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ru{oaçÁo UNIVERSTDADE
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Timoúy Marti" r*lirlT
Vice-Reitor
Edgar Nobuo Mamiya
EDITORA
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Diretor
Henryk Siewierski
Diretor-Executiuo
Alexandre Lima
Conselho Editorial
Beatriz de Freitas Salles,
Dione Oliveira Moura, Henryk Siewierski, Jader Soares
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Serra da Silva, Paulo César Coelho Abrantes, fucardo Silveira
Bernardes, Suzete Venturelli
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§-Á*§ ãNtS. ZNN B
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Greg Garrard
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Tiaduç,áo
Vera Ribeiro
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Equ.ipe editorial
Rejane cle Meneses . Superuistio editorial
Sonja Cavaicanti. Preparaçáo de originah e reuisáo
.Eugênio Feiix Braga . Editoração etetrônica
Elmano R. Pinhejro e Luiz A. Rosa fubeiro . Acompanhamento gráfco
Formatos Design. Capa
Título original : Ec omiti cism
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poderá ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio
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Ficha caralográfica elaborada pela
Biblioteca Central da Universidacle cle Brasília
Garrard, Greg
Ecocrítiõa / Greg Garrarcl ; tradução de Vera Ribei-
ro
-
BrasíLia : Editora Universidade de Brasflia, 2006.
292p.
ISBN 85-230-0886-1
1. Teoria liter:íria. 2. Uterah:ra inglesa - história e crítica.
3. Literatura antericana - históna e qrítica. L Título.
Para F{olly
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AGRADECNN{ENIT'OS
Meu primeiríssimo agradecimento vai para todos os meus
esplêndidos e inusitados familiares, por seu apoio e incentivo, es-
pecialmente durante os longos anos de esru,lo do doutorado. Especi-
ficamente, mamáe e papai apressaraÍn-se a ajudar quando aAcadernia
Britânica hesitou em fornecer verbas, Papai despertou. rneu inreres-
se. para questóes ambientais e me proporcionou alguém com quem
discutir, e Fliss panilhou minha obsessáo com a jardinagem e rne
mandou livros de Michael Pollan, a fim de lhe conferir peso inte-
lectual. E teúo a bênçáo de contar com irmáos e irmás brilhantes.
Jon Bate foi um orientador exemplar e sugeriu meu nomrj
à Routledge para esta série. Sou profundamente greto pelas con-
seqüências práticas da confiança que ele ,lepositou em mim, rais
como ter um emprego que amo irrestritarnente. Entre meus rnui-
tos colegas excelentes do Bath Spa University College, Richard
Kerridge deu-me o benefício de sua inteligência e seu discerni-
mento, em muitas discussóes longas, tacey Hill procurou salvar-
me de mim mesmo, e Paul Edwards apoiou minhas pesquisas e
teceu comentários sobre uma versáo inici,al. Além disso, aprendi
muito com nossos alunos, especialmente c,s de Escrita e Crise Ârn-
biental, Textos de Leitura e Utopias. Ern particular, John Gasirin
leu e comentou um manuscrito inicial. Á. faculdade também me
proporcionou uma dispensa vital das ati'ridades de ensino. Fora
c{e Bath, os membros da Associaçío para o Estudo de Literatura e
do 14eio Ambiente (ASLE) foram para mim uma fonte de inspi-
raçâo, especialmente N4olly Testling e Terry Gifford.
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SUNIARNC
Agradecimentos, 9
1. Os primórdios: poiuiçáo, 1n
2. Posturas, 52
3. Pastoral, 54
4. Mundo natural, E8
5. Apocalipse, 123
6. Habitaçáo da terua, X.5à
7. Animais, X.92
8. Futuros: aTerta,225
Glossário, 255
Leitura adicional, 258
Referências, 260
Índice,27g
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10 Greg Garrard
John Drakakis foi Llm editor extremamente rigoroso e
d.esafiador, cujos debates comigo sobre as yersóes sucessivas aper-
feiçoaram enormemente o resultado final' Liz Thompson foi pa-
ciente e ofereceu-me.seu apoio, mesmo quando o manllscrito se
atrasou para seu noYo Prazo de entrega, revisto e já atrasado, e fez
um trabalho crucial de ediçáo.
No círculo mais íntimo, devo muito amor e gratidáo a Ca-
roline, que leu quase todos os manuscritos e ofereceu comentáJios
inteiectuais e estilísticos de valor inestimável. A discussáo sobre o
sublime feminino, no Capítulo 3, deve-se especificamente a ela.
Agradeço também, embora eles nunca venham a saber disso, a
Bryn, Hamish e P'ars'ley, cujas solicitaçóes eParentemente inin-
terruptas de aiimento, passeios e brincadeiras proporcionaram um
contraponto irônico à redaçáo do capítulo sobre os "Animais".
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Ngre soin-E A TERMiNoLoGiA
Embora seja usual, nos textos acadêmicos, fazer referência
a "nativos norte-americanos" e náo a "índios norte-americanos",
usei indistintamente as duas expressóes neste livro. Nenhuma de-
las é plenamente satisfatôra., e é meu entendimento que muitos
norte-americanos nativos preferem a expressáo tradicional'
CS PRINIORDtrOS: []On UIÇAO
Há uma concordância geral de qu.e o ambientalismo mo-
derno começou com "IJma fábula para o amanhd', no livro de
Rachel Carson intitulado Silent Spring' lPrimavera silenciosa]
(1962). O conto de fadas de Carson corneça pelas palavras "Era
uma yez uma cidade no coraçáo da América, onde todas as for-
mas de vida pareciam conviver em harmonia com o ambiente"
e, invocando a antiga tradiçáo da pastoral, pinta em seguida
um quadro de "fazendas prósperas", 'lcampos verdejantes", ra.-
posas regougando nas colinas, cervos silenciosos, samambaias
e flores silvestres, "pássaros incontáveis" e trutas em corrent€s
de águas frias e cristalinas, todos deleita.ndo quem passava pela
cidade (1999, p.2l). Concentrando-se em imagens de beleza
natural e enfatizando a "harmonia" que "um dia" existiu entre
a humanidade e a natvÍeza,-a fábula no{; apresenta, a principio,
um quadro de imutabilidade essencial, <1ue a atividade humana
mal chega a perturbar e que a ronda anual das estaçóes ape-
nas reforça. Todavia, essa paz bucólica dlá Lugar, tapidamente, a
uma destruiçáo catastróâca:
Entáo, uma estranha praga infiltrou-se pela regiáo e tudo
começou a mudar. Um feitiço caiu sobre a comunidade:
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72 GregGarrard
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moléstias misteriosas varretam os galinheiros; o gado e as
ovelhas adoeceram e mot'reram. Por toda parte pairava a
sombra da morte.
Nos parágrafos seguintes, cada elemento do idílio rural
é destroçado por a-lgum âgente de mudança, cujo mistério é
enfatizado pelo uso da terminologia natural e sobrenatural da
"moléstia" e do "feitiço". O trecho mais apaixonado diz respei-
to à destruiçáo das populaçóes c{e aves: "Nas manhás que antes
haviam pulsado com o coro alvorejante de tordos, sabiás, pom-
bos, gaios, cambaxirras e centenas de olltras vozes de pássaros,
agora náo se ouvia nenhum som; apenas o silêncio cobria os
campos, os bosques e os brejos" (1999, p. 22). A "primavera
silenciosa' do título aluc{e, num nível, a essa perda do canto dos
pássaros, embora venha também a funcionar como sinédoque
cte um apocalipse mais geral do ambiente.
Assim, o texto fundador do ambientalismo moderno náo
só começa com uma parábola decididamente poética, como
apóia-se também nos gêneros literários da pastoral e do apoca-
lipse, formas preexistentes de imaginar o lugar do ser humano
na natureza qlre remontam â origens como o Gênesis e o Apo-
calipse, primeiro e último livros da Bíblia. Silent Spring sugere,
de início, que a ecocatástrofe mítica da fábula pode ser sobre-
natural, e frisa isso pela inclusáo de um epigrama do poema de
Keats, "La Belle Dame Sans Merci", no qual o poder mágico
de uma bela mulher empesta o ambiente: "Murcharam os câr-
riços do lago/E nem um só pássaro canta". Mas depois a fábula
conclui: "Nenhuma bruxaria, nenhurna açáo inimiga silenciou
o renascimento da nova vida nesse mundo abalado. Foram as
próprias pessoas clue o fizeram". O resto do livro procura provar
que tal apocalipse já vinha ocorrendo, de forma fragmentada,
por toda a América, de modo que a destruiçáo que recairia sobre
essa mítica cidade do futuro podia ser visra como um cornpósito
Ecocrítica
de tragéclias rnenores, já conheciclas e cientificâmente validadas
em 7962.
Os verdadeiros culpados, segundo Carson, eram os no-
vos pesticiclas orgânicos, como o DDT, a aldrina e a clielclrina,
introduzidos depois da Segunda Guerra Mundial e que já se
haviam provado altamente eficazes no controle de insetos cau-
sadores de pragas. Silerut Spring reuniu um conjunto impressio-
nânte de dados científicos para mostrar que esse mesmo sucesso
constituía urn;l grar,e âmeaça à vida selvagem e à saírde hurna-
na, confrontando as aârmaçóes utópicas dos cientistas agrícolas
em seu próprio terÍeno. Desde entáo, as aÊrmaçóes científicas
de Carson forram preclominantemente confirmadas (embora
ainda náo haja provas de que o DDT é prejudicial aos .seres
humanos), o que levou a uma consciência popular crescente da
poluiçáo causa.da pelos pesticidas, a uma regulamentaçáo mais
firme por parte do Estado e ao desenvolvimento de substâncias
químicas agrícolas menos persistentes.
Afirmaçóes ambientalistas como essas fazem contribui-
çóes cruciais para a política e a cultura modernas, e muitos de
nós respondemos a elas, até certo ponto; para o estudioso clas
humanidades, porém, elas podem ser difíceis de avaliar em.seus
próprios termos. O mundo acadêmico tem-se organizado em
"disciplinas" ci.entíficas relativamente autônomas, e os proble-
mas científicos parecem exigir mestria científica. Náo obsranre,
é bem possível que as estratégias retóricas, o uso da pastoral e
de imagens apocalípticas e as alusóes literárias com que Carson
molda seu material científico sejam passíveis de uma análise
mais "literária" ou "cultural". É
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.rm análise que chamaremos
"ecocrítica". Es;te livro é uma introduçáo crítica ao campo da
ecocrítica atual.
Examine.mos, portanto, algumas definiçóes provisórias
do assunto. A primeira delas vem da "Introd.uçáo" de 7he Eco-
criticism Read.er (1996), uma imporranre anrologia da ecocríti-
ca norte-âmeri«:ana:
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14 GregGarrerd
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O que é ecoqír.ica-, entáo? Dito em termos simples, a eco-
' crítica é o estudo da relaçáo entre a literatura e o ambiente
fÍsico. Assim como a ctíticafeminista examina a lÍngua e a
- iiteratura de um ponto de vista consciente dos gêneros, e a
crítica marxista ÍÍaz paÍa sua interpretaçáo dos textos uma
consciência dos modos de produçáo e das classes econômi-
cas, a ecocrítica adota uma abordagem dos estudos literários
centrada naTerra (GLOTFELTY, 1996, p. xix).
Glotfelty passa entáo a explicitar algumas perguntas forrnula-
das pelos ecocríticos, que váo desde "Como é representada a
natureza nesse soneto?", passando por "Como se modificou o
conceito de mundo natural ao longo do tempo?", até "Como se
abre a própria ciência à análise literária?" e, por fim, "Qual é a
fecundaçáo crtzadapossÍvel entre os estudos literários e o dis-
curso ambientalista em disciplinas correlatas, como a história,
a filosofia, a psicanálise, a história da arte e a ética?"
' A ecocrítica, portanto, é uma modalidade de análise
confessadamente pofítica, como sugere a comparaçáo com o
feminismo e com o marxismo. Os ecocríticos costumam vin-
cular explicitâmente suas análises culturais a um projeto rnoral
e político "verde". Nesse aspecto, ela se relaciona de perto com
desdobramentos de orientaçáo ambientalista na âlosofia e na
teoria política. Desenvolvendo as percepçóes de movimentos
críticos anteriotes, os ecofeministas, os ecologistas sociais e os
defensores da justiça ambiental buscam uma síntese das preo-
cupaçóes ambientais e sociais.
Vale também assinalar que as perguntas formuladas pela
ecocrítica, na exposiçáo de Giotfelry seguem uma trajetória
clara: a primeira pergunta, por exemplo, é muito estreita e li-
terária, tendendo a favorecer o estudioso da poesia românti-
ca. Por isso, dois dos mais importantes trabalhos de ecocrítica
na década de 1990 foram estudos sobre
-Wordsworth
e Shelley
Ecocrítica 15
(BATE, 1991; KROEBER, 1994). O alcance das perguntas
amplia-se com â continuaçáo da lista, com várias das íJtirnas
deias sugerindo estudos interdisciplina:res gargantuescos, como
Landscape and Memory, de Simon Schama (1995).
A definiçáo de fuchard Kerridge, em Writing the Enui-
rlnment (1998), texto eminenremenre britânico, sugere, como
a de Giotfelry uma ecocrítica cultural ampla:
C ecocrítico aimeja rasrrear as idéias e as representaçóes
ambiettalistas onde quer que elas apareçam, enxergar co.m
mais clareza um debate que parece vir ocorrendo, amiú-
: de parcialmente encoberro, em inúmeros espaços cukurais.
Mais do que tudo, a ecocrítica procura avaliar os textos e as
idéias em rermos de sua coerência e utilidade como respos-
tas à crise ambiental (1998, p. 5).
Teremos rnoiiro. para questi onaÍ a concepçáo monolítica de
"crise ambiental" implícita nesse treÇho e talvez para resistir à
avaliaçáo dos "rextos e idéias" por um padráo ecológico apa-
rentemente seguÍo: como ciência e corno movimento sociopo-
líticq, a própria "ecologia" é instável e contestada. Entretanto,
a ênfase na orientaçáo moral e política do ecocrítico e a ampla
especificaçáo do campo de estudo sáo essenciais.
Do ponto de vista do mundo acadêmico, a ecocrítica é
dominada pela Associaçio para o Estudo de Literatura e clo
Meio Ambiente (ASLE),r uma entidzlde profissional surgicla
nos Estados Unidos que hoje tem importantes filiais no Rei-
no Unido e no Japáo. Ela organiza conferências sistemáticas
e publica um periódico que traz análise literária, rextos de flc-
çáo e artigos sobre educaçáo e ativismo ambientais. Muitos
I sigla de Association for the study of Literature and úe Environment (N. da T.).
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16 GregGarrard
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dos primeiros trabalhos de ecocrítica se caracterizaram por um
i.rt.r..r. exclusivo na poesia romântica, nas oarrativas sobre
o mundã nâtural e nos escritos sobre , ,râir,r.rr, mas, nos úl-
timos anos, a ASLF, tem-se voltado para uma ecocrÍtica mais
geral dacultura, com estudos sobre textos científicos populares,
ai.r.*r, televisáo, arte, arquitetura e outros artefatos culturais,
tais como parques temáticos, zooiógicos e centÍos comerciais
lshoppírugl. À medicla que os ecocríticos procuram oferecer um
discurso verdadeiramente transformador, qLre nos permita ana-
lisar e criticar o mundo em que viveinos, dá-se cada vez mais
atençáo à ampla gama de processos e produtos culturais nos
quais e por meio dos quais ocof,rem as complexas negociaçóes
entre a natureza e a cultura. Aliás, a definiçáo mais ampla do
objeto da ecôcrítica é a de estudo da relaçáo entre o humano
e o náo-humâno, ao longo de toda a história culturai humana
e acarretândo uma análise crítica do próprio termo "humano".
Este livro refetirá essas tendências, abrindo espaço para a eco-
crítica iiterária e a cuitural. Nesse ponto, porém, cabe fazer
uma ressalva: ele versará principalmente sobre a literatura e a
cultura britânicas e norte-arnericanas, embora os printípios da
eêocrítica ,dmitn*, é claro, uma aplicaçáo mais geral.
A ecocrítica singulariza:se, entre as teorias literárias e cul-
turais contemporâneas, por sua estreita relaçáo com a cj.Qncia da
ç*ç_glggia. Os ecocríticos podem náo estar habilitados , .oãt.i--
bui. para debates sobre problemas de ecologia, porém, mesmo
assim, d.evem transgredir os limites disciplinares e desenvolver,
tanto quanto possível, sua própria "capacitaçáo ecológica'. Por
isso, ofereço discussóes sucintas de algumas ameaças ambien-
tais hoje enfrentadas pelo mundo. Examiná-las em detalhe está
fora do alcance deste livro, mas é essencial que os ecocríticos
reconheçam que há discussóes sérias sobre a existência dos
problemas, sua extensáo, a natureza das ameaças e suas possí-
veis soluçóes. Assim, no Capítulo 5, por exemplo, consiclero o
problema da "superpopulaçáo" do ponto de vista demográfico,
anres de passar à explicaçáo cle como esse problema
refratado pela retórica apocalíptica.
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Talvez pareça óbvio qlie os problemas ecológicos sáo
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problemas científicgs,,e náo objetos da análise cultural. Aliás, (
quando silent spring foi publicado, a indírstria agroquímicà}e- (
agiu, critican,Jo o livro por rurl gullidrcles-l]terárias, as quais, I
seglldo eta deixou mF;liciío,ãíà podir* cóãxistir com o'riqor ,
i*cjentífico aprypriado. Náo estaríamos r..rpiirl".rdo
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,ganda pubiicada pelos produrores de pesticid"as, se lêssemos o
livro cle carson usando insrrumenros da crítica literária? John
(
Passmore propiôs uma distinçáo que talvez ajude a lidar com (
esse problemaL. Os 'iproblemas de ecologia,, sustenra ele, sáo (
questóes propriamente científicas, a serem resolvidas peia for- (
mulaçáo e verificaçáo de hipóteses em experimenros..àlógi.or,
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ao passo que os "problemas ecológicos,' são
,,aspectos
de nosra
sociedade provenientes de nossas maneiras de liàar com a naru-
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reza, dos quais gostaríamos de nos livrar e que náo vemos cofilo (
conseqüências inevitáveis do que há de bom nesra socied.ad.e,, (
(1974, p.44). Descrever algo como um problema ecológico é 1
fazer uma afi,naçáo normariva sobre como gostaríamo, {,r. r, (
coisas fossem, e, embora isso provenha das afirmaçóes dos cien-
tistas ecológicrls, náo é definido por eres. uma "erva daninha,
(
náo é urna espécie de planta, mas apenas a espécie errada no (
lugar erraclo. Eliminar ervas daninhri é, obriaÁ.rrr., um "pro- (
blema de jard:inagenl", mas defini-las, em primeiro lugrr, ,.- (
:-"-.,1 :r:r,,"nálise
cultural, e náo horticultural. Similarmente, a ("poluiçáo" é urn problema ecológico, porque náo designa uma (
substância ou uma classe de substâncias, mas represenra uma
afirmaçáo norrnariva implícita de que há um.*..Jro d.
"rg.,m,
(
coisa presente no ambiente, em geral no lugar errado. Cãrron J
1ev;
de investigar um probtrema da ecologiã, com a ajuda de (
biólogos de animais selvagens e toxicólogos ambientais, para (
mostÍar que o DDT se encontÍava no ambiente em qurrrridr- (
des tóxicas pâr:l os animais selvagens; Silem Spring,.n^,r.r*rr,o,
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18 Greg Garrard
empreendell um trâbalho cultural, e náo cientÍfico, quando se
esforÇou por defender a tese moral de que. náo deue ser assiln.
' O grande feito do livro foi transformar um problema (cientíÊ-
, co) da ecologia nl]m problema ecológico amplamente percebi-
do, que foi entáo contestado nos planos político e jurídico, nos
. meiop_ de cgplnigaçáo e na cultura pgpubl Portanto, a ecocrí-
tica náo pode dar uma grande contribuiçáo aos debates sobre
problemas de ecologia, mas pode ajudar a definir, a examinar e
até a resolver problemas ecológicos nesse sentido mais amplo.
Uma forma "ecocrítica" de ler é encarar as contribuiçóes
para o debate ambientalistâ como exemplos de retórica. Já suge-
ri que Carson udliza imagens pastoris e uma retórica apocalíp-
tica, e voltarei â esses temas, porém há muitas outras aplicaçóes
da análise retórica formal. Por exemplo, Ralph l-utts tentou
explicar o impacto de Silent Spring chamando atençáo paru a
analogia subjacente, utilizada por Carson, entÍe a poluiçáo por
pesticidas e um outro tipo de poluiçáo que ela marcante na
consciência popular em L962:
Ela soou o alarme sobre um tipo de poluiçáo que era invi-
sívei para os sentidos, podia ser transportada a grandes dis-
tâncias, talvez globalmente, podia acumular-se nos tecidos
corporais com o passar do tempo, podia produzir envenena-
mento crônico e agudo e podia resultar em câncer, defeitos
congênitos e mutaçóes genéticas passíveis de só se tornarem
evidentes após anos ou décadas de ocorrência da exposiçáo.
As autoridades governamentais, também afirmou ela, náo
estavam tomando as providências necessárias para controlar
essa poluiçáo . p.o..g., o público. Os pesticidas,químicos
náo eram a única forma de poiuiçáo que se enquadrava nessa
descriçáo. IJma outra forma, muito mais coúecida do públi-
co da época, era a precipitaçáo radioativa (2000, p. 19).
Ecocrírica 19
Portanto, carson combinou antigas ma,eiras de irnaginar a na-
ilrÍeza com formas contemporâneas de imagina, uÀ" ameaça
derivada da "hisreria da precipitaçáo raclioa,íi', .ro intuito de
estabelecer afirmaçóes normativas específicas sobre a poluiçáo.
A análise rerórica detalhada mosrra que silent spriig foi um
rexro consrruído para atingir certos iesultados polítlcos, ná,
âpenas as medidas concretas descritas no último capítulo, mas
também uma revisáo sutil do próprio conceito de "ioiuiçáo,,.
Ler Silem Spring como retórica rerr certas yantagens para
uma prática crítica abertamenre politizada, algumas ã", qrr"i,
foram enunciadas pelo crítico marxisra.Terry úgleton,
r
O que seria específico do tipo de estud.o que tenho em men_
te [...] seriam os tipos de efeitosproduzidos pelos discursos e
o modo como esres os produzem. Ler um texto de zoologia
para saber sobre as girafas faz parrc do estudo d" roologio,
mas iê-lo para yer como seu discurso se estrutura e se o[-
ganiza, e examinar os ripos de e.Feiros que essas formas e
recursos produzem em determinados leitores, em situacóes
reais, é um projero diferente. Tra.ra_se, na verdade, do que
é, provavelmenre, a mais antiga forma de crítica literária do
mundo, conhecida como retórica (1996, p 205).
t.
I -.-,
ilt"l4s-19l-?-qElt!.{t-c-o-Eo rÇ!óri9a, em!o1a,44o 4o .sen:
rido estriro entendido pelos retórlcos, mas_ romo a p_r_oduçáo,
-la*r.Aii-.
"
,rrr,rfor-"fao de megjf-"t* ;", iü.;J;.Laoa captrulo meu examinará uma dessas _.iaforij, àõnsl_
derada como rendo efeitos poríticos específicos
-
.i"a" q,,.
ambivalentes, às vezes
-
ou .o,., ua.,rdendo a d.r.r*ir,"ào,
interesses sociais. Algumas, como a
,,pastoral,,,
,ao ,ropãí:iru_
rários estabelecidos, enquânro outras design"- rr,ati#'àái,
heterogêneos, que podern ser provisoriamente unificados sob
f,i:
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i].
irl:
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20 GregGa-rrar<l
_
um único título. ÍJmavezque, em cefto sentido, todas sáo rna-
neiras de imaginar, interPretar ou aPresentar a natuleza numa
figurr, chamaiei meus tíillos de capítuios de "tropos"' Cada
tÃpo reunirá permutaçóes da imaginaçáo criativa: metáfora,
gênero, nârrativâ, imagem. Esta introduçáo explora o troPo da
;poluiçáo", à guisa de exemplo. A base sobre a qual se define e
deiimita cada tropo é elaborada em cada capítulo, com a res-
salva constante de !lue) como os ecocríticos gostam de dizer, "o
mapa náo é o terreno". Minha tropologia náo é definitiva nern
exaLlstiva; tenciona ser facilitadora, e náo limitante.
r A análise retórica sugere que o significado dos tropos tem
estreita relaçáo com seu contexto social mais amplo. Logo, eles
náo sáo entidades fixas, mas se desenvolvem e se modificam his-
toricamente. "Poluiçáo", por exemplo, deriva áo latim polluere,
I q*. significa "corromper", e seu uso primitivo na língua ingle-
i sa reflete sua origem teológico-moral: até o século XVI.I, esse
I termo denotava a contâminaçáo morai de uma pessoâ, ou atos
(como a masturbaçáo) tidos como promotores dessa contami-
naçáo. Essa definiçáo, essenciaimente interna ou subjetiva, foi
aos poucos transformada. numa definiçáo externa or-r objetiva
- na verdade, especificamente ambiental
-
entÍe os séculos
XVII e XIX, a tal ponto que, hoje em clia, apenas sua definiçáo
mais recente é cle conhecimento geral. Esse processo é exemplar,
por destacar o modo como as pessoas tiveram que aprender a
detestar seus detritos, bem como por indicar as raízes culturais
profundas do medo ligado a essas emissóes imorais. A maioria
dos tropos deste iivro tem suas origens ântigas levantadas, antes
de eu examinar sua inflexáo moderna.
