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ANAIS DO
III SEMINÁRIO DE PESQUISAS
EM PRÁTICAS SOCIAIS E
PROCESSOS EDUCATIVOS:
90 ANOS DO NASCIMENTO DE PAULO FREIRE
Volume 3, n. 1, outubro de 2011
ISSN: 2179-2313
1
III SEMINÁRIO DE PESQUISAS EM
PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS:
90 ANOS DO NASCIMENTO DE PAULO FREIRE
29 de agosto, 11 e 18 de outubro de 2011.
APOIO:
SÃO CARLOS
PRIMAVERA DE 2011
ORGANIZADORAS E
ORGANIZADOR DO EVENTO
Maria Waldenez de Oliveira
Claudia Foganholi Alves
Denise Andrade Freitas Martins
Paulo Henrique Leal
COMISSÃO CIENTÍFICA /
PARECERISTAS
Aida Victória Garcia Montrone
Aline Sommerhalder
Elenice Maria Cammarosano Onofre
Fernando Donizete Alves
Ilza Zenker Leme Joly
Maria Waldenez de Oliveira
Sonia Stella Araújo Olivera
ORGANIZADOR DOS ANAIS
Paulo Henrique Leal
COORDENADORA
Maria Waldenez de Oliveira
2
CCoommeemmoorraaççããoo ddooss 9900 aannooss ddoo
nnaasscciimmeennttoo ddee PPaauulloo FFrreeiirree
3
COCO PAULO FREIRE
Neste dia de alegria
nós viemos celebrar
90 anos de Freire
que ainda está a nos ensinar
Ô amigo Paulo Freire
é um grande educador
receba hoje nosso axé
nesse encontro acolhedor
O respeito e a humildade
vamos todos se lembrar
no processo educativo
temos que dialogar
Sua palavra ilumina
todo o povo brasileiro
um grande conhecimento
que está no mundo inteiro
Cada mulher e cada homem
tem sua história pra contar
muitas práticas sociais
e saberes pra trocar
Pro inédito viável
para a humanização
nós devemos batalhar
e unir as nossas mãos
E hoje aqui conosco
está a Nita e Izael
cada um no seu caminho
vão cumprindo seu papel
Compartilhar a alegria
dessa nossa convivência
esse é um momento importante
para a nossa existência
Vivian Parreira e Marta Kawamura
Comemoração de 90 anos do nascimento de Paulo Freire
UFSCar, agosto de 2011.
4
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO........................................................................................................................5
PROGRAMAÇÃO DO III SEMINÁRIO DE PESQUISAS EM PRÁTICAS SOCIAIS
E PROCESSOS EDUCATIVOS: 90 ANOS DO NASCIMENTO DE PAULO FREIRE..7
AFROBETIZANDO: EXPERIÊNCIAS EM DIÁLOGO PARA EDUCAÇÃO DAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS...............................................................................................8
APORTES DA TEORIA DE PAULO FREIRE PARA PESQUISAS COM
MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO DO CAMPO....................................................16
APORTES DE PAULO FREIRE PARA A COMPREENSÃO DA PRÁTICA SOCIAL DO
CUIDADO À SAÚDE E DOS PROCESSOS EDUCATIVOS DE MULHERES
CAMPONESAS..........................................................................................................................24
APORTES DE PAULO FREIRE PARA A EDUCOMUNICAÇÃO......................................32
DIÁLOGO, COMUNICAÇÃO E COMUNHÃO: CONTRIBUIÇÕES DE PAULO
FREIRE PARA O FAZER PESQUISA COM MULHERES QUE EXERCEM
PROSTITUIÇÃO......................................................................................................................38
A EDUCAÇÃO LIBERTADORA DE PAULO FREIRE: UMA POSSIBILIDADE DE
TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE DE ADOLESCENTES, JOVENS E ADULTOS
EM CONFLITO COM A LEI...................................................................................................44
EDUCAÇÃO OU ALFABETIZAÇÃO MUSICAL? PROBLEMATIZANDO
CONCEITOS COM PAULO FREIRE E ENRIQUE DUSSEL...........................................52
PROCESSOS EDUCATIVOS NO ESPAÇO ESCOLAR: TENSÕES ENTRE
OPRESSÃO E LIBERTAÇÃO.................................................................................................60
PROCESSOS EDUCATIVOS PRESENTES NA CONGADA: CONTRIBUIÇÕES PARA
O FORTALECIMENTODA IDENTIDADE E PERTENCIMENTO ÉTNICORRACIAL
......................................................................................................................................................66
THE SIMS 3: PROCESSOS EDUCATIVOS E O SABER DE EXPERIÊNCIA ............74
5
APRESENTAÇÃO
É com muita estima e felicidade que lhes apresentamos os Anais do III
Seminário de Pesquisas em Práticas Sociais e Processos Educativos: 90 anos do
nascimento de Paulo Freire, evento promovido pela Linha de Pesquisa "Práticas
Sociais e Processos Educativos", do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de São Carlos (PSPE/PPGE/UFSCar), realizado nos dia 29 de
agosto, 11 e 18 de outubro de 2011.
Calorosa e carinhosamente, agradecemos a todas as pessoas que, de
alguma maneira, se envolveram para a realização deste evento em comemoração aos
90 anos do nascimento de nosso grandioso educador Paulo Reglus Neves Freire. Ao
lado de outros autores como Ernani Fiori e Enrique Dussel, consideramos que Paulo
Freire – cujas formas de estar sendo no mundo exalavam pedagogia, politicidade,
gentileza, coerência, criticidade, amorosidade, indignação e esperança – ainda vive
com os oprimidos e impedidos de ser, portanto, também presente na constante luta
através das nossas ações uns-com-os-outros-no-mundo-que-está-sendo pela
existência humana, solidária, dialógica, libertadora e, portanto, ética.
Histórica e socialmente, em meio às tensões entre a boniteza e feiura
das ações-no-mundo, lançamo-nos teorizando, refletindo e caminhando em direção
aos nossos sonhos, nossas utopias, estando ou não os nossos dizeres coerentes com
os fazeres. Podemos dizer que Paulo Freire, em sua substantividade política e
adjetividade pedagógica, vivenciou a coerência de seus sonhos através do diálogo,
da intersubjetividade, da curiosidade e do respeito; da unidade na diversidade; de
uma vida condicionada, mas não determinada; da negação às concepções fatalistas
do destino e da história das sociedades humanas; do educar-se em comunhão para a
libertação dos oprimidos na e pela ética universal.
Neste sentido, ao invés de nos perguntarmos "se" as práticas sociais e os
processos educativos, constituídos e desenvolvidos no interior de grupos e
comunidades populares, estão ocorrendo ou não nessa direção, preferimos buscar
compreender "quando?", "onde?" e "como?" estão acontecendo. É com esta
perspectiva que convidamos as leitoras e os leitores a se lançarem nesta porção
escrita de nosso evento, uma vez que, em suma, se constitui pelos artigos
elaborados por estudantes e ex-estudantes da linha PSPE, cuja temática circunda
os aportes de Paulo Freire para as pesquisas.
Além dos artigos, encontraremos no DVD-Rom do evento a letra do Coco
Paulo Freire e a gravação audiovisual da Mesa de Abertura deste Seminário,
ocorrida no dia 29 de agosto de 2011, onde estivemos com a professora Nita Freire,
o Mestre capoeirista Izael Teixeira e tantas outras gentes que fizeram,
prestigiaram e alegraram a nossa festa para Paulo Freire. Esta gravação também
está disponível no site: <http://www.livestream.com/goiabanetworks>.
6
Finalizando estas primeiras palavras, gostaríamos de parabenizar Paulo
Freire pelos seus 90 anos: Parabéns, Paulo! Humildemente, nós e várias outras
pessoas, que por sua obra e pensamento temos nossos caminhos em busca da
conscientização, da libertação, do ser mais, iluminados, também o agradecemos pela
boniteza de sua obra e vida.
E que o 19 de setembro de 2011, quase início de primavera, assim como as
demais datas sejam marcadas como referências em que não somente um recifense,
pernambucano, nordestino, brasileiro e latino-americano se faz presente em nosso
viver, mas também, todos os demais seres humanos e suas relações na construção
da história da humanidade, principalmente aqueles que pelas elites e lógicas
colonializadoras, opressoras e desumanizantes são oprimidos, discriminados,
violentados, roubados e impedidos de ser.
Paulo Henrique Leal
Organizador dos Anais
Maria Waldenez de Oliveira
Coordenadora do Seminário
7
PROGRAMAÇÃO DO III SEMINÁRIO DE PESQUISAS EM PRÁTICAS
SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS: 90 ANOS DO NASCIMENTO
DE PAULO FREIRE
Dia 29 de agosto – Local: Sala 17 do prédio AT1/UFSCar
19h às 22h – Diálogo com professora Nita Freire e Mestre Izael Teixeira:
“Comemoração dos 90 anos do nascimento de Paulo Freire”
 Convidados e convidadas: Estudantes, professoras e professores da rede,
pesquisadores e pesquisadoras de diferentes áreas disciplinares,
comunidades acadêmica e popular.
Dia 11 de outubro - Local: Sala Paulo Freire do PPGE/UFSCar
8h30m – Inauguração da ambientação da Sala Paulo Freire
9h30m – Café coletivo
10h às 12h – Apresentação de trabalhos da linha de pesquisa PSPE
 Convidados e convidadas: Estudantes, professoras e professores da rede,
pesquisadores e pesquisadoras de diferentes áreas disciplinares,
comunidades acadêmica e popular.
Dia 18 de outubro - Local: Sala Paulo Freire do PPGE/UFSCar
8h às 12h – Apresentação de trabalhos da linha de pesquisa PSPE
 Convidados e convidadas: Estudantes, professoras e professores da rede,
pesquisadores e pesquisadoras de diferentes áreas disciplinares,
comunidades acadêmica e popular.
8
AFROBETIZANDO: EXPERIÊNCIAS EM DIÁLOGO PARA EDUCAÇÃO DAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS1
Maria Fernanda Luiz 2
RESUMO
Diante da necessidade da educação das relações étnico-raciais expressa nos documentos oficiais
e, principalmente, nas relações sociais em nossa sociedade, assim como acreditando que
intervenções pedagógicas no cotidiano das salas de aula podem, e devem, fortalecer a identidade
negra e desenvolver ações anti-racistas, desenvolvemos o presente estudo com objetivo
compreender como o diálogo pode contribuir com a educação das relações étnico-raciais nas
séries iniciais do Ensino Fundamental. Os dados coletados em nossa vivência enquanto
professor/a de uma escola da Rede Estadual de São Paulo na cidade de Araraquara, desvalam um
trabalho de alfabetização e letramento que busca o diálogo com os/as educandos/as como
também com seus pais ou responsáveis considerando a vivências destes/as para uma
aprendizagem que seja significa a qual busca possibilitar a construção de uma imagem positiva
dos/as negros/as dentro do espaço escolar como também fora dele de forma a valorizar a cultura
africana e afro-brasileira.
Palavras-chave: Educação das relações étnico-raciais. Processos educativos. Diálogo.
ABSTRACT
Faced with the need for education of ethnic-racial relation expressed in official documents and,
especially, in social relations in our society, as well as believing that education interventions in
everyday classrooms can ande should strengtenblack identity and to develop anti-racist, we
developed this study in order to unsderstand how dialogue may contribute to the education of
ethinic-racial relations in the early grades of elementary school. Data collected in our
experience as a teacher in a school of the Network State of São Paulo in the city of Araraquara
worthlessness work literacy for dialogue with the students them as well as their parants or
guardians considering the the experiences of for the learning that is a mean wich seeks to enable
the construction of a positive image of the black space with in school but also outside it in order
to enhance the African culture an African-Brazilian.
Keywords: Education of ethinic-racial relations. Educational processes. Dialogue.
Introdução
Sabemos que durante muito tempo a educação brasileira foi pensada e valorizada a partir
apenas do pensamento eurocêntrico, e entendemos assim como Freire (2006) que a educação é
uma forma de intervenção no mundo “[...] que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal
ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto
o seu desmascaramento” (p. 98). Assim buscando romper com a dominação dos currículos os
grupos sociais marginalizados lutaram, e lutam ainda hoje, para que a educação valorize a
1 Este trabalho contou comClayton da Silva Carmo como coautor.
2 Mestranda no Centro de Educação de Ciências Humanas sob orientação da Professora Doutora Petronilha Beatriz
Gonçalves e Silva, Programa de pós-graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos - UFSCAr-São
Carlos- SP- Brasil, CEP: 13.564-905. e-mail: dona_fernanda81@hotmail.com.
9
diversidade presente nas salas de aula, construindo uma escola que “[...] contemple a história, a
cultura, o cotidiano e as experiências dos diversos segmentos étnico-raciais da nossa sociedade”
(SILVA, 1997, p. 39). Nesse sentido, discutimos o enegrecer3 do espaço escolar refletindo sobre
nossas ações cotidianas, as quais devem contemplar aspectos referentes à cultura africana
contrapondo as situações discriminatórias e preconceituosas vivenciadas nos diferentes espaços
onde estamos inseridos. Vale salientar que as situações de discriminação e preconceito racial são
frequentes no nosso dia a dia. No entanto, muitas vezes são entendidas como ações naturais do
relacionamento humano e tratadas como assunto sem grande importância. Deste modo nossa
indignação se expressa neste estudo assim como Freire (2006) que diz: “que alguém se torne
machista, racista sei lá o quê, mas se assuma como transgressor da natureza humana. Não me
venha com justificativas genéticas, sociológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a
superioridade da branquitude sobre a negritude [...]” (p. 60).
Acreditamos que esta questão tem fundamental importância ao ser tratada no espaço
escolar, devendo este, enquanto um espaço crítico, proporcionar reflexões acerca desse tema
visando a superação da reprodução de qualquer ação que favoreça a discriminação e o
preconceito racial, uma vez que o Brasil tem em sua população de 50,7% de negros4, e que cabe
aos professores/as cumprir a Lei 10.639/03, o parecer CNE/CP 03/2004, a resolução CNE/CP
01/2004 bem como Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para
educação das Relações étnico-raciais, realizando atividades que visem intervir de forma a
positivar a imagem do/a negro/a.
Diálogo e o processo educativo
Considerando que enquanto seres humanos no mundo temos nossas identidades
construídas na vivência e interação que cada pessoa tem com o mundo e com as outras, e, que tal
interação se da também por meio do diálogo, entendemos que o mesmo pode contribuir com
processos educativos relevantes para educação das relações étnico-raciais, uma vez que,
possibilita conhecer a leitura de mundo de educandos/as e considerar esse saber esse saber de
experiência feito, de modo a superar incoerência que a educação bancária traz para o
desenvolvimentos de projetos pautados nas africanidades.
Entendemos a valorização do saber de experiência feito como fundamental para o ato de
educar-se, como nos aponta Freire (2005b) afirmando que:
3 Com o enegrecimento da educação se propõe escola em que cada um se sinta acolhido e integrante, onde as
contribuições de todos os povos para humanidade sejam presentes, não como lista, sequência de dados e
informações, mas como motivos e meios que conduzam ao conhecimento, compreensão, respeito recíprocos, a uma
sociedade justa e solidária (SILVA, 2010, p. 41).
4 Dados obtidos no site do IBGE em 2010 refere-se a soma de pretos e pardos.
10
[...] não podemos deixar de lado, desprezado como algo imprestável, o que educandos,
sejam crianças chegando à escola ou jovens e adultos a centros de educação popular,
trazem consigo de compreensão do mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática
na prática social de que fazem parte. Sua fala, sua forma de contar, de calcular, seus
saberes em torno do chamado outro mundo, sua religiosidade, seus saberes emtorno da
saúde, do corpo, da sexualidade, da vida, da morte, da força dos santos, dos conjuntos
(p. 85).
No entanto, cabe ressaltar que o diálogo não deve ser entendido como uma técnica
apenas, mas como um encontro entre consciências que, mediatizado pelo mundo, tem em comum
a busca do saber agir (FREIRE, 2005a). Ou ainda como:
[...] algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. Isto é, o diálogo
é uma espécie de postura necessária, na medida em que os seres humanos se
transformam cada vez mais em seres criticamente comunicativos. O diálogo é o
momento em que os humanos se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a
fazem e re-fazem. Outra coisa: na medida em que [...] nos comunicamos uns com os
outros [...] nos tornamos mais capazes de transformar nossa realidade, somos capazes de
saber que sabemos, que é algo mais do que só saber [...] sabemos que sabemos, e
sabemos também que não sabemos. Através do diálogo, refletindo juntos sobre o que
sabemos e não sabemos, podemos, a seguir, atuar criticamente para transformar a
realidade (FREIRE; SHOR, 1986, p. 65).
Assim, a educação nessa perspectiva privilegia a intencionalidade de cada Ser
respeitando experiências particulares e tornando a aprendizagem mais significativa, pois parte do
que já é conhecido. O diálogo permite o compartilhar dessas experiências, o que amplia as
possibilidades de aprendizagem das pessoas envolvidas no processo educativo. A dialogicidade
verdadeira, de acordo com Freire (2006) é aquela “[...] em que os sujeitos dialógicos aprendem e
crescem na diferença, sobretudo, no respeito a ela [...]” (p. 60).
Destacamos que “[...] dentro das escolas, notadamente públicas, circula um maior número
de crianças pobres e negras” (OLIVEIRA, 2005, p. 90), o que evidencia a necessidade de uma
educação das relações étnico-raciais que, baseada no diálogo, contrarie a lógica bancária da
educação atual com vistas à humanização. Acreditando que educandos/as poderão, por meio de
sua práxis, contribuir na luta para diminuir as desigualdades do modelo social vigente de forma a
contrapor a discriminação e o preconceito racial atualmente expressos em nossa sociedade.
Na luta por uma educação e sociedade que respeite o ser mais, não só de negros ou
brancos, mas de homens e mulheres ao mundo, entendemos que:
“o que sobretudo me move a ser ético é saber que, sendo a educação, por sua própria
natureza, diretiva e política, eu devo sem jamais negar meu sonho ou minha utopia aos
educandos, respeitá-los. Defender com seriedade, rigorosamente, mas também
apaixonadamente, uma tese, uma posição, uma preferência, estimulando e respeitando,
ao mesmo tempo, o direito ao discurso contrário, é a melhor forma de ensinar, de um
lado, o direito de termos o dever de “brigar” por nossas idéias, por nossos sonhos e não
apenas aprender a sintaxe do verbo haver, de outro, o respeito mútuo” (FREIRE, 2005b,
p. 78)
11
E é acreditando no direito ao discurso contrário e no respeito ao saber de experiência feito
de educandos/as, que escrevemos este artigo buscando compreender quais as contribuições
trazem o diálogo para uma intervenção pedagógica com vistas à educação das relações étnico-
raciais nas séries iniciais.
Metodologia
Esta pesquisa foi realizada a partir de registros escritos uma intervenção desenvolvida
com 35 alunos de uma turma de 2ª série do Ensino Fundamental, em uma escola pública da rede
estadual do estado de São Paulo, durante o ano de 2009. A intervenção realizada pela docente
generalista teve como objetivo relacionar o trabalho de alfabetização e letramento, base para as
séries iniciais do Ensino Fundamental, com discussões e reflexões que permitissem um estudo
crítico da história dos/as negros/as, da África e da importância destes para a sociedade brasileira.
As atividades aconteceram em diferentes momentos das aulas buscando a discussão da temática
nos diferentes componentes curriculares, sendo que as produções e atividades das crianças iam
compondo um caderno de registros individual intitulado “AFROBETIZANDO: Estudando a
História do negro e da África nas séries iniciais”. Buscando uma aproximação com as famílias,
muitas das atividades foram tarefas de casa para serem realizados em conversa com pais, mães
ou responsáveis. Os cadernos de registros eram compostos por textos e desenhos feito pelas
crianças, caça-palavras, letras de músicas, figuras, calendários e textos informativos, todos com
intuito de trazer elementos para as rodas de conversas organizadas pela professora para debater e
estudar a temática em questão. A intervenção finalizou com a apresentação de uma peça, escrita
pela turma, em um evento de fechamento do ano letivo realizado pela escola.
Desenvolvida em caráter qualitativo, esta pesquisa foi orientada pela seguinte questão:
Quais as contribuições do diálogo para uma intervenção pedagógica com vistas à educação das
relações étnico-raciais nas séries iniciais?
Como fontes de dados foram utilizadas as produções de texto individuais e coletivas de
14 crianças participantes da citada intervenção. A utilização destes registros recebeu, na
pesquisa, o caráter de notas de campo, no sentido expresso por Bogdan e Biklen (1994), dos
quais, após leitura e releitura, emergiram duas categorias (GOMES, 1994). Para preservar a
identidade das pessoas envolvidas todos os nomes foram substituídos por nomes fictícios. Os
trechos citados foram transcritos em sua forma original.
Construção dos resultados
a) Saber de experiência feito
12
Esta categoria faz relações da importância destes saberes para o aprendizado dos
envolvidos, e fundamental para auxiliar o desenvolvimento do trabalho da professora. As
atividades realizadas em casa com a família foram fundamentais no desenvolvimento da
intervenção, pois traziam elementos para as discussões e reflexões durante as rodas de conversa
realizadas para compartilhar os dados dos registros individuais.
Tais registros trazem muitas vezes informações divulgadas nos meios de comunicação em
massa que tendem a reforçar visões restritas sobre a África de modo a colaborar com a
desvalorização do continente e, consequentemente, reforçar preconceitos. Como podemos notar
nos trechos a seguir: “A minha mãe só conhece o que passa na TV fome a miséria e gerra”
(Isabela); “A minha mãe falou: - Que a africa é um continente muito pobre. Eu perguntei [...]
Mãe porque você acha que a áfrica é um continente pobre e ela disse: - eu vejo muito na
televisão” (Tatiana); “A áfrica tem muitos animais selvagens como leãos e elefantes jirafa,
zebra. Na áfrica muitas pessoas passam fome e até morrem pela falta de alimento é um
continente muito pobre, tembem a doença mata milhares de pessoas” (Geovana); “A África é
um continente [...] de animais, selvagem” (Milena).
