fluidos que permitam ampliar repertórios existenciais. Para refletir e discutir: De que modo a linguagem que utilizo promove convivência? Propicio espaços de fala (e outros modos de expressão) dos sujeitos? Há escuta? Como garantir horizontalidade nas relações estabelecidas na oficina? De que forma minha oficina pode conversar e contribuir com as demais oficinas do espaço, fortalecendo ações coletivas? Leitura sugerida: PERGUNTAS E RESPOSTAS http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/perguntas _e_respostas/PerguntasFrequentesSCFV_230315.pdf Políticas sociais para o desenvolvimento – Superar a pobreza e promover a inclusão http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/pol iticas_desenvolvimento.pdf
  • 12. 12 REINVENTAR (-SE) (foto de acervo pessoal) Tenho trabalhado mais especificamente com o ensino da música desde 2013 e, neste processo de trabalho, tenho percebido a linguagem musical como um campo fértil com potência para experiências que podem produzir efeitos múltiplos, inclusive na subjetividade. Não se trata aqui de apresentar a música ou a arte como redentora, mas sim como mediadora em processos que propiciem experiências que possam oferecer recursos capazes de provocar posições subjetivas não casuais. De fato, tenho percebido nas atividades que o processo de aprendizagem musical se apresenta para muitos como uma experiência com grande capacidade transformadora, com potência de provocar, na ação, mudanças na sua percepção de si e do mundo em que está inserido. Uma cena que vivi em um dos encontros da oficina de musicalidade no Centro da Juventude da Zona Noroeste de Santos, em 2014, exemplifica essa percepção:
  • 13. 13 1 Em uma tarde chuvosa, ao final de um encontro de musicalidade, enquanto os últimos meninos e meninas iam deixando a sala em meio às algazarras costumeiras. Entre eles, um jovem (que fazia parte da turma) se aproxima e pede minha atenção. Um tanto tímido, ele retira, de um surrado saco de pano, um instrumento, e pede que eu o avalie. Trata-se de um violão usado, muito malcuidado, com alguns adesivos antigos e arranhões no seu velho tampo de madeira. Faltam-lhe algumas cordas – e enquanto o limpo, lustro e coloco cordas novas, afino e analiso o instrumento, conversamos. O jovem explica que o violão pertence a um vizinho que, embora possua o instrumento há muitos anos, nunca aprendeu a tocá-lo. Passou os últimos tempos esquecido sobre um armário e seu dono mostrou-se interessado em vendê-lo. O menino é um jovem interessado e comprometido em aprender a tocar. Parece mesmo apaixonado pela música. Mais do que as técnicas, ele se mostra aberto para perceber o lado abstrato e a dimensão cultural da arte da música e de tocar um instrumento. Apesar do pouco tempo de participação no Centro da Juventude, o jovem evoluíra bastante, muito por conta da dedicação em fazer os exercícios propostos – apesar das dores nos dedos e articulações, e também por possuir um talento próprio e uma sensibilidade artística. Conseguiu grande progresso, tendo treinado seus dedos e mãos nos movimentos variados e rítmicos exigidos para montar e trocar de acordes. Conseguindo mostrar que sabia tocar algumas músicas, seu pai convenceu-se em dar o violão de presente para o filho – desde que fosse um violão usado, de baixo custo. 1 Este e todos os demais trechos em itálico, neste texto, referem-se a fragmentos dos registros em diários de campo usados na cartografia do acompanhamento na oficina de musicalidade de jovens do Cejuv zno, em 2017.
  • 14. 14 Na medida em que evoluía, aumentava seu interesse em saber mais, chegando aos encontros sempre com muitas perguntas e se mostrando aberto para receber as respostas que buscava e experimentá-las sonoramente com suas mãos em um dos violões que o Centro da Juventude disponibiliza para as oficinas de musicalidade. Ele entendeu que as notas, além da sequência a serem tocadas para se obter a melodia desejada, podem e devem receber a intenção de quem as está tocando. Entendeu o que é essa intencionalidade e explorava muito bem os seus sentidos, conseguindo formar uma ligação entre sua emoção e o toque dos dedos nas cordas, a técnica. Durante a conversa, o jovem conta que não pensava ser capaz de aprender a tocar o violão. Disse que na escola as notas não eram boas. Contou que sentia muita falta da mãe – que vive no nordeste do país; e que quase não saía de casa desde que o pai o trouxe para viver em Santos. Disse que sentia muita dificuldade em se adaptar àquela vida em que “tudo era muito difícil”. E, portanto, aprender a tocar um instrumento – embora fosse seu desejo – seria mais uma “coisa difícil” que não conseguiria. Apesar daquela visão negativa, inicial, em relação ao aprendizado do violão, ele havia vencido muito bem as dificuldades até ali, e percebia isso. Disse que não julgava ser capaz de aprender a tocar. Muito menos daquele modo que ele mesmo gostava e percebia ser “bom de ouvir”. Contou orgulhoso que havia conseguido um violão emprestado e mostrou para o seu pai o que já conseguia tocar. Disse que o pai ficou com os olhos cheios de lágrimas quando o ouviu tocar “Asa Branca”. Ao final daquela tarde, segurando o violão que logo passaria a ser seu novo companheiro, o jovem agradeceu de forma sincera a ajuda recebida. Na despedida, disse ter percebido que nem tudo era impossível como lhe parecia no início. E concluiu que, se ele tinha conseguido chegar até ali, poderia ser capaz também de aprender outras coisas novas que, antes do violão, ele não acreditava serem possíveis.
  • 15. 15 (foto de acervo pessoal). Este jovem continuou a evoluir e hoje, além do violão, toca guitarra, teclado e bateria. Conheceu e se apaixonou pelo universo do rock: de Beatles a AC/DC, Nirvana, Metálica e Santana. Mas ainda mantém seu gosto por Villa Lobos, Bach e outros eruditos. Está montando uma banda e já é reconhecido e respeitado pelos jovens que também frequentam o CEJUV. Continua aplicado e hoje ajuda, na oficina de musicalidade, os novos aprendizes que chegam àquele equipamento da prefeitura. Ele diz que quer crescer na música, quer saber mais e acredita que este crescimento o ajudará a mudar de vida. O Centro da Juventude da Zona Noroeste o incluiu no programa de valorização do jovem, da prefeitura de Santos ele passou a receber uma bolsa auxílio que o ajuda a manter-se estudando e frequentando o CEJUV. Talvez esse jovem consiga mesmo mudar sua realidade. Ao que tudo indica, já houve uma significativa mudança: ele transformou sua visão de si e das suas potencialidades. Expandiu seus horizontes e se sente mais capaz. Parece ter adquirido uma nova visão do seu próprio potencial e da sua capacidade de realizar mudanças.
  • 16. 16 Para refletir e discutir: Você conhece histórias semelhantes que possam ser compartilhadas? O que parece agir nestes jovens quando acontece algo deste tipo? Quais atividades podem ser propostas para estimular mudanças de percepção das próprias potencialidades? Leitura sugerida: MORAES, M. e KASTRUP, V. Atualizando Virtualidades: construindo a articulação entre arte e deficiência visual. In: MORAES, Márcia; KASTRUP, V. (Org.). Exercícios de Ver e não Ver: arte e pesquisa com pessoas com deficiência visual. Rio de Janeiro: NAU, 2010. KASTRUP, V. Autopoiese e subjetividade: sobre o uso da noção de autopoiese por G. Deleuze e F. Guattari. Revista do Departamento de Psicologia da UFF, Niterói, v. 7, n. 1, p. 96-97, 1995. Entrevista com Paulo Freire: “Nós podemos reinventar o mundo” – https://novaescola.org.br/conteudo/266/paulo-freire-nos-podemos-reinventar- o-mundo AZEVEDO, Fernando Antônio Gonçalves de. Retomando – A arte possibilita ao ser humano repensar suas certezas e reinventar o seu cotidiano – a partir da ideia: Incerteza Viva. Revista GEARTE, [S.l.], v. 4, n. 2, ago. 2017. ISSN 2357-9854. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/gearte/article/view/75188>. Acesso em: 25 ago. 2018. doi:https://doi.org/10.22456/2357-9854.75188.