A prirneira citaçáo do senticlo moderno de "poluiçáo" no
Oxford English Dictionary foi retirada de Da profciência e do
Progressl do saber diuino e /lumano, de Francis Eacon (1605),
um texto fundador da moderna metodologia científica: "O Sol
[...J p"tt, pelas poluiçóes e manrém a si mesmo puro como an-
test'. Nesse trecho, Bacon parece escrever sobre um fenôrrr-eno
(
Ecocrítica
(-
r
(
{
material, e náo moral, o que constituiu uma mudança crucial 1
de significado e o próprio nascimento de uma nova maneira d^
ver e de pensar. No entanto, um texto fundamentl a. nirtOril
(
da ecocrítica, Tbe Death of Nature [A morte da natureza], d. (
Carolyn Merchant (1980), atribuiu a Bacon um papei axial (
na construçáo de uma visáo de mundo destrutiva em terrnos (
ambientais, na qual "a imagem de um cosmos orgânico, ten- {
do em seu centro uma Terra viva feminina, deu lugar a uma
I
visáo de mundo mecanicista em qu.e a natureza foi reconstitr.r-
ída como morta e passiva, a ser áominada e controlacla p.los
(
seres humanc,s" (1990,p.xvi). Assim, o tropo cla "poluiçáo" (
está historicarnente implicado na destruiçáo e na salvaçáo do t
meio ambiente, uma vez que Bacon "descobriu" a poluiçáo no 1
sentido moderno e, de acordo com Merchant, contribuiu para (
[he dar muito mais imporrância. Pela perspecriva ecocrírica,
isso reflete o papel ambivalente da ciência como produtora de
(
riscos ambientais e como analista crítica desses me.smos riscos. (
Todos os tropos examinados neste livro mosrram um pouco (
dessa arnbivaltincia. (
Outra característica crucial da retórica é que se presurne ;
que os tropos façam parte de lutas sociais mais amplas entre
gên.ror, .l"ss., . grrpã, étnicos. As culturas náo sáo ig.,nlrrr.rr-
(
te moldadas P,or tod.os os seus participantes, nem ,r*pou." (
as muitas culturas mundiais sáo igualmente poderosas, e deve- , (
mos estar cientes de que até tropos potencialmente capazes de ; r
confrontar ou subverter práticas nocivas para o meio ambiente : (
podem ser aplrpriados. Assim, embora o mundo natural possa (
dar a impressáo de constituir um baiuarte conrra uma visáo de
rnundo e uma ordem social industrializadas e materialmente
(
progressistas, alguns componentes dessa ordem, como os fabri- (
cantes cle veícu.los utiiitários esportivos com traçáo nas quatro (
rodas, mesmo assim têm conseguido apropriar-se da natureza (
inculta, enÍ) sua propaganda, como o "lar natural" de seus pio- (
dutos (ver CAMPBELL, 1998). IJma vez qLre esses veículos (
t
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'22 GregGarrard

prâricemente requerem seu PróPrio Poço de petróleo PaÍa ali-
menrar seus mototes gigântescos, â ironiâ .dessa justaposiçáo
talvez nos sugira que o "mundo natural" tem uma funçáo ideo-
lógica nesse caso, ajudando a legitimar o consumo ostensivo de
uma classe e de unia naçáo privilegiadas.
No uso comum) "retórica" sugere uma linguagem que
vem substituir a verdade literal: é tudo "conversa fiada". O sen-
ddo pretendido neste livro, entretânto, interessa enfaticamente
pelo significado literai. Este-seria um ponto desprezível, náo
fossem as importantes tendências, na teoria literária e cultural,
que parecem marginalizar o papel da verdade literal na litera-
tura e na cultura e até na própria ciência. O estruturalismo e o
pós-estruturalismo, por exemplo, frisaram a funçáo lingüística
dos signos, que se relacionam uns com os outros, em vez de se
referirem a coisas reais. Alguns desdobramentos noutras áre-
as reforçaram essa separaçáo entre a linguagem e a realidade;
os teóricos literários pós-coloniais e feministâs têm mostrado
que cetegorias aparentemente reais ou "naturais", como a raça
e o sexo, entendem-se melhor como "constructos sociais" que,
disfarçadamente, fazem afirmaçóes normâtivas, por exempfo,
s-obre como as mulheres devem ser, em lugar de como as mu-
lheres de fato ou necessariamente sáo. Os críticos feministas
estabeleceram uma distinçáo entre o sexo, que é uma categoria
biológica, e o gênero, que é um construcro social, e mosrrârâm
que uma visáo de mundo e uma ordem social centradas no ho-
mem tentaram legitimar constructos rnlltáveis de gênero, refe-
rindo-os a uma identidade sexual "nâtural" supostemente fixa.
A "feminilidade" náo é, segundo muitos teóricos feministas,
uma conseqiiência natural ou necessária do ser geneticamen-
te "mulher", e sim um conjunto de comportamentos cultu-
ralmente prescritos. Essa tese desvincula o sexo feminino, em
sua maior parte, ou rotalmente, de uma identidade de gênero
feminino "construída", que só vive na linguagem e nâ cultura.
Embora essa estratégia proporcione às mulheres maneiras de
Ecocrítica 23
escapaÍ de estereótipos repressivos, ela também rePresenta uma
acentuada prioúzaçâo das afirmaçóes cla cultura em relaçáo às
da natureza.
O "consttucionismo" é uma ferramenta poderosa da aná'
lise cultural e, na verdade, baseei-me rLele, há Pouco, em meu
exame da construçáo da "poluiçáo". Mas ele de fato sugere que
"natureza" nunca é senáo uma caPâ pera os interesses de algum
grupo social. O desafio dos ecocríticos t3stá em manter um olho
,roa arr"dos como â "natlÍezi' é sempre culturalmente construí-
da, em certos asPectos, e o outro no fato de que ela realmente
existe, tanto como objeto quanto, aincla que de forma distante,
como origem de nosso discurso, Lawrence Buell chama isso cie
"mito do consttucionismo recíproco: do meio físico (natural e
construído peio homem) que molda ern certa medida as cultu-
ras, as quais, em certa medida, remolclam-no continuamente"
(2001, p. 6). A imprecisáo da expressáo "em certa medidi' éin-
teiramente necessária, uma vez que essas redes de "moldagem"
recíproca da natureza e da cultura estáo fadadas a ser complexas
ante o oihar atento' Ao longo deste livr'c' o objetivo é equilibrar
uma persPectivâ construcionista com as reivindicaçóes privi-
legiadas de verdade literal feitas pela ecologia' Os ecocríticos
continuem desconfiados da idéia da ciência como totalmente
objetiva e isenta de valores, mas acham-se na posiçáo inusitada,
como críticos culturais, de terem de se curvar, em últim a anaTi'
se, â uma compreensáo científica do m,undo.
A frase de Buell certamente é precisa e útil, mas parte do
problema está na própria metáfora da "construçáo", que, mes-
mo em sua versáo tevista, sugere um artefato, corno um pré-
dio ou uma máquina, umâ obra autônoma de mentes e máos.
Duvido que muitos leitores imaginem automaticamente Llmâ
construçáo natural, como urn cupinzeiro. Mas, se qualquer
prédio ou máquina, por mais avançada que seja slrâ tecnologia,
tem de ser feito por animais evoluídos (Homo sapiens) a partiÍ
de materiais de origem natural, de acordo com as "leis" naturais
24 GregGarrard
da física mecânica, deduz-se daí que todas as nossas enaltecidas
construçóes culturais sáo, em ceÍto sentido, construçóes natll-
rais. Talvez a meráfora arquitetônica obscurêça ou mistifique a
base natural de toda a cultura humana e enalteça âpenas nossas
próprias aptidóes como espécie. As implicaçóes excessivamenre
culturalistas de "construçáo" náo sáo fáceis de evitar mediante
uma substituiçáo dos termos, mas tendo a usar "moldagem",
"elaboraçáo" olr "inflexã.o" para descrever as transformaçóes e
as negociaçóes complexas entre a natureza e a cultura, ou entre
versóes reais e imaginárias dairatureza.
Voltando à poluiçáo, com isso em menre, podemos obser-
var qlre a história retórica desse termo se alinhou muito de perto
com as reivindicaçóes de verdade d"os ecologistas e dos toxicólogos
ambientalistas. As técnicas de análise química desenvolverarn-se a
tal ponto que é possível detectar quantidacles inimaginavelmente
pequenas de substâncias químicas no meio ambiente:
Ao lidar com relatórios, políticas ou normas ambientais,
devemos s€mpre ter errtr mente que o que hoje é zero jâ nãto
será zero amanhá. Já passamos da mediçáo de microgramas,
na década de 1950, para a cte picogramas, nas décadas de
1980 e 1990. [...] Ao mesmo rempo, devemos rer em mente
que náo há relaçáo entre os efeitos tóxicos e nossa capa-
cidade de derectar uma substância química. As pequenas
quantidades só têm importância quando realmente afetam
os organismos vivos (BAÂRSCHERS, 1996, p. 46-47).
Baarschers é sumamente crítico da "histeria" ambienta-
lista que cerca a presenÇa, no meio ambiente, de quantidades
de substâncias químicas muito abaixo dos níveis de toxicidade
observável. Sua frustraçáo com a equivocaçáo e a ignorância
generalizadas a respeito da ciência ambiental é ra,zoavel, daclo
que as pessoas comumente aceitam os riscos altíssimos impli-
I
cados no tabargismo, digamos, enquanrô exigem
"
.li*i.r"çao t
de riscos infinitesimais, associados a recnologias geradôras de I
muita ansieda<le. Os grupos,de pressáo ambientalistas também (
poclem promover uma paranóia ignorante, ern vez de uma c: '
ii., b.- info.nada (ver capítulo 5).
Lc' crrr v€z o,c uma crl- (
Ao mesmo rempo, Baarschers náo explica a possibilidacle
(
de que a ansiedade popular seja, precisamenre, uma resposra
(
âo grau e à ext.ensáo de vigilância ambiental que ele descreve. (
Em vez de simpiesmente sepârar o "risco real", tal como defi- (
nido pelos toxicólogos, do "risco percebido", tal como senrido {
pelo público, ,: depois criticar as pessoas por náo confiarern
I
nos especialistars, deveríamos yer os riscos percebidos, parado-
xalmente, como uma conseqüência da vigilância cada vez mais (
sofisticada. Qu.anro maior a precisáo com que o especialista (
mede os riscos, maior a disjunçáo entre as estimativas oficiais (
dos riscos e qualquer avaliaçáo laica que se possa conceber, ba- t
seada na experiência pessoal, processo de alienaçáo este que o r
sociólogo Ulrich Beck descreve como "expropriaçáo dos sen-
tidos" (tgg9, p.55). Além d.isso, os."megarrlr.or" nucleares,
(
biológicos e químicos solapam os garantidores rradicionais da (
segurançâ industrial, como o seguro privado, a indenizaçáo e a (
regulaçáo estatal de riscos mensuráveis e calculáveis, exaramenre (
na medida em que a ameaça revelada pela vigilância ambiental (
cai abaixo do ponto de determinabilidade estatística. por nós
mesmos, náo somos capazes de avaliar os riscos, e os cientistas
{
da segurança industrial, na verclade, rornam os riscos m€nos (
cognoscíveis e rnais assustadores quanto mais os minimizan-1, (
O resultado, afirma Beck, é que as próprias afirmaçóes cie segr-r- (
rança produzidas pelas indúsrrias com megarriscos produzern (
insegurança poF,ular. A reconstruçáo da "poluiçáo" por Carson, ,
tanto_ incluindo quantidades diminuras àe pestici,l", q.r"rrto
^grande poluiçáo observável da produçáo inÀustrial tr.ái.i"n.tr, (
foi a continuaçíio de um processo histórico de definiçáo que (
(
(
Ecocrítica

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ili
26 Gre1Garrard

prossegue na cuitura contemPorânea. A proliferaçáo de tipos
e fontes de "poluiçáo" significa que a luz artificial e o barulho
podem ,gor, ,., considerados poluentes e que o dióxido de
carbono pode ser definido como poluente climatológico, em-
bora ocorra em vasias quantidades na natureza. A tentativa de
Baarschers de racionalizar e minimizar essa ampiiaçáo condnua
náo pode haver-se com a cultura política e midiática iluminada
pela análise construcionista de Beck.
Essa generalizaçâo e, do. ponto de vista sensorial comum,
essa desmaterieJizaçâo da poluiçáo têm ramifrcaçóes importantes
em nossa cultura, constituindo uma "sociedade mundial de risco"
com ameaças materiais impalpáveis e ubíquas, as quais, na prá-
tica, sáo comumente indissociáveis de su.as elaboraçóes culturais.
A "poluiçáo" infiitrou-se em nossâ cultura em muitas áreas e em
vários níveis de representaçáo, desde a preocupaçáo ambientalis-
ta implícita da poesia de Sylvia Plath (BRAIN, 1998) até filmes
ambientalistas explícitos de suspense, como o "suspense verde"
hollpvoodiano Em terrenl seluagem2 (1994) (KERzuDGE, 2000;
INGRAIV{, 2000). Buell enunciou quatro critérios desse "dis-
curso tóxico" como gênero cultural: uma "mitografia de'édens
tiaídos" (2001, p.37), baseada, como a parábola de Carson cira-
da há pouco, na pastoral; imagens apavoradas e "totalizantes de
um mundo que náo tem como se refugiar da penetraçáo tóxica"
(p. 38), muito provavelmente baseadas no medo do miasma ra-
dioativo prorreniente das armas nucleares, medo este caracterís-
tico do pós-guerra; "a ameaça da opressáo hegemônica" (p. 4t)
oriunda de empresas ou governos poderosos, em contraste com
as comunidades ameaçadas; e a"goticizaçâo" da imundície e da
poluiçáo, que é característica das exposiçóes formais ambientalis-
tas, Esses critérios, ao lado da genealogia da "poluiçáo" exposta
acima, permitem a idendficaçáo de um rropo ecocrítico moder-
no e vital em textos góticos da miséria, rais como Hard Times
Ecoctír.ic,t 27
fTêmpos dificeis], de Dickens (1954), dramas sobre disputas ju_
rídicas ligadas ao meio ambiente, como o frlme Erin Biorhoirrh
(2000), e a exploraçáo da contaminaçá<t do local e da família,
como em Refage fRefi,rgio], de Terry Tempest rVilliams (199i).
Andrew Ross identifica Nova York como o cenário tóxico perfeito
de Hollywood: "Do outro lado da autoridade enconüa-.. .ro.,
cidade onde pr,rlulam os perigos biológic.s. com certeza, nenhu-
ma ourra cidade já teve um bestiário táo fantástico de residentes
históricos
-
de jacarés a refierugas-ninia
-
nos túneis de seu
sistema de esgotos" (1994, p. 135).
Entretarito, no mundo pós-moderno da saturaçáo mi-
diática, o rropo moderno da "poluiçáo" pode ficar perigosa-
menre separado de seu referente, de um ou vários modoi q,r*
Baarschers nâo reconheceria. Em Ruído branco, de Don úe_
Lillo (1986),3 o protagonist4 e narrador Jack Gladney luta para
se haver com a proximidade de um inesperado "evenro tóiico
trazido pelo ar":
i A fumaça era carregada dos rubro,s fachos de luz para a es_
r curidáo e, depois, para a largueza de panorâmicos irolofo_
i tes brancos. Os homens de terno de Mylex moviam-se com..
i cautela lunar. Cad.a passo era o exercí.io d. ,r*o
".rg,ir,ioI náo prevista pelo insrinto. O fogo e a explosáo náo eram os
perigog-i-p1.rínsecos ali. Essa morte penetraria nos gerres, se-
ria eisudad.?-neles, apareceria em corpos ainda náo nascidos
(1986; p. t 16).t' -'r,-', -"r-t.-: r'í;r'i
1.,",,
-,.o-"
Sob certo aspecto, isso parece conÍirmar a tese de Beck de
que a angústia causada pelo risco náo poc[e ser aliviada ou sequeÍ-
' túlr.,d. ."
""tl
com traduçáo de paulo Henriques Britto, sáo paulo: companhia
das Letras, 1987 (N. daT.).
2
Título original On Dead.ly Ground, Êlme dirigido por Sreven Seagal (N. daT.).
I
I
I
tii:,Í'.l:'
iii;
i;;' 2A GreiGarrard
li,:
;i, 
; abordada pelo "insrinro", pois a própria ausência de uma amea-
ll,, Ç definida torna-a ainda mais difusa. Mesmo assim, a narrativa
,' arforça-se por carlctetzar o "evento" em termos de outras nar-
rativas preexistentes, como a "conquista do espaço", com suas
imagens espetaculaies e suas marcas registradas militar-inclus-
triais. A poluiçáo tornou-se um espetáculo quase desvinculado
de qualquer sentimento real de âmeaça, graças à ubiqüidade
dessas imagens: "A nuvem parecia uma promoçáo nacional da
morre, uma campanha multirnilionária respaldada por anún-
cios radiofônicos, grandes manchetes e cartazes e saturaçáo na
1'y" (p. 158). As pessoas que vivem perto da fonte de emissáo
confiam na mídia para defini-la: a princípio, "uma pluma leve",
depois "uma negra nuvem inflada' e, por fim, "o evento tóxico
mazido pelo ar". Invertendo a prioridade da realidade sobre a
representaçáo, defendida por Baarschers, os sintomas das ví-
timas mudam conforme a atualizaçáo dos relatórios de risco
fornecidos pela mídia. A desproporçáo radical entre a saturaçáo
de imagens e a escassez de dados factuais ctestaca o evento tóxico
como o tipo cte crise pós-moclerna com que a ecocrítica tem de se
bater cada vez mais. O ambientalismo e a ecocrítica produzem e
dependem exatamente do dpo de reivindicaçóes universalizado-
ras da verdade, ou "grandes narrativas/metanarrativas", que pós-
modernistas como Jean Baudrillarc{ consicleram insustentáveis.
Como argumentâ o historiador Peter Coares,
Segundo uma lógica pós-modernista universalmente desa-
bonadora, a crençâ na exi.stência de uma crise ambiental
global é apenas mais uma metanarrativa, pois a teoria da
cultura insiste em que as ameaças ambientais (como todo o
resto) sáo socialmente consrruídas e culturalmenre defini"
das: náo existem ameaças universais compartiiha.i"s
-
ori
diferentes grupos priviiegiam aquelas com que seus inreres-,
ses particulares se confrontarn (1998, p. 185-186).

(
Ecocrítica {
(
Náo obstanre, os apelos a reivindicaçóes cientí6.r, de
(
verclade, como contraposiçáo ao pós-mod.ernismo, sáo compli-
(
cados pelo fato de que a própria ciência da ecologia vem so- (
frendo transformaçóes. Idéias longamente acalentadas sobre a (
harmonia intrinseca da natureza sáo questionadas pela ecologia (
pós-moderna, como exposto no Capítulo 3. Precisamos distin- (
guir entre a teoria pós-modernista, que é predominanremenre
àr.rr, à ecocrítica, e a ecologia pós-modárrrr, qr. se tornará
|
cadavez mais seu ponro de referência científico. (
Portanro, sáo essas as proposiçóes básicas deste iivro: os (
problemas ambientais requerem uma análise em rermos cul- í
turais e cientíÍicos porque sáo o resultado da interaçáo enrre I
o conhecimenro ecológico da narureza e sua inflexág;cultur]l;,
,,{Isso implicará estudos interdisciplinares q"i--reeaiám às' aeô-
-',i'i ,
rias literárias e ,sulturais, à filosofià, à sociologia, à psicologi, . à "(. '
história ambiental, bem como à ecologia. O".rt,rio d" ,.ióri.a ,.i
fornece-nos o rnodelo de uma prática de leitura cultural ligada (
a interesses mo.rais e polÍticos, bern como r-rma prática arenta às (
interpretaçóes reais ou literais e às interpretaçóes figuradas ou (
construídas da "natureza" e do "meio ambiente", A decompo- j
siçáo desses conceitos monolíticos em metáfor", .r,rutu."n,.,
básicas, ou rropos, permite presrar atençáo às particularidades (
temáticas, históricas e geográficas do disctrrso ambientalista e (
revela qr-re qualquer rropo ambiental é passível cle apropriaçáo (
e utilizaçáo a serviço de uma variedade de inreresses poiencial- Í
mente conflirarLres. A ecocrítica possibilira urna análise crític
dos tropos qlre enrram em jogo no debate ambie^talis,n., .,'
(
caráter mais provisório, permite plever quais d.eles surtirár: urX
(
efeito desejado r,rum público específico, numa dada conjuntura (
histórica. confi'ontar a aglomeraçáo vasra, complexa e multifa- (
cetada das crises ecológicas com os instrurnentos apâr:entemen- (
te frágeis da análise da cultura deve ser visto pelos ecocríricos (
como uma nece,ssidade moral e política, muito e_mbora os pro_ (
blemas pareçâm perpetuamente apequenar as soluçóes.
(
(
I
I
i
i
r
I
j
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/
i
-l
i
30 CreB Garrard

O próximo câPítulo fornecerá uma breYe descriçáo das
diversas orientaçóes políticas e filosóficas dentro do amplo es-
pectro do ambientalismo, em Parte para deixar claro que ne-
rrh,rr.r* perspectivâ isolacla ou simples une todos os ecocríticos.
Do Capítulo 3 em'diante, a análise será disposta sob os nomes
de tropos ecocríticos imPortantes, começando pela "Pastoral",
o mais profundamente arraigado deles, e concluindo com a
interpretaçáo da "Terra" como um todo unificado. Dentro de
cada capítulo, há um levantamento histórico e, em alguns ca-
sos, geográÊco do tropo, e misturo a discussáo de textos e co-
mentaristas canônicos com um material mais marginal, a fim
de indicar a profundidade e a amplitude que esse campo já
assumiu. Os capítulos seguem mais ou menos uma trajetória
que vai das preocupaçóes tradicionais com o locai para os con-
ceitos contemporâneos do giobal: do lugar para o espaço, da
terra para a Terra. Ao longo do livro, retornarei às implicaçóes
da ecologia pós-moderna para a ecocrítica.
Os Capítulos 3 a 5 examinam uma série interligada de
tropos que devem muito à narrativa judaico-cristá euro-ame-
ricana de uma humanidade decaída e exilada, em busca de
redençáo, mas temerosa de um julgamento apocalíptico
-"Pâstorâl", "N{undo Natural" e 'Apocalip5s"
-,
e avaliam a
significaçáo das formas assumidas poÍ esses tropos no mundo
moderno. O Capítulo 6 compara duas concepçóes muito dis-
tintas de "habitaçáo" na Terra: a tradiçáo "bucólica" européia
de escrever sobre o cultivo da terra e a identificaçáo mais mo-
derna dos estilos de vida indígenas como modelos potenciais de
vida harmoniosa. Discutir essas construçóes ou interpretaçóes
da relaçáo da humanidade com o mundo natural, entretânto,
presume ccmo um fato a distinçáo probiemática entre nossa
espécie e os outros animais. Por isso, o Capítulo 7 examina os
diferentes modos como os animais, selvagens e domésticos, sáo
representados e conceituados. Afirmo que a reconsideraçáo da
idéia do "humano" é uma tarefa fundamental para a ecocrítica,
Ecocrítica 3 i
tendendo a afastá-lada pastoral e dos escritos sobre a narure-
za. pzra preocupaçóes pós-modernas, como a globalizaçâo e as
interfaces de "biônicos" entre os seres humanos e a tecnologia.
No último capítulo, exploro os significados que se têm acu-
mulaclo em torno das imagens extraorclinárias da Terra inteira,
vista do espaço, que váo desde o mercado global âté um supe-
rorganismo precioso.
eá4
(
Ecocrítica ( r
(
poÍ grupos d.e pressáo industriais antiambientalistas. O, ..o- |
,ro*ia", e os d.emógrafos do livre mercado encontrarn-r. .rrar.'
seus mâis eloqüentes defensores intelectuais e argumentam que (
o dinamismo das economias capitalistas gerará soluçóes para os (
probiemas ambientais à meclida que eles surgirem, assim como 1
sustentam qur3 os aumentos popuiacionais acabaráo produzindo
,
a riqueza necessária para bancar o custo das melhorias do meio
ambiente.