No entanto os registros também apontaram contrapontos fundamentais para o estudo do
tema, tais como: “O meu pai falou: - que na áfrica vivem os animais mas ferozes do mundo. E é
um continente que tem a maior população de pessoas negras. E tem muitas praias bonitas e
lindas, que tem grandes hotéis” (Tatiana); “a Africa é um continente e ela trouce a capoeira a
áfrica tem 53 paise” (Vitor); “Tambores Samba é uma forma verbal de alguns dialetos
africanos [...] a civilização negra-africana procede de uma visão unitária do mundo [...] O
mesmo espírito anima e liga a filosofia, a sociedade e a arte negra-africana. As artes [...]estão
interligadas: O poema à música, a música à dança. Culinária Baiana. Tambor de criola.
Capoeira.” (Ana); “A áfrica [...] tem uma cultura interesante de dança, musica” (Geovana).
Outra atividade realizada junto aos familiares discutia a questão da abolição, as respostas
trazidas pelas crianças mostravam que os quase todos os familiares relacionavam a mesma com a
determinação da lei áurea. Apenas Isis citou em seus registros as leis do ventre livre e do
sexagenário. Este tipo de saber também é muito importante de ser considerado, pois indica a
necessidade de encaminhamentos do/a docente/a em atividades problematizadoras, uma vez que
é fundamental destacar os movimentos de resistência e luta pela libertação dos negros.
Outra situação revela a insatisfação de uma mãe que escreve à professora pela atividade
enviada para casa: “A Daniela não sabe ler nem escrever para que ela tem que saber sobre a
áfrica [...] eu trabalho o chego as 23:00 da noite levanto 05:00 da manhã para fazer marmita eu
lá tenho tempo de falar sobre África sendo que nem ler ela sabe” (Daniela). Essa situação
desencadeou em atendimento individual à mãe para esclarecimento sobre o processo de
13
alfabetização da educanda, sobre os motivos pelo quais discute-se aspectos relacionados a
história e cultura africana. Por outro lado tal situação foi importante para compreender como as
condições materiais das famílias interferem nas relações familiares, e quais seus reflexos na
escola e em práticas dialógicas.
Ao final de uma das rodas de conversa, pautada nas informações que as crianças
apresentaram, foi realizado um registro dos aprendizados que as crianças consideram mais
importantes sobre a escravidão no Brasil. Em diálogo elaboraram a seguinte síntese de
aprendizado:
1. Saber que os escravos vieramda África.
2. Os escravos vieram obrigados para o Brasil.
3. Antes de virem para o Brasil eles tinham uma vida melhor e eram respeitados.
4. Aqui no Brasil eles foram maltratados.
5. Tem muita coisa que fazemos por que os negros trouxeram.
6. Muitos escravos fugiam porque eram maltratados, outros tentavam a carta de
alforria.
7. As leis que eram criadas não ajudavam os escravos (Registro Coletivo).
Compartilhando os conhecimentos trazidos pelas crianças foi possível problematizar e
ampliar o conhecimento que todos tinham sobre o tema, refletindo sobre os termos escravos e
escravizados, o ser negro/a no Brasil e na África e sobre as contribuições na cultura. É
importante considerar que o diálogo em Rodas de conversa permitiu que educandos/as
escutassem e narrassem fatos conhecidos ou relatassem experiências do cotidiano, garantindo a
expressão de sensações, sentimentos e necessidades.
b) Quanto mais diferenças mais aprendizados
Esta categoria indica processos educativos decorrentes da participação de outras pessoas
na intervenção pedagógica. Trazem relatos das crianças comentando atividades com música,
teatro, jogos e brincadeiras, que contribuíram para o processo de alfabetização, enquanto
motivadores das produções de textos, e também para estudo da temática em questão.
Seguem trechos onde as crianças escrevem sobre vivência com professor convidado que
tratou sobre jogos e brincadeiras africanas: “[...] nós ficamos muito feliz e mas ele se atrasou
porque ele estava viagando [...] e quando ele chegou ele tocou tambor e ensinou duas musicas e
depois fomos brincar de cobrador de impostos e Bom Kid e voutamos para sala e fomos
embora” (Tatiana); “Foi muito bacana e cantamos e brincamos fomos ao campinho e
brincamos de cobrados de impostos e Bom Kid” (Vitor); “Nós ficamos anciosos porque o
[convidado] ficou atrazado e ele gecou e cantou uma música de gecada com o tambo e depois
ele comverso e nos canto e ele só toco para nos saímos la fora e facemos três brincadeira [...] e
antes nos brincamos de Peca o peixe do sinhor e nos brincamos bastante e nos ficamos
brincamos, brincamos brincamos tanto que nos tambem toco o tambo que todo mundo falo:
14
Olha tem pelo de cabra e o rio rio rio que até nos votamos cantando a música que checamos”
(Ana); “Nos brincamos e foi muito legau e a gente cantamos a musica inbraca minino embraca
molha o pé mas não molha a meia nos viemos de tonlonge fazer brarulho e terá leia” (Lucas).
Evidencia-se nos excertos citados a importância dada ao brincar por parte das crianças.
Segue o trecho da escrita coletiva de uma carta para agradecer ao convidado que mostra o
contentamento e revela aprendizados: “Aprendemos com você, muitas coisas sobre a África e
adoramos o que você ensinou para gente” (Registro Coletivo).
A participação de um cantor de rap, embora menos direta que a anterior, também motivou
bastante as crianças, pois após a atividade que estudou a letra de um de seus raps as crianças se
empenharam na elaboração de uma peça teatral, como revela a escrita coletiva da carta que foi
enviada ao cantor, e ,posteriormente, respondida pelo mesmo via e-mail da professora.
Nós, alunos da [Escola Estadual], aprendemos com a Professora algumas música que
você compôs e gostamos muito. Porque com elas aprendemos sobre a história dos
negros na África e no Brasil. Escrevemos uma peça sobre o preconceito, e nela
colocamos um trecho de sua música raízes e um aluno de nossa sala vai interpretar.
Estamos ansiosos para receber sua resposta e queremos te conhecer melhor. Por isso
junto com a carta está indo uma foto da turma para você saber quem somos nós.
Adoramos te conhecer, beijos e abraços (Registro Coletivo).
A participação de diferentes pessoas na intervenção contribuiu com situações de
aprendizagem, pois além de noves conhecimentos, também possibilitaram vivências de outros
tipos de linguagens como as música, as brincadeiras e o teatro. Esse diálogo de corpos ao mundo
favorece a expressão das crianças, de seus interesses ou mesmo desinteresses, enriquecendo as
rodas de conversa com o que já sabem e não sabem, e reconhecendo que podem saber mais.
Considerações
Os dados apresentados permitiram observar que o diálogo com e entre as crianças
trouxeram subsídios que fomentaram as discussões sobre a temática em questão, de modo que
aspectos importantes foram tratados nas rodas de conversa, que partindo de informações,
sentimentos e expressões do cotidiano das crianças e familiares, foram problematizadas
possibilitando reflexões e aprendizados para o grupo.
É importante ressaltar o relato da mãe citado, que traz à tona relação entre a questão
material das famílias e a escola, lembrando que o diálogo entre família e escola é fundamental,
uma vez que ambas buscam o desenvolvimento das crianças, e, no entanto quando não se
estabelece uma relação de diálogo, lutam sozinhas e em oposição, comprometendo o
desenvolvimento das crianças ao invés de potencializá-lo.
A troca de experiências proporcionada com participação de outros sujeitos, apresentou-se
como fator motivador de aprendizado, principalmente diante da valorização da brincadeira
15
demonstrada pelas crianças. O compartilhar de experiências evidenciado neste estudo permite-
nos refletir sobre os modos atuais da educação que pautados na memorização e aulas expositivas
ignora a criatividade e atuam contra a autonomia das pessoas e contra a democratização da
escola.
Acreditando que a valorização dos saberes expressos por educandos/as possibilitam o
transformar e o transformar-se dos mesmos e de educadores/as, e entendendo que tal
transformação reflete em mudanças na realidade de escolas e da comunidade de que fazem parte,
ressaltamos que o desenvolvimento de intervenções pedagógicas com vistas a educação das
relações étnico-raciais, não podem se dar sob a lógica bancária que atualmente compõe as
escolas, pois esta desrespeita aos educandos/as, brancos/as ou negros/as, e são incoerente com o
enegrecimento da educação abordado neste artigo.
Como nos alerta Freire (2006) o educador/a democrático consciente de não neutralidade
da educação, e de que a escola sozinha nada pode mudar, deve sustentar sua luta lembrando que
“se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental ela pode” (p. 112), e se ela não é a
chave das transformações sociais, tão pouco deve ser uma simples reprodutora da ideologia
dominante.
Referências
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Notas de campo. In: ______. Investigação qualitativa em
educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994, p. 150-175.
BRASIL. Lei n˚ 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Brasília: Ministério da Educação, 2003.
______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP 3/2004. Diretrizes curriculares
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Brasília, 2004.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
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GOMES, N. L. (Orgs.). Educação e raça: Perspectivas políticas, pedagógicas e estéticas. Belo
Horizonte: Autêntica, 2010, p. 37-54.
16
APORTES DA TEORIA DE PAULO FREIRE PARA PESQUISAS COM
MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO DO CAMPO
Débora Monteiro do Amaral
de_ufscar03@yahoo.com.br
RESUMO
Este ensaio traz elementos para pensarmos a pesquisa com movimentos sociais e
educação do campo pautado em aportes da teoria freiriana. Para isso discorre sobre
conceitos, tais como, o ensinar, o aprender, o estar no e com o mundo, sobre a reflexão-
ação, a reinvenção do ser humano, a inconclusão dos homens e mulheres, entre outros.
Disserta que para entender a educação e o processo de mudança social é preciso estar
consciente de que a educação tem caráter permanente e que as pessoas estão o tempo
todo se educando. Traz a educação do campo como uma política pedagógica que está
vinculada a objetivos políticos de emancipação e de luta por justiça e igualdade social e
traz que ser do movimento social significa ser um sujeito que tem uma história de luta,
de persistência. Como exemplo de sujeitos dos movimentos sociais na busca pela
educação do campo traz os cursos de Pedagogia da Terra que trazem pessoas dos
movimentos sociais para as universidades públicas, tentam romper com a pedagogia
tradicional dos cursos superiores. Esse curso tem a intencionalidade pedagógica em sua
centralidade a prática educativa da práxis social, retomando a reflexão sobre a força
formadora do trabalho, da cultura, da luta social como matrizes educativas do ser
humano que não podem deixar de ser intencionalizadas como práticas pedagógicas em
um projeto educacional que se pretenda emancipatório. O ensaio ainda defende que os
objetivos de emancipação, libertação e transformação, o ato de educar e educar-se deve
considerar os saberes de experiência feitos/classes populares.
Palavras-chaves: Paulo Freire. Movimentos sociais. Educação do campo.
ABSTRACT
This essay brings elements to think research on social movements and guided field
education in Freire's theory contributions. For that talks about concepts such as the
teaching, learning, and being in the world, on the reflection-action, the reinvention of
the human being, the inconclusiveness of men and women, among others. Lectures that
to understand the process of education and social change must be aware that education
is permanent and that people are constantly educating themselves. Bring the education
field as an educational policy that is linked to political goals of emancipation and the
struggle for social equality and justice and brings the movement to be social means to
be a guy who has a history of struggle, persistence. As an example of subjects of social
movements in pursuit of field education provides courses in Pedagogy of the Earth that
bring people from social movements to public universities, trying to break with the
traditional pedagogy of university courses. This course has the intention of teaching
their centrality to the educational practice of social praxis, resuming the debate on the
forming of the work force, culture, social struggle as headquarters of the educational
human being who can not stop being intencionalizadas as a pedagogical practices in
educational project intended to be emancipatory. The essay also argues that the goals of
17
emancipation, liberation and transformation, nurture and educate yourself to consider
the knowledge of living experience / classes.
Keywords: Paulo Freire. Social movements. Rural education.
Trago neste ensaio aportes da teoria freiriana que ajudam a pensar a atuação com
movimentos sociais do campo, entendendo a pesquisa como uma atuação política,
intencional e militante, no processo em que Freire defende, ou seja, que “deste modo,
fazendo pesquisa, educo e estou me educando com os grupos populares” (FREIRE,
1983, p. 36).
A política pedagógica para a Educação do Campo está vinculada a objetivos
políticos de emancipação e de luta por justiça e igualdade social. Podemos destacar pelo
menos 3 referências prioritárias: a 1ª é a tradição do pensamento pedagógico socialista;
a 2ª é a interlocução com a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, e toda a tradição
pedagógica decorrente das experiências de Educação Popular, e a 3ª é a referência
pedagógica mais recente que chamamos de “pedagogia do movimento”.
Neste momento trarei a discussão para as contribuições de Paulo Freire (1979,
1983, 1992, 1993, 1996, 2001, 2005, 2009) no contexto da educação nos movimentos
sociais do campo e perceber o que ele nos diz sobre o ensinar, o aprender, o estar no e
com o mundo, sobre a reflexão-ação, a reinvenção do ser humano, a inconclusão dos
homens e mulheres, o estar aberto/a para o mundo, entre outros aspectos sobre os quais
dissertaremos aqui.
Os movimentos sociais e os movimentos de educação popular trazem Paulo
Freire como uma de suas matrizes teóricas, pois foi ele que abriu um caminho
importante ao trazer toda sua reflexão em torno do processo de produção do ser humano
como sujeito, da potencialidade educativa da condição de oprimido e do esforço de
tentar deixar de sê-lo, ou seja, tentar transformar as circunstâncias sociais dessa sua
condição, engajando-se na luta por libertação.
Freire traz a necessidade do desvelamento do mundo com os sujeitos, do diálogo
permanente com eles, para promover a libertação e também outra visão de mundo que
não a dominante imposta. A alteridade é aqui ponto central, pois, por meio dela se pode
realmente estar com e no mundo. O processo e o dinamismo da conscientização e da
ampliação de visão de mundo com as pessoas tornam relevante esta investigação, pois,
ao formar pedagogos da terra, estes têm que estar exatamente com o mundo e com os
18
outros para que essa formação seja um diferencial na luta desse povo, na busca
permanente pela sua libertação.
Quem melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para
entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem
sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem melhor que
eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação
a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo
conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela.
(FREIRE, 2005, p. 34)
Para entender a educação e o processo de mudança social é preciso estar
consciente de que a educação tem caráter permanente e que as pessoas estão o tempo
todo se educando. O saber-ignorância1 é a compreensão de que não há saber nem
ignorância absoluta, ou seja, todo ser humano tem em si alguma sabedoria, que não é
melhor nem pior que outro saber anunciado. Mulheres e homens que ensinam e
aprendem devem ter consciência de que:
[...] educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que
sabem que pouco sabem – por isto sabem que sabem algo e pode
assim chegar a saber mais – em diálogo com aquele que, quase
sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu
pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam
igualmente saber mais. (FREIRE, 1983, p. 15)
É necessário que todos/as tenham a consciência de estar no e com o mundo, em
uma militância e uma permanência irrecusável. A libertação dos oprimidos não ocorre
por outra pessoa se não por ela mesma, pois, a humanização é apenas dela.
Ser do movimento social significa ser um sujeito que tem uma história de luta,
de persistência. Significa ser sujeito da história, de uma história que por muito tempo
negou dignidade, respeito, direitos. Freire (1979, p. 52) diz que “o homem é homem e o
mundo é histórico-cultural na medida em que, ambos inacabados, se encontram numa
relação permanente, ao qual o homem, transformando o mundo, sofre os efeitos de sua
própria transformação”.
Os cursos de Pedagogia da Terra, que trazem pessoas dos movimentos sociais
para as universidades públicas, tentam romper com a pedagogia tradicional dos cursos
superiores. Caldart (2004) diz que nas pedagogias mais tradicionais a educação é vista
1 Para Freire (1979) o saber se faz através de uma superação constante, ou seja, o saber superado já é uma
ignorância. Todo saber traz consigo sua própria superação. Portanto não há saber nem ignorância
absoluta, há uma relativização do saber ou da ignorância. (p. 15)
19
exatamente no contraponto da luta, sendo a ordem seu valor mais precioso. Por isso, a
educação é vista como sinônimo de socialização passiva, da integração à sociedade, de
aprendizado da obediência ou até do conformismo pessoal e social.
Por outro lado, nas pedagogias que se colocam em uma perspectiva de participar
dos processos de transformação social, o predomínio da pedagogia da palavra, seja
como apelo à conscientização ou denúncia da alienação provocada pelas condições
sociais, de modo geral, também não concede lugar de destaque para a dimensão
pedagógica própria da ação de lutar. Em ambos os olhares resta pouco lugar para a
educação como um processo produzido pela luta mesmo. Segundo a autora somente
quando a luta social passa a ser vista como educativa é que necessariamente se altera o
olhar sobre quem são os sujeitos educadores.
Segundo Freire (1996, p. 87), “não é na resignação, mas na rebeldia em face das
injustiças, que nos afirmamos humanos”, ou seja, não se pode afirmar-se como seres
humanos, fechando os olhos frente aos problemas sociais e achar que a educação não
pode ajudar a mudar isso.
Vemos aqui que a intencionalidade pedagógica dos cursos de formação de
educadores/as ou pedagogos/as da terra tem em sua centralidade a prática educativa da
práxis social, retomando a reflexão sobre a força formadora do trabalho, da cultura, da
luta social como matrizes educativas do ser humano que não podem deixar de ser
intencionalizadas como práticas pedagógicas em um projeto educacional que se
pretenda emancipatório e, por isso mesmo, omnilateral.
A turma de Pedagogia da Terra da Universidade Federal de São Carlos, Helenira
Resende, é formada por homens e mulheres pertencentes a quatro movimentos sociais e
advindos/as de vários assentamentos e acampamentos do Estado de São Paulo. Por isso,
para que fosse possível uma integração dessas pessoas, a solidariedade “enquanto
compromisso histórico de homens e mulheres, como uma das formas de luta capazes de
promover e instaurar a ética universal do ser humano” (FREIRE, 1996), foi um fator
muito importante para a turma.
Freire (2005) chama a atenção sobre o processo de estar com os outros, com o
povo, com os homens, com e no mundo, o que é central na obra do autor. Fica evidente
a importância de se considerar as práticas sociais e os processos educativos em que as
educandas estão inseridas diariamente, ao estar com o outro, e como se deve estar aberto
20
para enxergar e vivenciar estes processos. Aqui também destacamos que sem a
alteridade não podemos viver com, pois a alteridade pressupõe o respeito ao outro, às
diferenças e às singularidades do outro, este “outro” que, para Dussel (1998), precisaria
ser incluído na sociedade, neste caso, o “sem terra”, como pertencente a ela e não
ficando à margem dela como a classe dominante o coloca. Somente pela alteridade isto
seria possível realmente, como Freire (2005) sugere ao falar da não dominação das
pessoas com quem se convive.
Não há realidade histórica – mais outra obviedade – que não seja
humana. Não há história sem homens, como não há uma história para
os homens, mas uma história de homens que, feita por eles, também
os faz, como disse Marx. E é precisamente, quando – às grandes
maiorias – se proíbe o direito de participarem como sujeitos da
história, que elas se encontram dominadas e alienadas. (FREIRE,
2005, p. 148)
Ser estudante e ser do movimento tem sua beleza, suas dificuldades e também
suas significações para cada um e cada uma. Ao mesmo tempo em que se é estudante de
um curso de pedagogia, que tem que estar voltado para a formação pedagógica própria
do curso, estas estudantes carregam consigo o verdadeiro significado do ato político que
a educação tem. Trazem em cada gesto e cada ação a vontade de ver a transformação
pela educação e sabem que cada ação no curso e no mundo é intencional e deve sempre
estar pautada na reflexão-ação-reflexão. Para Freire (2001, p. 28),
[...] a preocupação com os limites da prática, no nosso caso, da
prática educativa, enquanto ato político, significa reconhecer, desde
logo, que ela tem uma certa eficácia. Se não houvesse nada a fazer
com a prática educativa não havia por que falar dos seus limites. Da
mesma forma como não havia por que falar de seus limites se ela
tudo pudesse. Falamos de seus limites precisamente porque, não
sendo a alavanca da transformação profunda da sociedade a educação
pode algo no sentido desta transformação.
Notamos nos movimentos sociais a solidariedade e, como Freire (2005, p. 86)
diz, é possível perceber que ela esta ligada à busca do ser mais que “não pode realizar-
se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão”.
Destacamos a necessidade da união dos movimentos sociais e a união das
estudantes para poderem juntos fazer a transformação, e também a necessidade de uma
comunhão entre os movimentos, que apesar de diferentes, precisam estar juntos. Freire
(2009) diz que as classes populares e oprimidas, ao descobrirem o poder da
21
solidariedade através da união na diversidade, descobrirão que não são minorias, que a
única minoria é a classe dominante. Para Freire "[...] à necessária solidariedade que as
pessoas que compartilham os mesmos sonhos, os sonhos políticos similares, devem ter entre
elas para poder lutar contra os que estão do outro lado." (FREIRE & OLIVEIRA, 2009, p. 89)
A preocupação com o outro está na perspectiva de Freire & Oliveira (2009, p.
103) que diz: “na vida comunitária, inclui-se o respeito, a preocupação com o outro, a
solidariedade”.
Além dos processos de solidariedade, também são diferenciais na turma os
processos de cooperação e coletividade, que têm sua origem num princípio educativo
dos movimentos sociais: a organização.
Esta é a razão pela qual o trabalhador social humanista não pode
transformar sua “palavra” em ativismo nem em palavreado, pois uma
e outra nada transformam realmente. Pelo contrário, será tanto mais
humanista quanto mais verdadeiro for seu trabalho, quanto mais reais
forem sua ação e sua reflexão com a ação e a reflexão dos homens
com quem tem que estar em comunhão, colaboração, em
convivência. (FREIRE, 1979, p. 30)
A coletividade e a cooperação são traços muito fortes dentro dos movimentos
sociais que entendem o sujeito como sendo coletivo, pois ações e conquistas realizadas
não são unicamente fruto de um trabalho isolado, mas de todo um coletivo que se
organizou para este fim.