  • 17. 17 FACILITAR (foto da facilitadora Maria Lisboa - uma das cenas do musical, ao som da música Fé na Luta2 ). Estar à frente de um grupo demanda uma série de atenções e decisões. O convite a novas experiências anima muitos, mas pode inibir outros. Dar liberdade e tempo para que cada participante escolha quando e onde entrar pode ser significativo para a ação (ou não ação) de facilitar. ...Depois passamos a ouvir novamente a música, desta vez com os ouvidos atentos aos sons, ao ritmo e à melodia. Em seguida passamos a tocar no violão junto com a gravação do Chico. Aos poucos, cada um foi escolhendo algum instrumento e chegamos a formação de dois violões, uma alfaia, duas vozes, um chimbal, uma meia lua e uma flauta. Passamos a tocar sem a gravação e mesmo com as dificuldades iniciais, o grupo gostou do resultado: pediam para tocar de novo, e mais outra vez, sem parar. Que bom! Noto que à medida em que alguns ficam mais seguros no ritmo ou no instrumento, os demais – menos seguros – sentem-se atrapalhando ou envergonhados de sua dificuldade. 2 Fé na Luta, de Gabriel Pensador.
  • 18. 18 (foto de acervo pessoal) Converso com todos sobre o processo e peço a ajuda mútua, de forma que os que já pegaram o ritmo ajudem aos demais. Explico sobre terças e quintas na música e mostro um efeito dessa harmonia na flauta (usando três vozes de flauta). Eles riem um riso de aprovação e espanto. A sequência de notas é de grande simplicidade e ofereço a três jovens que ainda não integravam o grupo da “banda”. Eles aceitam com certa relutância. Estão com vergonha, mas interessados em aprender. Passo uma sequência diferente para cada um. Cada jovem treina sua parte. Depois eu os ajudo a tocarem juntos, cada um em sua sequência que é diferente do outro. O som se funde e o que se ouve é um acorde de flautas que combina muito bem com os dois violões e com os demais instrumentos. Os três jovens da flauta me olham surpresos e felizes. Lançam olhares um tanto impressionados e outro tanto orgulhosos do resultado daquele estudo cooperativo. Todos tocam juntos a música toda e sinto a aprovação do grupo por aquilo que se criou em conjunto. Percebo que os jovens ficariam ali tocando ainda muitas vezes a música do Chico, que agora pertencia a todos ali também. ...Um pequeno jogo de forças se estabelece em uma discussão sobre as possibilidades de como se fazer a “levada” da canção Geni e o Zepelim. Intervenho buscando um consenso. Explico que aqui na musicalidade nosso espaço é democrático. Que ter
  • 19. 19 ideias de como executar a música é ótimo e reflete a compreensão e leitura de cada um para a obra. Há muitos caminhos sonoros possíveis. (foto de acervo pessoal) A única coisa que nos limita é nosso número de instrumentos e nosso conhecimento e domínio sobre eles. Fazemos um exercício de ouvir uns aos outros e, afinal, as ideias nem eram muito discrepantes. Há ótimas ideias sobre onde se colocar novos acompanhamentos de flauta. Alguém sugeriu se colocar a gaita de boca e fazer soar um som parecido ao da sanfona. Todos acharam muito boa a ideia. Outra ideia bacana foi o de usar a batida na alfaia como se fossem as batidas de um coração, o coração da Geni. ...Entrego uma alfaia a um jovem e passo, a ele, o andamento (tempo musical) que deve usar para tocar. Outro jovem muito apático, G., que está ao lado de J., pede para tocar a outra alfaia.
  • 20. 20 (foto de acervo pessoal) G. tem muita dificuldade em concentrar-se e isso o impede de manter o ritmo. Indico que ele siga J. Duas meninas novas no grupo e no CEJUV e que têm tido dificuldade em participar das oficinas, hoje estão na musicalidade. Convido-as e entrego uma função a cada uma (I. no Cajon e S. no chimbal). Tocamos e o grupo vai encontrando uma harmonia no decorrer da execução da música. Os sons e os sujeitos, aos poucos, encontram seus tempos e seus espaços, seus sons e seus silêncios enquanto se entregam de corpo e sensibilidade na melodia que vai se formando com alfaias, violões, flautas, vozes, pandeiros, agogô, xequerês e chocalhos. Percebo J. envolvido e atento em auxiliar G., para que este não se perca. A jovem A. também auxilia outros dois jovens. Um dos facilitadores visitantes acompanha uma das novas jovens e eu acompanho a outra. Percebo o grupo unido na execução da música, concentrado e entretido. Intensidade no refrão, leveza nas demais partes da canção, ritmo, tons e afinação. Tudo está bem.
  • 21. 21 (Jovens ganham confiança e se lançam em novos desafios (foto de acervo pessoal)) ... A. assumiu o microfone e o compromisso de cantar a música. Foram muito bem. Atentos, concentrados e tensos no início, foram se soltando e entrando no clima e andamento do que tocavam. O jovem J. tomou para si a coordenação da percussão: com gestos corporais, olhares e até mesmo verbalizando, ele chamava a atenção dos demais para o ritmo, andamento, paradas e volume. Sozinho, por si mesmo. Isso me chamou muita atenção. Até poucas semanas ele ficava apático, sem nenhuma interação com o grupo ou com a música. Agora assumira uma postura comprometida e de liderança. Muitos inícios de atividade nas oficinas carregam em si variadas possibilidades de percurso. Há aquilo que o facilitador preparou para ser abordado pelo grupo, mas sempre há aquilo que o grupo traz consigo. Cada participante carrega sua própria história e não raro compartilham dramas e vulnerabilidades vividas no cotidiano familiar e da comunidade. Manter-se atento aos sinais do território e do grupo, em cada
  • 22. 22 encontro, parece ser uma prática importante na arte de facilitar. É possível “facilitar” a convivência e a participação, assim como é possível também propiciar um ambiente onde se possa simplesmente ser. (descobrir novos papéis e criar novas relações (foto de acervo pessoal)) Grande parte dos participantes das oficinas – independente do ciclo de vida - expressa a dor emudecida produzida pelos processos alienantes a que estão submetidos, por sua condição social. O silenciamento – muitas vezes fruto da opressão vivida, pode ser confundido por apatia ou desinteresse e merece atenção para que seja respondido com confiança e crença nas potencialidades do jovem e do grupo. Mesmo diante de realidades hostis há pistas de que os processos subjetivos apoiados na arte e na convivência, como é o aprendizado musical inventivo, pode promover a transformação de sujeitos contribuindo para uma relação com o mundo em que os papéis não estejam cristalizados. É importante chamar a atenção para o fato que o SCFV é um serviço da Secretaria de Assistência Social, não da Cultura. Portanto, a arte, embora presente em muitas das atividades realizadas nas oficinas, deve manter seu caráter de ferramenta para convivência e participação, não sendo colocada
  • 23. 23 como fim em si mesma. O aprendizado da dança, música, desenho, pintura, atuação cênica, pode ser excelente meio para que se trabalhe novas formas de ser e conviver. (foto de acervo pessoal) ... Reúno o grupo em um grande círculo e vamos fazendo nossa costumeira combinação das propostas para aquele encontro, enquanto mais jovens vão chegando e se unindo ao nosso grupo. Percebo o jovem L. abatido e com ar pesado, quieto – ele não costuma ser assim. As vozes excitadas querem dar vazão à energia e deixo que o grupo descarregue um pouco essa energia, falando sobre suas expectativas e pesquisas sobre como desejam se vestir e caracterizar para o halloween. Quando sinto que o grupo acalmou, convido para pensarmos nosso encontro de hoje e sobre nossos objetivos para aquele momento... Enquanto o grupo organiza a sala para que toquemos, me aproximo do jovem L., que está claramente triste. Pergunto se ele está bem e ele passa a me contar o que houve: L. é o segundo violino em uma orquestra jovem de Santos, mantida por uma grande empresa.