''
A principal afirmaçáo positiva formulada pelos .ornuco- í
pianos é que o bem-estar humano, medido por dados estatísticos {
como a expectativa de vida ou a poluiçáo local, tem âumentado I
comprovadaÍr.ente, junto com a populaçáo, corÍI o crescimento (
econômico e conl o progresso tecnológico. Assinalam eles que, a
iongo prazo, , rrrpor,n .i."rra, d. ,..,r-rro, naturais é desmentida
(
pela queda dos preços dos alimentos, dos minerais e das conuno- '
dities e-mrelaçiio aos salários; à meclida qLle um recurso específico í
tornâ-se mais dificil cle obter, seu preço âumenta, levando os (
empresários capitalistas a buscar fontes, processos ou materiais 1
que o subsdtuLam. A descoberta de alternativas leva a uma re- (
cluçáo do preço do materiel original,. como ocorreu na qr-ieda ,
dos preços reais clo cobre, acarretada pela ampia substituiçáo dos
I
Âos de cobre por cabos de fibra óptica. A "escassez", portanto, é (
r-rm fenômeno econômico, náo ecológico, e será remediacla por (
empresários capitalistas, e náo pelas reduçóes do consumo insis- (
tentemente pleiteaclas pelos ambientalistas, 'A verdade é que o t
próprio conceito de recursos naturais é dinâmico; muitas coisas
tornam-se recuÍsos naturais com o correr do tempo. Tod.o sé-
(
culo assiste ao surgimento de novos recursos" (BECKERMAN, {
1995, p.60). tlm número maior de pessoas no planeta significa (
mais cérebros engenhosos, mais máos produtivas, mais consumo (
e, por consegu:inte, maior crescimento econômico. A confiança (
do economiira Julian Simon no "círculo virtuoso" clo cresci- (
mento econôn:Lico e demográfico foi tamanha, que ele propôs
uma aPosta Pel'manente:
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I
POST'URAS
O "ambientalismo" é relativamente novo como movimen-
to social, polírico e filosófico, porém já surgiram algumas ecofilo-
sofias distintas, que parecem ter tanta probabilidade de competir
entre si quânto de se combinar em qualquer síntese revolrrcioná-
ria. Cacla abordagem entende a crise ambiental à sua maneira,
enfatizando aspectos que sáo passíveis de soluçáo nos termos que
ela fornece, ou que arneaçâm valores que ela jLrlga os mais pre-
ciosos, com isso sugerindo uma gama de possibilidades políticas.
AJém disso, cada uma é capaz cLe fornecer a base para uma abor-
dagem ecocrítica distinta, com afinidades e aversóes literárias ou
culturais específicas.
ConNucorjIANxsMo
A clespeito do notável grau de consenso existente entÍe os
cientistas a respeito das ameaças ambientais criadas pela civili-
zaçáo moderna, há quem afirme que a maioria desses perigos, se
náo todos, é ilusória ou exagerada. Essa postura "cornucopiana",
portanto, num senddo importante, nada tem de ambientalista
e, em alguns casos, é financeiramente sustentad,a e disseminada
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J4 GregGarrud
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Escolha (a) qualquer medida do bem-estar humano - a ex-
p€ctativa de vida, o preço do alumínio ou da gasqlina, o grau
de instruçáo por coorte de jovens, a taxa de propriedade de
televisores, o que você quiser; (b) um paÍs (ou uma regiáo,
como os p4íses em desenvolvimento); (c) qualquer ano do fu-
turo, e aposto o salário de uma semane ou de um mês que esse
indicador exibirá uma melhora em relaçáo ao atual, enquÍulto
você aposta que ele exibirá uma deterioraçáo (MYERS;
SIMON, 1994,p.21).
Simon ganhou uma aposta com o ecologista Paul Ehrlich, com
respeito à escassez de recursos minerais medida pelos preços du-
rante a década de i980. Ehrlich, por sua vez, aracou-o por sua
"lavagem cerebral marrom", que descreveu como o uso de uma
ciência espúria pera atacu o ambientalismo (EHRLICH; EHR-
LICH, 1998).
Ao lado das afirmaçóes de uma interminável cornucópia
de riqueza, crescimento e produçáo de commoditrla, Beckerman,
Simon e outros fazem críticas ap "alarmismo" ambientalista,
apontando para as projeçóes incorretas de esfriamento global
e fome mundial feitas por ecologistas na década de 1970, Eles
destacam a reconhecida incerteza, por exemplo, das taxas de ex-
tinçáo de espécies ou dos modelos climáticos globais e, com base
nisso, defendem a inaçáo, ou, na melhor das hipóteses, novas
pesquisas.
Decerto é importante lembrar âs vastes melhorias trazidas
para o bem-estar humano mensurável, embora de forma terri-
velmente desigual, pelo crescimenro econômico e pelo progresso
tecnológico, tanto em países desenvolvidos quanto em desen-
volvimento. O capitalismo mobiliza nos seres humanos uma
capacidade de resoluçáo de problemas que é sensato náo subes-
timar. Entreranto, essa postuÍa sofre de uma grande incoerência:
muitas das melhorias ambientais de que desfrutam es nacóes
.!
l-cocÍtltca ) )
pós-industriais foram obtidas náo só p,:lo deslocamento de in-
dústrias nocivas para países em desenvolvimento, mas também
impulsionadas pela agitaçío política dos ativistas ambientalis-
tas que, atualmente) os cornucopianos dizem estar bloqueando
o progresso econômico e tecnológico. Náo é o capitalismo em si
que produz as soluçóes identificadas pelos cornucopianos, mâs
sim os empresários que respondem a co-nsumidores moralmente
modvâdos e a normas governamentais.
Uma objeçáo mais séria é que os cornucopianos demonstram
pouca ou nenhuma consideraçáo pelo meio ambiente náo humano,
exceto na medida em que ele possa ter uÍt impacto na riqueza ou
no bem-estar humanos. A natureza só é valorizada em termos de sua
utilidade para nós. Muitos ambientalistas afirmam que precisamos
elaborar um sistema de valores que tome como ponto de partida o
valor intrínseco ou inerente da natureza. Essa distinçáo fundamen-
tal evidencia-se no debate enue Simon e o biólogo conservacionista
Norman Myers, de quem fiz uma citaçáo acima-
A-lderENTALrsMo
A variadíssima gama de pessoas interessadas em quesróes
ambientais como o aquecimento global r: a poluiçáo, llue deseja
mânter ou melhorar seu padráo de vida, tal como convencional-
mente definido, e que náo acolheria de bom grado mudanças
sociais radicais será descrita daqui em diante como os "ambien-
taiistas". Muitos deles valorizem os estil«:s de vida rurais, as ca-
minhadas ou a prática de acampar, ou sáo membros de uma
das organizaçóes ambientalistas da corrente dominante, como
o Sierra Club, a Sociedade Audobon de Preservaçáo da Nature-
za, nos Estados Unidos, ou a Real Socie,j.ade para Proteçáo dos
Pássaros e o Conselho para Proteçáo da Inglaterra Rural, no Rei-
no Unido. Eles podem preocupar-se com. a escassez de recursos
naturais ou com a poluiçáo, mas preferem recotrer aos goveÍnos
l' i( GregGarrard

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ou a organizaçóes náo-governâmentais, como as instituiçóes de
caridade, para que eles forneçam soluçóes, em gerai'tecnológi'
cas. Suas esp€ranças de conter o crescimento popuiacional, visto
como um problema sobretudo para os países em desenvolvimen-
to, residem nas caÀpanhas cle planejamento familiar e náo, cliga-
mos, na esterilizaçáo patrocinada pelo Estado. Seu ativismo pode
ir da reciclagem de garrafas e cla compra de alimentos orgânicos
até um grande compromisso côm ativiclades conservacionistas.
Em termos de orientaçáo fiiosó6ca e religiosa, os ambientalistas ain-
da consideram valiosas, em ma-ior ou menor grau, a.lgumas tradiçóes
ocidentais como a democracia liberal, os direitos humanos, o cristia-
nismo e as idéias de progresso histórico ou científico, mesmo à luz
da crise ambiental. Ássim caracterizada, uma parcela substancial das
populaçóes dos países clesenvolvidos poderia figurar como ambien-
talista. Ás pressóes políticas e de consumo exercidas pelos ambienta-
listas sáo responsáveis por muitas melhorias concretas, como a rápida
expansáo da agricultura orgânica nos ultimos 'anos.
O ambientalismo, porranro, é muito difundido e, em cer-
tos aspectos, muito poderoso. Os particlos políticos têm cle enal-
'tecê-lo, pelo menos da boca para fora, e as indírstrias reagem cle
rnaneiras que váo desde modificaçóes dispendiosas de processos
de produçáo até meclides "verdes" meramente cosméticas, desti-
nadas a atrair ou a aplacar os ambientalistas. Ao mesmo tempo,
o ambientalismo, ou o "ambientalismo superficial", como tem
sido charnado, é atacado pelos críticos raclicais, em funçáo de
suas posturas de transigência para com a ordem socioeconômica
dominante. Cada uma das abordagens abaixo acusa os ambienta-
listas de náo abordarem o mal-esrar por elas identificado e supos-
tamente mais fundamental.
Muitos dos mais destacados clefensores científicos da prote-
çáo do meio ambienre, como Rachel Carson, Paul e Anne Eirrlich,
E. O. Vilson e Stephen Schneider, esposam essa posur.a em sua
maior parte, embora, em termos de filosofia e crítica ambiental, o
ambientalismo teúa enconrrado poucos defensores sistemáticos.
Ecocririca
O livro Green Delusions, de Martin Lewis (1994), combina um
araque vigoroso ao ambientalismo radical com um programa
reformista qu,3 enfatiza o papei da ciência, cla tecnologia e da
mudança nas políticas de governo. Opondo-se à abordagem "ar-
câdici' dos ratdicais que advogam a clesurbanizaçáo, o uso de
produtos náo sintéticos e as soluçóes de baixa tecnologia, o am-
bientalismo "prometéico" de Lewis promove o máximo possíve1
de "desvincula,çáo" entre a economia humana e a ecologia natu-
ral, a fim de proteger a naturezâ. Destaca ele que as cidades sáo
náo apenas celltros de vitalidade cultural, como também menos
dispendiosas, e'm termos ambientais, que o alastramento subur-
bano ou a fuga para fora das zonas nrbanas, e afirma que o ca-
pitalismo, guiado por eleitores e consumidores instrr-rídos, pode
oferecer soluçó,es tecnológicas para muiros problemas ligados aos
recursos naturais e à poluiçáo. A abordagem antiinrervencionista
que Lewis atribui ao radicais da ecologia, de estilo "a narure-
za é quem sabe", é inadequada: "Os prometéicos afirmam [...]
que, no futuro previsível, deveremos gerir atiuament€ o planeta,
a fim de asseglrrar a sobrevivência da maior diversidade biológica
possível. Nada menos que isso se faz.necessário, se quisermos
começar a expiar nossos realíssirrios pecados ambientais" (Ig94,
p.251). Lfe on a ilIodern Planet (1995), de fuchard North, ado-
ta uma posture. similar, enunciando um moderaclo "manifesto a
favor clo progresso".
Pode-se rÍizer ciue essa abordagem gerencial tecnocrática jí,,
fracassou, se admitirmos a popularidade prolongada da causa e o
ritmo continuado da destruiçáo ambiental. Ao rnesmo tempo, o
movimento ambientalista da corrente dominante náo apenas tem
o mérito de haver obtido sucessos significativos em questóes espe-
cíficas, como as emissóes de clorofluorcarboneros (CFC) câusa-
doras da reduçáo da camada de ozônio, como também representa
o eleitorado â que os radicais têm de apelar, seja em busca da
conversáo, seja da coalizáo. As organizaçóes radicais bem-sucedi-
das, como o Gr:eenpeace, têm tentado manter sua reputaçáo cle
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38 Greg Carrarci
ativismo radical, enquanto, simultaneamente, PromoYem a reci-
clagem e o "consumo verde"" O futuro cle qualquer d.as posturas
mais raclicais aqui resumidas dependerá, provavelmente, de uma
equilibraçáo semelhante. Além disso, cotÍIo a maioria dos eco-
críticos esposa idéias radicais, também eles tenderáo a procura-r
explorar o ambientalismo entre seus leitores, âo mesmo tempo
secluzindo-os para uma política ou uma filosofia rnais adeqr.raclas
à crise ambiental tal como eles a percebem.
Ecolocm PRoFLJNDA
Dentre as quâtro formas radicais de ambientalismo, a eco-
logia profunda é a mais influente fora dos círculos acadêmicos,
inspirando muitos ativistas em organizaçóes como a Friends of
the Earth [Amigos daTêrra], a Earth First! e a Sea Shepherd. Essa
postura e suas variantes reapareceráo neste livro, na maioria das
vezes, como a perspectiva explícira ou implícita dos ecocríticos, e
alguns cle seus âspectos seráo mais discutidos em vários capítulos.
O "poeta laureado" da ecologia profunda é Gary Snyder (n. 1930,
ver Capítulo 4), e seu glru filosófico é Arne Naess. Este último
lista oito pontos-chave da plataforma da ecologia profunda na
antologia definitiva de George Sessions, Deep Ecologfor the 21',
Centutry 0995). Os cruciais sáo os seguintes:
1. O bem-estar e a prosperidade da vida humana e náo hu-
mana naTerra têm valor em si mesmos (sinônimos:valor
intrínseco, valor inerente). Esses valores independem da
utilidade do mundo náo humano para fins humanos.
4, O florescimento da vida e clas culturas humanas é
compatíve1 com uma populaçáo humana substancial-
irrente menor. A prosperidade da vida náo humana
r€quer uma popuiaçáo humana menor (SESSIONS,
1995, p.68)"
Ecocríric:L J!
o segundo desses ponros refere-se náo apenas aos países
ern clesenvolvimento, mas rambém aos desenvolvidos, .uja. po-
pulaçóes têm um consumo muito maior ?er cã?itã. C, d"ptos
da ecologia profunda defendem a reduçáo populacional a longo
pÍàzo, no munclo inteiro. A combinaçáo letal é a que se dá enire
o rápic{o aumenro populacional dos países em desenvolvimento,,
que exacerba os problemas ambientais associados à pobreza, como
a pressáo pela terra e o desmatamento, c o rápido crescimeprc, ...
econômico dos países'clesenvolvidos, que exacerba os problernas
associados à riqueza, comô a eliminaçáo do lixo dornZstico e as
emissóes de ga§es causadores clo efeito estufa.
Muitos acleptos da ecologia profunda consideram que c
primeiro desses pontos distingue sua posrura do ambientalismo;
enquanto as abordagens "superficiais" têrn uma visáo instrumen-
tal da natureza, defendendo a preservaçáo dos recursos naturaisr
apenas em prol dos seres humanos, a ecologia profunda exige o
reconhecimento do valor intrínseco da narureza. Ela identifica a.
separ:açáo dualista entre os seres humanos e a natureza, promovi-
da pela filosofia e pela cultura ocidertais, como a origem da crise
ambiental, e exige o rerorno a uma'identificaçáo ..roiir,, primá-
ria entre os seres humanos e a ecosfera. A rnudança de um sisterna.
de valores centrado nos seres humanos para outro centrad"o na-
natureza é o cerne do radicaiismo atribuído à ecologia profunda.
o que a leva a se opor à quase totalidade «la filosofia e da religiáo
ocidentais:
A ecologia profunda interessa-se por incentivar uma atitude
igualitária, por parte dos seres humanos, náo apenas para corn
todos os rnernbros da ecosfera, mas até para com todas x enti-
dades ouformas idendficáveis na eco,sfera. Assim, essa posrura.
. pretende estender-se, por exemplo, a enddades (ou formas)
como rios, paisagens e até espécies e sistemas sociais, conside-
rados por eles mesmos (SESSIONS , Igg5, p.270).
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40 GregGarrard
Essa notável impar:ciaiiciade bern poderia esvaziâr a ecolo-
gia profuncla cle qr,ralquer conteítdo 'substantiv<l: se o valor está
ã- tod^ parte, náo está ern pafte algLima, p'rois cleixa de constituir
uma base pârâ o estabelecimento cle distinçóes e a tomada de
decisóes. Náo é o estar viva ou ser senciente que c1r-raliÊcâ1 LIma erl-
tidade ou Llmâ fbrma como algo de valor intrínseco, mas sim, ao
que parece, qualquer tipo de organizaçáo deliberada que se Possa
considerar igualmente encontracla num único pássaro, nunt rio,
nLlma espécie inteira, num ecossistema clistinto oLI nLrm gr:r-rpo ét-
nico. Os debares consideráveis a respeito clo conceito de valor in-
trínseco poclem ser levantados na in{luente revista En'uirounentttl
Ethics, ou numa de diversas antologias (ELLICT; GARL, 1983;
COOPER; PAIIVIER, 1982; ELLIOT, 1995).
Uma grancle e reiterada objeçáo à ecologia profunda é que o
ecocentrisrno é misantrópico, e, com efeito, alguns cle seus defen-
sores, como Dave Foreman e Christopher Manes, fizeram afirrna-
çóes desumanas e mal informadas solrre o controle populacional,
por exernplo. Ao iado dessa ala de "[in[ra c[ura", porém, está a
corrente central "branda", para a qual o ecocentrismo é uma mera
"orientaçáo" em cujo interior sempre hrrverá grancles cliferenças
de opiniáo. Naess, por exemplo, aclmite especiÊcamente que as
necessidacles "vitais" humanirs pociem ter prioridade em relaçáo
ao bem de qualquer outra coisa, com isso eliminando alguns con-
flitos dificeis entre os interesses c{os seres humanos e os interes-
ses de um tigre devorador de homens, ou c1e um bacilo cla peste
bubônica. Na verdade, quanclo se trata clc cluestóes especíÊcas,
os adeptos da ecologia profunda comurrlente reafirmam as priori-
clades convencionais que criticam no ambientaiismo, até porqlre
correm o risco de ser acusados de misantropia, se náo o fizerem.
AIém disso, parece provável qtre qr"ralquer inclivídr"ro interessaclo
tenhâ, provavelmenfe, âtitudes ecocêntricas e antropocêntricas,
em diferentes momenros e em condiçóes diferenres. Ao mesmo
ternpo, é importante distinguir essa"s duas perspectivas da filosofia
dos direitos dos animais clue cleFencle a extensáo cla consideraçáo
Iri,,crrcí.a
,noral conceclicla aos se res irurnanos a alguns manríferc-s superio-
res (ver CapítLLio 7).
A iciéia cle ecocenrrismo proveio de (e rcalimcnrou) sistemas
de clenças correlatos, derivados de religióes orientajs corno o raoís-
mo c o br-rclismo, de liguras heterodoxas do cristialismo, como sáo
Francisco de Assis (1 1 82-1286) e'Ttilhard de Chardin ( I BB i-1 95i),
e de reconstruç:óes rnoclernas de religióes indígenas norre-america-
nas pagás pré-cristás (como a relieiáo 7iccr), xamanísticas e ourras
religióes ditas "primiriyas". Ao iado dessa c]irnensáo fortemente es-
piritualisra, subsiste, às vezes com. certo mal-estar, a ecologia cientí-
6ca da qual o rnovimento retiroLr seu notne. Na verclacle, nenhum
dos ensaios da volumosa antologia d.e Sessions Íbi escrito por um
ecologista, e a "ecologi'i' aparece neles, quando muito, como uma
lor-rvável atividade de fundo, que nllnca precisa.ser dileta-menre c{is-
cutida, mas po«le ser usada, antes, para validar as "inruiçóe.s" exis-
tentes. QLrando a intuiçáo e a ciência enffam em choque, é rípico a
primeira sair ganhanclo, de modo que âs tentatiyas cientificamente
embasadas cle administrar os ecossistemas, por excrnplo, sáo vista.s
comô pa-rte clo "problema". Cs ecologistas po.l.* se,. acus"<los de
sei "antiecológicos", náo porque seus pi:ojeto.s possam aciclental-
rnente cilusar d;rnos, mâs porque a realizaçáo desses projetos cleixa
transpârecer unr:r orientaçáo aclministr'âtiva antropocêntrica, que
discorcla da ver<ladeira promessa ecocêntrica da disciplina. lsa ver-
dacle, algr.rns desdobramentos da ecologia pós-moc{erna pareceriam
minar fata.lmente a ecologia proftrnda, se ela ao menos se d.ispr-lsesse
a aterlter para eies. Seria absurdo que, no Ênal, ;r "ecologia proÍirn-
da' viesse náo só a questionar, mas, a rigor, a contrac{izer a ciência <-ta
ecologia da qual d.eve derivar, em úlrima instância.
EcornuruISNÍo
A ecologia profunda iclentifica o duaiismo anrropocêntrico
humanidacl el natureza cor,Tro a f,nte suprerna das crença.s e práticas
t1 ,
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1i) GregCarrard Ecocritica 43
no sexo bioiógico e mostrarl, ao contrário, qlle o gênero é cui-
tllralmente construído. Uma vez que isso é sempre apiicável, in-
dependentemente de a essênciâ ser construída de forma ne$ativa
ou positiva, o ecofeminismo radical parece apresentar-nos urna
imagem especular de constructos patriarc:ais da feminilidade, a
qual é igualnente limitacla e limitante. Até urna avaliaçáo posi-
tiva da feminiliciade como "rnais próxima da natureza", graças à
biologia feminina ou à experiência social, negligencia a realidade
cle que toclas as distinçóes de gênero que conhecemos foram cons-
truídas em sociedades patriarcais. C essencialismo ecofeminista
radical tem sido'criticad,o, com justa razío, pelas ecofeministas de
orientaçáo filosófica ou sociológica (Y/,A}LREN, 1994; EIF,HL,
l99l), que assinalam que "uma perspectiva realmente feminis-
ta náo pode abraçar acriticamente o femiinino ou o masculino,
[mas] requer uma crítica dos papéis dos gêneros, e essa crítica
deve incluir a masculinidade e a feminilid:tde" (DAMON, 1994,
p. 9). AtualmenteJ essa cbjeçáo parece ter sido aceita pelos ecofe-
ministas em geral.
Se o ecofeminismo radical é questionável ern terrnos de seu
feminismo, ele o é ainda mais em terrnos da ecologia. C desejo de
inverter a prioridade androcêntrica da raz,ío sobre a emoçáo leva
a um anticientificismo mârcante (e.g. KHEEL, 1989; GRtrFFINT,
197 8) . O livro Q,n/Eco logy (197 9), de Mary Daly, faz uma franca
apropriaçáo de uma retóriaa yagamente 'tyerde" a serviço de urn
ataque sentencioso, contírllro e irrestrito ao "mito e linguagem
fálicos" da ciência, em especial a ciência rnédica. Todavia, como
rrrostra a brilhante análise de Val Plumwood, o simples diferen-
ciar homens cle mr-rlheres, seres humanos da natureza, ou a razáo
da emoçáo náo constitui, por si só, um an.tropocentrismo ou um
androcentrismo problemáticos. Ao contrário, o modeio subja-
cente de supremacia compaftilhâdo por e;ssâs formas de opressáo
baseia-se numa diferenciaçáo alienad.a e na negaçáo da depen-
dência: na culrura euro-americana dominante, os seres humanos
antiecológrcas, mas o ecofeminisrno também culpa o dualismo an-
drocêntrico homem/mulher, A primeira distingr+e os seres humanos
da natsreza. com base em alguma supostâ quaiidacle, como a posse
de uma alma imortal ou da racionalidade, e presume enráo que essa
distinçáo confere sr-rperioridac{e aos seres humanos. C segundo clis-
tingue os homens clas rnulheres com base em alguma suposta qua-
lidade, como o tamanho maior do cérebro, e presume entáo que
essa distinçáo confele superioridade aos homens. o ecofeminismo
implica o reconhecimento de que essas duas reses compartilham
uma "lógica da clominaçáo" comum NflARREN, 7994, p. 129),
ou urn "modelo mestre" subjacente, scgundo os quais
,,as
mulheres
têm sido associaclas à natureza, ao rnarerial, ao eÀocional e ao par-
ticular, enquanto os homens sáo associados à cultura,
".
imnt.rid,
ao racional e ao abstrato" (DAWON, 1994, p. 9), e isso deveria
sugerir uma calrsa comuÍn entre as feministas e os ecologistas.
Se as mulheres têm sido associadas à natur.r* . ,. ambas
sáo denegridas em referência uma à ou[ra, talvez valha â pena
atacar a hierarciuia por meio da inversão dos rermos, enaltecenclo
â natureza, a irracionaliclade, a emoçáo e o corpo, humano ou
náo humano, em oposiçáo à cuitura, à razâo e à rnente. Algu_
mas ecofeministas, especialmente as qlle pÍorrovem o "ecofeÃi-
nismo" radical e o culto a deusas, rêm adotado essa abordagem.
Assim, por exemplo, Sharon Doubiago afirma que
,,a
consciãncia
ecológica é a consciê.cia rraclici"rr"i d, mulher,,;
,,as
mulheres
sempre pensâram como as monranhas, para aludir ao paradigma
do pensarnento ecológico de Aldo L..pold. (Nao há nr,lo .oão
"experiência cle ver a própria ba'riga crescer e se transforrlar nurna
montanhapara nos ensinar isso.)" (19g9, p.4L,42). Similarme,_
te, charlene sprernak fundamenta r-rma espécie de espiritualida-
de da mulher na biologia e na aculturaçáo femininas,
icompostas
das verdades do naturalismo e das propensóes holísticas das mu-
theres" (1989, p. l2B-129)
Entretanro, corno já foi sugerido, faz rempo que as femi-
nistas se opóem à aceitaçáo de uma
,,essência
ferninina,, baseada sáo náo apenas distinguidos da natureza, ffrus lplstos a e1a de um
ri:.