E, nesse sentido, fazer pesquisa com movimentos sociais é entender que o outro
deve ser sempre o mistério insondável da fonte da criatividade e do novo. É preciso
cuidar para não construir uma totalidade na qual o outro aparece como objeto da ação de
outros. O caráter da libertação exige não repetir o mesmo, a ordem antiga, mas criar o
novo a serviço do outro, como nos mostra Dussel (s/d). Pois, o saber é construído e
reconstruído na interação, não há “proprietários”, “administradores” ou “portadores” do
saber.
Entendemos que o educar e educar-se ocorre com as classes trabalhadoras e suas
relações, que são sempre intencionais, e por isso, políticas:
É muito importante que as classes trabalhadoras continuem
aprendendo na própria prática de sua luta a estabelecer os limites para
suas concessões, o que vale dizer, que ensinem às dominantes os
limites em que elas se podem mover. (FREIRE, 1992, p. 93)
22
Com os objetivos de emancipação, libertação e transformação, o ato de educar e
educar-se deve considerar sempre os saberes de experiência feitos, os saberes das
classes populares. Segundo Freire (1992), discutir com os camponeses que as
universidades estão comprovando alguns de seus saberes é tarefa política de alta
importância pedagógica, pois discussões assim podem ajudar as classes populares a
ganhar confiança em si ou aumentar o grau de confiança que já têm. Para Freire (1979
p. 14) “o homem não é uma ilha, é comunicação, logo, há uma estreita relação entre
comunhão e busca”.
Portanto, as classes populares, no aprendizado de educar e educar-se enquanto
seres humanos com o mundo, em co-laboração2 encontram-se para a transformação do
mesmo.
O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente
através da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O
aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o
ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a
repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura
envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e
veredas, que ela os faz percorrer. Alguns desses caminhos e algumas
dessas veredas, que a curiosidade às vezes quase virgem dos alunos
percorre, estão grávidas de sugestões, de perguntas que não foram
percebidas antes pelo ensinante. Mas agora, ao ensinar, não como um
burocrata da mente, mas reconstruindo os caminhos de sua
curiosidade — razão por que seu corpo consciente, sensível,
emocionado, se abre às adivinhações dos alunos, à sua ingenuidade e
à sua criatividade — o ensinante que assim atua tem, no seu ensinar,
um momento rico de seu aprender. O ensinante aprende primeiro a
ensinar mas aprende a ensinar ao ensinar algo que é reaprendido por
estar sendo ensinado. (FREIRE, 1993, p. 27-28)
“O homem é homem e o mundo é histórico-cultural na mediada em que, ambos
inacabados, se encontram numa relação permanente, na qual o homem, transformando o
mundo, sofre os efeitos de sua própria transformação” (FREIRE, 1983, p. 52). Para que
possamos estar no e com o mundo e nos perceber e o perceber desta forma, inacabados,
é preciso que tenhamos uma presença consciente no mesmo, isto é, entender que por
vezes somos condicionados pela sociedade em que vivemos, mas, nem por isso, esta
deve nos determinar. Entender o mundo como inacabado é entender que minha ação no
e com ele pode e deve caminhar no sentindo de modificá-lo e transformá-lo.
2 A co-laboração é uma característica da ação dialógica que só acontece entre sujeitos que têm funções,
responsabilidades e que se realiza na comunicação.
23
A mulher e o homem que compreendem sua realidade devem lutar e procurar
soluções para mudanças, assim “pode(m) transformá-la e com seu trabalho pode(m)
criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias”. (FREIRE, 1979, p. 16)
Referências
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Expressão Popular, 2004.
DUSSEL, Enrique D. (s/d). A pedagógica latino-americana (a Antropológica II). In
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pedagógica. São Paulo: Loyola; Piracicaba: UNIMEP. p 153 a 251.
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______. Pedagogia da esperança – um reencontro com a pedagogia do oprimido. 3.ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2005.
______. Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Editora Olho
D'Água, 10. ed. 1993
______. Política e educação. São Paulo: Cortez. 2001.
______; FREIRE, Nita; OLIVEIRA, Walter Ferreira de. Pedagogia da Solidariedade.
Indaiatuba: Vila das Letras. 2009.
24
APORTES DE PAULO FREIRE PARA A COMPREENSÃO DA PRÁTICA
SOCIAL DO CUIDADO À SAÚDE E DOS PROCESSOS EDUCATIVOS DE
MULHERES CAMPONESAS
Iraí Maria de Campos Teixeira
(iraimcteixeira@gmail.com)
Maria Waldenez de Oliveira
(orientadora)
RESUMO
A educação popular acompanha o movimento de classes e grupos marginalizados na
reivindicação de espaços na sociedade e no engajamento na luta por direitos. Mulheres
camponesas vêm buscando novas estratégias para se articularem e proporcionarem
novos espaços de trocas de experiências, com o intuito de fortalecer sua comunidade. O
objetivo desse artigo é refletir sobre as possibilidades de apropriação dos aportes de
Paulo Freire à pesquisa voltada à educação popular e saúde. Para tanto, apresentam-se
alguns resultados obtidos no trabalho de mestrado que investiga a prática social do
cuidado à saúde promovido por mulheres camponesas e os processos educativos por
elas desencadeados. Através de análise de observações, diário de campo e entrevistas
realizadas com mulheres assentadas, observou-se que as práticas sociais desenvolvidas
por estas mulheres estão atreladas às lutas cotidianas pelos direitos à terra, à educação,
ao trabalho, às melhores condições de vida, ou seja, à saúde; da forma como à
concebem. Os processos educativos são muitas vezes dialógicos, transmitidos pela
oralidade, nas relações sociais, no diálogo com o outro ou a outra. Percebemos na
relação com as mulheres, sujeitos da pesquisa, como alguns conceitos chaves definidos
amplamente por Paulo Freire em suas obras auxiliam na compreensão da prática social
investigada e de seus processos educativos.
Palavras-chaves: Educação popular. Cuidado em saúde. Mulheres camponesas.
ABSTRACT
A popular education follows the movement of the marginalized classes and groups
claim space in society and engaging in the struggle for rights. Women farmers are
seeking new strategies to articulate and provide new opportunities to exchange
experiences in order to strengthen their community. The aim of this article is to discuss
the possibilities of appropriating the contributions of Paulo Freire’s research focused on
popular education and health. To this end, we present some results obtained in the
investigates the social practice of health care for rural women and promoted educational
processes trigged by them. Though analysis of observations, field diary and interviews
with women of the settlement, it was observed that the social practices developed by
these women are tied to daily struggles for land rights, education, labor, better living
conditions, that is, health how to conceive. Educational processes are often dialogic,
transmitted by oral tradition, in social relations, dialogue with each or the other. We
perceive in relationships with women, research subjects, as some key concepts broadly
defined by Paulo Freire in his works help to understand the social practice and
investigated their educational processes.
Keywords: Popular education. Health care. Peasant women.
25
Introdução
Esse trabalho surgiu a partir da investigação realizada no mestrado, intitulada
“Saberes e Práticas Populares de Saúde: os processos educativos de mulheres
camponesas”. Tratou-se de uma pesquisa participante que tinha como objetivo conhecer
a compreensão de saúde das mulheres de um assentamento rural do interior de São
Paulo, além de identificar as práticas de cuidado à saúde utilizadas e os processos
educativos por elas desencadeados.
Para tanto, foi realizado um cuidadoso processo de inserção, que possibilitou
conhecer as mulheres do assentamento em seu ambiente de trabalho, no lar e em
espaços de lazer. Esse período de convivência foi fundamental para a pesquisa, pois ao
longo das visitas e do trabalho junto com essas mulheres, estabeleceram-se vínculos que
favoreceram a criação de um ambiente acolhedor e de confiança para a realização das
entrevistas que teriam como temática central a compreensão de saúde dessas mulheres,
suas experiências pessoais, as práticas de cuidado utilizadas e os processos educativos
envolvidos nessas práticas.
Essa convivência possibilitou o conhecimento de cada participante, suas
histórias de vida, sua rotina em casa e no trabalho, perceber o contexto, ou seja, as
interações que acontecem no assentamento, com familiares e vizinhos, com a criação e a
terra.
O propósito desse texto é de explicitar alguns aportes trazidos por Paulo Freire
para a compreensão das práticas de cuidado à saúde e dos processos educativos
identificados nesse processo de inserção. Para melhor compreensão, apresentamos uma
breve contextualização sobre o desenvolvimento da Educação Popular e Saúde no
Brasil.
Educação Popular e Saúde
O início das mobilizações populares por direitos como a educação, foi um marco
na história da Educação Popular no país. Foi nessa fase que o educador Paulo Freire
modificou o caráter alfabetizador da educação popular e passou a trabalhar também com
a conscientização crítica e libertadora.
A Educação Popular surgiu como uma crítica à Educação vigente buscando
estabelecer outros processos educativos onde os “sujeitos das classes populares não
fossem compreendidos como beneficiários tardios de um serviço, mas como
protagonistas emergentes de um processo” (BRANDÃO, 2002, p. 142).
26
A Educação Popular e Saúde surge como uma prática libertadora,
transformadora, que se manifesta na luta das classes oprimidas por melhores condições
de vida, sendo saúde e qualidade de vida conceitos indissociáveis e condições
fundamentais para uma vida digna (BRASIL, 2007).
Conforme afirma Streck (2010, p. 300):
a educação popular tem como uma de suas marcas acompanhar o
movimento de classes, grupos e setores da sociedade que entendem
que o seu lugar na história não corresponde aos níveis de dignidade a
que teriam direito. Isso pode significar a reivindicação de espaço na
estrutura existente, mas pode também representar o engajamento na
luta por rupturas e pela busca de novas possibilidades de organização
da vida comum.
Para Vasconcelos (2001), a Educação Popular e Saúde pode ser denominada
como um movimento social de profissionais, técnicos e pesquisadores empenhados no
diálogo entre o conhecimento técnico-científico e o conhecimento oriundo das
experiências e lutas da população pela saúde.
Para Oliveira (2009, p. 298), a cultura popular é central para um projeto político
popular, e “aparece com força nas culturas populares de saúde, nas lutas cotidianas pelo
direito à saúde nos movimentos populares e sociais, nos espaços participativos, na
resistência dos praticantes tradicionais”. A autora complementa dizendo:
Com histórias de vida e condições materiais de existência diferentes
daquelas dos grupos de culturas letradas ou eruditas, as classes
populares são sujeitos de conhecimento e de experiência, os quais são
colocados (de forma explícita ou silenciosa) nas relações entre
pessoas, pessoas e grupos, profissionais e usuários dos serviços,
estudantes da saúde e população. (OLIVEIRA, 2009, p. 298)
Assim, o traço fundamental da Educação Popular e Saúde está “no fato de tomar
como ponto de partida do processo pedagógico o saber anterior das classes populares”
(STOTZ, 2007, p. 55) permitido “apreender os conhecimentos e saberes que são
permanentemente construídos nessas relações” (OLIVEIRA, 2009, p. 298).
Aportes de Paulo Freire para a pesquisa
O sentido de práticas sociais utilizado nessa pesquisa é o de um conjunto de
ações, desenvolvidas por um ou mais grupos que compartilham uma mesma cultura, e
têm como finalidade a transformação ou manutenção da realidade em que vivem.
27
Realidade que, de acordo com Freire (1981, p. 35), “é algo mais que fatos ou
dados tomados mais ou menos em si mesmos. Ela é todos esses fatos e todos esses
dados e mais a percepção que deles esteja tendo a população neles envolvida”.
As práticas sociais podem ser identificadas como costumes, tradições, eventos,
crenças, trabalhos, movimentos sociais; que manifestam as peculiaridades da cultura de
quem as pratica e possibilitam que seus grupos ou praticantes resistam as formas de
opressão social e cultural; as quais são submetidos.
A prática social investigada nessa pesquisa foi o cuidado à saúde. O cuidado se
encontra na luta dos oprimidos, marginalizados (BOFF, 1999). Nesse sentido, “o
cuidado deve ser permeado pelo acolhimento com escuta sensível de suas demandas,
valorizando-se a influência das relações de gênero, raça/cor, classe e geração no
processo de saúde e de adoecimento das mulheres” (COELHO et al, 2009, p. 155).
A noção do cuidado em saúde “requer a dimensão ampliada da compreensão das
condições de vida, considerando a individualidade dos atores, sem perder de vista o
coletivo, o meio social em que vivem e se identificam” (RIQUINHO e GERHARDY,
2011, p. 421).
De acordo com as mulheres assentadas, são considerados cuidados à saúde: o
carinho, a atenção, o companheirismo, o respeito, a preservação da auto-estima e a
assistência de profissionais de saúde.
Práticas como uso de ervas medicinais em curativos, chás, banhos e xaropes, e
receitas caseiras, são muito utilizados no cuidado à saúde do individuo. Enquanto que
mobilizações e ações políticas foram consideras como práticas de cuidado à saúde do
coletivo, da comunidade.
Os processos educativos podem ser compreendidos como a forma como se
processa a educação de grupos ou indivíduos. Educação que pode ser escolar,
considerando todos os seus métodos de ensino e sistemas de avaliação da aprendizagem,
ou não. Mesmo o processo educativo escolar, se inicia antes da escolarização nas
relações estabelecidas com o mundo. Assim, os processos educativos são determinados
por fatores sociais, políticos e pedagógicos e, portanto, se adéquam ao contexto
histórico-social do educando.
Para Paulo Freire (1986), o processo educativo inicia com a tomada de
consciência, por parte do sujeito, da condição em que se encontra e na qual se
encontram seus semelhantes.
28
Com relação aos processos educativos decorrentes do cuidado, consideramos
que estes acontecem nas relações entre os sujeitos que cuidam e são cuidados, enquanto
educam e são educados. Esse saber é transmitido no contato com o outro, pela
oralidade, pelas ações, pelas experiências que são significativas para cada um.
No cotidiano das mulheres do assentamento Monte Alegre, os processos
educativos são muitas vezes dialógicos, quando essas mulheres aprendem e ensinam em
suas relações (FREIRE, 1995).
Esse aprendizado mútuo ocorre na família, nos encontros da associação, no
trabalho, nos cursos, na escola, nas visitas domiciliares realizadas pelas agentes
comunitárias de saúde, nas unidades de saúde e nas relações com os clientes e com as
demais pessoas da comunidade.
Além destes, surgiram aprendizados com a leitura de livros, jornais ou revistas e
a partir de programas televisivos, filmes, documentários. A internet foi citada, mas
apenas quanto a importância da criação de um espaço, com acesso a internet para todos
os assentados.
Na perspectiva da Educação Popular, esta pesquisa investiga, além das práticas
de cuidado com a saúde, a cultura da mulher camponesa. Por se tratar de uma cultura
predominantemente oral, é possível compreender a outra por meio do diálogo. Diálogo
que também possibilita libertar-se com ela. O conceito de diálogo foi amplamente
apresentado em diversas obras de Paulo Freire. De acordo com o autor:
Se é dizendo a palavra com que, “pronunciando” o mundo, os homens
o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os
homens ganham significação enquanto homens. Por isso, o diálogo é
uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que solidarizam o
refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de
depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco torna-se
simples troca de idéias a serem consumidas pelo permutante. (grifo do
autor FREIRE, 1987, p. 45).
Segundo Freire (1987), o diálogo possibilita a criação de uma relação de
confiança, que tem como premissa a amorosidade e a humildade dos sujeitos que se
propõe à dialogar:
Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se
faz uma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é
conseqüência óbvia. Seria uma contradição se amoroso, humilde e
29
cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima de confiança entre
seus sujeitos. (grifo do autor FREIRE, 1987, p. 46)
Nesta perspectiva, a Educação Popular, se constitui e se revela, enquanto atitude
de relação com o outro, relação que comporta o afeto, no sentido mesmo do ato que toca
o outro, e cuja proximidade pode provocar tanto a solidariedade de uns como a
resistência de outros, caso não se realize de forma humilde e cautelosa.
Para Freire (1987, p. 78) “a ação dialógica é indispensável à superação
revolucionária da situação concreta de opressão”. Diante disso, a Educação Popular, é
concebida como uma alternativa ao modelo bancário de educação e se compromete com
a prática de uma educação problematizadora.
A razão de ser da educação problematizadora, libertadora, está na “superação da
contradição educador-educando, de tal maneira que se façam ambos, simultaneamente,
educadores e educandos” (FREIRE, 1987, p. 34).
A verdadeira educação é conscientizadora porque “responde à essência do ser da
consciência, que é sua intencionalidade”. A educação problematizadora, “identifica-se
com o próprio da consciência que é sempre ser consciência de, não apenas quando se
intenciona a objetos mas também quando se volta para si mesma [...]” (FREIRE, 1987,
p. 39).
É essa participação que nos permite vivenciar e a partir desta experiência vivida,
entender de dentro a prática social do outro. E é o estranhamento a cultura do outro,
estranhamento respeitoso, que geram as curiosidades que permeiam as novas
descobertas. De acordo com Oliveira et al (2009), é a partir das compreensões de quem
são os demais que compreendemos quem somos nós. Assim, reconhecemos que todos
construímos uma visão de mundo e com esta visão vemos e estamos no mundo
(FREIRE, 1987).
Conclusão
Paulo Freire oferece um aporte teórico fundamental para esta pesquisa que segue
o referencial teórico da Educação Popular e Saúde. Nesse texto apresentamos algumas
reflexões sobre a prática social investigada e seus processos educativos pautados nas
contribuições da literatura de Paulo Freire.
Percebemos na relação com as mulheres, sujeitos da pesquisa, a importância do
diálogo, da amorosidade, da confiança, da humildade e do afeto. Todas essas
30
características da prática do cuidado à saúde são conceitos chaves definidos amplamente
por Paulo Freire em suas obras, e fatores fundamentais para que se desenvolvam os
processos educativos dialógicos dessa prática social.
Referências
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações
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1999.
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31
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11-19.
32
APORTES DE PAULO FREIRE PARA A EDUCOMUNICAÇÃO
Marta Kawamura Gonçalves1
Aida Victoria Garcia Montrone2
RESUMO
Nesse artigo pretendemos abordar as relações existentes entre diálogo, uso dos meios de
comunicação e processos de humanização, à luz das contribuições fundamentais de Paulo Freire
para a elaboração de uma educação problematizadora, entendendo que tais alicerces se fazem
presentes nas práticas e pesquisas no âmbito da educomunicação – educação por meio da
produção coletiva de comunicação. Os principais intelectuais e educadores deste campo de
conhecimento referenciam Paulo Freire em suas reflexões, de modo que consideramos
importante discutir esta referência. Descrevendo em linhas gerais o funcionamento dos grupos de
educomunicação, concluímos que os pilares da pedagogia pensada por Paulo Freire estão
presentes e iluminam as práticas em educomunicação. Desta forma, certos princípios desta
pedagogia não devem ser esquecidos ou desprezados, pois as mídias por si só não são capazes de
deseducar ou educar, mas a depender do uso que delas se faça, podem tanto servir como
instrumento de fortalecimento das opressões e afirmação de preconceitos, como podem, por
outro lado, auxiliar nos processos de comunicação e formação de homens e mulheres sujeitos de
sua história.
Palavras-chave: Paulo Freire. Diálogo. Educomunicação.
ABSTRACT
In this article we intend to approach the relationship between dialogue, using the media and
humanization referring of Paulo Freire's fundamental contributions to the development of a
problem-based learning, understanding that such foundations are present in the practices and
research in the educommunication - education through the collective production of
communication. We consider relevant to analyze the relationship of Paulo Freire with this field
of knowledge, since the leading intellectuals and educators in this field refer to him in their
reflective texts. Describing the general operation of groups of educcommunication, we conclude
that the pillars of pedagogy designed by Paulo Freire are present and illuminate the practices in
educommunication. Therefore, certain principles of this pedagogy should not be forgotten or
despised, because the media by itself are not able to miseducate or educate, but to rely on the use
made of them do, they can both serve as a tool to strengthen the claim of prejudice and
oppression, as may, however, assist in communication processes and formation of men and
women becoming subjects of their history.
Keywords: Paulo Freire. Dialog. Educommunication.
1Produtora audiovisual e educadora; bacharel em Comunicação – Imagem e Som pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar), mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar, na linha de pesquisa Práticas
Sociais e Processos Educativos. E-mail: martakawamura@gmail.com
2Orientadora.
33
Introdução
Fazendo a gente vai perdendo o medo. Acho legal porque é um jeito de mostrar que tem um
pessoal que não tem experiência e tá fazendo. Nunca imaginei que eu poderia fazer isso.
Antônia, 64 anos, grupo de vídeo.
Neste artigo pretendemos abordar as relações existentes entre diálogo, uso dos meios de
comunicação e processos de humanização, à luz das contribuições fundamentais de Paulo Freire,
entendendo que tais alicerces se fazem presentes nas práticas e pesquisas no âmbito da
educomunicação.
No contexto da sociedade da informação em que nos encontramos hoje, de irreversível
imersão no ambiente das informações eletrônicas e transmissões virtuais, em que os meios
eletrônicos participam de forma quase onipresente da formação de valores de toda gente,
enxergamos a educomunicação como um conjunto de práticas educativas que, valendo-se da
produção coletiva de comunicação, visam promover a autonomia e fortalecimento da auto-estima
dos envolvidos, e propiciar mudanças significativas no sistema comunicativo vigente. A
educomunicação está baseada essencialmente no fundamento da educação dialógica e crítica,
valendo-se do uso dos meios de comunicação para estimular tais diálogos. Os principais
intelectuais e educadores deste campo de conhecimento com os quais tivemos contato remetem
suas práticas e reflexões à pedagogia freireana, que ilumina e sustenta suas concepções,
metodologias e análises. Diante disto, consideramos relevante fazer uma reflexão sobre como se
relacionam as práticas e estudos no campo da educomunicação com alguns elementos fundantes
do pensamento de Paulo Freire.