  • 24. 24 Ele adora música e se dedica bastante para manter- se na orquestra. Teve a sorte ter ganhado o instrumento de um músico que o presenteou – para incentivá-lo, por reconhecer seu talento e esforço – mas agora precisa trabalhar para ajudar em casa. Com a escola, o trabalho e o Cejuv sobra-lhe pouco tempo para estudar o repertório da orquestra. Ele conta que sua tristeza vem do fato de ter levado uma grande bronca, na frente de todos os músicos da orquestra em que toca. Ele errou algumas notas na execução de uma parte da primavera de Vivaldi e foi repreendido de modo exagerado, segundo sua visão. Fico triste por ele. Reconheço seu esforço e seu amor pela música. L. é um jovem educado, interessado em aprender sobre tudo. Comprometido e sério – sem deixar a alegria de ser jovem – ele conquistou a confiança dos facilitadores, a amizade e admiração dos jovens e é fácil perceber o interesse das meninas por ele. Em nossa conversa, ele fala do prazer que experimenta por tocar e aprender música. Chama-me a atenção quando ele faz uma comparação entre orquestra em que toca com o Cejuv. Lembro a ele que somos (Cejuv) um espaço da Assistência Social e que nosso papel ali, não é o de ensinar música, mas de – no caso da música – usá-la como base de nossas atividades com o objetivo de provocar reflexões e ações que contribuam com a convivência e o fortalecimento de vínculos. Sem querer defender a professora que deu a bronca, lembro que os objetivos da orquestra passam por outras questões. Ele retruca:” Então, queria que lá eles fossem assim, mais humanos, sabe? Porque eu não quero deixar a orquestra. Essa é uma oportunidade muito legal. Mas também acho que a música, a arte, devem dar prazer, não é? É pra ser bom, leve. E não vergonhoso e cheio de pressão. Não gosto do jeito como tratam os músicos, lá. Aqui vocês dão força, valorizam. Lá é só pressão. Mas é orquestra e se eu sair...” Concordo e dou um abraço no jovem. Peço que ele use nosso encontro de hoje para
  • 25. 25 encontrar essa leveza. Para aliviar essa pressão. Ele aceita e comprime os lábios. Chamo todo o grupo para uma conversa. Já está praticamente tudo pronto. Antes de tocarmos falo sobre um filme - documentário que um professor meu me falou e indicou (Nelson Freire - Um Filme Sobre um Homem e Sua Música (2003)). Temos um PC com acesso à internet na sala de música e enquanto converso, busco rapidamente um trecho deste documentário que pode ser bacana para o L. e para toda turma – uma vez que esse assunto emergiu. Explico que gostaria de conversarmos rapidamente sobre prazer, alegria e tristeza, relembrando de nossa recente conversa sobre poder e sufocamento. Assistimos juntos o trecho entre o ponto 1:06:30 até o ponto 1:36:50 do documentário sobre este grande pianista, conhecido e respeitado no universo da música erudita, por críticos, público e principais grandes orquestras do mundo com as quais, muitas, já tocou. No ponto em questão3 , Freire está assistindo a um DVD de jazz em que é possível ver os músicos tocando com muito entusiasmo e alegria. Nelson comenta: “Olha, eu tenho uma inveja de quem sabe tocar jazz, incrível. Sabe uma coisa assim, que eu adoraria? Por exemplo, chegar assim e, de repente... improvisar e tocar. Tenho fascinação por Errol Garner. Eu nunca vi ninguém tocar com tanto prazer, sabe? Um prazer assim. Alegria! Alegria de tocar.” As frases de Nelson, são entremeadas pelas cenas do DVD que ele assiste, e a mesma banda de jazz segue tocando animada. Os músicos tocam sorrindo e se olhando parecendo experimentarem, cada um, um grande prazer e alegria. Nelson fala “Foi isso que me levou ao piano! O piano era o momento em que – eu era pequenininho – 3 O vídeo, no trecho indicado, está disponível no site: http://100melhoresfilmes.blogspot.com/2012/01/nelson-freire.html
  • 26. 26 que eu tinha prazer. Eu não saio satisfeito de um concerto se eu não tiver pelo menos um minutinho disso. Os pianistas clássicos de antigamente tinha essa alegria. Rubens Stein, e outros tinham isso, sabe? Essa, essa...(alegria). Guiomar Novaes tinha isso...”. O entrevistador, no documentário, questiona Freire: “E você?”. Freire olha para o entrevistador, acende um cigarro, olha para o horizonte e não responde com palavras. O que diz seu silêncio? Neste momento eu interrompo o vídeo e olho para o grupo. Vejo o jovem L. me olhar e balançar a cabeça, afirmativamente. Alguns jovens me perguntam por que eu estou mostrando esse vídeo. Respondo que é para refletirmos um pouco sobre o poder e o sufocamento que pode haver mesmo naquilo que gostamos de fazer. Falo da música que o grupo aprende e pratica ali. São unânimes em afirmar que não se sentem sufocados. Lembro do início daqueles que aprenderam a tocar violão e teclado. Da insistência de cada um consigo mesmo. Da bolha na ponta do dedo. Eles respondem que foi escolha deles, que era uma coisa que eles queriam aprender e que valeu a pena (para minha alegria). Conversamos um pouco e L. pede a palavra e voluntariamente explica ao grupo seu drama com a decisão de ficar ou não na orquestra. O grupo ouve em silêncio respeitoso. Ele fala da bronca e de seu amor pela música. Fala que gosta muito de tocar ali no Cejuv, porque é leve, alegre e lhe faz bem. Ele diz que na orquestra, com toda aquela pressão e tratamento, não tem encontrado a alegria na música, como tem ali. Mas a orquestra trabalha a linguagem erudita, que ele gosta e não queria perder. Fala da oportunidade que a experiência representa e do medo de não o aceitarem em outra orquestra. O grupo argumenta. O jovem G. diz que ele deve tentar outras orquestras, que ele é bom e encoraja o colega nesta busca. Outros três jovens, entre brincar e falar sério, perguntam se L.
  • 27. 27 quer que eles vão lá “dar uma lição nessa professora”. L. ri, diz que não precisa. Ele parece entender o apoio que o grupo procura lhe passar, cada um de seu modo. Tomo a palavra e digo que a música estará sempre com ele. Assim como o violino e o desenho, que ele tanto gosta. Aponto outros que sinto que também já “contraíram” a música para dentro de si. ... L. agradece o apoio de todos e diz: “Estou com medo de não estar fazendo a coisa certa. Mas acho que a música é algo que deveria nos alegrar e nos fazer bem. E a partir do momento em que algo tão lindo passa a ser ruim, me faz pensar que alguma coisa está errada”. Falamos sobre decisões que doem e sobre o processo de assumir responsabilidades e precisar fazer escolhas difíceis. Sobre o “não saber se está fazendo a coisa certa” e algumas incertezas que fazem parte da arte de tocar a vida. Todos parecem querer ajudar L. Em relação aos objetivos do serviço, o grupo está muito bem: servem como rede de apoio e mostram vínculos fortalecidos no respeito e interesse em ajudar uns aos outros. No serviço usamos o verbo facilitar para indicar a atuação de pessoas no apoio a outras pessoas, mas este poderia ser substituído por uma série de outros verbos que representariam este mesmo fazer: desembaraçar; ajudar; contribuir; oferecer; desimpedir; viabilizar, etc....
  • 28. 28 Para refletir e discutir: Que atitudes de jovens podem demonstrar desinteresse pela proposta? Como podem ser compreendidas? Quais seriam modos de lidar com elas que favoreceriam os objetivos do SCFV? Como facilitar estes caminhos? Leitura sugerida: Uma escuta psicanalítica das vidas secas (Miriam Debieux Rosa): https://scholar.google.com/scholar_lookup?title=Uma+escuta+psicanal%C3% ADtica+das+vidas+secas&publication_year=2002&journal=Revista+Textura &issue=2&pages=42-47
  • 29. 29 FORMAÇÃO DE GRUPOS (foto de acervo pessoal) Os SCFV trabalham com grupos organizados por ciclos etários. Este sistema permite trabalhar com temas e abordagens que sejam mais adequados a cada ciclo. Entretanto, o simples ajuntamento de indivíduos em um mesmo ambiente não cria um grupo, necessariamente. Segundo Pichon-Riviere (2000) pode-se referir-se a grupo quando se identifica um conjunto de pessoas movidas por necessidades semelhantes, reunidas em torno de uma tarefa específica. O autor também trata do que chama de grupos operativos, nos quais não basta que o conjunto de pessoas tenha um mesmo objetivo, ou tarefa como finalidade comum. É necessário que esses elementos façam parte de uma estrutura dinâmica chamada vínculo. À medida que se relacionam e se reorganizam no desenvolvimento das tarefas, deixam de ser um agrupamento e vão tornando-se um grupo.