Ecocríti ca
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modo que os torna radicalm€nte alienados da natureza e suPerio-
res a ela. Essa polarizaÇáo, ou "hiperseparaçáo", amiúde envol-
ve uma negaçâo da verdadeira relaçáo do termo superior com o
inferior (PLUM7OOD, 1993, p.47'55). Assim, por exemplo,
Plumwood mostra que o filósofo René Descartes (1596-1650)
propôs uma descriçáo influente da diferençâ entre a mente e o
corpo, que se esforçou por eliminar todos os vestígios do corpó-
reo do campo mental da ruzâo. Ele teve de
reinrerpretar a idéia do "pensar", de tal modo que as ativi-
dades mentais que envolvem o corpo, rais como a percepçáo
sensorial, e que parecem superar a divisáo mente/corpo e hu-
mano/animal, se tornassem, ao contrário, por meio de sua
reinterpretaçáo em termos de "consciêncid', puras operaçóes
mentais (1993, p. 115).
Descartes hiperseparou â rrrente e o corpo e negou aos ani-
mais náo apenas a faculdade da razáo, mas toda a gama de sen-
timentos e sensaçóes que havia associado ao pensamento. Como
resultado, passou a ver os animais como radicaimente diferentes
dos seres humanos e inferiores a estes. Eles seriam corpos sem
mentes, verdadeiras máquinas.
A contribuiçáo mais importante de Plumwood é uma
crítica ao dualismo razíolnaturezâ calcado no gênero. Ela o
apresenta como "a forma abrangente mais geral, básica e vincu-
lad.ora" de uma série historicamenre variada de dualismos. Pode
cumprir essa funçáo analítica geral porque a"Íazâo" é convoca-
da, muitas vezes, para hiperseparil os homens das mulheres e
os seres humanos dos animais, e assim pode representar os dois
termos dominantes. Ela náo defende uma rejeiçáo da ciência ou
da ruzáo, mas uma restriçáo das fiiosofias que pretendem polari-
zar a tazío e a naturezâ como opostos, enquanto a "objetividade"
científica decreta que qualquer discurso sobre a intençáo ou o
oropósito na natuteza constitui um antroPomorÊsmo anricien- í
lin... plumwood defende o reconhecimento da semelhança t
e da diferença no continuum ser humano-natureza. Foclemos t
conrinuar a distinguir razâo e emoçáo, homem e mulher, huma- ,'
no e animal, mas sem â obsessáo neuróricâ da tradiçáo fi.losófica ,
da corrente cerntral. Assim fazendo, solapa-se o modelo de su- '
premacia que legitima o antfopomorfismo e o androcentrisxnô
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ir., tnonbé- I LÚivIX/OOD, 2001) t
hrazáo, uma vez resgatada de sua idealizaçáo pela filosofia 1
androcêntrica,.pode reconhecer e respeitar os "outfos da Têrra' i
que náo sáo aÍligidos pela aiienaçáo ultra-racionalista nem pela
assimilaçáoaniÃista:...PrecisamoScomPreendereafirmaraal-
rerid.ade e nossa comunidade na Terra" ipl-UiTAVOOD, 1993,
t
p.137). Essa postura tanto rejeita o dualismo cornucopiano, que I
privilegia acima de tudo o sujeito econômico racional, quanro o {
àcofeminismo simplista e o monismo da ecologia profunda, nos t
quais as aptidóes e as necessidades características da espécie hu-
Ãrrr, ."rr.m . risco de submergir numa ecosfera indiferenciacla ,
e apolítica. InÍêlizmente, porém, mesmo assim ela pode levar à
por,.rr" defendida por Caroline Merchant, em sua infuente críti- {
ca histórica da ciência "mecanicisti' , The Death ofNature [A rnor- ;
te da natureza]: uma recomendaçáo meio piegas de uma ciência (
"holistd' ou "vitaiista", baseada em sua superioridade moral, e 1
l:lü:::3 [Hl ;.mr[Tffi;:T.:Hffi "Ji áiT; 1
raclical, portanrto, continua controvertido.
Oecoferninismo enfatiza a justiça ambiental em gratt rnui- í
to maior que a ecologia profunda. A lógica da dominaçáo está
implícita na discriminaçáo e na opressáo baseadas na raça, na (
orientaçáo sexual e na classe social, bem como na espécie e no (
gênero. Enquanto a antologia Deep Ecology contém ensaios sobre
"homens brancos mortos", como D. H. I-awrence, John Muir
e Henry Thoreau, Ltma recente antoiogia d.e Ecofeminist Literary
t
,Ú r-irc3 G,trr:r,l

Criticitwt fCrítica literária ecofeminista] (GAARD; MURPHY,
1998) inclui trabalhos sobre escritores alemáes orientais, france-
ses, indígenas norte-ameticanos, mexicanos e outros, sobretudo
mâs náo exclusivarnente do sexo feminino. Considera-se que essa
diversidade deriva necessariamente da ecologia, como é aqui de-
fendido por Ynestra King:
IJm ecossistema saudávçl e equilibrado, que inclua habitan-
tes humanos e náo humzrnos, deve maÍlter a diversidade. No
plano ecológico, a simpiilicaçáo ambientai é um problema ráo
importante quanto a poluiçâo arnbiental. A sirnplificaçáo bio-
lógica, isto é, a eliminaçáo de espécies inreiras, corresponde à
redtrçáo da diversidacle humana a trabalhadores sem rosro, ou
à homogeneizaçáo do gosto e da cultura pelos mercaclos dc
consumo de tr-rassa. A vida social e a vida natural sáo iireral-
mente simplificaclas â ponto de chegarem ao inorgânicoi para
conveniência d.a sociedade de mercado. Fortanto, precisamos
de um movimento global descentralizado que se fundamenr€
em interesses comuns, mas que celebre a diversidade e se
- oponha a todas as formas de dominaçáo e vioiência. Poten-
cialmente, o ecofeminismo é um moyimento dessa ordem
(1989, p.20).
Poclemos achar que a diversidade biológica e a diversida-
cle culrural sáo valiosirs e clevern ser defendidas) sem aceitarmos
a transiçáo, feita sem explicaçáo adeqr-Lada, entre csses conceitos
muito diferentes de "diversidade". Nenhuma prova é fornecida
para a visáo similar cle Gaard e Murphy de que "a diversidirde cul-
tural [...] é uma dimensáo que tàvorece a sobrevivência da espécie
humana" (1998, p. 6). Aqul, como em alguns outros trabalhos
ecocríticos, a terminologia da ciência ecológica é simplesmente
apropriada para fins políticos, sem nenhum reconhecimento cla
Êcocririca 47
mudança no uso ou da restriçáo do sentidLo. A-lérn disso, como
mostÍa o capítulo 3, a idéia de "equilíbri,o" dos ecossistema.s é
sumamente problemática no plano científico, e os ecologistas .iá
náo afirmam que â divefsidade biológica esteja necessariamente
ligada à estabilidade.
Claramente, o ecofeminismo radica] funciona como uma
inspiraçáo Para a mudança de vida de mr-iitas Pessoas' mas) colrlo
filosofia c.itica, seu irracionalismo e seu essencialismo sáo graves
limitaçóes. Ecofeministas como Tarren e Plumwood' entretan-
ro, emPregam percepçóes sociais e filosófic'm que conferem a e'§sa
por,.rrn .rln itqf"Ádidade, aicance e rigor muito maiores' Isso
,. ,.fl.,. na importância crescente da crír.ica literária e cuLtural
ecofeministâ no camPo da ecocrítica, bem como nas análises
complexas que os ecáfeministas sabem fazer, por exemplo.'
,dos
prolri.-r, pàp.rlaciorruis, que ultrapassam em muito a capaciclade
ài"grrórti." e prescritiva d.as análises rudimentares dos adeptos cla
..Jloglu profrr,.l, (CUCMO, 1994)' Os ecofeministas tambérn
têm oferecido críticas argutas da globalizaçáo, do livre comércio
e do "desenvolvimento internacional", que vinculam seu projeto
tanto às posturâs politicamente orientadas que se assóciam à eco-
logla soáal . ," ..orr,"rxismo quanto à ecologia profunda' com
suá orientaçáo ética e espiritual (SFIIVA, 1989)'
Ecoloçre socIAI- E ECoMARxISMo
Tal como o ecofeminismo, as Posturas acy-ri discutidas
náo sugerem que os problemas ambientais sejam causados ape-
nm po", atituáes antropocêntricas, mas decorrern de sistemas
de dominaçáo ou exploraçáo de seres humanos por outros se-
res humanos. Concentrando-se nessas relaçóes intra-especíÊ-
cas, elas perpetLlâm, segundo os adeptos da ecologia profunda'
o ,rrrropà.entrismo que deveria ser o alvo de qualquer críticr
centrrd, na Terra. Ao mesrno temPo, os; ecologistas sociais e os
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Greg Garrard
ecomârxistas lamentain o individualismo e o misticismo dissemi-
nado da ecologia profunda, que' no dizer deles, rePresentâm um
retrocesso do pensamento racional e do verdadeiro engajamento
político. A ecologia social e o ecomarxismo sáo explicitamente
políticos e têm origens no pensamento radical do século XIX: no
anarquismo de Mikhail Bal<unin (LBI4-1876) e Fyotr l(ropotkin
(1842-1921) e no comunismo de Karl Marx (1818-1883) e Frie-
drich Engels (1 820-1895).
A ecologia social e o ecomarxismo compartilham com os
economistas cornucopianôs, a quem se opóern diametralmente
no plano político, a percepçáo crucial de que a idéia de "iimites"
ecológicos é uma espécie de mistificaçáo. O medo de se "ulrrapas-
sar" a capâcidade dos sistemas naturais de fornecer recursos e ab-
sorver resíduos impregna a ecologia profunda e o ambientalismo,
porém essa análise obscurece o modo como a escassez é criada por
formas capitalistas de produçáo que dependem da manipulaçáo
da dinâmica de oferta e procuÍa. AIém disso, a tecnologia modifi-
câ essâ dinâmica, tanto por dar origem a novas demandas quanto
por contrabalançar ou exacerbar â escassez, por meio de processos
modificados de extraçáo ou produçáo. Em outras palavras, "escâs-
sfz" náo é um simples fato objetivo do mundo naftrral, mas umâ
funçáo da vontade e dos meios do capital: dos fins que norteiam
a produçáo e das recnologias que a facilitam. Modificando-se a
estrutura política da sociedacle, para que a produçáo clestinada a
atender às necessidades reais substitua a produçáo paÍa a acumu-
laçáo de riqueza, afirma-se, clesaparecerá o problema ecológico
dos limites produzidos pela necessidade estrutura-l de crescimenro
perpétuo que rem o capital. VaJ,e a pena norar que, embora essa
tese seja persuasiva no tocante aos recursos minerais, ela é muito
menos convincente quanclo aplicada a recursos náo substituíveis
e economicarnente invisíveis, como novos lençóis aqüíferos ou
biodiversidade.
Os ecologistas sociais, a maioria dos quais reconhece o
filósofo político Murray tsookchin comíf, seu guru intelectual,
Ecocrítica
compartilhâm com os ecomarxistas uma visão distintiva do lugar
dos seres humanos na natureza. Dizem eles que o monismo eco-
cêntrico recomendado pelos adeptos da ecologia profunda é fa-lso,
pois, embora se suponha que os seres humanos são "parte cla natu-
reza", muitas d.as coisas feitas pelos humanos ainda sáo retratadas
como "antinaturais", com isso reintroduzindo o dua-lismo que eles
tentavam superâ-r. A esse falso monismo se opóe uma perspectiva
dialética que considera a evoluçáo da cultura humana, ou "segun-
cla natureza", a partir da "naturezâ prirnárial', nurn processo contí-
nuo em que cada uma define e transforma â outra:
Mao [...] recoúecia a prioridade de uma natureza "externd'
ou "primárid' que teria dado origem à humanidade. Depois, no
entanto, os seres humanos mabalharam nessa natureza 'primá-
ria'e produziram uma "segunda' natureza: as criaçóes materiais
da soci,edad.e, somadas a suas instituiçóes, idéias e valores. Esse
processo, como frisa Bookchin 1,...1, fu parte de um processo de
evolução naturaldasociedacle (PEPPER, 1993, p. 108).
Os ecomarxistas e os ecologistas sociais, portanto, náo sáo mo-
nistas nem duaiistas. Uma das conseqüências dessa visáo é que
os problemas ambientais náo podem ser claramente divorciados
de coisas mais comumente definiclascomo problemas sociais, tais
como a precaricdade cla habitaçáo ou a falta de água potável. lsso
confere a tais postlrras uma clara afinidade com os movimentos
de justiça ambiental que protestam contra a associaçáo comum
da clegradaçáo ambiental aguda e da poluiçáo com a pobreza.
Alinhando-se com o pensamento mamista tradicional, os
ecomarxistas aflrmam que há um conflito estrutura-l enüe os rra-
balhadores e os donos clos meios de produçáo, no qual esres úi-
timos extraem ir mâis-valia criada pelo trabalho do proletariaclo.
Essa exploraçáo objetiva está no cerne de todas as ourras formas
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de exploraçáo e opressáo, como a6rma Pepper: 'A verdadeira so-
ciedaãe comunisra pós-revolucionária será desprovida.de classes
e, quando houver atingido esse estado, a dirupçáo ambiental, a
erploraçáo econôrnica, a guerÍa e o patriarcado feneceráo, por
náo mais serem necessários" (1993, p. 207-208). Contra essa vi-
sáo de umâ economia planejada com base na necessidade, e náo
na ganância, a ecologia sociai promove uma sociedade descentra-
lizada, de afiliaçóes náo hierárquicas, confessadamente derivada
de uma tradiçáo política anarquista:
Uma unidade fundamental será a clmLtna, uma pequena co-
munidade estreitamente unida, baseada no arrror, naamizade,
em valores compartilhados e no compromisso com uma vida
em comum [...] instituiçóes cooperativas formar-se-áo em
todas as áreas da vida social: associaçóes mutualistas para a
assistência e a educaçáo das crianças, para a produçáo e a dis-
tribuiçáo, para a criaçáo de cultura, para a diversáo e o prazer,
para a reflexáo e a renovaçáo espiritual. A organizaçáo basear-
se-á náo nas demandas de poder, mas na auto-realizaçáo das
.. petsodr corrro seres sociais livres (CLÁRK, 1990, p. 9).
Se os ecomarxistas identificam o conflito de classes como a
questáo política principal, os ecologistas sociais opóem-se às rela-
çóes de poder e hierarquia que, a seu ver, afligem todos os tipos de
sociedades, sejam elas capitalistas ou socialistas de planejamento
central. Em lugar de uma revoluçáo dos trabalhadores, os ecolo-
gistas sociais epregoem estilos de vida exemplares e comunidades
que prefigurem uma transformaçáo social mais geral e que dêem
às pessoas uma prática de convívio sustentável e de democracia
participativa.
O ecomarxismo, atualmente, parece ser uma força mar-
ginal na política verde das naçóes ricas, emborâ seu papel nos
Ecocrítica 51
movimentos de justiça ambiental do Te,rceiro Mundo seja mais
significativo. Entretanto, ele sofre da associaçáo com os horrores
ambientais perpetrados pela antiga Uniáo Soviética e por seuts
sârélites do Leste Europeu. Por outro lado, a ecologia social e o
anarquismo, em linhas mais gerais, parecefir vir experimentanclo
um ressurgimento nos movimentos entiglobalizaçâo e biorregio-
nais. O anarquismo tem â vantagem de náo exigir um esquivo
proletariado revolucionário para a sua realizaçáo e, claramente, é
receptiyo a Lrma gama de movimentos contrâculturais. Náo obs-
tante, os marxistas têm ruzáo de enfatizar o poder e o alcance
penetÍântes do capital global, bem com,o a provável inutilidade
de atos de rebeldia praticados por indiv'íduos ou por pequenos
grupos, frouxamente úliados, contra urn punhado de seuq sírn-
bolos, mas náo contrâ qualquer de suas estruturas essenciais. Ape-
sar dessas cliferenças, no texto que se segue, os adeptos dessas duas
posturas seráo chamados de "ecologistas r;ociais".
E corilo soF rA FIETDEGGERIANA
Embora seja indubitavelmente marginal ao pensâmen-
to político verde, a filosofia de Martin l{eidegger (L889.1976;)
tem inspirado vários ecocríticos. Ela parece impenetrável para o
iniciante, mas alguns críticos afirmam que o pensamento hei-
deggeriano está entre as críticas mais profundas à modernidade
industrial, porque combina uma reverência poérica anre o ser
da Terra com uma desconstruçáo selvagem do projeto de do-
minaçáo do rnundo, negador da rnorte, que somos ensinados zL
chamar de "progresso" (ver FOÍ:IZ, 1995; GARRARD, t99B;
ZIIIMER.MAN, 1990 e 1993).
O ponro de partida de Heidegger é a diferença funda-
mental enrÍe a mera existência material e a revelaçáo do "ser",
ou a "coisice" das coisas. "SeÍ" náo é apenas existir, mas "epare-
cer" ou desvelar-se, o que requer a consciência humana ao*o
"
52 Cre1Garrard
-
espaço ou a "clarei rd' (Lichtung) dentro e por meio da qual ele
se desvela:
t'No fundo, o comum náo é comum: é extraordiná-
rio" (HEIDEGGER, 1993' p. tr79). Mais uma Yez, o problema
do dualismo é menos resolvido do que deslocado, uma vez que
o ser só "é" por meio dessa clareira, e o ser humano, Por sua vez,
realiza-se propriamente no cleixar-ser dos seres em seqt "espaço"
de consciência. A clareira e o que nela se desvela têm necessida-
de mútua um do outro, assim como a Terra provedora de abrigo
fornece as enticlades a partir das quais o ser humano funda urn
mundo: "A pedra náo tem mundo. A planta e o animal também
náo têm mundo, mas pertencem à aglomeraçáo velada de um
meio em que estáo ligados. A camponesa, por outro lado, tem
um mundo, porque habita o desvelamento dos seres" (p. 170).
A relaçáo entre o ser e a clareira, ou a Terra e o mundo, náo
é simples, entretanto, porque a receptividade ou a sintonia entre
eles pode ser mais ou menos responsável, e os sêres podem ou
náo "deixar-se ser" (isto é, clesvelar-se, aparecer, emergir) . For-
tanto, os seres humanos responsáveis têm o dever implícito de
deixar que as coisas se revelem à sua própria maneira inimitável,
emyez de forçá-las a se enquadrar em significados e identidades
que convenham aos valores instrumentais dos próprios huma-
nos, IJma das formas cruciais do deixar-ser adequado, ou do
desvelamento desimpedido do ser, é a poesia: a linguagem, espe-
cialmente a linguagem poética arcaica ou oblíqua, corretamente
entendida, desvela-nos o próprio ato de desvelamento. Permite
que o próprio aparecer apareça. Por outro lado, Heiclegger des-
cartava a conversa cotidiana, porque ela nos revela a linguagem
e os seres como meros instrumentos de nossa vontade; as pala-
vras descartáveis correspondem a um mundo de coisas descartá-
veis. Pior ainda, as coisas podem emergir como meros recursos
prontos para nosso uso, quando necessários, de inodo que uma
floresta viva pode apÍesentâÍ-se meramente como LlÍnâ "reserva
permanente" (Bestand) de madeira, náo mais sequer como árvo-
res, mas apenas como macleira-à-espera, e até o poderoso Reno
Ecocrítica
pode revelar-se uma simples fonte de energia hidreletrica. Na
meditaçáo sobre a palavra poética, entretanto, descobrimos que
"a linguagem é a casa d"o ser, na qual o homem ex-siste por- hahi-
tá-la' (HEIDEGGER, 1993, p.237), e Heidegger afirma que a
essência dos seres, sua autonomia e sua resistência a nossos pro-
pósitos sáo desveladas por uma linguagem similarmente resis-
tente. Por meio da poesia, portanto, aprendemos que "o homern
náo é o senhor dos seres. O homem é o pastor do Ser" (p.245).
Aprendemos a resistência ao instrumenta-lismo ou ârrazoamento
(Ge-stelt1,t que sempre desvela os seres em seus termos estreitos
e reducionistas, Buscamos uma sintonia com a demanda que os
seres nos fazern de desvelá-los sem coerçáo. Ou seja, aprendemos
a deixar que osi seres sejam.
Graças a.o papel axial que Heidegger atribuiu à obra de
arte, no que chamou de "salvar a Terra", sua filosofia tem atrativos
óbvios para os ecocríticos. No entanto, muitos filósofos aÊrmam
que os escritos heideggerianos sáo virulentamenre anti-racionais,
além de enfurecedoramente difíceis de ler. Outrossim, de Ig34 a
1945,Heidegp;er foi um nazista entusiástico, confiante em que
Hitlêr poderia conduzir a Alemanha na salvaçâo daTerra. A1guns
filósofos consi.,Jeram que isso náo tem nenhuma influência em
seu pensamento, enquanto outros discernem uma profunda con-
gruência entre a filosofia e a política heicleggerianas. A situaçáo
complica-se airnda mais pelas afirmaçóes cle alguns historiadores
de que o nazisrno inicial incluiu elementos ambienralista,s. O iugar
de Heidegger na ecocrítica será mais detidamenre examinado no
Capítulo 7.
L
Sigo aqui o uso proposto por Ernilclo Srein em sua traduçáo de "O principio da
idenridade", no volume Heideger, Coleçáo Os pensadores, Sáo Paulo: Abril Cultural,
1979. Outros textos, ao traduzir Gestell, utilizam os rermos armaçáo, composiçáo ou
estrurura (N. da11).
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.Ecocritlca ))
PASTORAN"
Desde as reaçóes poéticas do movimento do romantismo àRevoluçáo Industrial, ,^p"rrorr.l ,._'*.fardo de forma decisivanossas construçóes da natureza . Talvez até a ciênci" da ecologiatenha sido moldada pela pastoral, ,r"rfri_uiras erapas de seu de_senvolvimehto, e vimos que o texro fundrdor da ecocrític a, SilerutSpring, recorreu à tradiçáà prstoril. N.;;"- ourro rropo está táoprofundamente arraigado .r" ..,Iur." À"id.orrl, nem é táo Dro_fundamente problemãdco para
" "*Àr.r,ri;. ffi i.fiflr..no período clássico, a pastoral mostrou-se infinirarnente maleávelpara fins políticos diferentes, . p"r...i"i-ente nociva em suastensóes e evasóes. Enrreranro, sualonga história e sua ubiqild;decultural significam que o úopo bucóIco deve continuar e conri-nuará a ser de interess. f.r.,d"m.rrtJ;;;, os ecocríricos.