Comunicação, diálogo, humanização
Para propor tal discussão, considero salutar explicitar resumidamente os marcos
conceituais que balizarão nossa reflexão.
Iniciando por comunicação, palavra que ao longo do tempo ganhou significados muito
amplos e variados, vamos tomar dois significados relevantes para este trabalho: Trataremos da
comunicação indireta, mediada por meios de comunicação de massa, que reflete sobretudo a
transmissão ou difusão de informações, através de jornais, rádio, televisão, internet, mural,
folhetos, prefigurando uma comunicação de mão única. E trataremos também da comunicação
direta, que pode ser considerada o processo social primário, porque é ela que torna possível a
34
própria vida em sociedade. É o processo pelo qual os indivíduos entram em cooperação
intelectual e ambos alcançam uma consciência comum (KAPLÚN, 1998). O verbo comunicar
vem do latim communicare, que significa participar, tornar comum. Segundo Freire (2006) é na
comunicação que homens e mulheres co-participam o ato de pensar.
Esta segunda ideia de comunicação, está intimamente relacionada ao conceito de diálogo,
que fundamenta a educação dialógica de que trata este artigo. O diálogo é exercício
especificamente humano, é o caminho pelo qual homens e mulheres elaboram o mundo, e em
comunhão construem sua cultura. Por meio do diálogo homens e mulheres humanizam o mundo
e se humanizam. “O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o
‘pronunciam’, isto é, o transformam, e transformando-o, o humanizam para a humanização de
todos”. (FREIRE, 2006, p. 43). Neste sentido, “Existir humanamente é pronunciar o mundo, é
modifica-lo. (...) Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na
ação-reflexão”. (FREIRE, 2010, p. 90)
Modelos de educação e comunicação
Na pedagogia formulada por Paulo Freire, a educação vem possibilitar que homens e
mulheres, seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão, superem quaisquer formas de
alienação e realizem a sua vocação histórica de serem humanos, de ser mais. Homens e mulheres
sendo seres para si passam a ser seres livres de opressão, pensando e agindo de forma autônoma
na transformação do mundo. Esta educação supõe o diálogo, pois somente nas relações
dialógicas podem despontar reflexões críticas. Segundo o educador, no modelo de educação
preponderante em nossa sociedade, a realidade é tratada como algo estático e dado, e o educador
posiciona-se como o único agente da educação, tratando os educandos como meros depositários
do conteúdo de sua narração. Esta educação autoritária inibe o desenvolvimento da autonomia
entre os educandos, uma vez que estes são tratados como objetos da educação e não como
sujeitos. A própria dicotomia educador/educando, quando colocada desta forma dura e estanque
não admite que educador ao educar também é educando e vice-versa, desprezando a premissa de
que as pessoas educam-se umas às outras em comunhão. (FREIRE, 2010). Para explicitar esta
diferença entre modelos de educação, Freire definiu uma como educação bancária e outra como
educação problematizadora. O termo bancária decorre do gesto de fazer depósitos de conteúdos
nas caixas de cada educando, tratados como recipientes que armazenam e acumulam conteúdos
informativos. Neste modelo não há comunicação de fato, pois há uma só via para transmissão de
35
informações: do educador que supostamente sabe tudo, para o educando que supostamente
ignora tudo. “Nesta distorcida visão de educação, não há criatividade, não há transformação, não
há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente,
que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros” (FREIRE, 2010, p. 67). No
modelo bancário de educação, educador e educandos deixam de realizar sua vocação, pois não há
desenvolvimento de consciência crítica, o que o torna interessante para a manutenção de um
sistema de opressão, já que não aponta para o seu questionamento, e sim para a adaptação de
homens e mulheres à situação dada.
Olhando para a repercussão destas ideias no contexto latino-americano, trazemos o
comunicador argentino-uruguaio Mario Kaplún3, que ao descrever os diferentes modelos de
comunicação em Una pegagogía de la comunicación, vale-se das descrições de Freire:
Así como existe una educación «bancaria», existe una comunicación «bancaria».
(…)
El emisor es el educador que habla frente a un educando que debe escucharlo
pasivamente. O es el comunicador que «sabe» emitiendo su mensaje (su artículo
periodístico, su programa de radio, su impreso, su vídeo, etc.) desde su propia
visión, con sus propios contenidos, a un lector (u oyente o espectador) que «no
sabe» y al que no se le reconoce otro papel que el de receptor de la información. Su
modo de comunicación es, pues, el MONÓLOGO. (KAPLÚN, 1998 p. 25)
Kaplún coloca que, para teóricos e pesquisadores latinoamericanos, os meios de
comunicação de massa, tal como operam hoje, não são meios de comunicação de fato, mas meios
de difusão ou informação. E aprofunda sua crítica, ressaltando que não basta defender o diálogo
sem viver de fato a dialogicidade na prática da comunicação popular:
En la medida en que sigamos asumiendo el clásico papel de emisores, (…) en la
medida en que sigamos depositando informaciones e ideas ya «digeridas» en la
mente de nuestros destinatarios, por liberadores y progresistas que sean los
contenidos de nuestros mensajes, continuaremos siendo tributarios de una
comunicación autoritaria, vertical, unidireccional. (KAPLÚN, 1998 p. 27)
Poderíamos destacar diversos outros pontos de conexão entre os pensamentos de Kaplún
ou outros intelectuais latino-americanos considerados referências para a educomunicação com o
pensamento de Freire, mas vamos ficar nestes exemplos. Importante é colocar que tais
concepções fundamentam práticas e reflexões na educomunicação, construindo uma metodologia
3 Mario Kaplún, precursor da comunicação popular e educativa nos países latino-americanos como forma de
resistência civil e libertação, assim como Freire, é considerado uma referência de alta importância para
educomunicadores, tendo sido o primeiro a utilizar o termo educomunicação na década de 80.
36
em que os participantes se reconhecem como geradores de conteúdos, como sujeitos de um
processo de formação que envolve a construção coletiva, a pesquisa, e a formulação de
argumentos. Esta inversão, da posição de recipiente para a posição de produtor e comunicador de
conteúdos reflete em uma série de efeitos que passam pela superação da consciência ingênua,
pela luta pelo exercício do direito à comunicação e consequente valorização da cidadania e
apontam para a construção da autonomia entre os sujeitos envolvidos.
Educomunicação como prática e pesquisa
Cabe fazer uma descrição de como funcionam os grupos que se formam no âmbito deste
campo de fazer e saber que é a educomunicação. Conforme escrevemos acima, a educomunica-
ção vale-se dos meios de comunicação em suas práticas educativas. A proposição da produção
coletiva de comunicação é o motor de todo processo. Um grupo de educandos e um moderador
reúnem-se em torno do desafio de produzir alguma peça de comunicação – fanzine, programa de
rádio, vídeo, blog, jornal, fotonovela ou outro. Tema da peça, duração, características estéticas e
forma de divulgação são questões discutidas e definidas por todos, democraticamente. O papel
do(a) mediador(a) ou educador é fazer a orientação técnica para a produção funcionar4, lançar as
poucas e necessárias perguntas visando o andamento democrático na tomada de decisões e a
criticidade nos diálogos do grupo. Os(as) participantes se auto-anunciam para assumir as funções
na produção. Durante todo o processo, participantes e educador(a) estão em constante atitude de
investigação e avaliação, buscando informações necessárias para o desenvolvimento do projeto,
aprendendo a defender suas opiniões, a ouvir atentamente o outro, a perguntar e refletir com o
outro e se auto-avaliar dentro do coletivo. O processo de construção é o que importa, sendo que o
produto pode ou não ser concluído. Durante o processo, o tema, que tendo sido escolhido pelo
grupo, na maioria das vezes faz parte da realidade dos participantes ou os toca de alguma forma,
é debatido em profundidade, até que se chegue a uma visão que contemple as distintas
percepções presentes no grupo.
Desta forma, estes grupos de trabalho em que se debate linguagem e questões relaciona-
das à realidade vivida pelo grupo, são espaços em que dialogicamente homens e mulheres, (ou
meninos e meninas) ensinam e aprendem em comunhão. A forma autoritária de educação, com
transferência de conhecimento de professor(a) para alunos(as), passa ao largo da prática, e a
4 Podemos chamar esta ação de “alfabetização” na linguagem adotada (gráfica, audiovisual, musical, ou outra).
37
produção de conhecimento pelos sujeitos envolvidos, está no campo da invenção e da
criatividade, que são potencialmente transformadoras. Deste espaço de diálogo e criação
emergem leituras críticas e novas hipóteses de leitura do mundo.
Considerações finais e não conclusivas
A partir das colocações feitas neste trabalho, evidencia-se a presença dos aportes de
Paulo Freire nas práticas e pesquisas no campo da educomunicação. Consideramos importante
que se reconheça o quanto sua referência vem apontando caminhos para educadores e
educadores de hoje, inseridos(as) no contexto da sociedade da informação. Parece-nos
importante que educadores e educadoras, conhecendo as ideias de Freire, reflitam sobre seu
papel e posicionamento pedagógico e político diante da interferência dos meios de comunicação
de massas na formação de valores, considerando que as mídias por si só não são capazes de
deseducar ou educar, mas a depender do uso que delas se faça, podem tanto reafirmar
preconceitos e pressupostos de opressão, como auxiliar em processos de comunicação e
formação de homens e mulheres sujeitos de sua história.
Referências
______. Comunicação ou extensão? 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1967.
KAPLÚN, M. Una pedagogía de la comunicación. Madrid: Ediciones de la Torre, 1998.
38
DIÁLOGO, COMUNICAÇÃO E COMUNHÃO: CONTRIBUIÇÕES DE PAULO
FREIRE PARA O FAZER PESQUISA COM MULHERES QUE EXERCEM
PROSTITUIÇÃO
Fabiana Rodrigues de Sousa
fabianalhp@yahoo.com.br
Agência de fomento: FAPESP
RESUMO
Neste artigo, discorro sobre as contribuições da obra de Paulo Freire para o fazer pesquisa junto
a mulheres que exercem prostituição. Teço comentários sobre conceitos postulados pelo autor -
diálogo, comunicação e comunhão – procurando analisar como os mesmos favorecem o
desenvolvimento da comunicação entre pesquisadores que investigam práticas sociais e os
sujeitos participantes de pesquisa possibilitando a intersubjetividade. As reflexões, aqui,
apresentadas foram formuladas a partir do desenvolvimento de pesquisa de doutorado em
educação, na qual investiguei saberes de experiência consolidados nas relações estabelecidas por
prostitutas que prestam serviços sexuais em casas noturnas de São Carlos/SP.
Palavras-chave: Diálogo – Paulo Freire - Prostituição
ABSTRACT
In this article, i talk about the contributions of the work of Paulo Freire to do research with
women engaged in prostitution. I discourse about concepts postulated by the author and analyze
how they promote the development of communication between researchers investigating social
practices and subject research participants enabling the intersubjectivity. The reflections here
presented were made from the development of doctoral research in education with intent of to
investigate knowledge of experience consolidated in the relationships established by prostitutes
providing sexual services in nightclubs in São Carlos / SP.
Keywords: Dialogue. Paulo Freire. Prostitution.
Existem distintas formas de exercer e compreender a prática da prostituição, por isso
pesquisadoras destacam a relevância de que a mesma seja analisada a partir de sua pluralidade
(AGUSTÍN, 2005, RAGO, 1991, SOUSA, 2007). Essa pluralidade não se refere apenas à
diversidade de serviços, pessoas e locais que a atividade engloba, mas também as distintas
realidades vivenciadas pelas pessoas que se ocupam dessa prática. A fim de especificar alguns
vocábulos utilizados nesse artigo, ressalto que o termo prostituição será empregado para aludir à
prestação voluntária de serviços sexuais por parte de mulheres adultas que oferecem os
chamados “programas” aos clientes, mediante negociação prévia acerca de preço, tempo e
39
modalidade de serviço a ser prestado. Como sinônimo de prostituição, emprego o termo trabalho
sexual, tendo em vista que as participantes da referida pesquisa assim denominam sua prática, já
que a compreendem como estratégia de inserção socioeconômica e, portanto, como forma de
trabalho.
O meu convívio com prostitutas teve início por meio do desenvolvimento de uma
atividade de extensão, nos anos de 2002 e 2003, na qual realizava encontros semanais em casas
noturnas da cidade de São Carlos a fim de debater a temática dos direitos humanos com mulheres
que prestavam serviços sexuais nesses estabelecimentos. Nos encontros, debatíamos documentos
e notícias que abordavam os direitos humanos e conversávamos sobre a realidade vivenciada por
prostitutas nos contextos de exercício do trabalho sexual. A convivência com essas mulheres
descortinou a dimensão educativa que também caracteriza a prática da prostituição, à medida que
elas narravam suas histórias, seus modos de ser e estar no mundo e sua maneira própria de
interpretar a realidade.
Surge dessa experiência a motivação para investigar processos educativos na prática da
prostituição. Durante desenvolvimento de pesquisas de mestrado investiguei processos
educativos consolidados nas relações entre prostitutas e seus clientes e, ao longo de pesquisa de
doutorado, tenho investigado saberes de experiência consolidados na prática da prostituição
buscando analisar como tais saberes são empregados por essas mulheres no processo de
significarem a si e a sua prática. Objetivo, com essas investigações, desvelar experiências
vivenciadas por prostitutas que têm sido impelidas à invisibilidade1 pela ordem hegemônica,
procurando dessa forma transformar ausências em presenças tal como nos fala Santos (2008), ao
discorrer sobre a sociologia das ausências.
Destarte corroboro a assertiva de Amaral e Souza (2009, p. 100), os quais ressaltam que
pesquisadores voltados a investigar processos educativos e práticas sociais buscam desmitificar a
invisibilidade de grupos impelidos à marginalização social, por isso o fazer pesquisa em práticas
sociais “se realiza por diálogos respeitosos com grupos e/ou comunidades colocadas à margem
da sociedade. Desvelam-se nesses diálogos os processos educativos por meio dos quais seus
indivíduos significam, ordenam e realizam criativamente sua expressividade cultural.”
1 Invisibilidade é atributo dos invisíveis, isto é, mulheres e homens oprimidos pelo desrespeito à sua relevância
histórica, social ou cultural a quem é negada a possibilidade de reconhecimento de sua identidade fora de seus
grupos e comunidades de origem (AMARAL; SOUZA, 2009).
40
No interior do grupo e linha de pesquisa “Práticas Sociais e Processos Educativos” do
Programa de Pós-graduação em Educação da UFSCar, o diálogo também se desenvolve entre
pesquisadores iniciantes e pesquisadores mais experientes caracterizando uma comunidade de
trabalho2, os quais realizam trabalhos e estudos no campo da educação. Com base nas
contribuições do educador Paulo Freire (1970, 1975), o diálogo é compreendido, nessa
comunidade de trabalho, como o encontro de seres humanos que tendo ciência de seu
inacabamento visam a pronunciar e a transformar o mundo. Ao compreender que a realidade
social é fruto das ações humanas e que, portanto, pode condicioná-lo, mas não determiná-lo, o
ser humano pode engajar-se na busca pela transformação da realidade que lhe oprime.
Influenciado pela leitura de Jaspers, Freire (1975, p. 107) afirma que o diálogo configura-
se como “relação horizontal de A com B” que “nasce de uma matriz crítica e gera criticidade”.
Segundo o autor, a diálogo “nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança.
Por isso, só o diálogo comunica”.
O diálogo é, portanto, o indispensável caminho”, diz Jaspers, “não somente nas
questões vitais para nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do
nosso ser. Somente pela virtude da crença, contudo, tem o diálogo estímulo e
significação: pela crença de que somente chego a ser eu mesmo quando os
demais também cheguem a ser eles mesmos (FREIRE, 1975, p. 108).
Compreendo, assim, que o diálogo não se constitui em mera conversa ou técnica que
permite a transmissão de conhecimentos (científico ou experiencial) de A para B. Em sua obra
intitulada Extensão ou Comunicação, Freire (1977) ressalta que o diálogo não visa a estender
algo (conhecimentos ou técnicas) a alguém, mas sim promover a comunicação entre os seres
humanos, uma vez que o que se pretende com o diálogo “é a problematização do próprio
conhecimento em sua indiscutível reação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual
incide, para melhor compreendê-la, explicá-la, transformá-la (p. 52).”
O diálogo é, portanto, uma forma de comunicação que visa a problematizar os mitos
disseminados pelos opressores com intenção de negar a humanização de certos grupos sociais,
dificultando, dessa forma, a organização dos oprimidos e seu engajamento na busca por Ser
mais3 e pela transformação da realidade. Comunicação diverge da extensão, isto é, da ação de
2 Uma comunidade científica de trabalho se constitui em torno de objetivos comuns que ultrapassam a ordem
pessoal, os quais se situam e enraízam em compromisso com a construção de uma sociedade justa e pautada na
igualdade de direitos (SILVA e ARAÚJO-OLIVERA, 2004, p. 2).
3 O termo refere-se à inconclusão do ser humano e sua vocação ontológica de buscar permanentemente sua
humanização (FREIRE, 1970).
41
estender/transmitir algo a alguém o que caracteriza a prática da educação bancária e se efetiva
por meio da invasão cultural4. Pelo contrário, a comunicação se pauta no diálogo, na disposição
para estar com o outro, conhecer sua realidade e suas formas de ser e estar no mundo que são
elementos essenciais para a co-laboração (FREIRE, 1970, 1977).
Na co-laboração, os sujeitos dialógicos significam a si e ao mundo, ao passo que
problematizam a realidade e criam novas respostas para solucionar os desafios percebidos, como
bem destaca Ernani Fiori:
O dinamismo significante deste mundo comum (...) não é intencionalidade da
consciência pura: é práxis transformadora. Significar existencialmente o mundo,
num comportamento corpóreo, equivale a construí-lo. Sua elaboração, em
intersubjetividade, é colaboração (FIORI, 1986, p. 5).
A intersubjetividade é compreendida como a comunicação das consciências que se
encontram mediatizadas pelo mundo. Para Fiori (1986, p. 9) “a elaboração do mundo só é cultura
e humanização, se intersubjetiva as consciências”, ou seja, se postula a colaboração-participação
na construção de um mundo comum por meio da comunicação das consciências.
Nesse sentido, o diálogo e a comunicação das consciências (intersubjetividade) são
elementos essenciais na busca pela libertação, pois conforme nos alerta Freire (1970, p. 36) a
superação da contradição opressores-oprimidos “traz ao mundo este homem novo não mais
opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se” em comunhão com os outros.
Corroborando essa compreensão, Oliveira (2009, p. 319) afirma que o “outro não é a incidência
passiva do meu pensar” e que, portanto, o “o trabalho em comunhão não é um trabalho “sobre o
outro”, ou “sem” o outro, ou “para” o outro”, mas configura-se como um fazer “com” o outro.
Para nós - pesquisadores que investigam práticas sociais – comunhão é compreendida
como a disponibilidade para estar com o outro no fazer pesquisa, isto é, buscar apreender as
visões de mundo dos sujeitos participantes da pesquisa, compreender a lógica que empregam
para fazer sua leitura da realidade buscando conhecer suas formas de ser/estar/atuar no mundo.
Por meio do diálogo, comunicação e comunhão com prostitutas participantes da pesquisa,
observei que seus modos de perceber e significar a prostituição são influenciados pela forma
como atribuem sentido às experiências vivenciadas na noite5 e se modificam em função dos
objetivos que essas mulheres se propõem ao longo do exercício dessa atividade. Nesse processo
4 Ação de penetrar em contexto alheio com intenção de impor sua visão de mundo (FREIRE, 1977).
5 Termo empregado pelas prostitutas para aludir a contextos de prestação de serviços sexuais .
42
de significação, elas lançam mão de saberes consolidados por meio do contato sensível com o
mundo, pois no exercício da prostituição as prostitutas aprendem ao observar o comportamento
dos clientes, funcionários e demais prostitutas, ao escutar os discursos proferidos no salão e nos
quartos, ao ler os gestos e ao interpretar os silêncios, ao conversar com os clientes e demais
pessoas que convivem nas casas noturnas, ao vivenciar distintas práticas sexuais, etc.
Considero, ainda, que o convívio e o estabelecimento de amizade com prostitutas
certamente modifica a visão preconceituosa, comumente, associada à figura da prostituta e
disseminada em diferentes meios de comunicação e estudos científicos. No desenvolvimento
dessa investigação foi possível problematizar alguns mitos associados a essas mulheres tais como
“elas não têm querer e são obrigadas a sair com qualquer tipo de cliente”, “são mulheres
encrenqueiras, competitivas e brigam muito entre si”, “não ligam para seus familiares”, dentre
outros. Observei que essas mulheres, em sua maioria, possuem filhos e vínculos familiares com
quem convivem e, frequentemente, enviam parte dos recursos financeiros que angariam no
trabalho sexual para custear despesas de filhos e outros parentes. Vi também que, ao menos no
contexto da prestação de serviços sexuais em casas noturnas da cidade, essas mulheres não são
obrigadas a fazer programa com todos os clientes que solicitam seus serviços, podendo recusar-
se a atender o cliente. Também foi possível relativizar a noção de competitividade entre as
prostitutas, pois embora exista certa disputa por clientes ou por melhores quartos na casa noturna
e, por vezes, até mesmo por quem possui o corpo mais bonito, quem faz o melhor show ou quem
dança melhor, vimos que as relações entre essas mulheres, nem sempre, são marcadas pela
competição. Há também muita solidariedade e camaradagem entre elas, as prostitutas costumam
trocar informações sobre casas noturnas e cidades que apresentam boas condições para exercer o
trabalho sexual, conversam sobre o perfil da clientela e as características de pessoas proprietárias
de boates, dentre outras. Dessa forma elas estabelecem uma rede permanente de comunicação –
efetivada por contatos telefônicos ou na internet – na qual além de trocar informações para
garantir sua segurança e melhores condições de trabalho, também conversam sobre suas vidas,
suas famílias, criam vínculos de amizade e combinam atividades de lazer.