  • 30. 30 Este processo implica em oferecer espaços de fala e respeito às opiniões contrárias e mesmo ao silêncio. O debate é sempre benéfico, pois exercita a argumentação e fortalece a perspectiva de cada um. Também abre a possibilidade de experimentação de algo que pode não ter sido pensado como possível. Mas enquanto o grupo está no início de seu desenvolvimento como tal, é necessário ter delicadeza e respeito ao aspecto heterogêneo de seus participantes: há os mais abertos e falantes, os mais fechados ou completamente fechados. Há aqueles que têm medo, vergonha, afobamento, desconfiança etc. Há que se respeitar e conduzir atividades que encorajem a confiança de todos. Aos poucos a participação poderá ficar mais completa. Um grupo também se constrói pela constância da presença de seus elementos, assim como na constância de suas atividades. Enquanto os elementos não se conhecem, experimentam modos de relacionarem-se. Avançam, retrocedem, experimentam os limites e possibilidades que possa haver nesta relação facilitador-elementos-facilitador. (foto de acervo pessoal)
  • 31. 31 Um grupo se constrói enfrentando o medo que o diferente, o novo, provocam. Oferecer novos papéis e novas possibilidades de ação pode ser um caminho promissor para a invenção de um grupo e pode contribuir para a experiência da força do coletivo, ainda que se esbarre em limites próprios e do outro, na construção desta experiência, do conhecimento e da vida. Neste encontro seguimos nossa experiência estética na criação do jeito dos jovens reproduzem a música Geni e o Zeppelin. Uma semana depois de nosso exitoso encontro, todos estão na expectativa de tocarem novamente juntos e experimentarem o prazer do jogo coletivo que é tocar uma música em grupo, com vários instrumentos. Hoje, quis ouvir mais vozes. O menino que cantou com a menina não apareceu e convidei os demais para que experimentassem. No entanto ninguém se dispôs a cantar. Apenas a mesma menina de voz doce e delicada que já havia oferecido sua voz ao grupo, na semana anterior. Mas outros estavam interessados em explorar instrumentos diferentes. E a flauta, que no início foi olhada com certo desdém, depois dos resultados sonoros de nosso último encontro, agora é disputada e um bom número dos jovens presentes deseja experimentar o pequeno e harmonioso arranjo feito para três flautas. Tocamos a música novamente, agora criando pequenos arranjos para os violões e para a percussão. A presença de um operador social conosco me ajuda organizar as “vozes” (sons) dos instrumentos de percussão. Para aqueles que não chegaram a escolher ou definir um instrumento para tocarem, eu passo
  • 32. 32 uma sequência de palmas que devem ser batidas junto com a execução do refrão “Joga pedra na Geni...”. O grupo menos participativo se rendeu à ideia das palmas, um pouco envergonhados. Experimentamos tocar algumas vezes a entrada do refrão, o refrão todo e o final, e este pareceu ser para eles um grande exercício de atenção (atenção em si mesmo e no conjunto). Treinamos as flautas novamente e a nova introdução, agora com um pequeno solo de violão. Tocamos a música toda e houve vários erros por conta da dificuldade de concentração e atenção de alguns. Noto que eu não preciso mais fazer o trabalho do “professor que chama a atenção”: os próprios jovens lembram aos demais quando é sua parte de tocar ou de silenciar. Parecem ter entendido qual a estética da música e onde as intenções de força, ou suavidade podem ou devem estar. Um pequeno jogo de forças se estabelece em uma discussão sobre as possibilidades de como se fazer a “levada” (jeito de tocar) da canção. Intervenho buscando um consenso. Explico que nosso espaço é democrático. Que ter ideias de como executar a música é ótimo e reflete a compreensão e leitura de cada um para a obra. Há muitos caminhos sonoros possíveis. Nós passamos a experimentar na prática as ideias dos jovens para a execução da música. Em dado momento, recebemos a visita do grupo de Corpo e Movimento (dança) em nossa sala de música. O grupo, que já havia criado uma cena para a música, veio dar uma espiada para ver e ouvir como estava ficando a versão dos jovens da musicalidade para a execução da música. Os meninos e meninas se prepararam com a pompa de uma orquestra para aquela sua estreia em tocar para uma plateia. Silêncio,
  • 33. 33 concentração e lá foram eles. O som dos violões era acompanhado pelos olhares curiosos do grupo da dança. Quando entraram as flautas a plateia ficou claramente encantada, o que provocou no grupo que tocava uma reação de orgulho e o grupo parecia brilhar, todos concentrados e mergulhados naquela experiência sonora. No refrão as meninas da dança não aguentaram e cantaram junto. Ao final era claro o encantamento de nossos visitantes, assim como o elevado apreço do grupo de musicalidade por si mesmo. Ainda estávamos ouvindo os elogios quando vieram avisar de nosso atraso para o lanche. Encerramos a atividade com uma última combinação de que no próximo encontro experimentaríamos os dois grupos no palco, tocando e dançando/atuando. Nesta cena extraída do diário, pode-se acompanhar um pouco do processo que se deu não apenas para a escolha de uma estética para a canção que os jovens desejavam tocar, mas, sobretudo a partir desse objetivo comum, como os jovens vão se tornando um grupo. Mesmo com as dificuldades e limites de cada um e com as divergências de opinião, o grupo foi se consolidando como tal pela afinidade em encontrarem, juntos, uma afinação de sua convivência na oficina, no espaço; uma harmonia na atenção e interesse. Aos poucos, as discordâncias vão dando cada vez mais lugar aos acordos e a mediação do facilitador se restringe mais em acompanhar as discussões do que interferir nelas.
  • 34. 34 (foto de acervo pessoal) ... O grupo que toca pede para tocar outra vez. O que apoia, pede para ouvir de novo. Há um notável interesse, prazer e dedicação dos jovens seja na proposição de ideias e na participação tocando e cantando, seja na ajuda mútua e apoio de todos na manutenção do foco, nos pedidos de silêncio e no cuidado em entrar/sair da sala em silêncio e com cuidado de não atrapalhar. Assim como, também, na própria montagem e organização da sala e equipamentos para que possam tocar. A guarda e reorganização da sala, ao final do encontro, também é realizada pelo grupo – que assumiu este compromisso como seu, voluntariamente. O grupo se autogere. No final de nosso encontro de hoje, a jovem A. se demora em deixar a sala – que preciso fechar. Quando a chamo e a convido para subirmos para o lanche ela me diz: “Ah, professor, dá pena ir embora. Ai, eu quero aprender a tocar todos esses instrumentos” (apontando o olhar para violões, guitarra, alfaia, bateria, bongôs, teclado, etc). Suspira e conclui: “quero morar nessa sala!”.
  • 35. 35 Podemos perceber aqui, como a questão da presença de normas comuns (demandadas, respeitadas e mantidas pelo grupo) e do prazer na participação e construção coletivas pode contribuir na formação de um grupo. Há o prazer estético, mas pode haver também o prazer em ter vencido o novo, em explorar e ultrapassar limites pessoais pressupostos. À medida que os jovens se ajudam mutuamente, têm objetivos comuns e avançam para lugares novos – que antes não pensavam como possíveis para si – é possível que experimentem o prazer desta sua conquista, além da satisfação sonora direta que podem sentir. E ainda há o divertimento e alegria envolvidos no recebimento de respostas positivas de quem os ouve e elogia a criação e execução do grupo. Estas experiências podem ajudar a resgatar o jovem que esteja em um modo constrangido para um modo mais participativo e confiante.
  • 36. 36 Para refletir e discutir: Você já sentiu a força que há no coletivo? Pense nos grupos que participa (participou), como escola, família, trabalho, grêmios, etc. Analise sua participação nestes grupos. Seus papéis são iguais nos grupos que participa? Em quais você sente que há vínculo? Seu modo de trabalho promove a construção de grupos? Leitura sugerida: A teoria do Vículo – Pichón-Riviere: PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes,2000. Pichon-Rivière, a dialética e os grupos operativos: implicações para pesquisa e intervenção http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677- 29702013000100004
  • 37. 37 APRENDIZADO INVENTIVO (foto de acervo pessoal) Os processos reflexivos e criativos nas oficinas de musicalidade foram sendo exercitados pelo grupo a partir de seu interesse nas discussões e principalmente pelo entusiasmo de todos em tocar as músicas. Os jovens foram se apropriando de algum conhecimento – ainda rudimentares – das técnicas musicais, mas se mostravam bastante atraídos por experimentarem formatos e estéticas musicais. Passaram a sugerir o uso de outros instrumentos e decidiram misturar estilos e sonoridades, recriando novas estéticas por meio de combinações e formatos musicais que o próprio grupo propunha. Pode-se dizer que estavam em busca de encontros, de experiências e de aprendizagem, e não de informação e de um saber pronto para ser absorvido e consumido (KASTRUP, 2010). Estavam provocando encontros que os surpreendiam, que provocavam estranhamento e isso se mostrou prazeroso e estimulante para o grupo. As reflexões e discussões acerca das
  • 38. 38 letras, do contexto histórico em que foram escritas e o modo como essa reflexão reverberava na experiência de vida singular e coletiva do grupo os levou a pensar e parece ter desencadeado processos de criação, ou de aprendizagem inventiva. (foto de acervo pessoal). O processo de aprendizagem musical inventiva difere do processo de recognição4 , em que o aprendiz se detém a repetir exercícios de fixação e de escalas para o controle de dedos e mãos, por seu caráter inventivo. Neste segundo modelo, o aprendiz é convidado a explorar e descobrir caminhos musicais por meio do instrumento escolhido por ele. Deste modo, ao invés de receber informações e instruções de “como e quando tocar”, o jovem vai explorando o instrumento e escolhendo “como e quando tocar”. Não se trata de uma liberdade anárquica e sem normas, mas um exercício de sensibilidade e de escolha, um espaço criativo em que não há uma subordinação à tirania do 4 Ação ou resultado de reconhecer, reconhecimento de determinada coisa, “marcada pela repetição, por um funcionamento que se mantém sempre o mesmo, resguardado de efeitos de transformação” (KASTRUP, 2007, p. 67).