O que vem a ser, afina.l., .r." ,rràiçáo ,p"rroril,l,
. lud e ,,r,importância para o ambientalis*"? G;;tifford distinei.lJ, ,i-pos de bucolismo: a tradiçáo ._rp.cific#.nte literária, que envolveuma sarda da cidade Dara o refrigio ,ro ."_p", originária da antigaA.lexanclria e que se ,orrou uma forma poética fundamental naEuropa, durante o Renascimenro; em linh"s *"i;-g;;.,^tü;quer literatura que descreva. o ..*po ,rurr, .o.r,raste implícitoou explícito com o ,:!r"".. (1g99,í ,i," rum sentido pejorati-vo, ro qual "pastoral,, impiica ,r_, ia.iiraçáo da,id^;1J;;.
obscurece as rea-ridades do trabarho e das agJuras do campo. Estecapítulo explorará essas rrês manifesraçóo ão ,rofoi
vq.PU'
Chamarei o primeiro dos
,,tipos,,
d. çidrJ de ,,pasroraJ
clássica', que entendo como incluindo ."d"; li;;;rl,r"ílrlr.,,
aré o século xwII. A pastorar crássica precedeu .- -'riri*., a.anos a percepçáo de uma crise geral na ecologia t u..r"oo-*n, f"r_
nece o contexto preexistente de convençóes literárias e pressu,o§_
ros culturais que foram transformador, à. for*r.;;.;i,;;;.
proporcionar aos europeus e aos euro_a:nericanos um modo de
consffuir suas pa-isagens. o contraste de Gifford enrre o ;;" .a cidade destaôa-se na pastoral românticzr, numa época em que a
urbanizaçáo em massa tornou releyantes
número muito maior de pessoas o;õ'::?::iTüTflil:;#
posterior da poesia romântica fo.n..zu , lingurg.rir,;l;;;.".
e até os locais para a generalizaçáo subseqü"Á,.ã" p".*rJ,-roi,
formas culturais táo variadas qu"n,o o romance, a televisáo ou os
materiais de propaganda das àrganizaçôes conservacionistas. osanúncios modernos de páo d. trigo integral q,r. *orrrrÀ-raitr.r,
ca{npos de trigo balançando ,o ,o-1, porrádo, por l"urrao..;.;rr_
dos, e tendo ao fundo uma melodia clássica, seriam um exempl,:
llr'^"^, ? :..eiro
tipo de Gifford, qu. f"t" áo ,;;r,d.;Er*;i""da palavra, surgiu especialmente nas críticas rnarxistas
"o
,o-.r-tismo, g qu. proporciona um rerreno fi3rtil para conrrura"r*o,
essa tradiçáo da crítica da curtura com a e.o.ríiica. Alguns ..r.ri-ticos afirmam, por exemplo, que a sensibilidade ,_bi;; ;r_gente da pastoral romântica ,ug.." uma espécie de radicarisrno
náo reconhecido pelos críticos poríri.o, antropocêntricos. Ás de-
rivaçóes do modelo romântico àependem, é craro, dos conrexros
em que se desenvolveram, e a pastoral norte-arnericana seguiu sua
própria trajetória distinta, em resposta a uma história ambiental
e social muito diferenre da vivida na Grá-Bretanha. No il;;:;.capítulo, disc'tirei como a "ecologia pastorir" promoveu ia.i^ a-harmonia essenciai dz
ambientalist, d. hol.lnatureza
que ainda prevalecem no discurso
L:
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
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A destruição da harmonia entre humanos e natureza
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A destruição da harmonia entre humanos e natureza
A destruição da harmonia entre humanos e natureza
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A destruição da harmonia entre humanos e natureza

  • 1. (r ( ( t -Uq 1--'* ', 17( ( ( (. ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( P/^,t,[u'" s lrm V-fr-Act , iÜtr h,,W q1r-'*U^. (/NZ ru{oaçÁo UNIVERSTDADE oe nnasÍtn Timoúy Marti" r*lirlT Vice-Reitor Edgar Nobuo Mamiya EDITORA NZlitl UnB Diretor Henryk Siewierski Diretor-Executiuo Alexandre Lima Conselho Editorial Beatriz de Freitas Salles, Dione Oliveira Moura, Henryk Siewierski, Jader Soares Marinho Filho, Lia Zanotra Machado, Maria José Moreira Serra da Silva, Paulo César Coelho Abrantes, fucardo Silveira Bernardes, Suzete Venturelli _ Níorq' §-Á*§ ãNtS. ZNN B A]EBEDEE <r..;.- ,."'] ( ) Greg Garrard Eecerítíea Tiaduç,áo Vera Ribeiro EDITORA NU Umffi
  • 2. ( - ( ._ Y ( '( Equ.ipe editorial Rejane cle Meneses . Superuistio editorial Sonja Cavaicanti. Preparaçáo de originah e reuisáo .Eugênio Feiix Braga . Editoração etetrônica Elmano R. Pinhejro e Luiz A. Rosa fubeiro . Acompanhamento gráfco Formatos Design. Capa Título original : Ec omiti cism Copynght@ 2004 byTaylor & Francis Books Ltd. Copyright @ 2006 by Edirora Universidade de Brasília, pela traduçáo Impresso no Brasil Direitos exclusivos para esra ediçáo: Editora Universidade de Brasília SCS Q. 2 - Bloco C - nq 78 - Ed. OK- 2n andar 70300-500 - Brasília-DF tel: (0roc61) 3035-4200 fax: (0r<61) 3225-5611 editorapunb.br Todos os direitos reservado.s. Nenhuma parte desta publicaçáo poderá ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sern a autorizaçáo por escriro cla Editora. Ficha caralográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidacle cle Brasília Garrard, Greg Ecocrítiõa / Greg Garrarcl ; tradução de Vera Ribei- ro - BrasíLia : Editora Universidade de Brasflia, 2006. 292p. ISBN 85-230-0886-1 1. Teoria liter:íria. 2. Uterah:ra inglesa - história e crítica. 3. Literatura antericana - históna e qrítica. L Título. Para F{olly ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( : G238 cDU-82.01
  • 3. ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( AGRADECNN{ENIT'OS Meu primeiríssimo agradecimento vai para todos os meus esplêndidos e inusitados familiares, por seu apoio e incentivo, es- pecialmente durante os longos anos de esru,lo do doutorado. Especi- ficamente, mamáe e papai apressaraÍn-se a ajudar quando aAcadernia Britânica hesitou em fornecer verbas, Papai despertou. rneu inreres- se. para questóes ambientais e me proporcionou alguém com quem discutir, e Fliss panilhou minha obsessáo com a jardinagem e rne mandou livros de Michael Pollan, a fim de lhe conferir peso inte- lectual. E teúo a bênçáo de contar com irmáos e irmás brilhantes. Jon Bate foi um orientador exemplar e sugeriu meu nomrj à Routledge para esta série. Sou profundamente greto pelas con- seqüências práticas da confiança que ele ,lepositou em mim, rais como ter um emprego que amo irrestritarnente. Entre meus rnui- tos colegas excelentes do Bath Spa University College, Richard Kerridge deu-me o benefício de sua inteligência e seu discerni- mento, em muitas discussóes longas, tacey Hill procurou salvar- me de mim mesmo, e Paul Edwards apoiou minhas pesquisas e teceu comentários sobre uma versáo inici,al. Além disso, aprendi muito com nossos alunos, especialmente c,s de Escrita e Crise Ârn- biental, Textos de Leitura e Utopias. Ern particular, John Gasirin leu e comentou um manuscrito inicial. Á. faculdade também me proporcionou uma dispensa vital das ati'ridades de ensino. Fora c{e Bath, os membros da Associaçío para o Estudo de Literatura e do 14eio Ambiente (ASLE) foram para mim uma fonte de inspi- raçâo, especialmente N4olly Testling e Terry Gifford. li t,, ',ii .r :j, il ri. i 1 i il i ,1, il l- I I I I I I i I I I l l I I I
  • 4. ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ,( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ? SUNIARNC Agradecimentos, 9 1. Os primórdios: poiuiçáo, 1n 2. Posturas, 52 3. Pastoral, 54 4. Mundo natural, E8 5. Apocalipse, 123 6. Habitaçáo da terua, X.5à 7. Animais, X.92 8. Futuros: aTerta,225 Glossário, 255 Leitura adicional, 258 Referências, 260 Índice,27g
  • 5. M lt ^ ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( 10 Greg Garrard John Drakakis foi Llm editor extremamente rigoroso e d.esafiador, cujos debates comigo sobre as yersóes sucessivas aper- feiçoaram enormemente o resultado final' Liz Thompson foi pa- ciente e ofereceu-me.seu apoio, mesmo quando o manllscrito se atrasou para seu noYo Prazo de entrega, revisto e já atrasado, e fez um trabalho crucial de ediçáo. No círculo mais íntimo, devo muito amor e gratidáo a Ca- roline, que leu quase todos os manuscritos e ofereceu comentáJios inteiectuais e estilísticos de valor inestimável. A discussáo sobre o sublime feminino, no Capítulo 3, deve-se especificamente a ela. Agradeço também, embora eles nunca venham a saber disso, a Bryn, Hamish e P'ars'ley, cujas solicitaçóes eParentemente inin- terruptas de aiimento, passeios e brincadeiras proporcionaram um contraponto irônico à redaçáo do capítulo sobre os "Animais". ooo Ngre soin-E A TERMiNoLoGiA Embora seja usual, nos textos acadêmicos, fazer referência a "nativos norte-americanos" e náo a "índios norte-americanos", usei indistintamente as duas expressóes neste livro. Nenhuma de- las é plenamente satisfatôra., e é meu entendimento que muitos norte-americanos nativos preferem a expressáo tradicional' CS PRINIORDtrOS: []On UIÇAO Há uma concordância geral de qu.e o ambientalismo mo- derno começou com "IJma fábula para o amanhd', no livro de Rachel Carson intitulado Silent Spring' lPrimavera silenciosa] (1962). O conto de fadas de Carson corneça pelas palavras "Era uma yez uma cidade no coraçáo da América, onde todas as for- mas de vida pareciam conviver em harmonia com o ambiente" e, invocando a antiga tradiçáo da pastoral, pinta em seguida um quadro de "fazendas prósperas", 'lcampos verdejantes", ra.- posas regougando nas colinas, cervos silenciosos, samambaias e flores silvestres, "pássaros incontáveis" e trutas em corrent€s de águas frias e cristalinas, todos deleita.ndo quem passava pela cidade (1999, p.2l). Concentrando-se em imagens de beleza natural e enfatizando a "harmonia" que "um dia" existiu entre a humanidade e a natvÍeza,-a fábula no{; apresenta, a principio, um quadro de imutabilidade essencial, <1ue a atividade humana mal chega a perturbar e que a ronda anual das estaçóes ape- nas reforça. Todavia, essa paz bucólica dlá Lugar, tapidamente, a uma destruiçáo catastróâca: Entáo, uma estranha praga infiltrou-se pela regiáo e tudo começou a mudar. Um feitiço caiu sobre a comunidade:
  • 6. lI ifl i[1 tx if, ll. ili iii 'il li 72 GregGarrard - moléstias misteriosas varretam os galinheiros; o gado e as ovelhas adoeceram e mot'reram. Por toda parte pairava a sombra da morte. Nos parágrafos seguintes, cada elemento do idílio rural é destroçado por a-lgum âgente de mudança, cujo mistério é enfatizado pelo uso da terminologia natural e sobrenatural da "moléstia" e do "feitiço". O trecho mais apaixonado diz respei- to à destruiçáo das populaçóes c{e aves: "Nas manhás que antes haviam pulsado com o coro alvorejante de tordos, sabiás, pom- bos, gaios, cambaxirras e centenas de olltras vozes de pássaros, agora náo se ouvia nenhum som; apenas o silêncio cobria os campos, os bosques e os brejos" (1999, p. 22). A "primavera silenciosa' do título aluc{e, num nível, a essa perda do canto dos pássaros, embora venha também a funcionar como sinédoque cte um apocalipse mais geral do ambiente. Assim, o texto fundador do ambientalismo moderno náo só começa com uma parábola decididamente poética, como apóia-se também nos gêneros literários da pastoral e do apoca- lipse, formas preexistentes de imaginar o lugar do ser humano na natureza qlre remontam â origens como o Gênesis e o Apo- calipse, primeiro e último livros da Bíblia. Silent Spring sugere, de início, que a ecocatástrofe mítica da fábula pode ser sobre- natural, e frisa isso pela inclusáo de um epigrama do poema de Keats, "La Belle Dame Sans Merci", no qual o poder mágico de uma bela mulher empesta o ambiente: "Murcharam os câr- riços do lago/E nem um só pássaro canta". Mas depois a fábula conclui: "Nenhuma bruxaria, nenhurna açáo inimiga silenciou o renascimento da nova vida nesse mundo abalado. Foram as próprias pessoas clue o fizeram". O resto do livro procura provar que tal apocalipse já vinha ocorrendo, de forma fragmentada, por toda a América, de modo que a destruiçáo que recairia sobre essa mítica cidade do futuro podia ser visra como um cornpósito Ecocrítica de tragéclias rnenores, já conheciclas e cientificâmente validadas em 7962. Os verdadeiros culpados, segundo Carson, eram os no- vos pesticiclas orgânicos, como o DDT, a aldrina e a clielclrina, introduzidos depois da Segunda Guerra Mundial e que já se haviam provado altamente eficazes no controle de insetos cau- sadores de pragas. Silerut Spring reuniu um conjunto impressio- nânte de dados científicos para mostrar que esse mesmo sucesso constituía urn;l grar,e âmeaça à vida selvagem e à saírde hurna- na, confrontando as aârmaçóes utópicas dos cientistas agrícolas em seu próprio terÍeno. Desde entáo, as aÊrmaçóes científicas de Carson forram preclominantemente confirmadas (embora ainda náo haja provas de que o DDT é prejudicial aos .seres humanos), o que levou a uma consciência popular crescente da poluiçáo causa.da pelos pesticidas, a uma regulamentaçáo mais firme por parte do Estado e ao desenvolvimento de substâncias químicas agrícolas menos persistentes. Afirmaçóes ambientalistas como essas fazem contribui- çóes cruciais para a política e a cultura modernas, e muitos de nós respondemos a elas, até certo ponto; para o estudioso clas humanidades, porém, elas podem ser difíceis de avaliar em.seus próprios termos. O mundo acadêmico tem-se organizado em "disciplinas" ci.entíficas relativamente autônomas, e os proble- mas científicos parecem exigir mestria científica. Náo obsranre, é bem possível que as estratégias retóricas, o uso da pastoral e de imagens apocalípticas e as alusóes literárias com que Carson molda seu material científico sejam passíveis de uma análise mais "literária" ou "cultural". É ^ .rm análise que chamaremos "ecocrítica". Es;te livro é uma introduçáo crítica ao campo da ecocrítica atual. Examine.mos, portanto, algumas definiçóes provisórias do assunto. A primeira delas vem da "Introd.uçáo" de 7he Eco- criticism Read.er (1996), uma imporranre anrologia da ecocríti- ca norte-âmeri«:ana: I -( r( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (
  • 7. 14 GregGarrerd , O que é ecoqír.ica-, entáo? Dito em termos simples, a eco- ' crítica é o estudo da relaçáo entre a literatura e o ambiente fÍsico. Assim como a ctíticafeminista examina a lÍngua e a - iiteratura de um ponto de vista consciente dos gêneros, e a crítica marxista ÍÍaz paÍa sua interpretaçáo dos textos uma consciência dos modos de produçáo e das classes econômi- cas, a ecocrítica adota uma abordagem dos estudos literários centrada naTerra (GLOTFELTY, 1996, p. xix). Glotfelty passa entáo a explicitar algumas perguntas forrnula- das pelos ecocríticos, que váo desde "Como é representada a natureza nesse soneto?", passando por "Como se modificou o conceito de mundo natural ao longo do tempo?", até "Como se abre a própria ciência à análise literária?" e, por fim, "Qual é a fecundaçáo crtzadapossÍvel entre os estudos literários e o dis- curso ambientalista em disciplinas correlatas, como a história, a filosofia, a psicanálise, a história da arte e a ética?" ' A ecocrítica, portanto, é uma modalidade de análise confessadamente pofítica, como sugere a comparaçáo com o feminismo e com o marxismo. Os ecocríticos costumam vin- cular explicitâmente suas análises culturais a um projeto rnoral e político "verde". Nesse aspecto, ela se relaciona de perto com desdobramentos de orientaçáo ambientalista na âlosofia e na teoria política. Desenvolvendo as percepçóes de movimentos críticos anteriotes, os ecofeministas, os ecologistas sociais e os defensores da justiça ambiental buscam uma síntese das preo- cupaçóes ambientais e sociais. Vale também assinalar que as perguntas formuladas pela ecocrítica, na exposiçáo de Giotfelry seguem uma trajetória clara: a primeira pergunta, por exemplo, é muito estreita e li- terária, tendendo a favorecer o estudioso da poesia românti- ca. Por isso, dois dos mais importantes trabalhos de ecocrítica na década de 1990 foram estudos sobre -Wordsworth e Shelley Ecocrítica 15 (BATE, 1991; KROEBER, 1994). O alcance das perguntas amplia-se com â continuaçáo da lista, com várias das íJtirnas deias sugerindo estudos interdisciplina:res gargantuescos, como Landscape and Memory, de Simon Schama (1995). A definiçáo de fuchard Kerridge, em Writing the Enui- rlnment (1998), texto eminenremenre britânico, sugere, como a de Giotfelry uma ecocrítica cultural ampla: C ecocrítico aimeja rasrrear as idéias e as representaçóes ambiettalistas onde quer que elas apareçam, enxergar co.m mais clareza um debate que parece vir ocorrendo, amiú- : de parcialmente encoberro, em inúmeros espaços cukurais. Mais do que tudo, a ecocrítica procura avaliar os textos e as idéias em rermos de sua coerência e utilidade como respos- tas à crise ambiental (1998, p. 5). Teremos rnoiiro. para questi onaÍ a concepçáo monolítica de "crise ambiental" implícita nesse treÇho e talvez para resistir à avaliaçáo dos "rextos e idéias" por um padráo ecológico apa- rentemente seguÍo: como ciência e corno movimento sociopo- líticq, a própria "ecologia" é instável e contestada. Entretanto, a ênfase na orientaçáo moral e política do ecocrítico e a ampla especificaçáo do campo de estudo sáo essenciais. Do ponto de vista do mundo acadêmico, a ecocrítica é dominada pela Associaçio para o Estudo de Literatura e clo Meio Ambiente (ASLE),r uma entidzlde profissional surgicla nos Estados Unidos que hoje tem importantes filiais no Rei- no Unido e no Japáo. Ela organiza conferências sistemáticas e publica um periódico que traz análise literária, rextos de flc- çáo e artigos sobre educaçáo e ativismo ambientais. Muitos I sigla de Association for the study of Literature and úe Environment (N. da T.). lill Iilr li[i lll 11il li{ rll i1 l ll lili Itl It,l Ili iliil :|ü liil rH rifl ffi ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (' :. ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (
  • 8. tifltit ' [fiiii ffi illi iil' {l ili tlI lltlili lilll illr llill ilil IiÍ lrflr ilHi IffiI 'ffiiiIIH 16 GregGarrard . dos primeiros trabalhos de ecocrítica se caracterizaram por um i.rt.r..r. exclusivo na poesia romântica, nas oarrativas sobre o mundã nâtural e nos escritos sobre , ,râir,r.rr, mas, nos úl- timos anos, a ASLF, tem-se voltado para uma ecocrÍtica mais geral dacultura, com estudos sobre textos científicos populares, ai.r.*r, televisáo, arte, arquitetura e outros artefatos culturais, tais como parques temáticos, zooiógicos e centÍos comerciais lshoppírugl. À medicla que os ecocríticos procuram oferecer um discurso verdadeiramente transformador, qLre nos permita ana- lisar e criticar o mundo em que viveinos, dá-se cada vez mais atençáo à ampla gama de processos e produtos culturais nos quais e por meio dos quais ocof,rem as complexas negociaçóes entre a natureza e a cultura. Aliás, a definiçáo mais ampla do objeto da ecôcrítica é a de estudo da relaçáo entre o humano e o náo-humâno, ao longo de toda a história culturai humana e acarretândo uma análise crítica do próprio termo "humano". Este livro refetirá essas tendências, abrindo espaço para a eco- crítica iiterária e a cuitural. Nesse ponto, porém, cabe fazer uma ressalva: ele versará principalmente sobre a literatura e a cultura britânicas e norte-arnericanas, embora os printípios da eêocrítica ,dmitn*, é claro, uma aplicaçáo mais geral. A ecocrítica singulariza:se, entre as teorias literárias e cul- turais contemporâneas, por sua estreita relaçáo com a cj.Qncia da ç*ç_glggia. Os ecocríticos podem náo estar habilitados , .oãt.i-- bui. para debates sobre problemas de ecologia, porém, mesmo assim, d.evem transgredir os limites disciplinares e desenvolver, tanto quanto possível, sua própria "capacitaçáo ecológica'. Por isso, ofereço discussóes sucintas de algumas ameaças ambien- tais hoje enfrentadas pelo mundo. Examiná-las em detalhe está fora do alcance deste livro, mas é essencial que os ecocríticos reconheçam que há discussóes sérias sobre a existência dos problemas, sua extensáo, a natureza das ameaças e suas possí- veis soluçóes. Assim, no Capítulo 5, por exemplo, consiclero o problema da "superpopulaçáo" do ponto de vista demográfico, anres de passar à explicaçáo cle como esse problema refratado pela retórica apocalíptica. - ( Ecocrítica íz ( ( tem sido I Talvez pareça óbvio qlie os problemas ecológicos sáo ( problemas científicgs,,e náo objetos da análise cultural. Aliás, ( quando silent spring foi publicado, a indírstria agroquímicà}e- ( agiu, critican,Jo o livro por rurl gullidrcles-l]terárias, as quais, I seglldo eta deixou mF;liciío,ãíà podir* cóãxistir com o'riqor , i*cjentífico aprypriado. Náo estaríamos r..rpiirl".rdo " prop"- ,ganda pubiicada pelos produrores de pesticid"as, se lêssemos o livro cle carson usando insrrumenros da crítica literária? John ( Passmore propiôs uma distinçáo que talvez ajude a lidar com ( esse problemaL. Os 'iproblemas de ecologia,, sustenra ele, sáo ( questóes propriamente científicas, a serem resolvidas peia for- ( mulaçáo e verificaçáo de hipóteses em experimenros..àlógi.or, ( ao passo que os "problemas ecológicos,' são ,,aspectos de nosra sociedade provenientes de nossas maneiras de liàar com a naru- ( reza, dos quais gostaríamos de nos livrar e que náo vemos cofilo ( conseqüências inevitáveis do que há de bom nesra socied.ad.e,, ( (1974, p.44). Descrever algo como um problema ecológico é 1 fazer uma afi,naçáo normariva sobre como gostaríamo, {,r. r, ( coisas fossem, e, embora isso provenha das afirmaçóes dos cien- tistas ecológicrls, náo é definido por eres. uma "erva daninha, ( náo é urna espécie de planta, mas apenas a espécie errada no ( lugar erraclo. Eliminar ervas daninhri é, obriaÁ.rrr., um "pro- ( blema de jard:inagenl", mas defini-las, em primeiro lugrr, ,.- ( :-"-.,1 :r:r,,"nálise cultural, e náo horticultural. Similarmente, a ("poluiçáo" é urn problema ecológico, porque náo designa uma ( substância ou uma classe de substâncias, mas represenra uma afirmaçáo norrnariva implícita de que há um.*..Jro d. "rg.,m, ( coisa presente no ambiente, em geral no lugar errado. Cãrron J 1ev; de investigar um probtrema da ecologiã, com a ajuda de ( biólogos de animais selvagens e toxicólogos ambientais, para ( mostÍar que o DDT se encontÍava no ambiente em qurrrridr- ( des tóxicas pâr:l os animais selvagens; Silem Spring,.n^,r.r*rr,o, (
  • 9. ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( 18 Greg Garrard empreendell um trâbalho cultural, e náo cientÍfico, quando se esforÇou por defender a tese moral de que. náo deue ser assiln. ' O grande feito do livro foi transformar um problema (cientíÊ- , co) da ecologia nl]m problema ecológico amplamente percebi- do, que foi entáo contestado nos planos político e jurídico, nos . meiop_ de cgplnigaçáo e na cultura pgpubl Portanto, a ecocrí- tica náo pode dar uma grande contribuiçáo aos debates sobre problemas de ecologia, mas pode ajudar a definir, a examinar e até a resolver problemas ecológicos nesse sentido mais amplo. Uma forma "ecocrítica" de ler é encarar as contribuiçóes para o debate ambientalistâ como exemplos de retórica. Já suge- ri que Carson udliza imagens pastoris e uma retórica apocalíp- tica, e voltarei â esses temas, porém há muitas outras aplicaçóes da análise retórica formal. Por exemplo, Ralph l-utts tentou explicar o impacto de Silent Spring chamando atençáo paru a analogia subjacente, utilizada por Carson, entÍe a poluiçáo por pesticidas e um outro tipo de poluiçáo que ela marcante na consciência popular em L962: Ela soou o alarme sobre um tipo de poluiçáo que era invi- sívei para os sentidos, podia ser transportada a grandes dis- tâncias, talvez globalmente, podia acumular-se nos tecidos corporais com o passar do tempo, podia produzir envenena- mento crônico e agudo e podia resultar em câncer, defeitos congênitos e mutaçóes genéticas passíveis de só se tornarem evidentes após anos ou décadas de ocorrência da exposiçáo. As autoridades governamentais, também afirmou ela, náo estavam tomando as providências necessárias para controlar essa poluiçáo . p.o..g., o público. Os pesticidas,químicos náo eram a única forma de poiuiçáo que se enquadrava nessa descriçáo. IJma outra forma, muito mais coúecida do públi- co da época, era a precipitaçáo radioativa (2000, p. 19). Ecocrírica 19 Portanto, carson combinou antigas ma,eiras de irnaginar a na- ilrÍeza com formas contemporâneas de imagina, uÀ" ameaça derivada da "hisreria da precipitaçáo raclioa,íi', .ro intuito de estabelecer afirmaçóes normativas específicas sobre a poluiçáo. A análise rerórica detalhada mosrra que silent spriig foi um rexro consrruído para atingir certos iesultados polítlcos, ná, âpenas as medidas concretas descritas no último capítulo, mas também uma revisáo sutil do próprio conceito de "ioiuiçáo,,. Ler Silem Spring como retórica rerr certas yantagens para uma prática crítica abertamenre politizada, algumas ã", qrr"i, foram enunciadas pelo crítico marxisra.Terry úgleton, r O que seria específico do tipo de estud.o que tenho em men_ te [...] seriam os tipos de efeitosproduzidos pelos discursos e o modo como esres os produzem. Ler um texto de zoologia para saber sobre as girafas faz parrc do estudo d" roologio, mas iê-lo para yer como seu discurso se estrutura e se o[- ganiza, e examinar os ripos de e.Feiros que essas formas e recursos produzem em determinados leitores, em situacóes reais, é um projero diferente. Tra.ra_se, na verdade, do que é, provavelmenre, a mais antiga forma de crítica literária do mundo, conhecida como retórica (1996, p 205). t. I -.-, ilt"l4s-19l-?-qElt!.{t-c-o-Eo rÇ!óri9a, em!o1a,44o 4o .sen: rido estriro entendido pelos retórlcos, mas_ romo a p_r_oduçáo, -la*r.Aii-. " ,rrr,rfor-"fao de megjf-"t* ;", iü.;J;.Laoa captrulo meu examinará uma dessas _.iaforij, àõnsl_ derada como rendo efeitos poríticos específicos - .i"a" q,,. ambivalentes, às vezes - ou .o,., ua.,rdendo a d.r.r*ir,"ào, interesses sociais. Algumas, como a ,,pastoral,,, ,ao ,ropãí:iru_ rários estabelecidos, enquânro outras design"- rr,ati#'àái, heterogêneos, que podern ser provisoriamente unificados sob