Termino o artigo ressaltando que o desenvolvimento de investigação com base na
dialogicidade, na intersubjetividade e na comunhão com os sujeitos participantes da pesquisa
favorece o questionamento de ações antidialógicas (como disseminação de mitos e estereótipos,
negação de direitos, manipulação, etc) que impelem alguns grupos à marginalização e
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Anais III Seminário PSPE Paulo Freire 2011 Práticas Sociais e Processos Educativos Ufscar

  • 1. ANAIS DO III SEMINÁRIO DE PESQUISAS EM PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS: 90 ANOS DO NASCIMENTO DE PAULO FREIRE Volume 3, n. 1, outubro de 2011 ISSN: 2179-2313
  • 2. 1 III SEMINÁRIO DE PESQUISAS EM PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS: 90 ANOS DO NASCIMENTO DE PAULO FREIRE 29 de agosto, 11 e 18 de outubro de 2011. APOIO: SÃO CARLOS PRIMAVERA DE 2011 ORGANIZADORAS E ORGANIZADOR DO EVENTO Maria Waldenez de Oliveira Claudia Foganholi Alves Denise Andrade Freitas Martins Paulo Henrique Leal COMISSÃO CIENTÍFICA / PARECERISTAS Aida Victória Garcia Montrone Aline Sommerhalder Elenice Maria Cammarosano Onofre Fernando Donizete Alves Ilza Zenker Leme Joly Maria Waldenez de Oliveira Sonia Stella Araújo Olivera ORGANIZADOR DOS ANAIS Paulo Henrique Leal COORDENADORA Maria Waldenez de Oliveira
  • 3. 2 CCoommeemmoorraaççããoo ddooss 9900 aannooss ddoo nnaasscciimmeennttoo ddee PPaauulloo FFrreeiirree
  • 4. 3 COCO PAULO FREIRE Neste dia de alegria nós viemos celebrar 90 anos de Freire que ainda está a nos ensinar Ô amigo Paulo Freire é um grande educador receba hoje nosso axé nesse encontro acolhedor O respeito e a humildade vamos todos se lembrar no processo educativo temos que dialogar Sua palavra ilumina todo o povo brasileiro um grande conhecimento que está no mundo inteiro Cada mulher e cada homem tem sua história pra contar muitas práticas sociais e saberes pra trocar Pro inédito viável para a humanização nós devemos batalhar e unir as nossas mãos E hoje aqui conosco está a Nita e Izael cada um no seu caminho vão cumprindo seu papel Compartilhar a alegria dessa nossa convivência esse é um momento importante para a nossa existência Vivian Parreira e Marta Kawamura Comemoração de 90 anos do nascimento de Paulo Freire UFSCar, agosto de 2011.
  • 5. 4 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO........................................................................................................................5 PROGRAMAÇÃO DO III SEMINÁRIO DE PESQUISAS EM PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS: 90 ANOS DO NASCIMENTO DE PAULO FREIRE..7 AFROBETIZANDO: EXPERIÊNCIAS EM DIÁLOGO PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS...............................................................................................8 APORTES DA TEORIA DE PAULO FREIRE PARA PESQUISAS COM MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO DO CAMPO....................................................16 APORTES DE PAULO FREIRE PARA A COMPREENSÃO DA PRÁTICA SOCIAL DO CUIDADO À SAÚDE E DOS PROCESSOS EDUCATIVOS DE MULHERES CAMPONESAS..........................................................................................................................24 APORTES DE PAULO FREIRE PARA A EDUCOMUNICAÇÃO......................................32 DIÁLOGO, COMUNICAÇÃO E COMUNHÃO: CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA O FAZER PESQUISA COM MULHERES QUE EXERCEM PROSTITUIÇÃO......................................................................................................................38 A EDUCAÇÃO LIBERTADORA DE PAULO FREIRE: UMA POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE DE ADOLESCENTES, JOVENS E ADULTOS EM CONFLITO COM A LEI...................................................................................................44 EDUCAÇÃO OU ALFABETIZAÇÃO MUSICAL? PROBLEMATIZANDO CONCEITOS COM PAULO FREIRE E ENRIQUE DUSSEL...........................................52 PROCESSOS EDUCATIVOS NO ESPAÇO ESCOLAR: TENSÕES ENTRE OPRESSÃO E LIBERTAÇÃO.................................................................................................60 PROCESSOS EDUCATIVOS PRESENTES NA CONGADA: CONTRIBUIÇÕES PARA O FORTALECIMENTODA IDENTIDADE E PERTENCIMENTO ÉTNICORRACIAL ......................................................................................................................................................66 THE SIMS 3: PROCESSOS EDUCATIVOS E O SABER DE EXPERIÊNCIA ............74
  • 6. 5 APRESENTAÇÃO É com muita estima e felicidade que lhes apresentamos os Anais do III Seminário de Pesquisas em Práticas Sociais e Processos Educativos: 90 anos do nascimento de Paulo Freire, evento promovido pela Linha de Pesquisa "Práticas Sociais e Processos Educativos", do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (PSPE/PPGE/UFSCar), realizado nos dia 29 de agosto, 11 e 18 de outubro de 2011. Calorosa e carinhosamente, agradecemos a todas as pessoas que, de alguma maneira, se envolveram para a realização deste evento em comemoração aos 90 anos do nascimento de nosso grandioso educador Paulo Reglus Neves Freire. Ao lado de outros autores como Ernani Fiori e Enrique Dussel, consideramos que Paulo Freire – cujas formas de estar sendo no mundo exalavam pedagogia, politicidade, gentileza, coerência, criticidade, amorosidade, indignação e esperança – ainda vive com os oprimidos e impedidos de ser, portanto, também presente na constante luta através das nossas ações uns-com-os-outros-no-mundo-que-está-sendo pela existência humana, solidária, dialógica, libertadora e, portanto, ética. Histórica e socialmente, em meio às tensões entre a boniteza e feiura das ações-no-mundo, lançamo-nos teorizando, refletindo e caminhando em direção aos nossos sonhos, nossas utopias, estando ou não os nossos dizeres coerentes com os fazeres. Podemos dizer que Paulo Freire, em sua substantividade política e adjetividade pedagógica, vivenciou a coerência de seus sonhos através do diálogo, da intersubjetividade, da curiosidade e do respeito; da unidade na diversidade; de uma vida condicionada, mas não determinada; da negação às concepções fatalistas do destino e da história das sociedades humanas; do educar-se em comunhão para a libertação dos oprimidos na e pela ética universal. Neste sentido, ao invés de nos perguntarmos "se" as práticas sociais e os processos educativos, constituídos e desenvolvidos no interior de grupos e comunidades populares, estão ocorrendo ou não nessa direção, preferimos buscar compreender "quando?", "onde?" e "como?" estão acontecendo. É com esta perspectiva que convidamos as leitoras e os leitores a se lançarem nesta porção escrita de nosso evento, uma vez que, em suma, se constitui pelos artigos elaborados por estudantes e ex-estudantes da linha PSPE, cuja temática circunda os aportes de Paulo Freire para as pesquisas. Além dos artigos, encontraremos no DVD-Rom do evento a letra do Coco Paulo Freire e a gravação audiovisual da Mesa de Abertura deste Seminário, ocorrida no dia 29 de agosto de 2011, onde estivemos com a professora Nita Freire, o Mestre capoeirista Izael Teixeira e tantas outras gentes que fizeram, prestigiaram e alegraram a nossa festa para Paulo Freire. Esta gravação também está disponível no site: <http://www.livestream.com/goiabanetworks>.
  • 7. 6 Finalizando estas primeiras palavras, gostaríamos de parabenizar Paulo Freire pelos seus 90 anos: Parabéns, Paulo! Humildemente, nós e várias outras pessoas, que por sua obra e pensamento temos nossos caminhos em busca da conscientização, da libertação, do ser mais, iluminados, também o agradecemos pela boniteza de sua obra e vida. E que o 19 de setembro de 2011, quase início de primavera, assim como as demais datas sejam marcadas como referências em que não somente um recifense, pernambucano, nordestino, brasileiro e latino-americano se faz presente em nosso viver, mas também, todos os demais seres humanos e suas relações na construção da história da humanidade, principalmente aqueles que pelas elites e lógicas colonializadoras, opressoras e desumanizantes são oprimidos, discriminados, violentados, roubados e impedidos de ser. Paulo Henrique Leal Organizador dos Anais Maria Waldenez de Oliveira Coordenadora do Seminário
  • 8. 7 PROGRAMAÇÃO DO III SEMINÁRIO DE PESQUISAS EM PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS: 90 ANOS DO NASCIMENTO DE PAULO FREIRE Dia 29 de agosto – Local: Sala 17 do prédio AT1/UFSCar 19h às 22h – Diálogo com professora Nita Freire e Mestre Izael Teixeira: “Comemoração dos 90 anos do nascimento de Paulo Freire”  Convidados e convidadas: Estudantes, professoras e professores da rede, pesquisadores e pesquisadoras de diferentes áreas disciplinares, comunidades acadêmica e popular. Dia 11 de outubro - Local: Sala Paulo Freire do PPGE/UFSCar 8h30m – Inauguração da ambientação da Sala Paulo Freire 9h30m – Café coletivo 10h às 12h – Apresentação de trabalhos da linha de pesquisa PSPE  Convidados e convidadas: Estudantes, professoras e professores da rede, pesquisadores e pesquisadoras de diferentes áreas disciplinares, comunidades acadêmica e popular. Dia 18 de outubro - Local: Sala Paulo Freire do PPGE/UFSCar 8h às 12h – Apresentação de trabalhos da linha de pesquisa PSPE  Convidados e convidadas: Estudantes, professoras e professores da rede, pesquisadores e pesquisadoras de diferentes áreas disciplinares, comunidades acadêmica e popular.
  • 9. 8 AFROBETIZANDO: EXPERIÊNCIAS EM DIÁLOGO PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS1 Maria Fernanda Luiz 2 RESUMO Diante da necessidade da educação das relações étnico-raciais expressa nos documentos oficiais e, principalmente, nas relações sociais em nossa sociedade, assim como acreditando que intervenções pedagógicas no cotidiano das salas de aula podem, e devem, fortalecer a identidade negra e desenvolver ações anti-racistas, desenvolvemos o presente estudo com objetivo compreender como o diálogo pode contribuir com a educação das relações étnico-raciais nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Os dados coletados em nossa vivência enquanto professor/a de uma escola da Rede Estadual de São Paulo na cidade de Araraquara, desvalam um trabalho de alfabetização e letramento que busca o diálogo com os/as educandos/as como também com seus pais ou responsáveis considerando a vivências destes/as para uma aprendizagem que seja significa a qual busca possibilitar a construção de uma imagem positiva dos/as negros/as dentro do espaço escolar como também fora dele de forma a valorizar a cultura africana e afro-brasileira. Palavras-chave: Educação das relações étnico-raciais. Processos educativos. Diálogo. ABSTRACT Faced with the need for education of ethnic-racial relation expressed in official documents and, especially, in social relations in our society, as well as believing that education interventions in everyday classrooms can ande should strengtenblack identity and to develop anti-racist, we developed this study in order to unsderstand how dialogue may contribute to the education of ethinic-racial relations in the early grades of elementary school. Data collected in our experience as a teacher in a school of the Network State of São Paulo in the city of Araraquara worthlessness work literacy for dialogue with the students them as well as their parants or guardians considering the the experiences of for the learning that is a mean wich seeks to enable the construction of a positive image of the black space with in school but also outside it in order to enhance the African culture an African-Brazilian. Keywords: Education of ethinic-racial relations. Educational processes. Dialogue. Introdução Sabemos que durante muito tempo a educação brasileira foi pensada e valorizada a partir apenas do pensamento eurocêntrico, e entendemos assim como Freire (2006) que a educação é uma forma de intervenção no mundo “[...] que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento” (p. 98). Assim buscando romper com a dominação dos currículos os grupos sociais marginalizados lutaram, e lutam ainda hoje, para que a educação valorize a 1 Este trabalho contou comClayton da Silva Carmo como coautor. 2 Mestranda no Centro de Educação de Ciências Humanas sob orientação da Professora Doutora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Programa de pós-graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos - UFSCAr-São Carlos- SP- Brasil, CEP: 13.564-905. e-mail: dona_fernanda81@hotmail.com.
  • 10. 9 diversidade presente nas salas de aula, construindo uma escola que “[...] contemple a história, a cultura, o cotidiano e as experiências dos diversos segmentos étnico-raciais da nossa sociedade” (SILVA, 1997, p. 39). Nesse sentido, discutimos o enegrecer3 do espaço escolar refletindo sobre nossas ações cotidianas, as quais devem contemplar aspectos referentes à cultura africana contrapondo as situações discriminatórias e preconceituosas vivenciadas nos diferentes espaços onde estamos inseridos. Vale salientar que as situações de discriminação e preconceito racial são frequentes no nosso dia a dia. No entanto, muitas vezes são entendidas como ações naturais do relacionamento humano e tratadas como assunto sem grande importância. Deste modo nossa indignação se expressa neste estudo assim como Freire (2006) que diz: “que alguém se torne machista, racista sei lá o quê, mas se assuma como transgressor da natureza humana. Não me venha com justificativas genéticas, sociológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a superioridade da branquitude sobre a negritude [...]” (p. 60). Acreditamos que esta questão tem fundamental importância ao ser tratada no espaço escolar, devendo este, enquanto um espaço crítico, proporcionar reflexões acerca desse tema visando a superação da reprodução de qualquer ação que favoreça a discriminação e o preconceito racial, uma vez que o Brasil tem em sua população de 50,7% de negros4, e que cabe aos professores/as cumprir a Lei 10.639/03, o parecer CNE/CP 03/2004, a resolução CNE/CP 01/2004 bem como Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para educação das Relações étnico-raciais, realizando atividades que visem intervir de forma a positivar a imagem do/a negro/a. Diálogo e o processo educativo Considerando que enquanto seres humanos no mundo temos nossas identidades construídas na vivência e interação que cada pessoa tem com o mundo e com as outras, e, que tal interação se da também por meio do diálogo, entendemos que o mesmo pode contribuir com processos educativos relevantes para educação das relações étnico-raciais, uma vez que, possibilita conhecer a leitura de mundo de educandos/as e considerar esse saber esse saber de experiência feito, de modo a superar incoerência que a educação bancária traz para o desenvolvimentos de projetos pautados nas africanidades. Entendemos a valorização do saber de experiência feito como fundamental para o ato de educar-se, como nos aponta Freire (2005b) afirmando que: 3 Com o enegrecimento da educação se propõe escola em que cada um se sinta acolhido e integrante, onde as contribuições de todos os povos para humanidade sejam presentes, não como lista, sequência de dados e informações, mas como motivos e meios que conduzam ao conhecimento, compreensão, respeito recíprocos, a uma sociedade justa e solidária (SILVA, 2010, p. 41). 4 Dados obtidos no site do IBGE em 2010 refere-se a soma de pretos e pardos.
  • 11. 10 [...] não podemos deixar de lado, desprezado como algo imprestável, o que educandos, sejam crianças chegando à escola ou jovens e adultos a centros de educação popular, trazem consigo de compreensão do mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática na prática social de que fazem parte. Sua fala, sua forma de contar, de calcular, seus saberes em torno do chamado outro mundo, sua religiosidade, seus saberes emtorno da saúde, do corpo, da sexualidade, da vida, da morte, da força dos santos, dos conjuntos (p. 85). No entanto, cabe ressaltar que o diálogo não deve ser entendido como uma técnica apenas, mas como um encontro entre consciências que, mediatizado pelo mundo, tem em comum a busca do saber agir (FREIRE, 2005a). Ou ainda como: [...] algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. Isto é, o diálogo é uma espécie de postura necessária, na medida em que os seres humanos se transformam cada vez mais em seres criticamente comunicativos. O diálogo é o momento em que os humanos se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e re-fazem. Outra coisa: na medida em que [...] nos comunicamos uns com os outros [...] nos tornamos mais capazes de transformar nossa realidade, somos capazes de saber que sabemos, que é algo mais do que só saber [...] sabemos que sabemos, e sabemos também que não sabemos. Através do diálogo, refletindo juntos sobre o que sabemos e não sabemos, podemos, a seguir, atuar criticamente para transformar a realidade (FREIRE; SHOR, 1986, p. 65). Assim, a educação nessa perspectiva privilegia a intencionalidade de cada Ser respeitando experiências particulares e tornando a aprendizagem mais significativa, pois parte do que já é conhecido. O diálogo permite o compartilhar dessas experiências, o que amplia as possibilidades de aprendizagem das pessoas envolvidas no processo educativo. A dialogicidade verdadeira, de acordo com Freire (2006) é aquela “[...] em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo, no respeito a ela [...]” (p. 60). Destacamos que “[...] dentro das escolas, notadamente públicas, circula um maior número de crianças pobres e negras” (OLIVEIRA, 2005, p. 90), o que evidencia a necessidade de uma educação das relações étnico-raciais que, baseada no diálogo, contrarie a lógica bancária da educação atual com vistas à humanização. Acreditando que educandos/as poderão, por meio de sua práxis, contribuir na luta para diminuir as desigualdades do modelo social vigente de forma a contrapor a discriminação e o preconceito racial atualmente expressos em nossa sociedade. Na luta por uma educação e sociedade que respeite o ser mais, não só de negros ou brancos, mas de homens e mulheres ao mundo, entendemos que: “o que sobretudo me move a ser ético é saber que, sendo a educação, por sua própria natureza, diretiva e política, eu devo sem jamais negar meu sonho ou minha utopia aos educandos, respeitá-los. Defender com seriedade, rigorosamente, mas também apaixonadamente, uma tese, uma posição, uma preferência, estimulando e respeitando, ao mesmo tempo, o direito ao discurso contrário, é a melhor forma de ensinar, de um lado, o direito de termos o dever de “brigar” por nossas idéias, por nossos sonhos e não apenas aprender a sintaxe do verbo haver, de outro, o respeito mútuo” (FREIRE, 2005b, p. 78)
  • 12. 11 E é acreditando no direito ao discurso contrário e no respeito ao saber de experiência feito de educandos/as, que escrevemos este artigo buscando compreender quais as contribuições trazem o diálogo para uma intervenção pedagógica com vistas à educação das relações étnico- raciais nas séries iniciais. Metodologia Esta pesquisa foi realizada a partir de registros escritos uma intervenção desenvolvida com 35 alunos de uma turma de 2ª série do Ensino Fundamental, em uma escola pública da rede estadual do estado de São Paulo, durante o ano de 2009. A intervenção realizada pela docente generalista teve como objetivo relacionar o trabalho de alfabetização e letramento, base para as séries iniciais do Ensino Fundamental, com discussões e reflexões que permitissem um estudo crítico da história dos/as negros/as, da África e da importância destes para a sociedade brasileira. As atividades aconteceram em diferentes momentos das aulas buscando a discussão da temática nos diferentes componentes curriculares, sendo que as produções e atividades das crianças iam compondo um caderno de registros individual intitulado “AFROBETIZANDO: Estudando a História do negro e da África nas séries iniciais”. Buscando uma aproximação com as famílias, muitas das atividades foram tarefas de casa para serem realizados em conversa com pais, mães ou responsáveis. Os cadernos de registros eram compostos por textos e desenhos feito pelas crianças, caça-palavras, letras de músicas, figuras, calendários e textos informativos, todos com intuito de trazer elementos para as rodas de conversas organizadas pela professora para debater e estudar a temática em questão. A intervenção finalizou com a apresentação de uma peça, escrita pela turma, em um evento de fechamento do ano letivo realizado pela escola. Desenvolvida em caráter qualitativo, esta pesquisa foi orientada pela seguinte questão: Quais as contribuições do diálogo para uma intervenção pedagógica com vistas à educação das relações étnico-raciais nas séries iniciais? Como fontes de dados foram utilizadas as produções de texto individuais e coletivas de 14 crianças participantes da citada intervenção. A utilização destes registros recebeu, na pesquisa, o caráter de notas de campo, no sentido expresso por Bogdan e Biklen (1994), dos quais, após leitura e releitura, emergiram duas categorias (GOMES, 1994). Para preservar a identidade das pessoas envolvidas todos os nomes foram substituídos por nomes fictícios. Os trechos citados foram transcritos em sua forma original. Construção dos resultados a) Saber de experiência feito
  • 13. 12 Esta categoria faz relações da importância destes saberes para o aprendizado dos envolvidos, e fundamental para auxiliar o desenvolvimento do trabalho da professora. As atividades realizadas em casa com a família foram fundamentais no desenvolvimento da intervenção, pois traziam elementos para as discussões e reflexões durante as rodas de conversa realizadas para compartilhar os dados dos registros individuais. Tais registros trazem muitas vezes informações divulgadas nos meios de comunicação em massa que tendem a reforçar visões restritas sobre a África de modo a colaborar com a desvalorização do continente e, consequentemente, reforçar preconceitos. Como podemos notar nos trechos a seguir: “A minha mãe só conhece o que passa na TV fome a miséria e gerra” (Isabela); “A minha mãe falou: - Que a africa é um continente muito pobre. Eu perguntei [...] Mãe porque você acha que a áfrica é um continente pobre e ela disse: - eu vejo muito na televisão” (Tatiana); “A áfrica tem muitos animais selvagens como leãos e elefantes jirafa, zebra. Na áfrica muitas pessoas passam fome e até morrem pela falta de alimento é um continente muito pobre, tembem a doença mata milhares de pessoas” (Geovana); “A África é um continente [...] de animais, selvagem” (Milena). No entanto os registros também apontaram contrapontos fundamentais para o estudo do tema, tais como: “O meu pai falou: - que na áfrica vivem os animais mas ferozes do mundo. E é um continente que tem a maior população de pessoas negras. E tem muitas praias bonitas e lindas, que tem grandes hotéis” (Tatiana); “a Africa é um continente e ela trouce a capoeira a áfrica tem 53 paise” (Vitor); “Tambores Samba é uma forma verbal de alguns dialetos africanos [...] a civilização negra-africana procede de uma visão unitária do mundo [...] O mesmo espírito anima e liga a filosofia, a sociedade e a arte negra-africana. As artes [...]estão interligadas: O poema à música, a música à dança. Culinária Baiana. Tambor de criola. Capoeira.” (Ana); “A áfrica [...] tem uma cultura interesante de dança, musica” (Geovana). Outra atividade realizada junto aos familiares discutia a questão da abolição, as respostas trazidas pelas crianças mostravam que os quase todos os familiares relacionavam a mesma com a determinação da lei áurea. Apenas Isis citou em seus registros as leis do ventre livre e do sexagenário. Este tipo de saber também é muito importante de ser considerado, pois indica a necessidade de encaminhamentos do/a docente/a em atividades problematizadoras, uma vez que é fundamental destacar os movimentos de resistência e luta pela libertação dos negros. Outra situação revela a insatisfação de uma mãe que escreve à professora pela atividade enviada para casa: “A Daniela não sabe ler nem escrever para que ela tem que saber sobre a áfrica [...] eu trabalho o chego as 23:00 da noite levanto 05:00 da manhã para fazer marmita eu lá tenho tempo de falar sobre África sendo que nem ler ela sabe” (Daniela). Essa situação desencadeou em atendimento individual à mãe para esclarecimento sobre o processo de