  • 39. 39 arbítrio, mas uma ação normativa, um não constrangimento em agir. (foto de acervo pessoal) A obra de Georges Canguilhem O Normal e o Patológico, escrita em 1943, propõe a noção de normatividade vital. O autor considera que um ser vivo é algo mais do que a simples soma de suas partes constituintes. Há muitos fenômenos envolvidos sem os quais a vida não seria possível; ainda assim, a vida não seria o simples somatório desses fenômenos, mas algo a mais. Nesta perspectiva, a saúde não poderia ser entendida como uma adaptação bem-sucedida do organismo ao meio, mas como uma capacidade de provocar desequilíbrios e recriar, inventar maneiras inéditas para reequilibrar este organismo com base em normas diferentes sempre que necessário. Esta “nova forma” pode não ser melhor que a antiga, mas é a que foi possível (re)criar, conceber, inventar para o reequilíbrio daquele organismo. Todo ser vivo é normativo, no sentido de que é capaz de produzir novas normas para si, em função dos desequilíbrios e constrangimentos que a vida lhe impõe. É possível fazer uma analogia entre esta noção de normatividade vital para o âmbito social, pensando que um sujeito pode sentir-se constrangido em sua potência de agir dada uma determinada condição de vulnerabilidade social (relacional). As oficinas nos SCFV podem ser o espaço que
  • 40. 40 ofereça aos participantes, oportunidades de entrar em contato com sua potência de transformação, de invenção de si por meio da produção de subjetividade. São muitos os constrangidos não por uma patologia, mas por sua condição social e há propostas que podem produzir um desequilíbrio que provoque o deslocamento deste estado de constrangimento para um novo lugar que colabore para uma nova forma de ver a si e ao mundo de maneira mais criativa, ativa e normativa. (Foto de acervo pessoal) Esta é, portanto, uma experiência exploratória na qual o aprendizado não se estabelece pelo que está pré- determinado e planejado (ainda que seja importante ter um planejamento como ponto de partida e falaremos disso mais adiante), mas justamente pelo imprevisto. Desta maneira, cabe acolher tudo o que o grupo traz, assim como também, cabe o totalmente novo, o inusitado ou o antes impensado pelo grupo. Este processo é fluido, e está sempre em movimento. Cabe àquele que acompanha as atividades na oficina, fluir junto com os participantes, encorajando a participação de todos (cada um a
  • 41. 41 seu modo) facilitando seus movimentos e oferecendo espaços para a frutificação das invenções surgidas. O aprendizado inventivo, por seu caráter livre e com a facilitação dos processos costuma apresentar-se como uma experiência geradora de mudanças no modo como o grupo atua no singular e no coletivo. Na experiência do aprendizado musical inventivo tivemos, em um primeiro momento, o encantamento do grupo por aquilo que construíram juntos – no caso, a música Geni e o Zepelim, cantada e tocada por várias vozes e instrumentos. À medida que o grupo explorava e dominava melhor os instrumentos e o microfone, foram ficando mais exigentes consigo mesmos, tornando mais profundas e complexas as experiências que se propunham vivenciar. (foto de acervo pessoal) Há neste processo uma passagem pela recognição, e por sua atitude programada como resposta à apresentação de novas experiências. Vencidas as (possíveis) resistências iniciais, a proposta é de exploração espontânea do participante com o objeto escolhido. No caso da musicalidade, o instrumento. Percebem a importância de ouvir antes de tocar: ouvir o tom, o ritmo, os tempos e o desenho das frases musicais. É neste ponto, a partir dele, que os processos subjetivos começam a aparecer
  • 42. 42 musicalmente. Faz-se necessário um mergulho nos sentidos para ouvir e escolher como e onde tocar. É quando os jovens escolhem se as notas devem aparecer mais curtas ou mais alongadas. Decidem tocar muitas notas ou apenas poucas, tocar imprimindo força ou leveza. Esta experiência atencional de exploração dos sons costuma levar bastante tempo até que se sintam suficientemente prontos para a experiência de tocarem a música escolhida em um sentido mais de execução da “música pronta”, não necessariamente definitiva, mas com seu desenho e caminhos gerais produzidos e definidos, de forma que agrade ao grupo. É comum que, à medida que se sintam mais apropriados no controle dos instrumentos, cada um vá refinando e propondo alterações nos pontos em que percebem ser possível montar algum arranjo mais elaborado, que possa compor melhor com os demais instrumentos. (foto de acervo pessoal) Neste processo, é possível traçar um paralelo com a própria convivência do grupo, que também vai se refazendo em invenções e ajustes de (in)formações, de trocas e descobertas que partem da exploração de si, do grupo, do território e de um olhar atento ao que nos afeta e de novas possibilidades de arranjos do coletivo, com a participação de todos. Embora esta experiência da aprendizagem musical inventiva se baseie nas vivências da
  • 43. 43 oficina de musicalidade, foi notável o modo como os participantes levaram este modo mais inventivo de ser e estar para as demais oficinas. Logo, passaram a “inventar problemas”: a característica mais marcante da aprendizagem inventiva. A aprendizagem inventiva não trata da ação de resolução de problemas. Vai além: a criação de problemas. O grupo já não espera receber algo pronto; passa a transformar as propostas da oficina em algo que ele próprio decide experimentar e criar. Este modo mais inventivo de estar e ser extrapolou os espaços da oficina de musicalidade. Em seguida, a atitude inventiva estava na oficina de artes, de teatro, dança de rua, e demais oficinas. Mais do que isso, o grupo assumiu a gestão da organização das salas, e dos espaços que ocupavam. Os jovens organizaram assembleias e decidiram juntos fazer algumas propostas para a chefia do espaço. Tais atitudes se deram sem a ajuda ou interferência de facilitadores ou operador social, o que mostra um novo posicionamento diante das relações estabelecidas (invenção de problemas). Esta maneira de desenvolver as atividades por meio da aprendizagem inventiva foi utilizada inicialmente com a música, mas podemos substituir a música por qualquer outro objeto. A atividade inventiva não está no objeto (música), mas no modo como acolhemos o novo e com os estímulos que damos e recebemos.
  • 44. 44 Para refletir e discutir: Os jovens podem tomar decisões relativas às atividades que farão? Sugestões são acolhidas? Quem e como se decide por sua aceitação? Há espaço para o não programado? Leitura sugerida: APRENDIZAGEM, ARTE E INVENÇÃO (Virgínia Kastrup): http://www.scielo.br/pdf/pe/v6n1/v6n1a03.pdf A INVENÇÃO DE SI E DO MUNDO (Virgínia Kastrup):https://issuu.com/grupoautentica/docs/a_inven____o_de_si_e_do_m undo_-_uma O NORMAL E O PATOLÓGICO (Georges Canguilhem): https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3114962/mod_resource/content/1/O _Normal_e_o_Patologico.pdf
  • 45. 45 EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS (foto do grupo em atividade externa5 ) Neste dia tivemos uma atividade externa e todos os jovens que participam das oficinas de terças-feiras (musicalidade e teatro) foram ao Sesc para a exposição “Incertezas Vivas”. A proposta da exposição é provocar e estimular a criação de outras formas de interagir com a dimensão cotidiana. “As formas de convívio e de ocupação humana são dinâmicas que se reinventam diante de novas perspectivas ou impedimentos e passam a escrever outras narrativas”. A saída do equipamento foi animada. Todos se prepararam para a ocasião especial: os meninos de calça e tênis; as meninas com suas produções femininas, cabelos com novo visual, vestidos, batons, todos contentes pela expectativa do que encontrariam na exposição. Tivemos violão e cantoria no percurso até o Sesc. Chegando lá, tivemos contato com a monitoria que havia montado uma proposta para nossa 5 Sob o título Incerteza Viva, a 32a Bienal de São Paulo teve como eixo central a noção de incerteza a fim de refletir sobre atuais condições da vida em tempos de mudança contínua e sobre as estratégias oferecidas pela arte contemporânea para acolher ou habitar incertezas. Parte itinerante da Bienal foi exposta no SESC, onde tivemos a atividade externa.