  • 10. f,i: ll :ii ill ,tl :'i i]. irl: .ri t,i ..' ii, :l. i rl :i:=:i;: ' -' 20 GregGa-rrar<l _ um único título. ÍJmavezque, em cefto sentido, todas sáo rna- neiras de imaginar, interPretar ou aPresentar a natuleza numa figurr, chamaiei meus tíillos de capítuios de "tropos"' Cada tÃpo reunirá permutaçóes da imaginaçáo criativa: metáfora, gênero, nârrativâ, imagem. Esta introduçáo explora o troPo da ;poluiçáo", à guisa de exemplo. A base sobre a qual se define e deiimita cada tropo é elaborada em cada capítulo, com a res- salva constante de !lue) como os ecocríticos gostam de dizer, "o mapa náo é o terreno". Minha tropologia náo é definitiva nern exaLlstiva; tenciona ser facilitadora, e náo limitante. r A análise retórica sugere que o significado dos tropos tem estreita relaçáo com seu contexto social mais amplo. Logo, eles náo sáo entidades fixas, mas se desenvolvem e se modificam his- toricamente. "Poluiçáo", por exemplo, deriva áo latim polluere, I q*. significa "corromper", e seu uso primitivo na língua ingle- i sa reflete sua origem teológico-moral: até o século XVI.I, esse I termo denotava a contâminaçáo morai de uma pessoâ, ou atos (como a masturbaçáo) tidos como promotores dessa contami- naçáo. Essa definiçáo, essenciaimente interna ou subjetiva, foi aos poucos transformada. numa definiçáo externa or-r objetiva - na verdade, especificamente ambiental - entÍe os séculos XVII e XIX, a tal ponto que, hoje em clia, apenas sua definiçáo mais recente é cle conhecimento geral. Esse processo é exemplar, por destacar o modo como as pessoas tiveram que aprender a detestar seus detritos, bem como por indicar as raízes culturais profundas do medo ligado a essas emissóes imorais. A maioria dos tropos deste iivro tem suas origens ântigas levantadas, antes de eu examinar sua inflexáo moderna. A prirneira citaçáo do senticlo moderno de "poluiçáo" no Oxford English Dictionary foi retirada de Da profciência e do Progressl do saber diuino e /lumano, de Francis Eacon (1605), um texto fundador da moderna metodologia científica: "O Sol [...J p"tt, pelas poluiçóes e manrém a si mesmo puro como an- test'. Nesse trecho, Bacon parece escrever sobre um fenôrrr-eno ( Ecocrítica (- r ( { material, e náo moral, o que constituiu uma mudança crucial 1 de significado e o próprio nascimento de uma nova maneira d^ ver e de pensar. No entanto, um texto fundamentl a. nirtOril ( da ecocrítica, Tbe Death of Nature [A morte da natureza], d. ( Carolyn Merchant (1980), atribuiu a Bacon um papei axial ( na construçáo de uma visáo de mundo destrutiva em terrnos ( ambientais, na qual "a imagem de um cosmos orgânico, ten- { do em seu centro uma Terra viva feminina, deu lugar a uma I visáo de mundo mecanicista em qu.e a natureza foi reconstitr.r- ída como morta e passiva, a ser áominada e controlacla p.los ( seres humanc,s" (1990,p.xvi). Assim, o tropo cla "poluiçáo" ( está historicarnente implicado na destruiçáo e na salvaçáo do t meio ambiente, uma vez que Bacon "descobriu" a poluiçáo no 1 sentido moderno e, de acordo com Merchant, contribuiu para ( [he dar muito mais imporrância. Pela perspecriva ecocrírica, isso reflete o papel ambivalente da ciência como produtora de ( riscos ambientais e como analista crítica desses me.smos riscos. ( Todos os tropos examinados neste livro mosrram um pouco ( dessa arnbivaltincia. ( Outra característica crucial da retórica é que se presurne ; que os tropos façam parte de lutas sociais mais amplas entre gên.ror, .l"ss., . grrpã, étnicos. As culturas náo sáo ig.,nlrrr.rr- ( te moldadas P,or tod.os os seus participantes, nem ,r*pou." ( as muitas culturas mundiais sáo igualmente poderosas, e deve- , ( mos estar cientes de que até tropos potencialmente capazes de ; r confrontar ou subverter práticas nocivas para o meio ambiente : ( podem ser aplrpriados. Assim, embora o mundo natural possa ( dar a impressáo de constituir um baiuarte conrra uma visáo de rnundo e uma ordem social industrializadas e materialmente ( progressistas, alguns componentes dessa ordem, como os fabri- ( cantes cle veícu.los utiiitários esportivos com traçáo nas quatro ( rodas, mesmo assim têm conseguido apropriar-se da natureza ( inculta, enÍ) sua propaganda, como o "lar natural" de seus pio- ( dutos (ver CAMPBELL, 1998). IJma vez qLre esses veículos ( t I l
  • 11. ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( '22 GregGarrard prâricemente requerem seu PróPrio Poço de petróleo PaÍa ali- menrar seus mototes gigântescos, â ironiâ .dessa justaposiçáo talvez nos sugira que o "mundo natural" tem uma funçáo ideo- lógica nesse caso, ajudando a legitimar o consumo ostensivo de uma classe e de unia naçáo privilegiadas. No uso comum) "retórica" sugere uma linguagem que vem substituir a verdade literal: é tudo "conversa fiada". O sen- ddo pretendido neste livro, entretânto, interessa enfaticamente pelo significado literai. Este-seria um ponto desprezível, náo fossem as importantes tendências, na teoria literária e cultural, que parecem marginalizar o papel da verdade literal na litera- tura e na cultura e até na própria ciência. O estruturalismo e o pós-estruturalismo, por exemplo, frisaram a funçáo lingüística dos signos, que se relacionam uns com os outros, em vez de se referirem a coisas reais. Alguns desdobramentos noutras áre- as reforçaram essa separaçáo entre a linguagem e a realidade; os teóricos literários pós-coloniais e feministâs têm mostrado que cetegorias aparentemente reais ou "naturais", como a raça e o sexo, entendem-se melhor como "constructos sociais" que, disfarçadamente, fazem afirmaçóes normâtivas, por exempfo, s-obre como as mulheres devem ser, em lugar de como as mu- lheres de fato ou necessariamente sáo. Os críticos feministas estabeleceram uma distinçáo entre o sexo, que é uma categoria biológica, e o gênero, que é um construcro social, e mosrrârâm que uma visáo de mundo e uma ordem social centradas no ho- mem tentaram legitimar constructos rnlltáveis de gênero, refe- rindo-os a uma identidade sexual "nâtural" supostemente fixa. A "feminilidade" náo é, segundo muitos teóricos feministas, uma conseqiiência natural ou necessária do ser geneticamen- te "mulher", e sim um conjunto de comportamentos cultu- ralmente prescritos. Essa tese desvincula o sexo feminino, em sua maior parte, ou rotalmente, de uma identidade de gênero feminino "construída", que só vive na linguagem e nâ cultura. Embora essa estratégia proporcione às mulheres maneiras de Ecocrítica 23 escapaÍ de estereótipos repressivos, ela também rePresenta uma acentuada prioúzaçâo das afirmaçóes cla cultura em relaçáo às da natureza. O "consttucionismo" é uma ferramenta poderosa da aná' lise cultural e, na verdade, baseei-me rLele, há Pouco, em meu exame da construçáo da "poluiçáo". Mas ele de fato sugere que "natureza" nunca é senáo uma caPâ pera os interesses de algum grupo social. O desafio dos ecocríticos t3stá em manter um olho ,roa arr"dos como â "natlÍezi' é sempre culturalmente construí- da, em certos asPectos, e o outro no fato de que ela realmente existe, tanto como objeto quanto, aincla que de forma distante, como origem de nosso discurso, Lawrence Buell chama isso cie "mito do consttucionismo recíproco: do meio físico (natural e construído peio homem) que molda ern certa medida as cultu- ras, as quais, em certa medida, remolclam-no continuamente" (2001, p. 6). A imprecisáo da expressáo "em certa medidi' éin- teiramente necessária, uma vez que essas redes de "moldagem" recíproca da natureza e da cultura estáo fadadas a ser complexas ante o oihar atento' Ao longo deste livr'c' o objetivo é equilibrar uma persPectivâ construcionista com as reivindicaçóes privi- legiadas de verdade literal feitas pela ecologia' Os ecocríticos continuem desconfiados da idéia da ciência como totalmente objetiva e isenta de valores, mas acham-se na posiçáo inusitada, como críticos culturais, de terem de se curvar, em últim a anaTi' se, â uma compreensáo científica do m,undo. A frase de Buell certamente é precisa e útil, mas parte do problema está na própria metáfora da "construçáo", que, mes- mo em sua versáo tevista, sugere um artefato, corno um pré- dio ou uma máquina, umâ obra autônoma de mentes e máos. Duvido que muitos leitores imaginem automaticamente Llmâ construçáo natural, como urn cupinzeiro. Mas, se qualquer prédio ou máquina, por mais avançada que seja slrâ tecnologia, tem de ser feito por animais evoluídos (Homo sapiens) a partiÍ de materiais de origem natural, de acordo com as "leis" naturais
  • 12. 24 GregGarrard da física mecânica, deduz-se daí que todas as nossas enaltecidas construçóes culturais sáo, em ceÍto sentido, construçóes natll- rais. Talvez a meráfora arquitetônica obscurêça ou mistifique a base natural de toda a cultura humana e enalteça âpenas nossas próprias aptidóes como espécie. As implicaçóes excessivamenre culturalistas de "construçáo" náo sáo fáceis de evitar mediante uma substituiçáo dos termos, mas tendo a usar "moldagem", "elaboraçáo" olr "inflexã.o" para descrever as transformaçóes e as negociaçóes complexas entre a natureza e a cultura, ou entre versóes reais e imaginárias dairatureza. Voltando à poluiçáo, com isso em menre, podemos obser- var qlre a história retórica desse termo se alinhou muito de perto com as reivindicaçóes de verdade d"os ecologistas e dos toxicólogos ambientalistas. As técnicas de análise química desenvolverarn-se a tal ponto que é possível detectar quantidacles inimaginavelmente pequenas de substâncias químicas no meio ambiente: Ao lidar com relatórios, políticas ou normas ambientais, devemos s€mpre ter errtr mente que o que hoje é zero jâ nãto será zero amanhá. Já passamos da mediçáo de microgramas, na década de 1950, para a cte picogramas, nas décadas de 1980 e 1990. [...] Ao mesmo rempo, devemos rer em mente que náo há relaçáo entre os efeitos tóxicos e nossa capa- cidade de derectar uma substância química. As pequenas quantidades só têm importância quando realmente afetam os organismos vivos (BAÂRSCHERS, 1996, p. 46-47). Baarschers é sumamente crítico da "histeria" ambienta- lista que cerca a presenÇa, no meio ambiente, de quantidades de substâncias químicas muito abaixo dos níveis de toxicidade observável. Sua frustraçáo com a equivocaçáo e a ignorância generalizadas a respeito da ciência ambiental é ra,zoavel, daclo que as pessoas comumente aceitam os riscos altíssimos impli- I cados no tabargismo, digamos, enquanrô exigem " .li*i.r"çao t de riscos infinitesimais, associados a recnologias geradôras de I muita ansieda<le. Os grupos,de pressáo ambientalistas também ( poclem promover uma paranóia ignorante, ern vez de uma c: ' ii., b.- info.nada (ver capítulo 5). Lc' crrr v€z o,c uma crl- ( Ao mesmo rempo, Baarschers náo explica a possibilidacle ( de que a ansiedade popular seja, precisamenre, uma resposra ( âo grau e à ext.ensáo de vigilância ambiental que ele descreve. ( Em vez de simpiesmente sepârar o "risco real", tal como defi- ( nido pelos toxicólogos, do "risco percebido", tal como senrido { pelo público, ,: depois criticar as pessoas por náo confiarern I nos especialistars, deveríamos yer os riscos percebidos, parado- xalmente, como uma conseqüência da vigilância cada vez mais ( sofisticada. Qu.anro maior a precisáo com que o especialista ( mede os riscos, maior a disjunçáo entre as estimativas oficiais ( dos riscos e qualquer avaliaçáo laica que se possa conceber, ba- t seada na experiência pessoal, processo de alienaçáo este que o r sociólogo Ulrich Beck descreve como "expropriaçáo dos sen- tidos" (tgg9, p.55). Além d.isso, os."megarrlr.or" nucleares, ( biológicos e químicos solapam os garantidores rradicionais da ( segurançâ industrial, como o seguro privado, a indenizaçáo e a ( regulaçáo estatal de riscos mensuráveis e calculáveis, exaramenre ( na medida em que a ameaça revelada pela vigilância ambiental ( cai abaixo do ponto de determinabilidade estatística. por nós mesmos, náo somos capazes de avaliar os riscos, e os cientistas { da segurança industrial, na verclade, rornam os riscos m€nos ( cognoscíveis e rnais assustadores quanto mais os minimizan-1, ( O resultado, afirma Beck, é que as próprias afirmaçóes cie segr-r- ( rança produzidas pelas indúsrrias com megarriscos produzern ( insegurança poF,ular. A reconstruçáo da "poluiçáo" por Carson, , tanto_ incluindo quantidades diminuras àe pestici,l", q.r"rrto ^grande poluiçáo observável da produçáo inÀustrial tr.ái.i"n.tr, ( foi a continuaçíio de um processo histórico de definiçáo que ( ( ( Ecocrítica ( (
  • 13. ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ili 26 Gre1Garrard prossegue na cuitura contemPorânea. A proliferaçáo de tipos e fontes de "poluiçáo" significa que a luz artificial e o barulho podem ,gor, ,., considerados poluentes e que o dióxido de carbono pode ser definido como poluente climatológico, em- bora ocorra em vasias quantidades na natureza. A tentativa de Baarschers de racionalizar e minimizar essa ampiiaçáo condnua náo pode haver-se com a cultura política e midiática iluminada pela análise construcionista de Beck. Essa generalizaçâo e, do. ponto de vista sensorial comum, essa desmaterieJizaçâo da poluiçáo têm ramifrcaçóes importantes em nossa cultura, constituindo uma "sociedade mundial de risco" com ameaças materiais impalpáveis e ubíquas, as quais, na prá- tica, sáo comumente indissociáveis de su.as elaboraçóes culturais. A "poluiçáo" infiitrou-se em nossâ cultura em muitas áreas e em vários níveis de representaçáo, desde a preocupaçáo ambientalis- ta implícita da poesia de Sylvia Plath (BRAIN, 1998) até filmes ambientalistas explícitos de suspense, como o "suspense verde" hollpvoodiano Em terrenl seluagem2 (1994) (KERzuDGE, 2000; INGRAIV{, 2000). Buell enunciou quatro critérios desse "dis- curso tóxico" como gênero cultural: uma "mitografia de'édens tiaídos" (2001, p.37), baseada, como a parábola de Carson cira- da há pouco, na pastoral; imagens apavoradas e "totalizantes de um mundo que náo tem como se refugiar da penetraçáo tóxica" (p. 38), muito provavelmente baseadas no medo do miasma ra- dioativo prorreniente das armas nucleares, medo este caracterís- tico do pós-guerra; "a ameaça da opressáo hegemônica" (p. 4t) oriunda de empresas ou governos poderosos, em contraste com as comunidades ameaçadas; e a"goticizaçâo" da imundície e da poluiçáo, que é característica das exposiçóes formais ambientalis- tas, Esses critérios, ao lado da genealogia da "poluiçáo" exposta acima, permitem a idendficaçáo de um rropo ecocrítico moder- no e vital em textos góticos da miséria, rais como Hard Times Ecoctír.ic,t 27 fTêmpos dificeis], de Dickens (1954), dramas sobre disputas ju_ rídicas ligadas ao meio ambiente, como o frlme Erin Biorhoirrh (2000), e a exploraçáo da contaminaçá<t do local e da família, como em Refage fRefi,rgio], de Terry Tempest rVilliams (199i). Andrew Ross identifica Nova York como o cenário tóxico perfeito de Hollywood: "Do outro lado da autoridade enconüa-.. .ro., cidade onde pr,rlulam os perigos biológic.s. com certeza, nenhu- ma ourra cidade já teve um bestiário táo fantástico de residentes históricos - de jacarés a refierugas-ninia - nos túneis de seu sistema de esgotos" (1994, p. 135). Entretarito, no mundo pós-moderno da saturaçáo mi- diática, o rropo moderno da "poluiçáo" pode ficar perigosa- menre separado de seu referente, de um ou vários modoi q,r* Baarschers nâo reconheceria. Em Ruído branco, de Don úe_ Lillo (1986),3 o protagonist4 e narrador Jack Gladney luta para se haver com a proximidade de um inesperado "evenro tóiico trazido pelo ar": i A fumaça era carregada dos rubro,s fachos de luz para a es_ r curidáo e, depois, para a largueza de panorâmicos irolofo_ i tes brancos. Os homens de terno de Mylex moviam-se com.. i cautela lunar. Cad.a passo era o exercí.io d. ,r*o ".rg,ir,ioI náo prevista pelo insrinto. O fogo e a explosáo náo eram os perigog-i-p1.rínsecos ali. Essa morte penetraria nos gerres, se- ria eisudad.?-neles, apareceria em corpos ainda náo nascidos (1986; p. t 16).t' -'r,-', -"r-t.-: r'í;r'i 1.,",, -,.o-" Sob certo aspecto, isso parece conÍirmar a tese de Beck de que a angústia causada pelo risco náo poc[e ser aliviada ou sequeÍ- ' túlr.,d. ." ""tl com traduçáo de paulo Henriques Britto, sáo paulo: companhia das Letras, 1987 (N. daT.). 2 Título original On Dead.ly Ground, Êlme dirigido por Sreven Seagal (N. daT.). I I I
  • 14. tii:,Í'.l:' iii; i;;' 2A GreiGarrard li,: ;i, ; abordada pelo "insrinro", pois a própria ausência de uma amea- ll,, Ç definida torna-a ainda mais difusa. Mesmo assim, a narrativa ,' arforça-se por carlctetzar o "evento" em termos de outras nar- rativas preexistentes, como a "conquista do espaço", com suas imagens espetaculaies e suas marcas registradas militar-inclus- triais. A poluiçáo tornou-se um espetáculo quase desvinculado de qualquer sentimento real de âmeaça, graças à ubiqüidade dessas imagens: "A nuvem parecia uma promoçáo nacional da morre, uma campanha multirnilionária respaldada por anún- cios radiofônicos, grandes manchetes e cartazes e saturaçáo na 1'y" (p. 158). As pessoas que vivem perto da fonte de emissáo confiam na mídia para defini-la: a princípio, "uma pluma leve", depois "uma negra nuvem inflada' e, por fim, "o evento tóxico mazido pelo ar". Invertendo a prioridade da realidade sobre a representaçáo, defendida por Baarschers, os sintomas das ví- timas mudam conforme a atualizaçáo dos relatórios de risco fornecidos pela mídia. A desproporçáo radical entre a saturaçáo de imagens e a escassez de dados factuais ctestaca o evento tóxico como o tipo cte crise pós-moclerna com que a ecocrítica tem de se bater cada vez mais. O ambientalismo e a ecocrítica produzem e dependem exatamente do dpo de reivindicaçóes universalizado- ras da verdade, ou "grandes narrativas/metanarrativas", que pós- modernistas como Jean Baudrillarc{ consicleram insustentáveis. Como argumentâ o historiador Peter Coares, Segundo uma lógica pós-modernista universalmente desa- bonadora, a crençâ na exi.stência de uma crise ambiental global é apenas mais uma metanarrativa, pois a teoria da cultura insiste em que as ameaças ambientais (como todo o resto) sáo socialmente consrruídas e culturalmenre defini" das: náo existem ameaças universais compartiiha.i"s - ori diferentes grupos priviiegiam aquelas com que seus inreres-, ses particulares se confrontarn (1998, p. 185-186). ( Ecocrítica { ( Náo obstanre, os apelos a reivindicaçóes cientí6.r, de ( verclade, como contraposiçáo ao pós-mod.ernismo, sáo compli- ( cados pelo fato de que a própria ciência da ecologia vem so- ( frendo transformaçóes. Idéias longamente acalentadas sobre a ( harmonia intrinseca da natureza sáo questionadas pela ecologia ( pós-moderna, como exposto no Capítulo 3. Precisamos distin- ( guir entre a teoria pós-modernista, que é predominanremenre àr.rr, à ecocrítica, e a ecologia pós-modárrrr, qr. se tornará | cadavez mais seu ponro de referência científico. ( Portanro, sáo essas as proposiçóes básicas deste iivro: os ( problemas ambientais requerem uma análise em rermos cul- í turais e cientíÍicos porque sáo o resultado da interaçáo enrre I o conhecimenro ecológico da narureza e sua inflexág;cultur]l;, ,,{Isso implicará estudos interdisciplinares q"i--reeaiám às' aeô- -',i'i , rias literárias e ,sulturais, à filosofià, à sociologia, à psicologi, . à "(. ' história ambiental, bem como à ecologia. O".rt,rio d" ,.ióri.a ,.i fornece-nos o rnodelo de uma prática de leitura cultural ligada ( a interesses mo.rais e polÍticos, bern como r-rma prática arenta às ( interpretaçóes reais ou literais e às interpretaçóes figuradas ou ( construídas da "natureza" e do "meio ambiente", A decompo- j siçáo desses conceitos monolíticos em metáfor", .r,rutu."n,., básicas, ou rropos, permite presrar atençáo às particularidades ( temáticas, históricas e geográficas do disctrrso ambientalista e ( revela qr-re qualquer rropo ambiental é passível cle apropriaçáo ( e utilizaçáo a serviço de uma variedade de inreresses poiencial- Í mente conflirarLres. A ecocrítica possibilira urna análise crític dos tropos qlre enrram em jogo no debate ambie^talis,n., .,' ( caráter mais provisório, permite plever quais d.eles surtirár: urX ( efeito desejado r,rum público específico, numa dada conjuntura ( histórica. confi'ontar a aglomeraçáo vasra, complexa e multifa- ( cetada das crises ecológicas com os instrurnentos apâr:entemen- ( te frágeis da análise da cultura deve ser visto pelos ecocríricos ( como uma nece,ssidade moral e política, muito e_mbora os pro_ ( blemas pareçâm perpetuamente apequenar as soluçóes. ( ( I I i i r I j I / i -l i
  • 15. 30 CreB Garrard O próximo câPítulo fornecerá uma breYe descriçáo das diversas orientaçóes políticas e filosóficas dentro do amplo es- pectro do ambientalismo, em Parte para deixar claro que ne- rrh,rr.r* perspectivâ isolacla ou simples une todos os ecocríticos. Do Capítulo 3 em'diante, a análise será disposta sob os nomes de tropos ecocríticos imPortantes, começando pela "Pastoral", o mais profundamente arraigado deles, e concluindo com a interpretaçáo da "Terra" como um todo unificado. Dentro de cada capítulo, há um levantamento histórico e, em alguns ca- sos, geográÊco do tropo, e misturo a discussáo de textos e co- mentaristas canônicos com um material mais marginal, a fim de indicar a profundidade e a amplitude que esse campo já assumiu. Os capítulos seguem mais ou menos uma trajetória que vai das preocupaçóes tradicionais com o locai para os con- ceitos contemporâneos do giobal: do lugar para o espaço, da terra para a Terra. Ao longo do livro, retornarei às implicaçóes da ecologia pós-moderna para a ecocrítica. Os Capítulos 3 a 5 examinam uma série interligada de tropos que devem muito à narrativa judaico-cristá euro-ame- ricana de uma humanidade decaída e exilada, em busca de redençáo, mas temerosa de um julgamento apocalíptico -"Pâstorâl", "N{undo Natural" e 'Apocalip5s" -, e avaliam a significaçáo das formas assumidas poÍ esses tropos no mundo moderno. O Capítulo 6 compara duas concepçóes muito dis- tintas de "habitaçáo" na Terra: a tradiçáo "bucólica" européia de escrever sobre o cultivo da terra e a identificaçáo mais mo- derna dos estilos de vida indígenas como modelos potenciais de vida harmoniosa. Discutir essas construçóes ou interpretaçóes da relaçáo da humanidade com o mundo natural, entretânto, presume ccmo um fato a distinçáo probiemática entre nossa espécie e os outros animais. Por isso, o Capítulo 7 examina os diferentes modos como os animais, selvagens e domésticos, sáo representados e conceituados. Afirmo que a reconsideraçáo da idéia do "humano" é uma tarefa fundamental para a ecocrítica, Ecocrítica 3 i tendendo a afastá-lada pastoral e dos escritos sobre a narure- za. pzra preocupaçóes pós-modernas, como a globalizaçâo e as interfaces de "biônicos" entre os seres humanos e a tecnologia. No último capítulo, exploro os significados que se têm acu- mulaclo em torno das imagens extraorclinárias da Terra inteira, vista do espaço, que váo desde o mercado global âté um supe- rorganismo precioso.