  • 14. 13 alfabetização da educanda, sobre os motivos pelo quais discute-se aspectos relacionados a história e cultura africana. Por outro lado tal situação foi importante para compreender como as condições materiais das famílias interferem nas relações familiares, e quais seus reflexos na escola e em práticas dialógicas. Ao final de uma das rodas de conversa, pautada nas informações que as crianças apresentaram, foi realizado um registro dos aprendizados que as crianças consideram mais importantes sobre a escravidão no Brasil. Em diálogo elaboraram a seguinte síntese de aprendizado: 1. Saber que os escravos vieramda África. 2. Os escravos vieram obrigados para o Brasil. 3. Antes de virem para o Brasil eles tinham uma vida melhor e eram respeitados. 4. Aqui no Brasil eles foram maltratados. 5. Tem muita coisa que fazemos por que os negros trouxeram. 6. Muitos escravos fugiam porque eram maltratados, outros tentavam a carta de alforria. 7. As leis que eram criadas não ajudavam os escravos (Registro Coletivo). Compartilhando os conhecimentos trazidos pelas crianças foi possível problematizar e ampliar o conhecimento que todos tinham sobre o tema, refletindo sobre os termos escravos e escravizados, o ser negro/a no Brasil e na África e sobre as contribuições na cultura. É importante considerar que o diálogo em Rodas de conversa permitiu que educandos/as escutassem e narrassem fatos conhecidos ou relatassem experiências do cotidiano, garantindo a expressão de sensações, sentimentos e necessidades. b) Quanto mais diferenças mais aprendizados Esta categoria indica processos educativos decorrentes da participação de outras pessoas na intervenção pedagógica. Trazem relatos das crianças comentando atividades com música, teatro, jogos e brincadeiras, que contribuíram para o processo de alfabetização, enquanto motivadores das produções de textos, e também para estudo da temática em questão. Seguem trechos onde as crianças escrevem sobre vivência com professor convidado que tratou sobre jogos e brincadeiras africanas: “[...] nós ficamos muito feliz e mas ele se atrasou porque ele estava viagando [...] e quando ele chegou ele tocou tambor e ensinou duas musicas e depois fomos brincar de cobrador de impostos e Bom Kid e voutamos para sala e fomos embora” (Tatiana); “Foi muito bacana e cantamos e brincamos fomos ao campinho e brincamos de cobrados de impostos e Bom Kid” (Vitor); “Nós ficamos anciosos porque o [convidado] ficou atrazado e ele gecou e cantou uma música de gecada com o tambo e depois ele comverso e nos canto e ele só toco para nos saímos la fora e facemos três brincadeira [...] e antes nos brincamos de Peca o peixe do sinhor e nos brincamos bastante e nos ficamos brincamos, brincamos brincamos tanto que nos tambem toco o tambo que todo mundo falo:
  • 15. 14 Olha tem pelo de cabra e o rio rio rio que até nos votamos cantando a música que checamos” (Ana); “Nos brincamos e foi muito legau e a gente cantamos a musica inbraca minino embraca molha o pé mas não molha a meia nos viemos de tonlonge fazer brarulho e terá leia” (Lucas). Evidencia-se nos excertos citados a importância dada ao brincar por parte das crianças. Segue o trecho da escrita coletiva de uma carta para agradecer ao convidado que mostra o contentamento e revela aprendizados: “Aprendemos com você, muitas coisas sobre a África e adoramos o que você ensinou para gente” (Registro Coletivo). A participação de um cantor de rap, embora menos direta que a anterior, também motivou bastante as crianças, pois após a atividade que estudou a letra de um de seus raps as crianças se empenharam na elaboração de uma peça teatral, como revela a escrita coletiva da carta que foi enviada ao cantor, e ,posteriormente, respondida pelo mesmo via e-mail da professora. Nós, alunos da [Escola Estadual], aprendemos com a Professora algumas música que você compôs e gostamos muito. Porque com elas aprendemos sobre a história dos negros na África e no Brasil. Escrevemos uma peça sobre o preconceito, e nela colocamos um trecho de sua música raízes e um aluno de nossa sala vai interpretar. Estamos ansiosos para receber sua resposta e queremos te conhecer melhor. Por isso junto com a carta está indo uma foto da turma para você saber quem somos nós. Adoramos te conhecer, beijos e abraços (Registro Coletivo). A participação de diferentes pessoas na intervenção contribuiu com situações de aprendizagem, pois além de noves conhecimentos, também possibilitaram vivências de outros tipos de linguagens como as música, as brincadeiras e o teatro. Esse diálogo de corpos ao mundo favorece a expressão das crianças, de seus interesses ou mesmo desinteresses, enriquecendo as rodas de conversa com o que já sabem e não sabem, e reconhecendo que podem saber mais. Considerações Os dados apresentados permitiram observar que o diálogo com e entre as crianças trouxeram subsídios que fomentaram as discussões sobre a temática em questão, de modo que aspectos importantes foram tratados nas rodas de conversa, que partindo de informações, sentimentos e expressões do cotidiano das crianças e familiares, foram problematizadas possibilitando reflexões e aprendizados para o grupo. É importante ressaltar o relato da mãe citado, que traz à tona relação entre a questão material das famílias e a escola, lembrando que o diálogo entre família e escola é fundamental, uma vez que ambas buscam o desenvolvimento das crianças, e, no entanto quando não se estabelece uma relação de diálogo, lutam sozinhas e em oposição, comprometendo o desenvolvimento das crianças ao invés de potencializá-lo. A troca de experiências proporcionada com participação de outros sujeitos, apresentou-se como fator motivador de aprendizado, principalmente diante da valorização da brincadeira
  • 16. 15 demonstrada pelas crianças. O compartilhar de experiências evidenciado neste estudo permite- nos refletir sobre os modos atuais da educação que pautados na memorização e aulas expositivas ignora a criatividade e atuam contra a autonomia das pessoas e contra a democratização da escola. Acreditando que a valorização dos saberes expressos por educandos/as possibilitam o transformar e o transformar-se dos mesmos e de educadores/as, e entendendo que tal transformação reflete em mudanças na realidade de escolas e da comunidade de que fazem parte, ressaltamos que o desenvolvimento de intervenções pedagógicas com vistas a educação das relações étnico-raciais, não podem se dar sob a lógica bancária que atualmente compõe as escolas, pois esta desrespeita aos educandos/as, brancos/as ou negros/as, e são incoerente com o enegrecimento da educação abordado neste artigo. Como nos alerta Freire (2006) o educador/a democrático consciente de não neutralidade da educação, e de que a escola sozinha nada pode mudar, deve sustentar sua luta lembrando que “se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental ela pode” (p. 112), e se ela não é a chave das transformações sociais, tão pouco deve ser uma simples reprodutora da ideologia dominante. Referências BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Notas de campo. In: ______. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994, p. 150-175. BRASIL. Lei n˚ 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Brasília: Ministério da Educação, 2003. ______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP 3/2004. Diretrizes curriculares nacionais para educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília, 2004. ______. Resolução CNE/CP 1/2004. Diretrizes curriculares nacionais para educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília, 2004. FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 43ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005a. ______. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 12ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005b. ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. GOMES, R. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: minayo, Maria C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994. SILVA, A. C. de. Movimento negro e ensino nas escolas: experiências da Bahia. In: SILVA, P. B. G. e BARBOSA, L. M. de A. (Orgs.). O pensamento negro em educação no Brasil. São Carlos: Edufscar, 1997. SILVA, P. B. G. Estudos Afro-Brasileiros: Africanidades e Cidadania. In: ABRAMOWICZ, A.e GOMES, N. L. (Orgs.). Educação e raça: Perspectivas políticas, pedagógicas e estéticas. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 37-54.
  • 17. 16 APORTES DA TEORIA DE PAULO FREIRE PARA PESQUISAS COM MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO DO CAMPO Débora Monteiro do Amaral de_ufscar03@yahoo.com.br RESUMO Este ensaio traz elementos para pensarmos a pesquisa com movimentos sociais e educação do campo pautado em aportes da teoria freiriana. Para isso discorre sobre conceitos, tais como, o ensinar, o aprender, o estar no e com o mundo, sobre a reflexão- ação, a reinvenção do ser humano, a inconclusão dos homens e mulheres, entre outros. Disserta que para entender a educação e o processo de mudança social é preciso estar consciente de que a educação tem caráter permanente e que as pessoas estão o tempo todo se educando. Traz a educação do campo como uma política pedagógica que está vinculada a objetivos políticos de emancipação e de luta por justiça e igualdade social e traz que ser do movimento social significa ser um sujeito que tem uma história de luta, de persistência. Como exemplo de sujeitos dos movimentos sociais na busca pela educação do campo traz os cursos de Pedagogia da Terra que trazem pessoas dos movimentos sociais para as universidades públicas, tentam romper com a pedagogia tradicional dos cursos superiores. Esse curso tem a intencionalidade pedagógica em sua centralidade a prática educativa da práxis social, retomando a reflexão sobre a força formadora do trabalho, da cultura, da luta social como matrizes educativas do ser humano que não podem deixar de ser intencionalizadas como práticas pedagógicas em um projeto educacional que se pretenda emancipatório. O ensaio ainda defende que os objetivos de emancipação, libertação e transformação, o ato de educar e educar-se deve considerar os saberes de experiência feitos/classes populares. Palavras-chaves: Paulo Freire. Movimentos sociais. Educação do campo. ABSTRACT This essay brings elements to think research on social movements and guided field education in Freire's theory contributions. For that talks about concepts such as the teaching, learning, and being in the world, on the reflection-action, the reinvention of the human being, the inconclusiveness of men and women, among others. Lectures that to understand the process of education and social change must be aware that education is permanent and that people are constantly educating themselves. Bring the education field as an educational policy that is linked to political goals of emancipation and the struggle for social equality and justice and brings the movement to be social means to be a guy who has a history of struggle, persistence. As an example of subjects of social movements in pursuit of field education provides courses in Pedagogy of the Earth that bring people from social movements to public universities, trying to break with the traditional pedagogy of university courses. This course has the intention of teaching their centrality to the educational practice of social praxis, resuming the debate on the forming of the work force, culture, social struggle as headquarters of the educational human being who can not stop being intencionalizadas as a pedagogical practices in educational project intended to be emancipatory. The essay also argues that the goals of
  • 18. 17 emancipation, liberation and transformation, nurture and educate yourself to consider the knowledge of living experience / classes. Keywords: Paulo Freire. Social movements. Rural education. Trago neste ensaio aportes da teoria freiriana que ajudam a pensar a atuação com movimentos sociais do campo, entendendo a pesquisa como uma atuação política, intencional e militante, no processo em que Freire defende, ou seja, que “deste modo, fazendo pesquisa, educo e estou me educando com os grupos populares” (FREIRE, 1983, p. 36). A política pedagógica para a Educação do Campo está vinculada a objetivos políticos de emancipação e de luta por justiça e igualdade social. Podemos destacar pelo menos 3 referências prioritárias: a 1ª é a tradição do pensamento pedagógico socialista; a 2ª é a interlocução com a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, e toda a tradição pedagógica decorrente das experiências de Educação Popular, e a 3ª é a referência pedagógica mais recente que chamamos de “pedagogia do movimento”. Neste momento trarei a discussão para as contribuições de Paulo Freire (1979, 1983, 1992, 1993, 1996, 2001, 2005, 2009) no contexto da educação nos movimentos sociais do campo e perceber o que ele nos diz sobre o ensinar, o aprender, o estar no e com o mundo, sobre a reflexão-ação, a reinvenção do ser humano, a inconclusão dos homens e mulheres, o estar aberto/a para o mundo, entre outros aspectos sobre os quais dissertaremos aqui. Os movimentos sociais e os movimentos de educação popular trazem Paulo Freire como uma de suas matrizes teóricas, pois foi ele que abriu um caminho importante ao trazer toda sua reflexão em torno do processo de produção do ser humano como sujeito, da potencialidade educativa da condição de oprimido e do esforço de tentar deixar de sê-lo, ou seja, tentar transformar as circunstâncias sociais dessa sua condição, engajando-se na luta por libertação. Freire traz a necessidade do desvelamento do mundo com os sujeitos, do diálogo permanente com eles, para promover a libertação e também outra visão de mundo que não a dominante imposta. A alteridade é aqui ponto central, pois, por meio dela se pode realmente estar com e no mundo. O processo e o dinamismo da conscientização e da ampliação de visão de mundo com as pessoas tornam relevante esta investigação, pois, ao formar pedagogos da terra, estes têm que estar exatamente com o mundo e com os
  • 19. 18 outros para que essa formação seja um diferencial na luta desse povo, na busca permanente pela sua libertação. Quem melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem melhor que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. (FREIRE, 2005, p. 34) Para entender a educação e o processo de mudança social é preciso estar consciente de que a educação tem caráter permanente e que as pessoas estão o tempo todo se educando. O saber-ignorância1 é a compreensão de que não há saber nem ignorância absoluta, ou seja, todo ser humano tem em si alguma sabedoria, que não é melhor nem pior que outro saber anunciado. Mulheres e homens que ensinam e aprendem devem ter consciência de que: [...] educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem – por isto sabem que sabem algo e pode assim chegar a saber mais – em diálogo com aquele que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais. (FREIRE, 1983, p. 15) É necessário que todos/as tenham a consciência de estar no e com o mundo, em uma militância e uma permanência irrecusável. A libertação dos oprimidos não ocorre por outra pessoa se não por ela mesma, pois, a humanização é apenas dela. Ser do movimento social significa ser um sujeito que tem uma história de luta, de persistência. Significa ser sujeito da história, de uma história que por muito tempo negou dignidade, respeito, direitos. Freire (1979, p. 52) diz que “o homem é homem e o mundo é histórico-cultural na medida em que, ambos inacabados, se encontram numa relação permanente, ao qual o homem, transformando o mundo, sofre os efeitos de sua própria transformação”. Os cursos de Pedagogia da Terra, que trazem pessoas dos movimentos sociais para as universidades públicas, tentam romper com a pedagogia tradicional dos cursos superiores. Caldart (2004) diz que nas pedagogias mais tradicionais a educação é vista 1 Para Freire (1979) o saber se faz através de uma superação constante, ou seja, o saber superado já é uma ignorância. Todo saber traz consigo sua própria superação. Portanto não há saber nem ignorância absoluta, há uma relativização do saber ou da ignorância. (p. 15)
  • 20. 19 exatamente no contraponto da luta, sendo a ordem seu valor mais precioso. Por isso, a educação é vista como sinônimo de socialização passiva, da integração à sociedade, de aprendizado da obediência ou até do conformismo pessoal e social. Por outro lado, nas pedagogias que se colocam em uma perspectiva de participar dos processos de transformação social, o predomínio da pedagogia da palavra, seja como apelo à conscientização ou denúncia da alienação provocada pelas condições sociais, de modo geral, também não concede lugar de destaque para a dimensão pedagógica própria da ação de lutar. Em ambos os olhares resta pouco lugar para a educação como um processo produzido pela luta mesmo. Segundo a autora somente quando a luta social passa a ser vista como educativa é que necessariamente se altera o olhar sobre quem são os sujeitos educadores. Segundo Freire (1996, p. 87), “não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças, que nos afirmamos humanos”, ou seja, não se pode afirmar-se como seres humanos, fechando os olhos frente aos problemas sociais e achar que a educação não pode ajudar a mudar isso. Vemos aqui que a intencionalidade pedagógica dos cursos de formação de educadores/as ou pedagogos/as da terra tem em sua centralidade a prática educativa da práxis social, retomando a reflexão sobre a força formadora do trabalho, da cultura, da luta social como matrizes educativas do ser humano que não podem deixar de ser intencionalizadas como práticas pedagógicas em um projeto educacional que se pretenda emancipatório e, por isso mesmo, omnilateral. A turma de Pedagogia da Terra da Universidade Federal de São Carlos, Helenira Resende, é formada por homens e mulheres pertencentes a quatro movimentos sociais e advindos/as de vários assentamentos e acampamentos do Estado de São Paulo. Por isso, para que fosse possível uma integração dessas pessoas, a solidariedade “enquanto compromisso histórico de homens e mulheres, como uma das formas de luta capazes de promover e instaurar a ética universal do ser humano” (FREIRE, 1996), foi um fator muito importante para a turma. Freire (2005) chama a atenção sobre o processo de estar com os outros, com o povo, com os homens, com e no mundo, o que é central na obra do autor. Fica evidente a importância de se considerar as práticas sociais e os processos educativos em que as educandas estão inseridas diariamente, ao estar com o outro, e como se deve estar aberto
  • 21. 20 para enxergar e vivenciar estes processos. Aqui também destacamos que sem a alteridade não podemos viver com, pois a alteridade pressupõe o respeito ao outro, às diferenças e às singularidades do outro, este “outro” que, para Dussel (1998), precisaria ser incluído na sociedade, neste caso, o “sem terra”, como pertencente a ela e não ficando à margem dela como a classe dominante o coloca. Somente pela alteridade isto seria possível realmente, como Freire (2005) sugere ao falar da não dominação das pessoas com quem se convive. Não há realidade histórica – mais outra obviedade – que não seja humana. Não há história sem homens, como não há uma história para os homens, mas uma história de homens que, feita por eles, também os faz, como disse Marx. E é precisamente, quando – às grandes maiorias – se proíbe o direito de participarem como sujeitos da história, que elas se encontram dominadas e alienadas. (FREIRE, 2005, p. 148) Ser estudante e ser do movimento tem sua beleza, suas dificuldades e também suas significações para cada um e cada uma. Ao mesmo tempo em que se é estudante de um curso de pedagogia, que tem que estar voltado para a formação pedagógica própria do curso, estas estudantes carregam consigo o verdadeiro significado do ato político que a educação tem. Trazem em cada gesto e cada ação a vontade de ver a transformação pela educação e sabem que cada ação no curso e no mundo é intencional e deve sempre estar pautada na reflexão-ação-reflexão. Para Freire (2001, p. 28), [...] a preocupação com os limites da prática, no nosso caso, da prática educativa, enquanto ato político, significa reconhecer, desde logo, que ela tem uma certa eficácia. Se não houvesse nada a fazer com a prática educativa não havia por que falar dos seus limites. Da mesma forma como não havia por que falar de seus limites se ela tudo pudesse. Falamos de seus limites precisamente porque, não sendo a alavanca da transformação profunda da sociedade a educação pode algo no sentido desta transformação. Notamos nos movimentos sociais a solidariedade e, como Freire (2005, p. 86) diz, é possível perceber que ela esta ligada à busca do ser mais que “não pode realizar- se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão”. Destacamos a necessidade da união dos movimentos sociais e a união das estudantes para poderem juntos fazer a transformação, e também a necessidade de uma comunhão entre os movimentos, que apesar de diferentes, precisam estar juntos. Freire (2009) diz que as classes populares e oprimidas, ao descobrirem o poder da
  • 22. 21 solidariedade através da união na diversidade, descobrirão que não são minorias, que a única minoria é a classe dominante. Para Freire "[...] à necessária solidariedade que as pessoas que compartilham os mesmos sonhos, os sonhos políticos similares, devem ter entre elas para poder lutar contra os que estão do outro lado." (FREIRE & OLIVEIRA, 2009, p. 89) A preocupação com o outro está na perspectiva de Freire & Oliveira (2009, p. 103) que diz: “na vida comunitária, inclui-se o respeito, a preocupação com o outro, a solidariedade”. Além dos processos de solidariedade, também são diferenciais na turma os processos de cooperação e coletividade, que têm sua origem num princípio educativo dos movimentos sociais: a organização. Esta é a razão pela qual o trabalhador social humanista não pode transformar sua “palavra” em ativismo nem em palavreado, pois uma e outra nada transformam realmente. Pelo contrário, será tanto mais humanista quanto mais verdadeiro for seu trabalho, quanto mais reais forem sua ação e sua reflexão com a ação e a reflexão dos homens com quem tem que estar em comunhão, colaboração, em convivência. (FREIRE, 1979, p. 30) A coletividade e a cooperação são traços muito fortes dentro dos movimentos sociais que entendem o sujeito como sendo coletivo, pois ações e conquistas realizadas não são unicamente fruto de um trabalho isolado, mas de todo um coletivo que se organizou para este fim. E, nesse sentido, fazer pesquisa com movimentos sociais é entender que o outro deve ser sempre o mistério insondável da fonte da criatividade e do novo. É preciso cuidar para não construir uma totalidade na qual o outro aparece como objeto da ação de outros. O caráter da libertação exige não repetir o mesmo, a ordem antiga, mas criar o novo a serviço do outro, como nos mostra Dussel (s/d). Pois, o saber é construído e reconstruído na interação, não há “proprietários”, “administradores” ou “portadores” do saber. Entendemos que o educar e educar-se ocorre com as classes trabalhadoras e suas relações, que são sempre intencionais, e por isso, políticas: É muito importante que as classes trabalhadoras continuem aprendendo na própria prática de sua luta a estabelecer os limites para suas concessões, o que vale dizer, que ensinem às dominantes os limites em que elas se podem mover. (FREIRE, 1992, p. 93)
  • 23. 22 Com os objetivos de emancipação, libertação e transformação, o ato de educar e educar-se deve considerar sempre os saberes de experiência feitos, os saberes das classes populares. Segundo Freire (1992), discutir com os camponeses que as universidades estão comprovando alguns de seus saberes é tarefa política de alta importância pedagógica, pois discussões assim podem ajudar as classes populares a ganhar confiança em si ou aumentar o grau de confiança que já têm. Para Freire (1979 p. 14) “o homem não é uma ilha, é comunicação, logo, há uma estreita relação entre comunhão e busca”. Portanto, as classes populares, no aprendizado de educar e educar-se enquanto seres humanos com o mundo, em co-laboração2 encontram-se para a transformação do mesmo. O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente através da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer. Alguns desses caminhos e algumas dessas veredas, que a curiosidade às vezes quase virgem dos alunos percorre, estão grávidas de sugestões, de perguntas que não foram percebidas antes pelo ensinante. Mas agora, ao ensinar, não como um burocrata da mente, mas reconstruindo os caminhos de sua curiosidade — razão por que seu corpo consciente, sensível, emocionado, se abre às adivinhações dos alunos, à sua ingenuidade e à sua criatividade — o ensinante que assim atua tem, no seu ensinar, um momento rico de seu aprender. O ensinante aprende primeiro a ensinar mas aprende a ensinar ao ensinar algo que é reaprendido por estar sendo ensinado. (FREIRE, 1993, p. 27-28) “O homem é homem e o mundo é histórico-cultural na mediada em que, ambos inacabados, se encontram numa relação permanente, na qual o homem, transformando o mundo, sofre os efeitos de sua própria transformação” (FREIRE, 1983, p. 52). Para que possamos estar no e com o mundo e nos perceber e o perceber desta forma, inacabados, é preciso que tenhamos uma presença consciente no mesmo, isto é, entender que por vezes somos condicionados pela sociedade em que vivemos, mas, nem por isso, esta deve nos determinar. Entender o mundo como inacabado é entender que minha ação no e com ele pode e deve caminhar no sentindo de modificá-lo e transformá-lo. 2 A co-laboração é uma característica da ação dialógica que só acontece entre sujeitos que têm funções, responsabilidades e que se realiza na comunicação.
  • 24. 23 A mulher e o homem que compreendem sua realidade devem lutar e procurar soluções para mudanças, assim “pode(m) transformá-la e com seu trabalho pode(m) criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias”. (FREIRE, 1979, p. 16) Referências CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004. DUSSEL, Enrique D. (s/d). A pedagógica latino-americana (a Antropológica II). In DUSSEL, Enrique D. Para uma ética da libertação latino americana III: erótica e pedagógica. São Paulo: Loyola; Piracicaba: UNIMEP. p 153 a 251. ______. Ética de la liberación - en la edad de la globalización y de la exclusión. México: Editorial Trotta. 1998. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. ______. Extensão ou comunicação? 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1983 ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30. ed. São Paulo: Paz e Terra. 1996. ______. Pedagogia da esperança – um reencontro com a pedagogia do oprimido. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2005. ______. Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Editora Olho D'Água, 10. ed. 1993 ______. Política e educação. São Paulo: Cortez. 2001. ______; FREIRE, Nita; OLIVEIRA, Walter Ferreira de. Pedagogia da Solidariedade. Indaiatuba: Vila das Letras. 2009.
  • 25. 24 APORTES DE PAULO FREIRE PARA A COMPREENSÃO DA PRÁTICA SOCIAL DO CUIDADO À SAÚDE E DOS PROCESSOS EDUCATIVOS DE MULHERES CAMPONESAS Iraí Maria de Campos Teixeira (iraimcteixeira@gmail.com) Maria Waldenez de Oliveira (orientadora) RESUMO A educação popular acompanha o movimento de classes e grupos marginalizados na reivindicação de espaços na sociedade e no engajamento na luta por direitos. Mulheres camponesas vêm buscando novas estratégias para se articularem e proporcionarem novos espaços de trocas de experiências, com o intuito de fortalecer sua comunidade. O objetivo desse artigo é refletir sobre as possibilidades de apropriação dos aportes de Paulo Freire à pesquisa voltada à educação popular e saúde. Para tanto, apresentam-se alguns resultados obtidos no trabalho de mestrado que investiga a prática social do cuidado à saúde promovido por mulheres camponesas e os processos educativos por elas desencadeados. Através de análise de observações, diário de campo e entrevistas realizadas com mulheres assentadas, observou-se que as práticas sociais desenvolvidas por estas mulheres estão atreladas às lutas cotidianas pelos direitos à terra, à educação, ao trabalho, às melhores condições de vida, ou seja, à saúde; da forma como à concebem. Os processos educativos são muitas vezes dialógicos, transmitidos pela oralidade, nas relações sociais, no diálogo com o outro ou a outra. Percebemos na relação com as mulheres, sujeitos da pesquisa, como alguns conceitos chaves definidos amplamente por Paulo Freire em suas obras auxiliam na compreensão da prática social investigada e de seus processos educativos. Palavras-chaves: Educação popular. Cuidado em saúde. Mulheres camponesas. ABSTRACT A popular education follows the movement of the marginalized classes and groups claim space in society and engaging in the struggle for rights. Women farmers are seeking new strategies to articulate and provide new opportunities to exchange experiences in order to strengthen their community. The aim of this article is to discuss the possibilities of appropriating the contributions of Paulo Freire’s research focused on popular education and health. To this end, we present some results obtained in the investigates the social practice of health care for rural women and promoted educational processes trigged by them. Though analysis of observations, field diary and interviews with women of the settlement, it was observed that the social practices developed by these women are tied to daily struggles for land rights, education, labor, better living conditions, that is, health how to conceive. Educational processes are often dialogic, transmitted by oral tradition, in social relations, dialogue with each or the other. We perceive in relationships with women, research subjects, as some key concepts broadly defined by Paulo Freire in his works help to understand the social practice and investigated their educational processes. Keywords: Popular education. Health care. Peasant women.
  • 26. 25 Introdução Esse trabalho surgiu a partir da investigação realizada no mestrado, intitulada “Saberes e Práticas Populares de Saúde: os processos educativos de mulheres camponesas”. Tratou-se de uma pesquisa participante que tinha como objetivo conhecer a compreensão de saúde das mulheres de um assentamento rural do interior de São Paulo, além de identificar as práticas de cuidado à saúde utilizadas e os processos educativos por elas desencadeados. Para tanto, foi realizado um cuidadoso processo de inserção, que possibilitou conhecer as mulheres do assentamento em seu ambiente de trabalho, no lar e em espaços de lazer. Esse período de convivência foi fundamental para a pesquisa, pois ao longo das visitas e do trabalho junto com essas mulheres, estabeleceram-se vínculos que favoreceram a criação de um ambiente acolhedor e de confiança para a realização das entrevistas que teriam como temática central a compreensão de saúde dessas mulheres, suas experiências pessoais, as práticas de cuidado utilizadas e os processos educativos envolvidos nessas práticas. Essa convivência possibilitou o conhecimento de cada participante, suas histórias de vida, sua rotina em casa e no trabalho, perceber o contexto, ou seja, as interações que acontecem no assentamento, com familiares e vizinhos, com a criação e a terra. O propósito desse texto é de explicitar alguns aportes trazidos por Paulo Freire para a compreensão das práticas de cuidado à saúde e dos processos educativos identificados nesse processo de inserção. Para melhor compreensão, apresentamos uma breve contextualização sobre o desenvolvimento da Educação Popular e Saúde no Brasil. Educação Popular e Saúde O início das mobilizações populares por direitos como a educação, foi um marco na história da Educação Popular no país. Foi nessa fase que o educador Paulo Freire modificou o caráter alfabetizador da educação popular e passou a trabalhar também com a conscientização crítica e libertadora. A Educação Popular surgiu como uma crítica à Educação vigente buscando estabelecer outros processos educativos onde os “sujeitos das classes populares não fossem compreendidos como beneficiários tardios de um serviço, mas como protagonistas emergentes de um processo” (BRANDÃO, 2002, p. 142).
  • 27. 26 A Educação Popular e Saúde surge como uma prática libertadora, transformadora, que se manifesta na luta das classes oprimidas por melhores condições de vida, sendo saúde e qualidade de vida conceitos indissociáveis e condições fundamentais para uma vida digna (BRASIL, 2007). Conforme afirma Streck (2010, p. 300): a educação popular tem como uma de suas marcas acompanhar o movimento de classes, grupos e setores da sociedade que entendem que o seu lugar na história não corresponde aos níveis de dignidade a que teriam direito. Isso pode significar a reivindicação de espaço na estrutura existente, mas pode também representar o engajamento na luta por rupturas e pela busca de novas possibilidades de organização da vida comum. Para Vasconcelos (2001), a Educação Popular e Saúde pode ser denominada como um movimento social de profissionais, técnicos e pesquisadores empenhados no diálogo entre o conhecimento técnico-científico e o conhecimento oriundo das experiências e lutas da população pela saúde. Para Oliveira (2009, p. 298), a cultura popular é central para um projeto político popular, e “aparece com força nas culturas populares de saúde, nas lutas cotidianas pelo direito à saúde nos movimentos populares e sociais, nos espaços participativos, na resistência dos praticantes tradicionais”. A autora complementa dizendo: Com histórias de vida e condições materiais de existência diferentes daquelas dos grupos de culturas letradas ou eruditas, as classes populares são sujeitos de conhecimento e de experiência, os quais são colocados (de forma explícita ou silenciosa) nas relações entre pessoas, pessoas e grupos, profissionais e usuários dos serviços, estudantes da saúde e população. (OLIVEIRA, 2009, p. 298) Assim, o traço fundamental da Educação Popular e Saúde está “no fato de tomar como ponto de partida do processo pedagógico o saber anterior das classes populares” (STOTZ, 2007, p. 55) permitido “apreender os conhecimentos e saberes que são permanentemente construídos nessas relações” (OLIVEIRA, 2009, p. 298). Aportes de Paulo Freire para a pesquisa O sentido de práticas sociais utilizado nessa pesquisa é o de um conjunto de ações, desenvolvidas por um ou mais grupos que compartilham uma mesma cultura, e têm como finalidade a transformação ou manutenção da realidade em que vivem.
  • 28. 27 Realidade que, de acordo com Freire (1981, p. 35), “é algo mais que fatos ou dados tomados mais ou menos em si mesmos. Ela é todos esses fatos e todos esses dados e mais a percepção que deles esteja tendo a população neles envolvida”. As práticas sociais podem ser identificadas como costumes, tradições, eventos, crenças, trabalhos, movimentos sociais; que manifestam as peculiaridades da cultura de quem as pratica e possibilitam que seus grupos ou praticantes resistam as formas de opressão social e cultural; as quais são submetidos. A prática social investigada nessa pesquisa foi o cuidado à saúde. O cuidado se encontra na luta dos oprimidos, marginalizados (BOFF, 1999). Nesse sentido, “o cuidado deve ser permeado pelo acolhimento com escuta sensível de suas demandas, valorizando-se a influência das relações de gênero, raça/cor, classe e geração no processo de saúde e de adoecimento das mulheres” (COELHO et al, 2009, p. 155). A noção do cuidado em saúde “requer a dimensão ampliada da compreensão das condições de vida, considerando a individualidade dos atores, sem perder de vista o coletivo, o meio social em que vivem e se identificam” (RIQUINHO e GERHARDY, 2011, p. 421). De acordo com as mulheres assentadas, são considerados cuidados à saúde: o carinho, a atenção, o companheirismo, o respeito, a preservação da auto-estima e a assistência de profissionais de saúde. Práticas como uso de ervas medicinais em curativos, chás, banhos e xaropes, e receitas caseiras, são muito utilizados no cuidado à saúde do individuo. Enquanto que mobilizações e ações políticas foram consideras como práticas de cuidado à saúde do coletivo, da comunidade. Os processos educativos podem ser compreendidos como a forma como se processa a educação de grupos ou indivíduos. Educação que pode ser escolar, considerando todos os seus métodos de ensino e sistemas de avaliação da aprendizagem, ou não. Mesmo o processo educativo escolar, se inicia antes da escolarização nas relações estabelecidas com o mundo. Assim, os processos educativos são determinados por fatores sociais, políticos e pedagógicos e, portanto, se adéquam ao contexto histórico-social do educando. Para Paulo Freire (1986), o processo educativo inicia com a tomada de consciência, por parte do sujeito, da condição em que se encontra e na qual se encontram seus semelhantes.
  • 29. 28 Com relação aos processos educativos decorrentes do cuidado, consideramos que estes acontecem nas relações entre os sujeitos que cuidam e são cuidados, enquanto educam e são educados. Esse saber é transmitido no contato com o outro, pela oralidade, pelas ações, pelas experiências que são significativas para cada um. No cotidiano das mulheres do assentamento Monte Alegre, os processos educativos são muitas vezes dialógicos, quando essas mulheres aprendem e ensinam em suas relações (FREIRE, 1995). Esse aprendizado mútuo ocorre na família, nos encontros da associação, no trabalho, nos cursos, na escola, nas visitas domiciliares realizadas pelas agentes comunitárias de saúde, nas unidades de saúde e nas relações com os clientes e com as demais pessoas da comunidade. Além destes, surgiram aprendizados com a leitura de livros, jornais ou revistas e a partir de programas televisivos, filmes, documentários. A internet foi citada, mas apenas quanto a importância da criação de um espaço, com acesso a internet para todos os assentados. Na perspectiva da Educação Popular, esta pesquisa investiga, além das práticas de cuidado com a saúde, a cultura da mulher camponesa. Por se tratar de uma cultura predominantemente oral, é possível compreender a outra por meio do diálogo. Diálogo que também possibilita libertar-se com ela. O conceito de diálogo foi amplamente apresentado em diversas obras de Paulo Freire. De acordo com o autor: Se é dizendo a palavra com que, “pronunciando” o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens. Por isso, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco torna-se simples troca de idéias a serem consumidas pelo permutante. (grifo do autor FREIRE, 1987, p. 45). Segundo Freire (1987), o diálogo possibilita a criação de uma relação de confiança, que tem como premissa a amorosidade e a humildade dos sujeitos que se propõe à dialogar: Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia. Seria uma contradição se amoroso, humilde e
  • 30. 29 cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos. (grifo do autor FREIRE, 1987, p. 46) Nesta perspectiva, a Educação Popular, se constitui e se revela, enquanto atitude de relação com o outro, relação que comporta o afeto, no sentido mesmo do ato que toca o outro, e cuja proximidade pode provocar tanto a solidariedade de uns como a resistência de outros, caso não se realize de forma humilde e cautelosa. Para Freire (1987, p. 78) “a ação dialógica é indispensável à superação revolucionária da situação concreta de opressão”. Diante disso, a Educação Popular, é concebida como uma alternativa ao modelo bancário de educação e se compromete com a prática de uma educação problematizadora. A razão de ser da educação problematizadora, libertadora, está na “superação da contradição educador-educando, de tal maneira que se façam ambos, simultaneamente, educadores e educandos” (FREIRE, 1987, p. 34). A verdadeira educação é conscientizadora porque “responde à essência do ser da consciência, que é sua intencionalidade”. A educação problematizadora, “identifica-se com o próprio da consciência que é sempre ser consciência de, não apenas quando se intenciona a objetos mas também quando se volta para si mesma [...]” (FREIRE, 1987, p. 39). É essa participação que nos permite vivenciar e a partir desta experiência vivida, entender de dentro a prática social do outro. E é o estranhamento a cultura do outro, estranhamento respeitoso, que geram as curiosidades que permeiam as novas descobertas. De acordo com Oliveira et al (2009), é a partir das compreensões de quem são os demais que compreendemos quem somos nós. Assim, reconhecemos que todos construímos uma visão de mundo e com esta visão vemos e estamos no mundo (FREIRE, 1987). Conclusão Paulo Freire oferece um aporte teórico fundamental para esta pesquisa que segue o referencial teórico da Educação Popular e Saúde. Nesse texto apresentamos algumas reflexões sobre a prática social investigada e seus processos educativos pautados nas contribuições da literatura de Paulo Freire. Percebemos na relação com as mulheres, sujeitos da pesquisa, a importância do diálogo, da amorosidade, da confiança, da humildade e do afeto. Todas essas
  • 31. 30 características da prática do cuidado à saúde são conceitos chaves definidos amplamente por Paulo Freire em suas obras, e fatores fundamentais para que se desenvolvam os processos educativos dialógicos dessa prática social. Referências BRANDÃO, C. R. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2007. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios) BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999. COELHO, E. A. C, et al. Integralidade do cuidado à saúde da mulher: limites na prática profissional. Rev. Enferm. Esc. Anna Nery, Rio de Janeiro, vol. 13, n. 1, p. 154-160, jan-mar, 2009. DARON, V. L. P. A dimensão educativa da luta por saúde no Movimento de Mulheres Camponesas e os desafios político-pedagógicos para a educação popular em saúde. Cad. CEDES, Campinas, vol. 29, n. 79, p. 387-399, dez., 2009. FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. 5ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 28ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989. FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. FREIRE, P. O político-pedagógico. In.: GADOTTI, M., FREIRE, P., GUIMARÃES, S. Pedagogia: diálogo e conflito. 4ª edição. São Paulo: Cortez, 1995. OLIVEIRA, M. W. de . Apresentação - Educação nas práticas e nas pesquisas em saúde: contribuições e tensões propiciadas pela educação popular. Cadernos CEDES, Campinas, v. 29, p. 297-306, 2009. OLIVEIRA, M. W; et al. Processos educativos em práticas sociais: reflexões teóricas e metodológicas sobre pesquisa educacional em espaços sociais. 32ª Reunião Anual da ANPED. Caxambu, 2009. RIQUINHO, D. L. e GERHARDT, T. E. A transitoriedade nos estados de saúde e doença: construção do cotidiano individual e coletivo em uma comunidade rural. Trab. educ. saúde [online], Rio de Janeiro, vol.8, n.3, p. 419-437, 2010.
  • 32. 31 STOTZ, E. Enfoques de educação e saúde. In BRASIL. Caderno de Educação Popular e Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. p. 46-57. STRECK, D. R.. Entre emancipação e regulação: (des)encontros entre educação popular e movimentos sociais. Rev. Bras. Educ. [online], Rio de Janeiro, vol. 15, n. 44, p. 300- 310, 2010. VASCONCELOS, E. M. Redefinindo as práticas de saúde a partir da educação popular nos serviços de saúde. In: VASCONCELOS, E.M. (Org.). A saúde nas palavras e nos gestos: reflexões da rede de educação popular e saúde. São Paulo: HUCITEC, 2001, p. 11-19.
  • 33. 32 APORTES DE PAULO FREIRE PARA A EDUCOMUNICAÇÃO Marta Kawamura Gonçalves1 Aida Victoria Garcia Montrone2 RESUMO Nesse artigo pretendemos abordar as relações existentes entre diálogo, uso dos meios de comunicação e processos de humanização, à luz das contribuições fundamentais de Paulo Freire para a elaboração de uma educação problematizadora, entendendo que tais alicerces se fazem presentes nas práticas e pesquisas no âmbito da educomunicação – educação por meio da produção coletiva de comunicação. Os principais intelectuais e educadores deste campo de conhecimento referenciam Paulo Freire em suas reflexões, de modo que consideramos importante discutir esta referência. Descrevendo em linhas gerais o funcionamento dos grupos de educomunicação, concluímos que os pilares da pedagogia pensada por Paulo Freire estão presentes e iluminam as práticas em educomunicação. Desta forma, certos princípios desta pedagogia não devem ser esquecidos ou desprezados, pois as mídias por si só não são capazes de deseducar ou educar, mas a depender do uso que delas se faça, podem tanto servir como instrumento de fortalecimento das opressões e afirmação de preconceitos, como podem, por outro lado, auxiliar nos processos de comunicação e formação de homens e mulheres sujeitos de sua história. Palavras-chave: Paulo Freire. Diálogo. Educomunicação. ABSTRACT In this article we intend to approach the relationship between dialogue, using the media and humanization referring of Paulo Freire's fundamental contributions to the development of a problem-based learning, understanding that such foundations are present in the practices and research in the educommunication - education through the collective production of communication. We consider relevant to analyze the relationship of Paulo Freire with this field of knowledge, since the leading intellectuals and educators in this field refer to him in their reflective texts. Describing the general operation of groups of educcommunication, we conclude that the pillars of pedagogy designed by Paulo Freire are present and illuminate the practices in educommunication. Therefore, certain principles of this pedagogy should not be forgotten or despised, because the media by itself are not able to miseducate or educate, but to rely on the use made of them do, they can both serve as a tool to strengthen the claim of prejudice and oppression, as may, however, assist in communication processes and formation of men and women becoming subjects of their history. Keywords: Paulo Freire. Dialog. Educommunication. 1Produtora audiovisual e educadora; bacharel em Comunicação – Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar, na linha de pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos. E-mail: martakawamura@gmail.com 2Orientadora.
  • 34. 33 Introdução Fazendo a gente vai perdendo o medo. Acho legal porque é um jeito de mostrar que tem um pessoal que não tem experiência e tá fazendo. Nunca imaginei que eu poderia fazer isso. Antônia, 64 anos, grupo de vídeo. Neste artigo pretendemos abordar as relações existentes entre diálogo, uso dos meios de comunicação e processos de humanização, à luz das contribuições fundamentais de Paulo Freire, entendendo que tais alicerces se fazem presentes nas práticas e pesquisas no âmbito da educomunicação. No contexto da sociedade da informação em que nos encontramos hoje, de irreversível imersão no ambiente das informações eletrônicas e transmissões virtuais, em que os meios eletrônicos participam de forma quase onipresente da formação de valores de toda gente, enxergamos a educomunicação como um conjunto de práticas educativas que, valendo-se da produção coletiva de comunicação, visam promover a autonomia e fortalecimento da auto-estima dos envolvidos, e propiciar mudanças significativas no sistema comunicativo vigente. A educomunicação está baseada essencialmente no fundamento da educação dialógica e crítica, valendo-se do uso dos meios de comunicação para estimular tais diálogos. Os principais intelectuais e educadores deste campo de conhecimento com os quais tivemos contato remetem suas práticas e reflexões à pedagogia freireana, que ilumina e sustenta suas concepções, metodologias e análises. Diante disto, consideramos relevante fazer uma reflexão sobre como se relacionam as práticas e estudos no campo da educomunicação com alguns elementos fundantes do pensamento de Paulo Freire. Comunicação, diálogo, humanização Para propor tal discussão, considero salutar explicitar resumidamente os marcos conceituais que balizarão nossa reflexão. Iniciando por comunicação, palavra que ao longo do tempo ganhou significados muito amplos e variados, vamos tomar dois significados relevantes para este trabalho: Trataremos da comunicação indireta, mediada por meios de comunicação de massa, que reflete sobretudo a transmissão ou difusão de informações, através de jornais, rádio, televisão, internet, mural, folhetos, prefigurando uma comunicação de mão única. E trataremos também da comunicação direta, que pode ser considerada o processo social primário, porque é ela que torna possível a
  • 35. 34 própria vida em sociedade. É o processo pelo qual os indivíduos entram em cooperação intelectual e ambos alcançam uma consciência comum (KAPLÚN, 1998). O verbo comunicar vem do latim communicare, que significa participar, tornar comum. Segundo Freire (2006) é na comunicação que homens e mulheres co-participam o ato de pensar. Esta segunda ideia de comunicação, está intimamente relacionada ao conceito de diálogo, que fundamenta a educação dialógica de que trata este artigo. O diálogo é exercício especificamente humano, é o caminho pelo qual homens e mulheres elaboram o mundo, e em comunhão construem sua cultura. Por meio do diálogo homens e mulheres humanizam o mundo e se humanizam. “O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam’, isto é, o transformam, e transformando-o, o humanizam para a humanização de todos”. (FREIRE, 2006, p. 43). Neste sentido, “Existir humanamente é pronunciar o mundo, é modifica-lo. (...) Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”. (FREIRE, 2010, p. 90) Modelos de educação e comunicação Na pedagogia formulada por Paulo Freire, a educação vem possibilitar que homens e mulheres, seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão, superem quaisquer formas de alienação e realizem a sua vocação histórica de serem humanos, de ser mais. Homens e mulheres sendo seres para si passam a ser seres livres de opressão, pensando e agindo de forma autônoma na transformação do mundo. Esta educação supõe o diálogo, pois somente nas relações dialógicas podem despontar reflexões críticas. Segundo o educador, no modelo de educação preponderante em nossa sociedade, a realidade é tratada como algo estático e dado, e o educador posiciona-se como o único agente da educação, tratando os educandos como meros depositários do conteúdo de sua narração. Esta educação autoritária inibe o desenvolvimento da autonomia entre os educandos, uma vez que estes são tratados como objetos da educação e não como sujeitos. A própria dicotomia educador/educando, quando colocada desta forma dura e estanque não admite que educador ao educar também é educando e vice-versa, desprezando a premissa de que as pessoas educam-se umas às outras em comunhão. (FREIRE, 2010). Para explicitar esta diferença entre modelos de educação, Freire definiu uma como educação bancária e outra como educação problematizadora. O termo bancária decorre do gesto de fazer depósitos de conteúdos nas caixas de cada educando, tratados como recipientes que armazenam e acumulam conteúdos informativos. Neste modelo não há comunicação de fato, pois há uma só via para transmissão de
  • 36. 35 informações: do educador que supostamente sabe tudo, para o educando que supostamente ignora tudo. “Nesta distorcida visão de educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros” (FREIRE, 2010, p. 67). No modelo bancário de educação, educador e educandos deixam de realizar sua vocação, pois não há desenvolvimento de consciência crítica, o que o torna interessante para a manutenção de um sistema de opressão, já que não aponta para o seu questionamento, e sim para a adaptação de homens e mulheres à situação dada. Olhando para a repercussão destas ideias no contexto latino-americano, trazemos o comunicador argentino-uruguaio Mario Kaplún3, que ao descrever os diferentes modelos de comunicação em Una pegagogía de la comunicación, vale-se das descrições de Freire: Así como existe una educación «bancaria», existe una comunicación «bancaria». (…) El emisor es el educador que habla frente a un educando que debe escucharlo pasivamente. O es el comunicador que «sabe» emitiendo su mensaje (su artículo periodístico, su programa de radio, su impreso, su vídeo, etc.) desde su propia visión, con sus propios contenidos, a un lector (u oyente o espectador) que «no sabe» y al que no se le reconoce otro papel que el de receptor de la información. Su modo de comunicación es, pues, el MONÓLOGO. (KAPLÚN, 1998 p. 25) Kaplún coloca que, para teóricos e pesquisadores latinoamericanos, os meios de comunicação de massa, tal como operam hoje, não são meios de comunicação de fato, mas meios de difusão ou informação. E aprofunda sua crítica, ressaltando que não basta defender o diálogo sem viver de fato a dialogicidade na prática da comunicação popular: En la medida en que sigamos asumiendo el clásico papel de emisores, (…) en la medida en que sigamos depositando informaciones e ideas ya «digeridas» en la mente de nuestros destinatarios, por liberadores y progresistas que sean los contenidos de nuestros mensajes, continuaremos siendo tributarios de una comunicación autoritaria, vertical, unidireccional. (KAPLÚN, 1998 p. 27) Poderíamos destacar diversos outros pontos de conexão entre os pensamentos de Kaplún ou outros intelectuais latino-americanos considerados referências para a educomunicação com o pensamento de Freire, mas vamos ficar nestes exemplos. Importante é colocar que tais concepções fundamentam práticas e reflexões na educomunicação, construindo uma metodologia 3 Mario Kaplún, precursor da comunicação popular e educativa nos países latino-americanos como forma de resistência civil e libertação, assim como Freire, é considerado uma referência de alta importância para educomunicadores, tendo sido o primeiro a utilizar o termo educomunicação na década de 80.
  • 37. 36 em que os participantes se reconhecem como geradores de conteúdos, como sujeitos de um processo de formação que envolve a construção coletiva, a pesquisa, e a formulação de argumentos. Esta inversão, da posição de recipiente para a posição de produtor e comunicador de conteúdos reflete em uma série de efeitos que passam pela superação da consciência ingênua, pela luta pelo exercício do direito à comunicação e consequente valorização da cidadania e apontam para a construção da autonomia entre os sujeitos envolvidos. Educomunicação como prática e pesquisa Cabe fazer uma descrição de como funcionam os grupos que se formam no âmbito deste campo de fazer e saber que é a educomunicação. Conforme escrevemos acima, a educomunica- ção vale-se dos meios de comunicação em suas práticas educativas. A proposição da produção coletiva de comunicação é o motor de todo processo. Um grupo de educandos e um moderador reúnem-se em torno do desafio de produzir alguma peça de comunicação – fanzine, programa de rádio, vídeo, blog, jornal, fotonovela ou outro. Tema da peça, duração, características estéticas e forma de divulgação são questões discutidas e definidas por todos, democraticamente. O papel do(a) mediador(a) ou educador é fazer a orientação técnica para a produção funcionar4, lançar as poucas e necessárias perguntas visando o andamento democrático na tomada de decisões e a criticidade nos diálogos do grupo. Os(as) participantes se auto-anunciam para assumir as funções na produção. Durante todo o processo, participantes e educador(a) estão em constante atitude de investigação e avaliação, buscando informações necessárias para o desenvolvimento do projeto, aprendendo a defender suas opiniões, a ouvir atentamente o outro, a perguntar e refletir com o outro e se auto-avaliar dentro do coletivo. O processo de construção é o que importa, sendo que o produto pode ou não ser concluído. Durante o processo, o tema, que tendo sido escolhido pelo grupo, na maioria das vezes faz parte da realidade dos participantes ou os toca de alguma forma, é debatido em profundidade, até que se chegue a uma visão que contemple as distintas percepções presentes no grupo. Desta forma, estes grupos de trabalho em que se debate linguagem e questões relaciona- das à realidade vivida pelo grupo, são espaços em que dialogicamente homens e mulheres, (ou meninos e meninas) ensinam e aprendem em comunhão. A forma autoritária de educação, com transferência de conhecimento de professor(a) para alunos(as), passa ao largo da prática, e a 4 Podemos chamar esta ação de “alfabetização” na linguagem adotada (gráfica, audiovisual, musical, ou outra).
  • 38. 37 produção de conhecimento pelos sujeitos envolvidos, está no campo da invenção e da criatividade, que são potencialmente transformadoras. Deste espaço de diálogo e criação emergem leituras críticas e novas hipóteses de leitura do mundo. Considerações finais e não conclusivas A partir das colocações feitas neste trabalho, evidencia-se a presença dos aportes de Paulo Freire nas práticas e pesquisas no campo da educomunicação. Consideramos importante que se reconheça o quanto sua referência vem apontando caminhos para educadores e educadores de hoje, inseridos(as) no contexto da sociedade da informação. Parece-nos importante que educadores e educadoras, conhecendo as ideias de Freire, reflitam sobre seu papel e posicionamento pedagógico e político diante da interferência dos meios de comunicação de massas na formação de valores, considerando que as mídias por si só não são capazes de deseducar ou educar, mas a depender do uso que delas se faça, podem tanto reafirmar preconceitos e pressupostos de opressão, como auxiliar em processos de comunicação e formação de homens e mulheres sujeitos de sua história. Referências ______. Comunicação ou extensão? 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1967. KAPLÚN, M. Una pedagogía de la comunicación. Madrid: Ediciones de la Torre, 1998.
  • 39. 38 DIÁLOGO, COMUNICAÇÃO E COMUNHÃO: CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA O FAZER PESQUISA COM MULHERES QUE EXERCEM PROSTITUIÇÃO Fabiana Rodrigues de Sousa fabianalhp@yahoo.com.br Agência de fomento: FAPESP RESUMO Neste artigo, discorro sobre as contribuições da obra de Paulo Freire para o fazer pesquisa junto a mulheres que exercem prostituição. Teço comentários sobre conceitos postulados pelo autor - diálogo, comunicação e comunhão – procurando analisar como os mesmos favorecem o desenvolvimento da comunicação entre pesquisadores que investigam práticas sociais e os sujeitos participantes de pesquisa possibilitando a intersubjetividade. As reflexões, aqui, apresentadas foram formuladas a partir do desenvolvimento de pesquisa de doutorado em educação, na qual investiguei saberes de experiência consolidados nas relações estabelecidas por prostitutas que prestam serviços sexuais em casas noturnas de São Carlos/SP. Palavras-chave: Diálogo – Paulo Freire - Prostituição ABSTRACT In this article, i talk about the contributions of the work of Paulo Freire to do research with women engaged in prostitution. I discourse about concepts postulated by the author and analyze how they promote the development of communication between researchers investigating social practices and subject research participants enabling the intersubjectivity. The reflections here presented were made from the development of doctoral research in education with intent of to investigate knowledge of experience consolidated in the relationships established by prostitutes providing sexual services in nightclubs in São Carlos / SP. Keywords: Dialogue. Paulo Freire. Prostitution. Existem distintas formas de exercer e compreender a prática da prostituição, por isso pesquisadoras destacam a relevância de que a mesma seja analisada a partir de sua pluralidade (AGUSTÍN, 2005, RAGO, 1991, SOUSA, 2007). Essa pluralidade não se refere apenas à diversidade de serviços, pessoas e locais que a atividade engloba, mas também as distintas realidades vivenciadas pelas pessoas que se ocupam dessa prática. A fim de especificar alguns vocábulos utilizados nesse artigo, ressalto que o termo prostituição será empregado para aludir à prestação voluntária de serviços sexuais por parte de mulheres adultas que oferecem os chamados “programas” aos clientes, mediante negociação prévia acerca de preço, tempo e
  • 40. 39 modalidade de serviço a ser prestado. Como sinônimo de prostituição, emprego o termo trabalho sexual, tendo em vista que as participantes da referida pesquisa assim denominam sua prática, já que a compreendem como estratégia de inserção socioeconômica e, portanto, como forma de trabalho. O meu convívio com prostitutas teve início por meio do desenvolvimento de uma atividade de extensão, nos anos de 2002 e 2003, na qual realizava encontros semanais em casas noturnas da cidade de São Carlos a fim de debater a temática dos direitos humanos com mulheres que prestavam serviços sexuais nesses estabelecimentos. Nos encontros, debatíamos documentos e notícias que abordavam os direitos humanos e conversávamos sobre a realidade vivenciada por prostitutas nos contextos de exercício do trabalho sexual. A convivência com essas mulheres descortinou a dimensão educativa que também caracteriza a prática da prostituição, à medida que elas narravam suas histórias, seus modos de ser e estar no mundo e sua maneira própria de interpretar a realidade. Surge dessa experiência a motivação para investigar processos educativos na prática da prostituição. Durante desenvolvimento de pesquisas de mestrado investiguei processos educativos consolidados nas relações entre prostitutas e seus clientes e, ao longo de pesquisa de doutorado, tenho investigado saberes de experiência consolidados na prática da prostituição buscando analisar como tais saberes são empregados por essas mulheres no processo de significarem a si e a sua prática. Objetivo, com essas investigações, desvelar experiências vivenciadas por prostitutas que têm sido impelidas à invisibilidade1 pela ordem hegemônica, procurando dessa forma transformar ausências em presenças tal como nos fala Santos (2008), ao discorrer sobre a sociologia das ausências. Destarte corroboro a assertiva de Amaral e Souza (2009, p. 100), os quais ressaltam que pesquisadores voltados a investigar processos educativos e práticas sociais buscam desmitificar a invisibilidade de grupos impelidos à marginalização social, por isso o fazer pesquisa em práticas sociais “se realiza por diálogos respeitosos com grupos e/ou comunidades colocadas à margem da sociedade. Desvelam-se nesses diálogos os processos educativos por meio dos quais seus indivíduos significam, ordenam e realizam criativamente sua expressividade cultural.” 1 Invisibilidade é atributo dos invisíveis, isto é, mulheres e homens oprimidos pelo desrespeito à sua relevância histórica, social ou cultural a quem é negada a possibilidade de reconhecimento de sua identidade fora de seus grupos e comunidades de origem (AMARAL; SOUZA, 2009).
  • 41. 40 No interior do grupo e linha de pesquisa “Práticas Sociais e Processos Educativos” do Programa de Pós-graduação em Educação da UFSCar, o diálogo também se desenvolve entre pesquisadores iniciantes e pesquisadores mais experientes caracterizando uma comunidade de trabalho2, os quais realizam trabalhos e estudos no campo da educação. Com base nas contribuições do educador Paulo Freire (1970, 1975), o diálogo é compreendido, nessa comunidade de trabalho, como o encontro de seres humanos que tendo ciência de seu inacabamento visam a pronunciar e a transformar o mundo. Ao compreender que a realidade social é fruto das ações humanas e que, portanto, pode condicioná-lo, mas não determiná-lo, o ser humano pode engajar-se na busca pela transformação da realidade que lhe oprime. Influenciado pela leitura de Jaspers, Freire (1975, p. 107) afirma que o diálogo configura- se como “relação horizontal de A com B” que “nasce de uma matriz crítica e gera criticidade”. Segundo o autor, a diálogo “nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica”. O diálogo é, portanto, o indispensável caminho”, diz Jaspers, “não somente nas questões vitais para nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do nosso ser. Somente pela virtude da crença, contudo, tem o diálogo estímulo e significação: pela crença de que somente chego a ser eu mesmo quando os demais também cheguem a ser eles mesmos (FREIRE, 1975, p. 108). Compreendo, assim, que o diálogo não se constitui em mera conversa ou técnica que permite a transmissão de conhecimentos (científico ou experiencial) de A para B. Em sua obra intitulada Extensão ou Comunicação, Freire (1977) ressalta que o diálogo não visa a estender algo (conhecimentos ou técnicas) a alguém, mas sim promover a comunicação entre os seres humanos, uma vez que o que se pretende com o diálogo “é a problematização do próprio conhecimento em sua indiscutível reação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-la, transformá-la (p. 52).” O diálogo é, portanto, uma forma de comunicação que visa a problematizar os mitos disseminados pelos opressores com intenção de negar a humanização de certos grupos sociais, dificultando, dessa forma, a organização dos oprimidos e seu engajamento na busca por Ser mais3 e pela transformação da realidade. Comunicação diverge da extensão, isto é, da ação de 2 Uma comunidade científica de trabalho se constitui em torno de objetivos comuns que ultrapassam a ordem pessoal, os quais se situam e enraízam em compromisso com a construção de uma sociedade justa e pautada na igualdade de direitos (SILVA e ARAÚJO-OLIVERA, 2004, p. 2). 3 O termo refere-se à inconclusão do ser humano e sua vocação ontológica de buscar permanentemente sua humanização (FREIRE, 1970).
  • 42. 41 estender/transmitir algo a alguém o que caracteriza a prática da educação bancária e se efetiva por meio da invasão cultural4. Pelo contrário, a comunicação se pauta no diálogo, na disposição para estar com o outro, conhecer sua realidade e suas formas de ser e estar no mundo que são elementos essenciais para a co-laboração (FREIRE, 1970, 1977). Na co-laboração, os sujeitos dialógicos significam a si e ao mundo, ao passo que problematizam a realidade e criam novas respostas para solucionar os desafios percebidos, como bem destaca Ernani Fiori: O dinamismo significante deste mundo comum (...) não é intencionalidade da consciência pura: é práxis transformadora. Significar existencialmente o mundo, num comportamento corpóreo, equivale a construí-lo. Sua elaboração, em intersubjetividade, é colaboração (FIORI, 1986, p. 5). A intersubjetividade é compreendida como a comunicação das consciências que se encontram mediatizadas pelo mundo. Para Fiori (1986, p. 9) “a elaboração do mundo só é cultura e humanização, se intersubjetiva as consciências”, ou seja, se postula a colaboração-participação na construção de um mundo comum por meio da comunicação das consciências. Nesse sentido, o diálogo e a comunicação das consciências (intersubjetividade) são elementos essenciais na busca pela libertação, pois conforme nos alerta Freire (1970, p. 36) a superação da contradição opressores-oprimidos “traz ao mundo este homem novo não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se” em comunhão com os outros. Corroborando essa compreensão, Oliveira (2009, p. 319) afirma que o “outro não é a incidência passiva do meu pensar” e que, portanto, o “o trabalho em comunhão não é um trabalho “sobre o outro”, ou “sem” o outro, ou “para” o outro”, mas configura-se como um fazer “com” o outro. Para nós - pesquisadores que investigam práticas sociais – comunhão é compreendida como a disponibilidade para estar com o outro no fazer pesquisa, isto é, buscar apreender as visões de mundo dos sujeitos participantes da pesquisa, compreender a lógica que empregam para fazer sua leitura da realidade buscando conhecer suas formas de ser/estar/atuar no mundo. Por meio do diálogo, comunicação e comunhão com prostitutas participantes da pesquisa, observei que seus modos de perceber e significar a prostituição são influenciados pela forma como atribuem sentido às experiências vivenciadas na noite5 e se modificam em função dos objetivos que essas mulheres se propõem ao longo do exercício dessa atividade. Nesse processo 4 Ação de penetrar em contexto alheio com intenção de impor sua visão de mundo (FREIRE, 1977). 5 Termo empregado pelas prostitutas para aludir a contextos de prestação de serviços sexuais .
  • 43. 42 de significação, elas lançam mão de saberes consolidados por meio do contato sensível com o mundo, pois no exercício da prostituição as prostitutas aprendem ao observar o comportamento dos clientes, funcionários e demais prostitutas, ao escutar os discursos proferidos no salão e nos quartos, ao ler os gestos e ao interpretar os silêncios, ao conversar com os clientes e demais pessoas que convivem nas casas noturnas, ao vivenciar distintas práticas sexuais, etc. Considero, ainda, que o convívio e o estabelecimento de amizade com prostitutas certamente modifica a visão preconceituosa, comumente, associada à figura da prostituta e disseminada em diferentes meios de comunicação e estudos científicos. No desenvolvimento dessa investigação foi possível problematizar alguns mitos associados a essas mulheres tais como “elas não têm querer e são obrigadas a sair com qualquer tipo de cliente”, “são mulheres encrenqueiras, competitivas e brigam muito entre si”, “não ligam para seus familiares”, dentre outros. Observei que essas mulheres, em sua maioria, possuem filhos e vínculos familiares com quem convivem e, frequentemente, enviam parte dos recursos financeiros que angariam no trabalho sexual para custear despesas de filhos e outros parentes. Vi também que, ao menos no contexto da prestação de serviços sexuais em casas noturnas da cidade, essas mulheres não são obrigadas a fazer programa com todos os clientes que solicitam seus serviços, podendo recusar- se a atender o cliente. Também foi possível relativizar a noção de competitividade entre as prostitutas, pois embora exista certa disputa por clientes ou por melhores quartos na casa noturna e, por vezes, até mesmo por quem possui o corpo mais bonito, quem faz o melhor show ou quem dança melhor, vimos que as relações entre essas mulheres, nem sempre, são marcadas pela competição. Há também muita solidariedade e camaradagem entre elas, as prostitutas costumam trocar informações sobre casas noturnas e cidades que apresentam boas condições para exercer o trabalho sexual, conversam sobre o perfil da clientela e as características de pessoas proprietárias de boates, dentre outras. Dessa forma elas estabelecem uma rede permanente de comunicação – efetivada por contatos telefônicos ou na internet – na qual além de trocar informações para garantir sua segurança e melhores condições de trabalho, também conversam sobre suas vidas, suas famílias, criam vínculos de amizade e combinam atividades de lazer. Termino o artigo ressaltando que o desenvolvimento de investigação com base na dialogicidade, na intersubjetividade e na comunhão com os sujeitos participantes da pesquisa favorece o questionamento de ações antidialógicas (como disseminação de mitos e estereótipos, negação de direitos, manipulação, etc) que impelem alguns grupos à marginalização e