  • 46. 46 visitação. Divididos em três grupos, os jovens deveriam se guiar por uma linha de cor específica (uma cor diferente para cada grupo). Cada linha guiava o grupo por uma sequência de visualização das obras expostas. Em cada obra havia uma questão disparadora que estimulava o observador a refletir sobre um tema que se relacionava com a criação artística observada. • Qual é a frente e o verso de Santos prá você? A frente: “a orla”; “a ponta da praia”; “o Gonzaga”. O verso: “Zona Noroeste”; “as favelas”; “cuidado com o destino, ele brinca com as pessoas” (Chorão); “Mas a vida ensina, só eu sei o que passei; A vida não é fácil, mas eu tô ligado, eu sei; eu sigo o meu caminho, tô firme, tô aí; Não há nada nessa vida que me faça desistir” (Chorão) – Trechos de música que os jovens vão citando. • O que ela mostra e o que esconde? • Se você escolher uma imagem para mostrar Santos, o que você escolheria? • Se você fosse desenhar ou fotografar um lugar, ou recolher um objeto que representasse a sua cidade, qual seria? Os jovens se mostraram interessados e abertos ao pensamento abstrato, embora no início tenham parecido indecisos quanto às suas impressões a respeito das obras que viam, aos poucos foram se abrindo e explorando seus pensamentos e encontrando diversas leituras para o que viam. Sobre uma grande bancada quadrada, havia dezenas de pequenas formas feitas de uma massa branca. Todas alinhadas, de tamanhos variados, cuidadosamente separadas da menor para a maior. Alguns jovens entenderam que era uma representação do tempo, da vida e sua finitude. Noutra obra, um
  • 47. 47 grande círculo cheio de água, com um cubo de concreto bem no centro: “É Santos! Era uma ilha e foi concretada”, disse uma menina. E assim seguia nosso percurso pela exposição. Ao encontrarmos uma peça composta de um livro de poesia com uma concha pintada de preto sobre ele, um menino disse que era “o luto por conta do desinteresse pela leitura”. Outra menina arriscou que se tratava de “da poluição dos mares e da natureza, que faziam diminuir a poesia do mundo”. Outro preocupou-se que poderia ser por conta do autor do livro, que poderia ter morrido e por isso a concha preta. Ao final, os três grupos se reuniram para comentarem juntos, no grande grupo, suas impressões daquela visita. À frente de um quadro com a imagem de várias conchas diferentes, o monitor pergunta: o que são? “Conchas”, respondem os jovens. O monitor torna a questionar: “E nós, o que somos?” Os jovens respondem “gente, pessoas, seres humanos”. O monitor provoca: “que relação há entre as conchas e nós?” Quase todos os jovens vão pelo caminho da relação com o mar e/ou com o fato de sermos todos “seres vivos”. Uma menina traz a ideia de que embora sejam todas conchas, cada uma tem uma particularidade. Um menino completa: “A gente não sabe o que tem dentro da concha. Nem sempre a gente mostra o que está dentro da gente”. E o que há dentro de você? “Sentimentos”; “Um lugar”; “Coração”, respondem. A experiência estética em nossa atividade externa não se resume apenas à exposição das peças apresentadas, mas a toda experimentação do espaço, ao encontro com as pessoas que frequentam aquele local, aos sons, cheiros, a todo o caminho de onde se sai até o lugar da visita, inclusive os banheiros, clima etc. Nesta prática, o mais importante não é a informação, mas a experiência marcada pela emoção estética. Tanto a oficina quanto as vivências em atividades fora do SCFV contribuem em
  • 48. 48 muito para uma renovação do território existencial destes sujeitos. Um dos pontos mais importantes da aprendizagem inventiva é a invenção de mundo por meio da ampliação de redes e conexões (KASTRUP, 2010). A convivência é fundamental para a criação e recriação destas redes. (imagem de acervo pessoal) Em uma experiência como a visita destes jovens à exposição Incertezas Vivas, há uma gama enorme de possibilidades de encontros. Uma experiência estética não necessita ser definida pelo objeto a que corresponde, como um quadro ou a beleza que este possa apresentar por seus traços e cores, à experiência comum (KASTRUP, 2010). Ela não precisa ser uma vivência produzida a partir da arte. Uma experiência estética também emerge na vida cotidiana, apresentando-se em forma de momento especial, marcante. Pode ser a força de uma tempestade ou de um pôr-do-sol; pode ser um encontro, uma refeição compartilhada, uma experiência musical, algo marcante, que se sobressaia aos fatos banais e corriqueiros. Segundo Kastrup (2010), uma vivência deste tipo não é facilmente esquecida, não se dissipa. Outra de suas características é a síntese que parece formar entre suas partes constituintes. Por fim, a terceira qualidade da experiência estética é que encontramos misturadas as dimensões emocionais, prática e
  • 49. 49 intelectual, que só vamos conseguir analisar separadamente depois de vivida a experiência. (imagem de acervo pessoal) A autora defende que uma experiência estética é emocional; que a experimentação desta dimensão emocional se dá por meio da conexão do sujeito (corpo) com o mundo a sua volta; e que a última fase desta experiência seria a busca por um significado desta experiência estética, por meio da dimensão intelectual. Reconhecer uma experiência estética pode também levar o sujeito a se tornar mais sensível, atento e aberto a novas vivências que também produzam este tipo de encontro incomum e surpreendente. Incomum, não porque o objeto que cause o estranhamento deva ser novo, mas o olhar, o afetamento, e a emoção gerada. As experiências estéticas e de exploração de um novo ambiente – como um museu ou um espaço de exposição artística - por outro lado, não impedem também algum tipo de discriminação quando sujeitos de diferentes camadas sociais se encontram no mesmo espaço físico. Se, por um lado, diante das obras expostas formam- se conexões entre a obra e o olhar daquele que a examina,
  • 50. 50 causando afetações que podem acessar a subjetividade do sujeito, provocando alguma transformação, também há – ou pode haver – olhares ou atitudes de preconceito que podem afetar o sujeito no instante de sua experiência no ambiente. Deste modo, pode haver um deslocamento da experiência de uma subjetivação que pertencia à interação do sujeito com a arte para uma experiência subjetiva (e objetiva) do sujeito com uma atitude de preconceito. Em nossa visita ao Sesc tivemos alguns destes olhares de estranhamento em relação à presença de nossos jovens. O grupo está acostumado a estes olhares. Como estamos todos juntos, parecem mais fortalecidos e tais fatores não se apresentam como impeditivo para que mergulhem na experiência estético-artística. Também há sorrisos de aprovação e admiração por parte de alguns frequentadores que examinavam, ao mesmo tempo, as mesmas obras que os jovens e ouviam os comentários pertinentes e as questões interessadas daqueles meninos e meninas. (foto de acervo pessoal) As experiências estéticas também agregam bagagem cultural pelos modos como podem afetar os sujeitos que se abrem para esta experiência. Na experiência de criação do
  • 51. 51 musical pelos jovens do CEJUV as escolhas estéticas para o que produziam eram intencionais e escolhidas pelo grupo para buscar efeitos que desejavam fazer experimentar aqueles que assistissem à representação. Cores, formas, ocupação dos espaços, toda estética de criação foi concebida ou teve a participação do grupo. Estas experiências também serviram para entendermos as reflexões acerca das diferentes estéticas da cidade e sua representação simbólica em nosso modelo de sociedade (desigual). Para refletir e discutir: Quanto se pode explorar em uma atividade externa? É possível criar experiências estéticas significativas no ambiente do SCFV? Podemos encontrar novos olhares para o espaço cotidiano? Leitura sugerida: Experiência Estética para uma Aprendizagem Inventiva: notas sobre a acessibilidade de pessoas cegas a museus (Virgínia Kastrup): http://seer.ufrgs.br/InfEducTeoriaPratica/article/download/12463/13435
  • 52. 52 TERRITÓRIOS E AFETOS (foto de acervo pessoal) Os territórios (centro, área continental, zona noroeste, zona intermediária, orla e morros) podem ter características que os diferenciem uns dos outros, embora todos apresentem desafios quanto à superação das situações de vulnerabilidades no âmbito da assistência social. Reconhecer as marcas do território onde se atua é fundamental para a melhor interpretação dos sinais daquele lugar e, portanto, permite abordagens mais assertivas e relevantes para os participantes dos encontros nas oficinas oferecidas. A Coordenadoria de Gestão do Sistema Único de Assistência Social (COGESUAS), da Secretaria de Assistência Social de Santos produziu o Diagnóstico Socioterritorial do Município de Santos, em janeiro de 2014. Este importante documento é um estudo das informações obtidas do IBGE (2010) sobre as áreas de ponderação da cidade, sob aspectos variados. O documento apresenta uma série de informações que ajudam a delinear os territórios e o perfil das famílias, assim como também os pontos de maiores riscos e vulnerabilidades no município. Embora represente uma ótima base de consulta, o trabalho não abrange todos os aspectos e minúcias dos
  • 53. 53 territórios. Antes de empreender uma ação no SCFV de qualquer território seria valioso aprender um pouco sobre o local, sua história, seu passado recente e seus dramas mais imediatos. A conversa com os trabalhadores do equipamento e com o apoio técnico pode ser de grande valia para a escolha das propostas para os grupos trabalhados. (foto de acervo pessoal) ... De setembro deste ano para agora já foram ao menos três episódios em que a polícia atuou ostensivamente resultando em, ao menos seis mortes oficiais. Número controverso, segundo moradores da comunidade, que apontam haver mais – sumiram e não há corpo e, portanto não há confirmação de morte. Passamos algumas semanas com muitas viaturas rondando e baseadas em alguns pontos de entrada da comunidade. O medo é amortecido por um estado de normalidade gerado, acredito, pela dura convivência com situações como esta. Ainda assim, percebe-se um clima de atenção e tensão entre os jovens.
  • 54. 54 Lembro da poesia criada e cantada pelo jovem G., que foi introduzida ao musical que preparam, em que ele fala: “tiros, bombas, bala perdida Quem vê de fora Não sabe o que é nossa vida...” Um dos episódios violentos levou o primo de uma jovem do Cejuv. Ela conta que ele não tinha envolvimento com o tráfico, mas que era amigo de infância de alguns meninos que se ligaram ao comando. Segundo ela, o primo estava voltando da feira e encontrou o amigo. Enquanto conversavam, apareceu um carro policial e atirou no amigo. Algumas testemunhas contam que o primo da menina, ajoelhado, assustado, pediu para não o matarem, mas não adiantou. Ele tinha apenas 16 anos. Estas cenas, infelizmente, são comuns. Estar no lugar errado, na hora errada acontece com frequência, com essa população. Pode ser alguém com envolvimento no crime ou apenas um jovem voltando do trabalho ou de um curso noturno, ou da faculdade. Apesar de toda dureza, são jovens. Gostam de se divertir e de sentirem-se felizes. O quanto puderem. Enquanto tocam, cantam e dançam, acompanho seus rostos e vejo alegria, leveza, prazer. Sabem que estão seguros naquele ambiente até o final do encontro e até que os portões se fechem, podem relaxar e cantar livres, sem medo. Outra chave valiosa para aqueles que desejam facilitar é o olhar atento e a escuta aberta, receptiva. Muitas informações relevantes para o entendimento das vulnerabilidades
  • 55. 55 relacionais vividas pelos participantes da oficina – e, portanto, para a escolha do melhor acolhimento e condução das atividades (de modo a trabalhar positivamente os sinais apresentados (ex.: violência, abuso, isolamento etc.)) depende da atuação daquele que facilita a atividade. A gentileza, respeito, cuidado, firmeza, atenção, escuta e horizontalidade no trato, são fatores fundamentais, entre outros, para estabelecer-se um ambiente equilibrado e propício à convivência. Entretanto, uma parte das respostas que os sujeitos dão a estes estímulos também está ligada a relação que se estabelece entre cada participante e aquele(a) que facilita, assim como também aos modos já estabelecidos de relacionar-se com o outro – por conta das experiências em vulnerabilidades vividas. Para refletir e discutir: Reconheço as marcas do território onde atuo? Nas minhas abordagens com os grupos, levo em conta as características do território? Como fazer uma aproximação delicada e amistosa com novos participantes de um encontro? Minha linguagem corporal passa qual mensagem? De que modo o grupo me percebe? Leitura sugerida: Solicite à chefia dos espaços (SCFV) onde atua: DIAGNÓSTICO SOCIOTERRITORIAL DO MUNICÍPIO DE SANTOS – Coordenadoria de gestão do sistema único de assistência social (COGESUAS) 2014.
  • 56. 56 PLANEJAR E REGISTRAR (foto de acervo pessoal) O planejamento de uma equipe de trabalho em um SCFV costuma basear-se nas demandas dos seus participantes sob o ponto de vista dos três eixos principais que norteiam o serviço: Convivência social; Direito de ser; Participação. A convivência social foi afirmada em 2004 como segurança de assistência social na Política Nacional de Assistência Social (PNAS). A afirmação desta especificidade na intervenção pública dessa política de seguridade social orienta que seus sujeitos pensem e construam pactos coletivos em torno das necessidades prioritárias a serem enfrentadas, nas metodologias de trabalho e na expectativa de seus resultados. “Defende-se o entendimento de que a convivência social é método de trabalho e o fortalecimento de vínculos o resultado dessa intervenção” (Brasil, 2013, p.43). Neste sentido, as chefias dos SCFV costumam receber informações dos CRAS (a que são referenciados) e orientam a equipe de trabalho segundo esta comunicação, transmitindo a todos, quaisquer cuidados ou atenções que deva haver. Outro aspecto relevante ao planejamento, neste contexto
  • 57. 57 das reuniões de equipe, é aquilo que operadores sociais, facilitadores e monitores podem trazer para conhecimento de todos sobre algo que tenha emergido em algum(s) encontro(s) e que seja tenha relevância no conjunto de aspectos que se trabalha (ou que se deseja trabalhar). Além destes aspectos há, ainda, outro e diz respeito ao momento que o território vive (incêndios, violência policial, confrontos, questões da escola, enchentes, deslizamentos, etc.). Caso haja algum acontecimento que de algum modo cause (ou possa causar) impacto nos sujeitos que participam da(s) oficina(s), o assunto passa a ser relevante ao conhecimento de todos para que possam acolher com delicadeza este aspecto e levá-lo em conta em seu(s) planejamento(s) e modo(s) de acompanhar o grupo. Em uma reunião de equipe é possível colher e partilhar experiências. As diferentes personalidades presentes podem trazer leituras distintas do que ocorre com um mesmo grupo. E este deslocamento de olhares pode ser benéfico para todos, por oferecer um enriquecimento de pontos de vista, um compartilhamento de situações práticas e experiências do cotidiano que muitas vezes são vividas e/ou acolhidas de modos distintos por cada um. Explorar novas possibilidades de lidar com as situações que se nos apresentam pode contribuir para o repertório de respostas de todos. Por isso é fundamental que haja espaço de fala reservado para que cada um possa contribuir. Cabe à chefia mediar as falas e garantir que todos sejam contemplados. A partir destas informações e experiências, pode-se trabalhar na construção de propostas para as oficinas, o planejamento. Contudo, a elaboração de um planejamento significa apenas estabelecer um plano de partida. O encontro nas oficinas pode se parecer com uma travessia em que o barco deixa o porto em uma determinada direção, com suas velas reguladas para os ventos conhecidos, mas sabe-se sujeito à maré, ao regime dos ventos e as correntes, ao sabor do oceano no qual
  • 58. 58 flutua. Do mesmo modo que cabe ao comandante ajustar as velas para a realidade encontrada na travessia, cabe àquele(s) que facilita(m), ajustar também os rumos do encontro, acolhendo o que emerge do grupo e dando sentido ao contexto dos eixos norteadores do serviço de convivência, à luz das discussões de equipe. Nem sempre a travessia nas oficinas acompanha a precisão da navegação (navegar é preciso), e as imprecisões podem servir de experiência para que se ofereçam encontros cada vez mais significativos e proveitosos para os participantes, em seus processos de transformação. É muito importante abrir espaço entre o planejado e o esperado. (foto produzida pelos jovens na oficina de artes) Criar a expectativa de seguir um planejamento que pretenda alcançar um objetivo específico, determinado, pode levar à frustração de quem planejou e também do grupo que participa da oficina – se este grupo não se vir contemplado nas suas necessidades e expectativas. A propósito, se tiver havido aprendizagem inventiva, é presumível que haja a construção de um grupo operativo, e é provável que o planejamento seja
  • 59. 59 substituído por aquilo que o grupo apresentar como proposta para aquela oficina. Nesta perspectiva pode-se dizer que, se tudo der certo, o planejamento não será usado. Ou, quando o for, este será mesclado ao que o grupo propuser como resultado de plano conjunto. Quando trabalhamos na direção promover o direito de SER, proposto pelo bom jogo da CONVIVÊNCIA, estimulamos a PARTICIPAÇÃO. E este conjunto de características operando em um grupo irá criar um terreno fértil para que os sujeitos, em conjunto, expressem suas demandas. E estas provavelmente serão pertinentes e farão sentido a todos. Ainda assim é possível pensar em propostas que genericamente apostem em alguns caminhos comuns à abordagem de qualquer planejamento: • Atividades que envolvam movimentação corporal e reconhecimento do ambiente; • Que envolvam aspectos para além da transmissão de informações e apreensão cognitiva; • Propostas em que se possa compartilhar informações sobre si (sem ser invasivo), a fim de possibilitar a aproximação e fortalecer vínculos entre os participantes; • Abrir espaço entre o planejado e o que emerge do grupo; • Afirmar e garantir a horizontalidade na tomada de decisões ao longo do processo das oficinas; • Trabalhar o compartilhamento de responsabilidades entre os participantes do grupo; • Oferecer o novo, incentivando e promovendo o aumento de repertório de convivência (social), assim como o repertório cultural (apresentar algo diferente); • Criar propostas que estimulem a construção coletiva, para que a apropriação do aprendizado seja feita como aquisição do grupo e não somente do sujeito.
  • 60. 60 • Explorar diferentes formas de expressão para ampliar o repertório de possibilidades de participação; • Registrar logo após o encerramento do encontro. Desta forma é possível mapear e acompanhar os sinais que marcaram aquele encontro. Registrar o que ocorreu no encontro pode se revelar instrumento muito potente no mapeamento do encadeamento entre propostas e respostas a estas. O exercício de descrever o que e como aconteceu na oficina pode revelar aspectos muito significativos a respeito da trajetória do grupo. Se não houver tempo para um registro detalhado, pode-se captar e registrar aquilo que parecer mais relevante, como forma de acompanhar melhor os processos e, com isso, facilitar melhor, além de poder ser fonte de informações para operadores sociais e chefia do SCFV. É fundamental olhar de perto para as relações entre os sujeitos – cartografá-las. Observar os laços que há e como se dão suas particularidades. Cada lugar na convivência pode oferecer relações de proteção ou desproteção, dependendo de como se dão. Os sujeitos são marcados também por essas experiências e muitas vezes transportam sentimentos e sensações de uma relação para outra. Nos encontros da oficina é possível observar como os sujeitos agem e reagem. Registrar os encontros permite acompanhar deslocamentos de posições dos sujeitos, assim como também possibilita planejar ações que provoquem reações que se deseja trabalhar no grupo. Na relação com o outro haverá algum tipo de comunicação que pode ser verbal ou não verbal. As oficinas podem fazer uso de muitas linguagens e oferecer diferentes meios de expressão (visual, musical, cênica, por desenhos, dança, etc.). Cabe a quem facilita, a leitura e tradução destes
  • 61. 61 discursos expressados pelos sujeitos, levando em conta que todo discurso é uma construção social, que reflete uma visão de mundo vinculada à sua experiência de vida na sociedade em que está inserido e que só pode ser analisado considerando seu contexto histórico-social e suas condições de produção. Os acontecimentos significativos (sutis ou intensos) podem ocorrer em profusão, nos encontros das oficinas. E estes podem se perder se não forem registrados. As falas, gestos e trocas que acontecem deixam pistas de uma estrutura micropolítica que se estabelece entre os participantes. Modos de conviver já estabelecidos e que apenas repetem nas oficinas. O facilitador, assim como um pesquisador, poderá lançar mão de uma análise do discurso (discurso visto como expressão), levando em conta todo o contexto de vida do sujeito, para compreender o que se estabelece. Esta delicadeza de um olhar que se ajusta para entender o que está além e por trás de gestos e falas, registrados, se traduz em ferramenta potente para se trabalhar com o grupo. Relatórios mensais tem sua relevância para que chefias e apoio técnico possam acompanhar os processos ocorridos nas oficinas, além de servir de documentação do trabalho realizado nos SCFV, portanto uma importância mais ligada à gestão. Os registros mais cotidianos (em diários de bordo ou anotações), por sua vez, são muito significativos para quem trabalha diretamente nas oficinas – mas não deixam de ser também, uma fonte de informação e acompanhamento para gestão, mas de uma forma consideravelmente mais rica e detalhada, que possibilita aprofundamentos de análise e, portanto, uma documentação com mais recursos. É importante esclarecer que qualquer análise estará sujeita às implicações do olhar de quem analisa, assim como o registro levará também a marca da percepção do observador (facilitador). Não é possível
  • 62. 62 pretender a isenção do educador social que está mergulhado no processo e é, portanto, parte desta dinâmica. Ainda em relação aos registros das atividades, é possível outras formas que contribuam com os diários e registros escritos, como por exemplo desenhos, músicas, pinturas, textos e outras expressões formuladas e desenvolvidas pelos sujeitos; frases ditas (silêncios também) ou situações ocorridas no encontro (anotadas/descritas pelo facilitador). Para refletir e discutir: Seus planejamentos contemplam as necessidades do grupo? De que forma o grupo participa do planejamento? Você registra os acontecimentos relevantes do cotidiano? Você percebe sua implicação política na forma como planeja e como registra? Há espaço de tempo garantido para produzir registros (dentro da carga horária)? Sugestão de leitura: KASTRUP, V. Escóssia, L. e Passos, E. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade - Porto Alegre: Sulina, 2015.
  • 63. 63 REFERÊNCIAS AZEVEDO, Fernando Antônio Gonçalves. Retomando–A arte possibilita ao ser humano repensar suas certezas e reinventar o seu cotidiano–a partir da ideia: Incerteza Viva. Revista GEARTE, v. 4, n. 2. BRASIL, Caderno de Orientações – Serviço d Proteção Integral à Família e Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. MDS-SNAS, Brasília, 2015. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social. Concepção de convivência e fortalecimento de vínculos – Brasília, DF: MDS, Secretaria Nacional de Assistência Social, 2017. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Perguntas Frequentes - Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Brasília, 2016. BRASIL, Ministério Do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social. Brasília. 2004. CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. trad. Maria Thereza Redig de Carvalho Barrocas e Luiz Octavio Ferreira Barreto Leite.–. Coleção Campo Teórico, v. 3, 1990. COELHO, Maria Francisca Pinheiro; TAPAJÓS, Luziele Maria de Souza; RODRIGUES, Monica. Política Social Para o Desenvolvimento: Superar a pobreza e promover a inclusão. UNESCO, 2010. FREIRE, Paulo. Paulo Freire: nós podemos reinventar o mundo'. Obra de Paulo Freire; Série Entrevistas, 1993.
  • 64. 64 GONZAGA, Luiz; TEIXERA Humberto; Asa Branca. In. Vou prá roça. Rio de Janeiro. RCA Victor. 1947. Lado A. Disco de Vinil. HOLLANDA, C. B. de. Geni e o Zepelim. In: Ópera do Malandro. Rio de Janeiro: Polygram Philips, 1979. Disco 2. Lado A. Faixa 5. Disco de Vinil. IBGE. Censo demográfico 2010. IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e, 2010. KASTRUP, Virginia. A invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição. Papirus Editora, 1999. KASTRUP, Virginia. Atualizando Virtualidades: construindo a articulação entre arte e deficiência visual. In: MORAES, Márcia; KASTRUP, V. (Org.). Exercícios de Ver e não Ver: arte e pesquisa com pessoas com deficiência visual. Rio de Janeiro: NAU, 2010. KASTRUP, Virginia. Autopoiese e subjetividade: sobre o uso da noção de autopoiese por G. Deleuze e F. Guattari. Revista do Departamento de Psicologia da UFF, Niterói, v. 7, n. 1, p. 96- 97, 1995. KASTRUP, Virgínia. Experiência estética para uma aprendizagem inventiva: notas sobre a acessibilidade de pessoas cegas a museus. Inform Educ, v. 13, n. 2, p. 38-45, 2010. KASTRUP, Virgínia. Aprendizagem, arte e invenção. Psicologia em estudo, v. 6, n. 1, p. 17-27, 2001.
  • 65. 65 O PENSADOR, Gabriel. Fé na Luta. In. Fé na luta. Rio de Janeiro, Hip Hop. 2016. Faixa 1. Cd. PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTOS. Diagnóstico sócio- territorial. Coordenadoria de gestão do SUAS, 2014. PEREIRA, Thaís Thomé Seni Oliveira. Pichon-Rivière, a dialética e os grupos operativos: implicações para pesquisa e intervenção. Revista da SPAGESP, v. 14, n. 1, p. 21-29, 2013. PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Teoria do vínculo. Tradução: Eliane Toscano Zamikhouwsky. 1998 ROSA, Miriam Debieux. Uma escuta psicanalítica das vidas secas. Textura: Revista de Psicanálise, v. 2, n. 2, p. 42-46, 2002 ROSA, Miriam Debieux. Psicanálise, Política e Cultura: A Clínica em Face da Dimensão Sócio-Política do Sofrimento. 2015. 144 f. Tese (Livre Docência) – Curso de Psicologia Clínica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. SAWAIA, B. B. (org.). As artimanhas da exclusão: uma análise ético-psicosocial da desigualdade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.