  • 16. eá4 ( Ecocrítica ( r ( poÍ grupos d.e pressáo industriais antiambientalistas. O, ..o- | ,ro*ia", e os d.emógrafos do livre mercado encontrarn-r. .rrar.' seus mâis eloqüentes defensores intelectuais e argumentam que ( o dinamismo das economias capitalistas gerará soluçóes para os ( probiemas ambientais à meclida que eles surgirem, assim como 1 sustentam qur3 os aumentos popuiacionais acabaráo produzindo , a riqueza necessária para bancar o custo das melhorias do meio ambiente. '' A principal afirmaçáo positiva formulada pelos .ornuco- í pianos é que o bem-estar humano, medido por dados estatísticos { como a expectativa de vida ou a poluiçáo local, tem âumentado I comprovadaÍr.ente, junto com a populaçáo, corÍI o crescimento ( econômico e conl o progresso tecnológico. Assinalam eles que, a iongo prazo, , rrrpor,n .i."rra, d. ,..,r-rro, naturais é desmentida ( pela queda dos preços dos alimentos, dos minerais e das conuno- ' dities e-mrelaçiio aos salários; à meclida qLle um recurso específico í tornâ-se mais dificil cle obter, seu preço âumenta, levando os ( empresários capitalistas a buscar fontes, processos ou materiais 1 que o subsdtuLam. A descoberta de alternativas leva a uma re- ( cluçáo do preço do materiel original,. como ocorreu na qr-ieda , dos preços reais clo cobre, acarretada pela ampia substituiçáo dos I Âos de cobre por cabos de fibra óptica. A "escassez", portanto, é ( r-rm fenômeno econômico, náo ecológico, e será remediacla por ( empresários capitalistas, e náo pelas reduçóes do consumo insis- ( tentemente pleiteaclas pelos ambientalistas, 'A verdade é que o t próprio conceito de recursos naturais é dinâmico; muitas coisas tornam-se recuÍsos naturais com o correr do tempo. Tod.o sé- ( culo assiste ao surgimento de novos recursos" (BECKERMAN, { 1995, p.60). tlm número maior de pessoas no planeta significa ( mais cérebros engenhosos, mais máos produtivas, mais consumo ( e, por consegu:inte, maior crescimento econômico. A confiança ( do economiira Julian Simon no "círculo virtuoso" clo cresci- ( mento econôn:Lico e demográfico foi tamanha, que ele propôs uma aPosta Pel'manente: ' ( ( I POST'URAS O "ambientalismo" é relativamente novo como movimen- to social, polírico e filosófico, porém já surgiram algumas ecofilo- sofias distintas, que parecem ter tanta probabilidade de competir entre si quânto de se combinar em qualquer síntese revolrrcioná- ria. Cacla abordagem entende a crise ambiental à sua maneira, enfatizando aspectos que sáo passíveis de soluçáo nos termos que ela fornece, ou que arneaçâm valores que ela jLrlga os mais pre- ciosos, com isso sugerindo uma gama de possibilidades políticas. AJém disso, cada uma é capaz cLe fornecer a base para uma abor- dagem ecocrítica distinta, com afinidades e aversóes literárias ou culturais específicas. ConNucorjIANxsMo A clespeito do notável grau de consenso existente entÍe os cientistas a respeito das ameaças ambientais criadas pela civili- zaçáo moderna, há quem afirme que a maioria desses perigos, se náo todos, é ilusória ou exagerada. Essa postura "cornucopiana", portanto, num senddo importante, nada tem de ambientalista e, em alguns casos, é financeiramente sustentad,a e disseminada
  • 17. ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( J4 GregGarrud -- . Escolha (a) qualquer medida do bem-estar humano - a ex- p€ctativa de vida, o preço do alumínio ou da gasqlina, o grau de instruçáo por coorte de jovens, a taxa de propriedade de televisores, o que você quiser; (b) um paÍs (ou uma regiáo, como os p4íses em desenvolvimento); (c) qualquer ano do fu- turo, e aposto o salário de uma semane ou de um mês que esse indicador exibirá uma melhora em relaçáo ao atual, enquÍulto você aposta que ele exibirá uma deterioraçáo (MYERS; SIMON, 1994,p.21). Simon ganhou uma aposta com o ecologista Paul Ehrlich, com respeito à escassez de recursos minerais medida pelos preços du- rante a década de i980. Ehrlich, por sua vez, aracou-o por sua "lavagem cerebral marrom", que descreveu como o uso de uma ciência espúria pera atacu o ambientalismo (EHRLICH; EHR- LICH, 1998). Ao lado das afirmaçóes de uma interminável cornucópia de riqueza, crescimento e produçáo de commoditrla, Beckerman, Simon e outros fazem críticas ap "alarmismo" ambientalista, apontando para as projeçóes incorretas de esfriamento global e fome mundial feitas por ecologistas na década de 1970, Eles destacam a reconhecida incerteza, por exemplo, das taxas de ex- tinçáo de espécies ou dos modelos climáticos globais e, com base nisso, defendem a inaçáo, ou, na melhor das hipóteses, novas pesquisas. Decerto é importante lembrar âs vastes melhorias trazidas para o bem-estar humano mensurável, embora de forma terri- velmente desigual, pelo crescimenro econômico e pelo progresso tecnológico, tanto em países desenvolvidos quanto em desen- volvimento. O capitalismo mobiliza nos seres humanos uma capacidade de resoluçáo de problemas que é sensato náo subes- timar. Entreranto, essa postuÍa sofre de uma grande incoerência: muitas das melhorias ambientais de que desfrutam es nacóes .! l-cocÍtltca ) ) pós-industriais foram obtidas náo só p,:lo deslocamento de in- dústrias nocivas para países em desenvolvimento, mas também impulsionadas pela agitaçío política dos ativistas ambientalis- tas que, atualmente) os cornucopianos dizem estar bloqueando o progresso econômico e tecnológico. Náo é o capitalismo em si que produz as soluçóes identificadas pelos cornucopianos, mâs sim os empresários que respondem a co-nsumidores moralmente modvâdos e a normas governamentais. Uma objeçáo mais séria é que os cornucopianos demonstram pouca ou nenhuma consideraçáo pelo meio ambiente náo humano, exceto na medida em que ele possa ter uÍt impacto na riqueza ou no bem-estar humanos. A natureza só é valorizada em termos de sua utilidade para nós. Muitos ambientalistas afirmam que precisamos elaborar um sistema de valores que tome como ponto de partida o valor intrínseco ou inerente da natureza. Essa distinçáo fundamen- tal evidencia-se no debate enue Simon e o biólogo conservacionista Norman Myers, de quem fiz uma citaçáo acima- A-lderENTALrsMo A variadíssima gama de pessoas interessadas em quesróes ambientais como o aquecimento global r: a poluiçáo, llue deseja mânter ou melhorar seu padráo de vida, tal como convencional- mente definido, e que náo acolheria de bom grado mudanças sociais radicais será descrita daqui em diante como os "ambien- taiistas". Muitos deles valorizem os estil«:s de vida rurais, as ca- minhadas ou a prática de acampar, ou sáo membros de uma das organizaçóes ambientalistas da corrente dominante, como o Sierra Club, a Sociedade Audobon de Preservaçáo da Nature- za, nos Estados Unidos, ou a Real Socie,j.ade para Proteçáo dos Pássaros e o Conselho para Proteçáo da Inglaterra Rural, no Rei- no Unido. Eles podem preocupar-se com. a escassez de recursos naturais ou com a poluiçáo, mas preferem recotrer aos goveÍnos
  • 18. l' i( GregGarrard ( !, ( ( ( ( ( ( ( Í ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( lii, :,1 ou a organizaçóes náo-governâmentais, como as instituiçóes de caridade, para que eles forneçam soluçóes, em gerai'tecnológi' cas. Suas esp€ranças de conter o crescimento popuiacional, visto como um problema sobretudo para os países em desenvolvimen- to, residem nas caÀpanhas cle planejamento familiar e náo, cliga- mos, na esterilizaçáo patrocinada pelo Estado. Seu ativismo pode ir da reciclagem de garrafas e cla compra de alimentos orgânicos até um grande compromisso côm ativiclades conservacionistas. Em termos de orientaçáo fiiosó6ca e religiosa, os ambientalistas ain- da consideram valiosas, em ma-ior ou menor grau, a.lgumas tradiçóes ocidentais como a democracia liberal, os direitos humanos, o cristia- nismo e as idéias de progresso histórico ou científico, mesmo à luz da crise ambiental. Ássim caracterizada, uma parcela substancial das populaçóes dos países clesenvolvidos poderia figurar como ambien- talista. Ás pressóes políticas e de consumo exercidas pelos ambienta- listas sáo responsáveis por muitas melhorias concretas, como a rápida expansáo da agricultura orgânica nos ultimos 'anos. O ambientalismo, porranro, é muito difundido e, em cer- tos aspectos, muito poderoso. Os particlos políticos têm cle enal- 'tecê-lo, pelo menos da boca para fora, e as indírstrias reagem cle rnaneiras que váo desde modificaçóes dispendiosas de processos de produçáo até meclides "verdes" meramente cosméticas, desti- nadas a atrair ou a aplacar os ambientalistas. Ao mesmo tempo, o ambientalismo, ou o "ambientalismo superficial", como tem sido charnado, é atacado pelos críticos raclicais, em funçáo de suas posturas de transigência para com a ordem socioeconômica dominante. Cada uma das abordagens abaixo acusa os ambienta- listas de náo abordarem o mal-esrar por elas identificado e supos- tamente mais fundamental. Muitos dos mais destacados clefensores científicos da prote- çáo do meio ambienre, como Rachel Carson, Paul e Anne Eirrlich, E. O. Vilson e Stephen Schneider, esposam essa posur.a em sua maior parte, embora, em termos de filosofia e crítica ambiental, o ambientalismo teúa enconrrado poucos defensores sistemáticos. Ecocririca O livro Green Delusions, de Martin Lewis (1994), combina um araque vigoroso ao ambientalismo radical com um programa reformista qu,3 enfatiza o papei da ciência, cla tecnologia e da mudança nas políticas de governo. Opondo-se à abordagem "ar- câdici' dos ratdicais que advogam a clesurbanizaçáo, o uso de produtos náo sintéticos e as soluçóes de baixa tecnologia, o am- bientalismo "prometéico" de Lewis promove o máximo possíve1 de "desvincula,çáo" entre a economia humana e a ecologia natu- ral, a fim de proteger a naturezâ. Destaca ele que as cidades sáo náo apenas celltros de vitalidade cultural, como também menos dispendiosas, e'm termos ambientais, que o alastramento subur- bano ou a fuga para fora das zonas nrbanas, e afirma que o ca- pitalismo, guiado por eleitores e consumidores instrr-rídos, pode oferecer soluçó,es tecnológicas para muiros problemas ligados aos recursos naturais e à poluiçáo. A abordagem antiinrervencionista que Lewis atribui ao radicais da ecologia, de estilo "a narure- za é quem sabe", é inadequada: "Os prometéicos afirmam [...] que, no futuro previsível, deveremos gerir atiuament€ o planeta, a fim de asseglrrar a sobrevivência da maior diversidade biológica possível. Nada menos que isso se faz.necessário, se quisermos começar a expiar nossos realíssirrios pecados ambientais" (Ig94, p.251). Lfe on a ilIodern Planet (1995), de fuchard North, ado- ta uma posture. similar, enunciando um moderaclo "manifesto a favor clo progresso". Pode-se rÍizer ciue essa abordagem gerencial tecnocrática jí,, fracassou, se admitirmos a popularidade prolongada da causa e o ritmo continuado da destruiçáo ambiental. Ao rnesmo tempo, o movimento ambientalista da corrente dominante náo apenas tem o mérito de haver obtido sucessos significativos em questóes espe- cíficas, como as emissóes de clorofluorcarboneros (CFC) câusa- doras da reduçáo da camada de ozônio, como também representa o eleitorado â que os radicais têm de apelar, seja em busca da conversáo, seja da coalizáo. As organizaçóes radicais bem-sucedi- das, como o Gr:eenpeace, têm tentado manter sua reputaçáo cle l : .l
  • 19. ( ( ( ( ( ( ( ( (' ( ( ( ( ( ( ( (. ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( 38 Greg Carrarci ativismo radical, enquanto, simultaneamente, PromoYem a reci- clagem e o "consumo verde"" O futuro cle qualquer d.as posturas mais raclicais aqui resumidas dependerá, provavelmente, de uma equilibraçáo semelhante. Além disso, cotÍIo a maioria dos eco- críticos esposa idéias radicais, também eles tenderáo a procura-r explorar o ambientalismo entre seus leitores, âo mesmo tempo secluzindo-os para uma política ou uma filosofia rnais adeqr.raclas à crise ambiental tal como eles a percebem. Ecolocm PRoFLJNDA Dentre as quâtro formas radicais de ambientalismo, a eco- logia profunda é a mais influente fora dos círculos acadêmicos, inspirando muitos ativistas em organizaçóes como a Friends of the Earth [Amigos daTêrra], a Earth First! e a Sea Shepherd. Essa postura e suas variantes reapareceráo neste livro, na maioria das vezes, como a perspectiva explícira ou implícita dos ecocríticos, e alguns cle seus âspectos seráo mais discutidos em vários capítulos. O "poeta laureado" da ecologia profunda é Gary Snyder (n. 1930, ver Capítulo 4), e seu glru filosófico é Arne Naess. Este último lista oito pontos-chave da plataforma da ecologia profunda na antologia definitiva de George Sessions, Deep Ecologfor the 21', Centutry 0995). Os cruciais sáo os seguintes: 1. O bem-estar e a prosperidade da vida humana e náo hu- mana naTerra têm valor em si mesmos (sinônimos:valor intrínseco, valor inerente). Esses valores independem da utilidade do mundo náo humano para fins humanos. 4, O florescimento da vida e clas culturas humanas é compatíve1 com uma populaçáo humana substancial- irrente menor. A prosperidade da vida náo humana r€quer uma popuiaçáo humana menor (SESSIONS, 1995, p.68)" Ecocríric:L J! o segundo desses ponros refere-se náo apenas aos países ern clesenvolvimento, mas rambém aos desenvolvidos, .uja. po- pulaçóes têm um consumo muito maior ?er cã?itã. C, d"ptos da ecologia profunda defendem a reduçáo populacional a longo pÍàzo, no munclo inteiro. A combinaçáo letal é a que se dá enire o rápic{o aumenro populacional dos países em desenvolvimento,, que exacerba os problemas ambientais associados à pobreza, como a pressáo pela terra e o desmatamento, c o rápido crescimeprc, ... econômico dos países'clesenvolvidos, que exacerba os problernas associados à riqueza, comô a eliminaçáo do lixo dornZstico e as emissóes de ga§es causadores clo efeito estufa. Muitos acleptos da ecologia profunda consideram que c primeiro desses pontos distingue sua posrura do ambientalismo; enquanto as abordagens "superficiais" têrn uma visáo instrumen- tal da natureza, defendendo a preservaçáo dos recursos naturaisr apenas em prol dos seres humanos, a ecologia profunda exige o reconhecimento do valor intrínseco da narureza. Ela identifica a. separ:açáo dualista entre os seres humanos e a natureza, promovi- da pela filosofia e pela cultura ocidertais, como a origem da crise ambiental, e exige o rerorno a uma'identificaçáo ..roiir,, primá- ria entre os seres humanos e a ecosfera. A rnudança de um sisterna. de valores centrado nos seres humanos para outro centrad"o na- natureza é o cerne do radicaiismo atribuído à ecologia profunda. o que a leva a se opor à quase totalidade «la filosofia e da religiáo ocidentais: A ecologia profunda interessa-se por incentivar uma atitude igualitária, por parte dos seres humanos, náo apenas para corn todos os rnernbros da ecosfera, mas até para com todas x enti- dades ouformas idendficáveis na eco,sfera. Assim, essa posrura. . pretende estender-se, por exemplo, a enddades (ou formas) como rios, paisagens e até espécies e sistemas sociais, conside- rados por eles mesmos (SESSIONS , Igg5, p.270). fttl [l lil l,r'ii irti ,t:
  • 20. 40 GregGarrard Essa notável impar:ciaiiciade bern poderia esvaziâr a ecolo- gia profuncla cle qr,ralquer conteítdo 'substantiv<l: se o valor está ã- tod^ parte, náo está ern pafte algLima, p'rois cleixa de constituir uma base pârâ o estabelecimento cle distinçóes e a tomada de decisóes. Náo é o estar viva ou ser senciente que c1r-raliÊcâ1 LIma erl- tidade ou Llmâ fbrma como algo de valor intrínseco, mas sim, ao que parece, qualquer tipo de organizaçáo deliberada que se Possa considerar igualmente encontracla num único pássaro, nunt rio, nLlma espécie inteira, num ecossistema clistinto oLI nLrm gr:r-rpo ét- nico. Os debares consideráveis a respeito clo conceito de valor in- trínseco poclem ser levantados na in{luente revista En'uirounentttl Ethics, ou numa de diversas antologias (ELLICT; GARL, 1983; COOPER; PAIIVIER, 1982; ELLIOT, 1995). Uma grancle e reiterada objeçáo à ecologia profunda é que o ecocentrisrno é misantrópico, e, com efeito, alguns cle seus defen- sores, como Dave Foreman e Christopher Manes, fizeram afirrna- çóes desumanas e mal informadas solrre o controle populacional, por exernplo. Ao iado dessa ala de "[in[ra c[ura", porém, está a corrente central "branda", para a qual o ecocentrismo é uma mera "orientaçáo" em cujo interior sempre hrrverá grancles cliferenças de opiniáo. Naess, por exemplo, aclmite especiÊcamente que as necessidacles "vitais" humanirs pociem ter prioridade em relaçáo ao bem de qualquer outra coisa, com isso eliminando alguns con- flitos dificeis entre os interesses c{os seres humanos e os interes- ses de um tigre devorador de homens, ou c1e um bacilo cla peste bubônica. Na verdade, quanclo se trata clc cluestóes especíÊcas, os adeptos da ecologia profunda comurrlente reafirmam as priori- clades convencionais que criticam no ambientaiismo, até porqlre correm o risco de ser acusados de misantropia, se náo o fizerem. AIém disso, parece provável qtre qr"ralquer inclivídr"ro interessaclo tenhâ, provavelmenfe, âtitudes ecocêntricas e antropocêntricas, em diferentes momenros e em condiçóes diferenres. Ao mesmo ternpo, é importante distinguir essa"s duas perspectivas da filosofia dos direitos dos animais clue cleFencle a extensáo cla consideraçáo Iri,,crrcí.a ,noral conceclicla aos se res irurnanos a alguns manríferc-s superio- res (ver CapítLLio 7). A iciéia cle ecocenrrismo proveio de (e rcalimcnrou) sistemas de clenças correlatos, derivados de religióes orientajs corno o raoís- mo c o br-rclismo, de liguras heterodoxas do cristialismo, como sáo Francisco de Assis (1 1 82-1286) e'Ttilhard de Chardin ( I BB i-1 95i), e de reconstruç:óes rnoclernas de religióes indígenas norre-america- nas pagás pré-cristás (como a relieiáo 7iccr), xamanísticas e ourras religióes ditas "primiriyas". Ao iado dessa c]irnensáo fortemente es- piritualisra, subsiste, às vezes com. certo mal-estar, a ecologia cientí- 6ca da qual o rnovimento retiroLr seu notne. Na verclacle, nenhum dos ensaios da volumosa antologia d.e Sessions Íbi escrito por um ecologista, e a "ecologi'i' aparece neles, quando muito, como uma lor-rvável atividade de fundo, que nllnca precisa.ser dileta-menre c{is- cutida, mas po«le ser usada, antes, para validar as "inruiçóe.s" exis- tentes. QLrando a intuiçáo e a ciência enffam em choque, é rípico a primeira sair ganhanclo, de modo que âs tentatiyas cientificamente embasadas cle administrar os ecossistemas, por excrnplo, sáo vista.s comô pa-rte clo "problema". Cs ecologistas po.l.* se,. acus"<los de sei "antiecológicos", náo porque seus pi:ojeto.s possam aciclental- rnente cilusar d;rnos, mâs porque a realizaçáo desses projetos cleixa transpârecer unr:r orientaçáo aclministr'âtiva antropocêntrica, que discorcla da ver<ladeira promessa ecocêntrica da disciplina. lsa ver- dacle, algr.rns desdobramentos da ecologia pós-moc{erna pareceriam minar fata.lmente a ecologia proftrnda, se ela ao menos se d.ispr-lsesse a aterlter para eies. Seria absurdo que, no Ênal, ;r "ecologia proÍirn- da' viesse náo só a questionar, mas, a rigor, a contrac{izer a ciência <-ta ecologia da qual d.eve derivar, em úlrima instância. EcornuruISNÍo A ecologia profunda iclentifica o duaiismo anrropocêntrico humanidacl el natureza cor,Tro a f,nte suprerna das crença.s e práticas t1 , lliiti:r ,lr. itiii., rlil iilt, iilii :tiI 1lrli, tú. itiil dil;ir ( ( ( ( ( í ( ( ( ( ( {. { ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (
  • 21. ( ( ( ( ( (' ( ( (' ( ( ( ( ( ( ( (' ( ( ( ( ( (' (' ( ( ( ( ( 1i) GregCarrard Ecocritica 43 no sexo bioiógico e mostrarl, ao contrário, qlle o gênero é cui- tllralmente construído. Uma vez que isso é sempre apiicável, in- dependentemente de a essênciâ ser construída de forma ne$ativa ou positiva, o ecofeminismo radical parece apresentar-nos urna imagem especular de constructos patriarc:ais da feminilidade, a qual é igualnente limitacla e limitante. Até urna avaliaçáo posi- tiva da feminiliciade como "rnais próxima da natureza", graças à biologia feminina ou à experiência social, negligencia a realidade cle que toclas as distinçóes de gênero que conhecemos foram cons- truídas em sociedades patriarcais. C essencialismo ecofeminista radical tem sido'criticad,o, com justa razío, pelas ecofeministas de orientaçáo filosófica ou sociológica (Y/,A}LREN, 1994; EIF,HL, l99l), que assinalam que "uma perspectiva realmente feminis- ta náo pode abraçar acriticamente o femiinino ou o masculino, [mas] requer uma crítica dos papéis dos gêneros, e essa crítica deve incluir a masculinidade e a feminilid:tde" (DAMON, 1994, p. 9). AtualmenteJ essa cbjeçáo parece ter sido aceita pelos ecofe- ministas em geral. Se o ecofeminismo radical é questionável ern terrnos de seu feminismo, ele o é ainda mais em terrnos da ecologia. C desejo de inverter a prioridade androcêntrica da raz,ío sobre a emoçáo leva a um anticientificismo mârcante (e.g. KHEEL, 1989; GRtrFFINT, 197 8) . O livro Q,n/Eco logy (197 9), de Mary Daly, faz uma franca apropriaçáo de uma retóriaa yagamente 'tyerde" a serviço de urn ataque sentencioso, contírllro e irrestrito ao "mito e linguagem fálicos" da ciência, em especial a ciência rnédica. Todavia, como rrrostra a brilhante análise de Val Plumwood, o simples diferen- ciar homens cle mr-rlheres, seres humanos da natureza, ou a razáo da emoçáo náo constitui, por si só, um an.tropocentrismo ou um androcentrismo problemáticos. Ao contrário, o modeio subja- cente de supremacia compaftilhâdo por e;ssâs formas de opressáo baseia-se numa diferenciaçáo alienad.a e na negaçáo da depen- dência: na culrura euro-americana dominante, os seres humanos antiecológrcas, mas o ecofeminisrno também culpa o dualismo an- drocêntrico homem/mulher, A primeira distingr+e os seres humanos da natsreza. com base em alguma supostâ quaiidacle, como a posse de uma alma imortal ou da racionalidade, e presume enráo que essa distinçáo confere sr-rperioridac{e aos seres humanos. C segundo clis- tingue os homens clas rnulheres com base em alguma suposta qua- lidade, como o tamanho maior do cérebro, e presume entáo que essa distinçáo confele superioridade aos homens. o ecofeminismo implica o reconhecimento de que essas duas reses compartilham uma "lógica da clominaçáo" comum NflARREN, 7994, p. 129), ou urn "modelo mestre" subjacente, scgundo os quais ,,as mulheres têm sido associaclas à natureza, ao rnarerial, ao eÀocional e ao par- ticular, enquanto os homens sáo associados à cultura, ". imnt.rid, ao racional e ao abstrato" (DAWON, 1994, p. 9), e isso deveria sugerir uma calrsa comuÍn entre as feministas e os ecologistas. Se as mulheres têm sido associadas à natur.r* . ,. ambas sáo denegridas em referência uma à ou[ra, talvez valha â pena atacar a hierarciuia por meio da inversão dos rermos, enaltecenclo â natureza, a irracionaliclade, a emoçáo e o corpo, humano ou náo humano, em oposiçáo à cuitura, à razâo e à rnente. Algu_ mas ecofeministas, especialmente as qlle pÍorrovem o "ecofeÃi- nismo" radical e o culto a deusas, rêm adotado essa abordagem. Assim, por exemplo, Sharon Doubiago afirma que ,,a consciãncia ecológica é a consciê.cia rraclici"rr"i d, mulher,,; ,,as mulheres sempre pensâram como as monranhas, para aludir ao paradigma do pensarnento ecológico de Aldo L..pold. (Nao há nr,lo .oão "experiência cle ver a própria ba'riga crescer e se transforrlar nurna montanhapara nos ensinar isso.)" (19g9, p.4L,42). Similarme,_ te, charlene sprernak fundamenta r-rma espécie de espiritualida- de da mulher na biologia e na aculturaçáo femininas, icompostas das verdades do naturalismo e das propensóes holísticas das mu- theres" (1989, p. l2B-129) Entretanro, corno já foi sugerido, faz rempo que as femi- nistas se opóem à aceitaçáo de uma ,,essência ferninina,, baseada sáo náo apenas distinguidos da natureza, ffrus lplstos a e1a de um ri:.
  • 22. Ecocríti ca I { ( l modo que os torna radicalm€nte alienados da natureza e suPerio- res a ela. Essa polarizaÇáo, ou "hiperseparaçáo", amiúde envol- ve uma negaçâo da verdadeira relaçáo do termo superior com o inferior (PLUM7OOD, 1993, p.47'55). Assim, por exemplo, Plumwood mostra que o filósofo René Descartes (1596-1650) propôs uma descriçáo influente da diferençâ entre a mente e o corpo, que se esforçou por eliminar todos os vestígios do corpó- reo do campo mental da ruzâo. Ele teve de reinrerpretar a idéia do "pensar", de tal modo que as ativi- dades mentais que envolvem o corpo, rais como a percepçáo sensorial, e que parecem superar a divisáo mente/corpo e hu- mano/animal, se tornassem, ao contrário, por meio de sua reinterpretaçáo em termos de "consciêncid', puras operaçóes mentais (1993, p. 115). Descartes hiperseparou â rrrente e o corpo e negou aos ani- mais náo apenas a faculdade da razáo, mas toda a gama de sen- timentos e sensaçóes que havia associado ao pensamento. Como resultado, passou a ver os animais como radicaimente diferentes dos seres humanos e inferiores a estes. Eles seriam corpos sem mentes, verdadeiras máquinas. A contribuiçáo mais importante de Plumwood é uma crítica ao dualismo razíolnaturezâ calcado no gênero. Ela o apresenta como "a forma abrangente mais geral, básica e vincu- lad.ora" de uma série historicamenre variada de dualismos. Pode cumprir essa funçáo analítica geral porque a"Íazâo" é convoca- da, muitas vezes, para hiperseparil os homens das mulheres e os seres humanos dos animais, e assim pode representar os dois termos dominantes. Ela náo defende uma rejeiçáo da ciência ou da ruzáo, mas uma restriçáo das fiiosofias que pretendem polari- zar a tazío e a naturezâ como opostos, enquanto a "objetividade" científica decreta que qualquer discurso sobre a intençáo ou o oropósito na natuteza constitui um antroPomorÊsmo anricien- í lin... plumwood defende o reconhecimento da semelhança t e da diferença no continuum ser humano-natureza. Foclemos t conrinuar a distinguir razâo e emoçáo, homem e mulher, huma- ,' no e animal, mas sem â obsessáo neuróricâ da tradiçáo fi.losófica , da corrente cerntral. Assim fazendo, solapa-se o modelo de su- ' premacia que legitima o antfopomorfismo e o androcentrisxnô | ir., tnonbé- I LÚivIX/OOD, 2001) t hrazáo, uma vez resgatada de sua idealizaçáo pela filosofia 1 androcêntrica,.pode reconhecer e respeitar os "outfos da Têrra' i que náo sáo aÍligidos pela aiienaçáo ultra-racionalista nem pela assimilaçáoaniÃista:...PrecisamoScomPreendereafirmaraal- rerid.ade e nossa comunidade na Terra" ipl-UiTAVOOD, 1993, t p.137). Essa postura tanto rejeita o dualismo cornucopiano, que I privilegia acima de tudo o sujeito econômico racional, quanro o { àcofeminismo simplista e o monismo da ecologia profunda, nos t quais as aptidóes e as necessidades características da espécie hu- Ãrrr, ."rr.m . risco de submergir numa ecosfera indiferenciacla , e apolítica. InÍêlizmente, porém, mesmo assim ela pode levar à por,.rr" defendida por Caroline Merchant, em sua infuente críti- { ca histórica da ciência "mecanicisti' , The Death ofNature [A rnor- ; te da natureza]: uma recomendaçáo meio piegas de uma ciência ( "holistd' ou "vitaiista", baseada em sua superioridade moral, e 1 l:lü:::3 [Hl ;.mr[Tffi;:T.:Hffi "Ji áiT; 1 raclical, portanrto, continua controvertido. Oecoferninismo enfatiza a justiça ambiental em gratt rnui- í to maior que a ecologia profunda. A lógica da dominaçáo está implícita na discriminaçáo e na opressáo baseadas na raça, na ( orientaçáo sexual e na classe social, bem como na espécie e no ( gênero. Enquanto a antologia Deep Ecology contém ensaios sobre "homens brancos mortos", como D. H. I-awrence, John Muir e Henry Thoreau, Ltma recente antoiogia d.e Ecofeminist Literary t
  • 23. ,Ú r-irc3 G,trr:r,l Criticitwt fCrítica literária ecofeminista] (GAARD; MURPHY, 1998) inclui trabalhos sobre escritores alemáes orientais, france- ses, indígenas norte-ameticanos, mexicanos e outros, sobretudo mâs náo exclusivarnente do sexo feminino. Considera-se que essa diversidade deriva necessariamente da ecologia, como é aqui de- fendido por Ynestra King: IJm ecossistema saudávçl e equilibrado, que inclua habitan- tes humanos e náo humzrnos, deve maÍlter a diversidade. No plano ecológico, a simpiilicaçáo ambientai é um problema ráo importante quanto a poluiçâo arnbiental. A sirnplificaçáo bio- lógica, isto é, a eliminaçáo de espécies inreiras, corresponde à redtrçáo da diversidacle humana a trabalhadores sem rosro, ou à homogeneizaçáo do gosto e da cultura pelos mercaclos dc consumo de tr-rassa. A vida social e a vida natural sáo iireral- mente simplificaclas â ponto de chegarem ao inorgânicoi para conveniência d.a sociedade de mercado. Fortanto, precisamos de um movimento global descentralizado que se fundamenr€ em interesses comuns, mas que celebre a diversidade e se - oponha a todas as formas de dominaçáo e vioiência. Poten- cialmente, o ecofeminismo é um moyimento dessa ordem (1989, p.20). Poclemos achar que a diversidade biológica e a diversida- cle culrural sáo valiosirs e clevern ser defendidas) sem aceitarmos a transiçáo, feita sem explicaçáo adeqr-Lada, entre csses conceitos muito diferentes de "diversidade". Nenhuma prova é fornecida para a visáo similar cle Gaard e Murphy de que "a diversidirde cul- tural [...] é uma dimensáo que tàvorece a sobrevivência da espécie humana" (1998, p. 6). Aqul, como em alguns outros trabalhos ecocríticos, a terminologia da ciência ecológica é simplesmente apropriada para fins políticos, sem nenhum reconhecimento cla Êcocririca 47 mudança no uso ou da restriçáo do sentidLo. A-lérn disso, como mostÍa o capítulo 3, a idéia de "equilíbri,o" dos ecossistema.s é sumamente problemática no plano científico, e os ecologistas .iá náo afirmam que â divefsidade biológica esteja necessariamente ligada à estabilidade. Claramente, o ecofeminismo radica] funciona como uma inspiraçáo Para a mudança de vida de mr-iitas Pessoas' mas) colrlo filosofia c.itica, seu irracionalismo e seu essencialismo sáo graves limitaçóes. Ecofeministas como Tarren e Plumwood' entretan- ro, emPregam percepçóes sociais e filosófic'm que conferem a e'§sa por,.rrn .rln itqf"Ádidade, aicance e rigor muito maiores' Isso ,. ,.fl.,. na importância crescente da crír.ica literária e cuLtural ecofeministâ no camPo da ecocrítica, bem como nas análises complexas que os ecáfeministas sabem fazer, por exemplo.' ,dos prolri.-r, pàp.rlaciorruis, que ultrapassam em muito a capaciclade ài"grrórti." e prescritiva d.as análises rudimentares dos adeptos cla ..Jloglu profrr,.l, (CUCMO, 1994)' Os ecofeministas tambérn têm oferecido críticas argutas da globalizaçáo, do livre comércio e do "desenvolvimento internacional", que vinculam seu projeto tanto às posturâs politicamente orientadas que se assóciam à eco- logla soáal . ," ..orr,"rxismo quanto à ecologia profunda' com suá orientaçáo ética e espiritual (SFIIVA, 1989)' Ecoloçre socIAI- E ECoMARxISMo Tal como o ecofeminismo, as Posturas acy-ri discutidas náo sugerem que os problemas ambientais sejam causados ape- nm po", atituáes antropocêntricas, mas decorrern de sistemas de dominaçáo ou exploraçáo de seres humanos por outros se- res humanos. Concentrando-se nessas relaçóes intra-especíÊ- cas, elas perpetLlâm, segundo os adeptos da ecologia profunda' o ,rrrropà.entrismo que deveria ser o alvo de qualquer críticr centrrd, na Terra. Ao mesrno temPo, os; ecologistas sociais e os ii I i; ss+, -'
  • 24. ( { ( '( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( l :l ii tl l i.l fi, Greg Garrard ecomârxistas lamentain o individualismo e o misticismo dissemi- nado da ecologia profunda, que' no dizer deles, rePresentâm um retrocesso do pensamento racional e do verdadeiro engajamento político. A ecologia social e o ecomarxismo sáo explicitamente políticos e têm origens no pensamento radical do século XIX: no anarquismo de Mikhail Bal<unin (LBI4-1876) e Fyotr l(ropotkin (1842-1921) e no comunismo de Karl Marx (1818-1883) e Frie- drich Engels (1 820-1895). A ecologia social e o ecomarxismo compartilham com os economistas cornucopianôs, a quem se opóern diametralmente no plano político, a percepçáo crucial de que a idéia de "iimites" ecológicos é uma espécie de mistificaçáo. O medo de se "ulrrapas- sar" a capâcidade dos sistemas naturais de fornecer recursos e ab- sorver resíduos impregna a ecologia profunda e o ambientalismo, porém essa análise obscurece o modo como a escassez é criada por formas capitalistas de produçáo que dependem da manipulaçáo da dinâmica de oferta e procuÍa. AIém disso, a tecnologia modifi- câ essâ dinâmica, tanto por dar origem a novas demandas quanto por contrabalançar ou exacerbar â escassez, por meio de processos modificados de extraçáo ou produçáo. Em outras palavras, "escâs- sfz" náo é um simples fato objetivo do mundo naftrral, mas umâ funçáo da vontade e dos meios do capital: dos fins que norteiam a produçáo e das recnologias que a facilitam. Modificando-se a estrutura política da sociedacle, para que a produçáo clestinada a atender às necessidades reais substitua a produçáo paÍa a acumu- laçáo de riqueza, afirma-se, clesaparecerá o problema ecológico dos limites produzidos pela necessidade estrutura-l de crescimenro perpétuo que rem o capital. VaJ,e a pena norar que, embora essa tese seja persuasiva no tocante aos recursos minerais, ela é muito menos convincente quanclo aplicada a recursos náo substituíveis e economicarnente invisíveis, como novos lençóis aqüíferos ou biodiversidade. Os ecologistas sociais, a maioria dos quais reconhece o filósofo político Murray tsookchin comíf, seu guru intelectual, Ecocrítica compartilhâm com os ecomarxistas uma visão distintiva do lugar dos seres humanos na natureza. Dizem eles que o monismo eco- cêntrico recomendado pelos adeptos da ecologia profunda é fa-lso, pois, embora se suponha que os seres humanos são "parte cla natu- reza", muitas d.as coisas feitas pelos humanos ainda sáo retratadas como "antinaturais", com isso reintroduzindo o dua-lismo que eles tentavam superâ-r. A esse falso monismo se opóe uma perspectiva dialética que considera a evoluçáo da cultura humana, ou "segun- cla natureza", a partir da "naturezâ prirnárial', nurn processo contí- nuo em que cada uma define e transforma â outra: Mao [...] recoúecia a prioridade de uma natureza "externd' ou "primárid' que teria dado origem à humanidade. Depois, no entanto, os seres humanos mabalharam nessa natureza 'primá- ria'e produziram uma "segunda' natureza: as criaçóes materiais da soci,edad.e, somadas a suas instituiçóes, idéias e valores. Esse processo, como frisa Bookchin 1,...1, fu parte de um processo de evolução naturaldasociedacle (PEPPER, 1993, p. 108). Os ecomarxistas e os ecologistas sociais, portanto, náo sáo mo- nistas nem duaiistas. Uma das conseqüências dessa visáo é que os problemas ambientais náo podem ser claramente divorciados de coisas mais comumente definiclascomo problemas sociais, tais como a precaricdade cla habitaçáo ou a falta de água potável. lsso confere a tais postlrras uma clara afinidade com os movimentos de justiça ambiental que protestam contra a associaçáo comum da clegradaçáo ambiental aguda e da poluiçáo com a pobreza. Alinhando-se com o pensamento mamista tradicional, os ecomarxistas aflrmam que há um conflito estrutura-l enüe os rra- balhadores e os donos clos meios de produçáo, no qual esres úi- timos extraem ir mâis-valia criada pelo trabalho do proletariaclo. Essa exploraçáo objetiva está no cerne de todas as ourras formas
  • 25. ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( i0 (ireg Galrard de exploraçáo e opressáo, como a6rma Pepper: 'A verdadeira so- ciedaãe comunisra pós-revolucionária será desprovida.de classes e, quando houver atingido esse estado, a dirupçáo ambiental, a erploraçáo econôrnica, a guerÍa e o patriarcado feneceráo, por náo mais serem necessários" (1993, p. 207-208). Contra essa vi- sáo de umâ economia planejada com base na necessidade, e náo na ganância, a ecologia sociai promove uma sociedade descentra- lizada, de afiliaçóes náo hierárquicas, confessadamente derivada de uma tradiçáo política anarquista: Uma unidade fundamental será a clmLtna, uma pequena co- munidade estreitamente unida, baseada no arrror, naamizade, em valores compartilhados e no compromisso com uma vida em comum [...] instituiçóes cooperativas formar-se-áo em todas as áreas da vida social: associaçóes mutualistas para a assistência e a educaçáo das crianças, para a produçáo e a dis- tribuiçáo, para a criaçáo de cultura, para a diversáo e o prazer, para a reflexáo e a renovaçáo espiritual. A organizaçáo basear- se-á náo nas demandas de poder, mas na auto-realizaçáo das .. petsodr corrro seres sociais livres (CLÁRK, 1990, p. 9). Se os ecomarxistas identificam o conflito de classes como a questáo política principal, os ecologistas sociais opóem-se às rela- çóes de poder e hierarquia que, a seu ver, afligem todos os tipos de sociedades, sejam elas capitalistas ou socialistas de planejamento central. Em lugar de uma revoluçáo dos trabalhadores, os ecolo- gistas sociais epregoem estilos de vida exemplares e comunidades que prefigurem uma transformaçáo social mais geral e que dêem às pessoas uma prática de convívio sustentável e de democracia participativa. O ecomarxismo, atualmente, parece ser uma força mar- ginal na política verde das naçóes ricas, emborâ seu papel nos Ecocrítica 51 movimentos de justiça ambiental do Te,rceiro Mundo seja mais significativo. Entretanto, ele sofre da associaçáo com os horrores ambientais perpetrados pela antiga Uniáo Soviética e por seuts sârélites do Leste Europeu. Por outro lado, a ecologia social e o anarquismo, em linhas mais gerais, parecefir vir experimentanclo um ressurgimento nos movimentos entiglobalizaçâo e biorregio- nais. O anarquismo tem â vantagem de náo exigir um esquivo proletariado revolucionário para a sua realizaçáo e, claramente, é receptiyo a Lrma gama de movimentos contrâculturais. Náo obs- tante, os marxistas têm ruzáo de enfatizar o poder e o alcance penetÍântes do capital global, bem com,o a provável inutilidade de atos de rebeldia praticados por indiv'íduos ou por pequenos grupos, frouxamente úliados, contra urn punhado de seuq sírn- bolos, mas náo contrâ qualquer de suas estruturas essenciais. Ape- sar dessas cliferenças, no texto que se segue, os adeptos dessas duas posturas seráo chamados de "ecologistas r;ociais". E corilo soF rA FIETDEGGERIANA Embora seja indubitavelmente marginal ao pensâmen- to político verde, a filosofia de Martin l{eidegger (L889.1976;) tem inspirado vários ecocríticos. Ela parece impenetrável para o iniciante, mas alguns críticos afirmam que o pensamento hei- deggeriano está entre as críticas mais profundas à modernidade industrial, porque combina uma reverência poérica anre o ser da Terra com uma desconstruçáo selvagem do projeto de do- minaçáo do rnundo, negador da rnorte, que somos ensinados zL chamar de "progresso" (ver FOÍ:IZ, 1995; GARRARD, t99B; ZIIIMER.MAN, 1990 e 1993). O ponro de partida de Heidegger é a diferença funda- mental enrÍe a mera existência material e a revelaçáo do "ser", ou a "coisice" das coisas. "SeÍ" náo é apenas existir, mas "epare- cer" ou desvelar-se, o que requer a consciência humana ao*o "
  • 26. 52 Cre1Garrard - espaço ou a "clarei rd' (Lichtung) dentro e por meio da qual ele se desvela: t'No fundo, o comum náo é comum: é extraordiná- rio" (HEIDEGGER, 1993' p. tr79). Mais uma Yez, o problema do dualismo é menos resolvido do que deslocado, uma vez que o ser só "é" por meio dessa clareira, e o ser humano, Por sua vez, realiza-se propriamente no cleixar-ser dos seres em seqt "espaço" de consciência. A clareira e o que nela se desvela têm necessida- de mútua um do outro, assim como a Terra provedora de abrigo fornece as enticlades a partir das quais o ser humano funda urn mundo: "A pedra náo tem mundo. A planta e o animal também náo têm mundo, mas pertencem à aglomeraçáo velada de um meio em que estáo ligados. A camponesa, por outro lado, tem um mundo, porque habita o desvelamento dos seres" (p. 170). A relaçáo entre o ser e a clareira, ou a Terra e o mundo, náo é simples, entretanto, porque a receptividade ou a sintonia entre eles pode ser mais ou menos responsável, e os sêres podem ou náo "deixar-se ser" (isto é, clesvelar-se, aparecer, emergir) . For- tanto, os seres humanos responsáveis têm o dever implícito de deixar que as coisas se revelem à sua própria maneira inimitável, emyez de forçá-las a se enquadrar em significados e identidades que convenham aos valores instrumentais dos próprios huma- nos, IJma das formas cruciais do deixar-ser adequado, ou do desvelamento desimpedido do ser, é a poesia: a linguagem, espe- cialmente a linguagem poética arcaica ou oblíqua, corretamente entendida, desvela-nos o próprio ato de desvelamento. Permite que o próprio aparecer apareça. Por outro lado, Heiclegger des- cartava a conversa cotidiana, porque ela nos revela a linguagem e os seres como meros instrumentos de nossa vontade; as pala- vras descartáveis correspondem a um mundo de coisas descartá- veis. Pior ainda, as coisas podem emergir como meros recursos prontos para nosso uso, quando necessários, de inodo que uma floresta viva pode apÍesentâÍ-se meramente como LlÍnâ "reserva permanente" (Bestand) de madeira, náo mais sequer como árvo- res, mas apenas como macleira-à-espera, e até o poderoso Reno Ecocrítica pode revelar-se uma simples fonte de energia hidreletrica. Na meditaçáo sobre a palavra poética, entretanto, descobrimos que "a linguagem é a casa d"o ser, na qual o homem ex-siste por- hahi- tá-la' (HEIDEGGER, 1993, p.237), e Heidegger afirma que a essência dos seres, sua autonomia e sua resistência a nossos pro- pósitos sáo desveladas por uma linguagem similarmente resis- tente. Por meio da poesia, portanto, aprendemos que "o homern náo é o senhor dos seres. O homem é o pastor do Ser" (p.245). Aprendemos a resistência ao instrumenta-lismo ou ârrazoamento (Ge-stelt1,t que sempre desvela os seres em seus termos estreitos e reducionistas, Buscamos uma sintonia com a demanda que os seres nos fazern de desvelá-los sem coerçáo. Ou seja, aprendemos a deixar que osi seres sejam. Graças a.o papel axial que Heidegger atribuiu à obra de arte, no que chamou de "salvar a Terra", sua filosofia tem atrativos óbvios para os ecocríticos. No entanto, muitos filósofos aÊrmam que os escritos heideggerianos sáo virulentamenre anti-racionais, além de enfurecedoramente difíceis de ler. Outrossim, de Ig34 a 1945,Heidegp;er foi um nazista entusiástico, confiante em que Hitlêr poderia conduzir a Alemanha na salvaçâo daTerra. A1guns filósofos consi.,Jeram que isso náo tem nenhuma influência em seu pensamento, enquanto outros discernem uma profunda con- gruência entre a filosofia e a política heicleggerianas. A situaçáo complica-se airnda mais pelas afirmaçóes cle alguns historiadores de que o nazisrno inicial incluiu elementos ambienralista,s. O iugar de Heidegger na ecocrítica será mais detidamenre examinado no Capítulo 7. L Sigo aqui o uso proposto por Ernilclo Srein em sua traduçáo de "O principio da idenridade", no volume Heideger, Coleçáo Os pensadores, Sáo Paulo: Abril Cultural, 1979. Outros textos, ao traduzir Gestell, utilizam os rermos armaçáo, composiçáo ou estrurura (N. da11). t ( 51 ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( i:
  • 27. ô I ,i, t1 ll ,l tl:' ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( .Ecocritlca )) PASTORAN" Desde as reaçóes poéticas do movimento do romantismo àRevoluçáo Industrial, ,^p"rrorr.l ,._'*.fardo de forma decisivanossas construçóes da natureza . Talvez até a ciênci" da ecologiatenha sido moldada pela pastoral, ,r"rfri_uiras erapas de seu de_senvolvimehto, e vimos que o texro fundrdor da ecocrític a, SilerutSpring, recorreu à tradiçáà prstoril. N.;;"- ourro rropo está táoprofundamente arraigado .r" ..,Iur." À"id.orrl, nem é táo Dro_fundamente problemãdco para " "*Àr.r,ri;. ffi i.fiflr..no período clássico, a pastoral mostrou-se infinirarnente maleávelpara fins políticos diferentes, . p"r...i"i-ente nociva em suastensóes e evasóes. Enrreranro, sualonga história e sua ubiqild;decultural significam que o úopo bucóIco deve continuar e conri-nuará a ser de interess. f.r.,d"m.rrtJ;;;, os ecocríricos. O que vem a ser, afina.l., .r." ,rràiçáo ,p"rroril,l, . lud e ,,r,importância para o ambientalis*"? G;;tifford distinei.lJ, ,i-pos de bucolismo: a tradiçáo ._rp.cific#.nte literária, que envolveuma sarda da cidade Dara o refrigio ,ro ."_p", originária da antigaA.lexanclria e que se ,orrou uma forma poética fundamental naEuropa, durante o Renascimenro; em linh"s *"i;-g;;.,^tü;quer literatura que descreva. o ..*po ,rurr, .o.r,raste implícitoou explícito com o ,:!r"".. (1g99,í ,i," rum sentido pejorati-vo, ro qual "pastoral,, impiica ,r_, ia.iiraçáo da,id^;1J;;. obscurece as rea-ridades do trabarho e das agJuras do campo. Estecapítulo explorará essas rrês manifesraçóo ão ,rofoi vq.PU' Chamarei o primeiro dos ,,tipos,, d. çidrJ de ,,pasroraJ clássica', que entendo como incluindo ."d"; li;;;rl,r"ílrlr.,, aré o século xwII. A pastorar crássica precedeu .- -'riri*., a.anos a percepçáo de uma crise geral na ecologia t u..r"oo-*n, f"r_ nece o contexto preexistente de convençóes literárias e pressu,o§_ ros culturais que foram transformador, à. for*r.;;.;i,;;;. proporcionar aos europeus e aos euro_a:nericanos um modo de consffuir suas pa-isagens. o contraste de Gifford enrre o ;;" .a cidade destaôa-se na pastoral românticzr, numa época em que a urbanizaçáo em massa tornou releyantes número muito maior de pessoas o;õ'::?::iTüTflil:;# posterior da poesia romântica fo.n..zu , lingurg.rir,;l;;;.". e até os locais para a generalizaçáo subseqü"Á,.ã" p".*rJ,-roi, formas culturais táo variadas qu"n,o o romance, a televisáo ou os materiais de propaganda das àrganizaçôes conservacionistas. osanúncios modernos de páo d. trigo integral q,r. *orrrrÀ-raitr.r, ca{npos de trigo balançando ,o ,o-1, porrádo, por l"urrao..;.;rr_ dos, e tendo ao fundo uma melodia clássica, seriam um exempl,: llr'^"^, ? :..eiro tipo de Gifford, qu. f"t" áo ,;;r,d.;Er*;i""da palavra, surgiu especialmente nas críticas rnarxistas "o ,o-.r-tismo, g qu. proporciona um rerreno fi3rtil para conrrura"r*o, essa tradiçáo da crítica da curtura com a e.o.ríiica. Alguns ..r.ri-ticos afirmam, por exemplo, que a sensibilidade ,_bi;; ;r_gente da pastoral romântica ,ug.." uma espécie de radicarisrno náo reconhecido pelos críticos poríri.o, antropocêntricos. Ás de- rivaçóes do modelo romântico àependem, é craro, dos conrexros em que se desenvolveram, e a pastoral norte-arnericana seguiu sua própria trajetória distinta, em resposta a uma história ambiental e social muito diferenre da vivida na Grá-Bretanha. No il;;:;.capítulo, disc'tirei como a "ecologia pastorir" promoveu ia.i^ a-harmonia essenciai dz ambientalist, d. hol.lnatureza que ainda prevalecem no discurso L: