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e os Sete Sermões aos Mortos
STEPHAN A. HOELLER
A GNOSE DE JUNG
os Sete Sermões aos Mortos
Tradução
SANDRA GALEOTTI
SONIA MIDORI YAMAMOTO
EDITORA CULTRIX
Sâo Paulo
Título do original:
The Gnostic Jung and the Seven Sermons to the Dead
Ediçio _________ Ano
~ 2- 3- 4- 5- 6-7 8-9 ’ . 91- 92- 93- 94-95
Direitos de tradução para a língua portuguesa
adquiridos com exclusividade pela
EDITORA CULTRIX LTDA.
Rua Dr. Mário Vicente, 374 - 04270 - São Paulo, SP - Fone: 272-1399
que se reserva a propriedade literária desta tradução.
Impresso nas oficinas gráficas da Editora Pensamento.
Carl Gustav Jung com o seu anel Gnóstico.
{Foto de Cartier-BresSOn)
Para Kristofer, um verdadeiro filho de Hermes,
que trouxe a mediação da Conjunção para muitos,
inclusive para.o autor.
Sumário
Prefácio .................................................. ........................................ 11
Prólogo............................................................................................. 13
Capítulo I: A Gnose de C. G. Jung
Uma Ciência Nascida do Mistério.............. .......................... 34
Pregando aos Mortos .............................................................. 41
Afinal, Quem São os Gnósticos?........................................... 45
Jung e o Gnosticismo.............................................................. 52
Jung e a Gnose Pansófica....................................................... 59
Jung e o Novo Gnosticismo .............. ................................... 69
Capítulo II: VII Sermones ad Mortuos
(Tradução do Texto Originaldos Sermões) . . .................. 85
Capítulo III: Interpretação dos Sete Sermões
Preâmbulo —O Sábio, a Cidade e os Mortos......................101
O Primeiro Sermão: A Plenitude Vazia............................... 108
O Segundo Sermão: Hélios, a Imagem de Deus . . . . . . . . 121
O Terceiro Sermão, Parte 1: Abraxas, O Arauto Celestial 129
O Terceiro Sermão, Parte 2: O Deus Desconhecido de
Ju n g ................................................................................. .. 139
O Quarto Sermão: A Sarça Ardente e a Árvore da
V ida.........................................................................................156
9
O Quinto Sermão: As Duas Comunidades —Cidade-Mãe
e Fortaleza-Pai.......................... ........................................184
O Sexto Sermão: A Serpente e a Pomba.............................207
O Sétimo Sermão: Rumo ao Lar Entre as Estrelas..........238
Epílogo ......................................................................................269
Apêndice: Notas do Tradutor (Dos Sermões para o
Inglês) .............. .......................................................................287
N otas................................................................ ....................... .. 289
Glossário Gnóstico Quintessencial ........................................ 293
Bibliografia Selecionada............................................................295
índice analítico ..........................................................................298
10
Prefácio
A essência dos comentários sobre os Sete Sermões aos Mortos
foi apresentada pelo autor numa aula de psicologia da religião
no Institute for the Study of Religion East and West da Univer­
sidade da Califórnia, em Los Angeles, durante a primavera de
1977. O Prólogo, “Premonição de um Mundo de Sombras a que
não se pode escapar” foi publicado pela primeira vez em Psy-
chological Perspectives (do C. G. Jung Institute, de Los Angeles),
edição da primavera de 1982.
Os mais sinceros agradecimentos do autor aos seguintes
colaboradores deste livro:
A Academy of Creative Education e seu presidente, dr.
James C. Ingerbretsen, pela doação de fundos que possibilitou
escrevê-lo.
Ao Ourobouros Circle o f Beverly Hills, Califórnia, e seus
generosos anfitriões, sr. e sra. Arthur Malvin.
A Irene Malvin, especialmente por criar e doar seu desenho
de Abraxas para este trabalho.
Ao professor John Algeo, por ler o manuscrito e por enri­
quecê-lo com valiosas sugestões.
11
Prólogo
PREMONIÇÃO DE UM MUNDO DE SOMBRAS A
QUE NÃO SE PODE ESCAPAR
Era o ano de 1949. Uma profunda camada de neve encobria
o contorno das esplêndidas construções barrocas da velha cidade
de Innsbruck. A venerável capital da terra do Tirol parecia
despovoada pela força implacável do inverno alpino. A larga
avenida que leva o nome da Imperatriz Maria Teresa, matriarca
amada dos estados unidos da Europa oriental há muito extintos,
estava sem os transeuntes vespertinos, que haviam fugido do frio
abrigando-se onde podiam. Abrigos aquecidos era coisa rara.
A falta de material para aquecimento deixava a maioria dos edi­
fícios públicos e muitos dos privados sem calor. Mesmo as
históricas salas da famosa Universidade de Innsbruck abrigavam
massas trêmulas de estudantes pesadamente vestidos e amontoa­
dos em torno dos professores, cuja erudição era suplantada
apenas pelo desconforto dos alunos. Quitandeiros. desanimados
ofereciam um estoque deficiente de vegetais queimados pelo
frio, enquanto soldados da cavalaria marroquina e da infantaria
senegalesa do exército francês de ocupação vociferavam, amal­
diçoando o dia em que seus generais decidiram aquartelá-los
naquela terra de neve e gelo. Felizes de fato eram os homens,
mulheres e crianças que pudessem abrigar-se em um quarto
aquecido num dia como aquele.
Numa pequena rua lateral no centro da cidade, duas figuras
que usavam chapéu, sobretudo e cachecol dirigiam-se rapida­
13
mente para um desses locais abençoados, sob a forma de uma
sala pública de leitura, mantida pelo Serviço de Informação
dos Estados Unidos da América para o enriquecimento intelec­
tual — e por acaso, ou nem tanto, para o bem-estar físico —da
população.
Ali, em meio a livros e periódicos impressos em vários idio­
mas, todos difundindo os ideais dos quatro mais ricos e gene­
rosos poderes de ocupação; exaustos e enregelados refugiados
do inverno tirolês reuniam-se com bastante freqüência. Os
dois personagens a que nos referimos fugiam não apenas do
frio mas também de outras formas mais duradouras de adversi­
dade. Tratava-se de refugiados da pátria vizinha, a Hungria,
que vieram residir, ainda que temporariamente, no país irmão,
a pátria imperial austríaca de muitos povos da Europa oriental.
O mais antigo dos compatriotas tinha uma aparência singular­
mente impressionante, bem como credenciais também impres­
sionantes nos campos do saber, da religião e da vida pública.
O professor J. era padre da Igreja Católica Romana e, até há
pouco, membro da Companhia de Jesus, da qual se afastou
com a aprovação oficial da Igreja, embora mantivesse a condi­
ção de sacerdote. Por muitos anos, ele foi conhecido como
eminente luminar do mundo acadêmico em seu país e o mais
jovem professor a obter cátedra numa universidade húngara.
Autor de inúmeros livros eruditos sobre filosofia e reconhecido
especialista em Existencialismo, conhecia pessoalmente
Heidegger, Jaspers e Jean-Paul Sartre. Em 1945, seu nome
figurou entre diversos indicados para o principal arcebispado
da Hungria, que legava a liderança da Igreja do país todo, mas
foi preterido em favor do trágico e heróico prelado, o Cardeal
Mindszenty, cuja prisão escandalizou o mundo inteiro poucos
anos depois. Nessa época, o professor J. vivia em tranqüilo
semi-retiro na Áustria, uma figura austera e misteriosa conhe­
cida apenas por alguns compatriotas seus e mantendo contato
pessoal com um número ainda menor deles. Um dos escolhidos
14
com quem conversava regularmente era o seu agora compa­
nheiro de caminhada invernal, um jovem e precoce estudante
de filosofia, com aspirações ao sacerdócio. Esse rapaz — que
não era outro senão o autor deste estudo — estranhamente
havia chamado a atenção do retraído professor, que parecia
divertir-se com sua grande atração por religião, combinada
com uma linha não convencional de pensamento e exuberân­
cia juvenil. “Gosto de você, meu jovem Barão”, disse ele em seu
primeiro encontro; “Numa época anterior, você poderia ter-se
tornado um verdadeiro herege e seria queimado pelos domini­
canos! ” Esse promissor comentário inicial desenvolveu-se num
clima de amizade, salientado por encontros quase que diários
na sala de leitura da biblioteca americana e, em raras ocasiões
de momentânea prosperidade, num bar próximo, acompanha­
dos de café turco e conhaque francês.
—Talvez tenhamos um presente para você esta tarde —
disse o professor a seu companheiro. — Um livro estranho está
a caminho e certamente irá interessá-lo.
— Um livro estranho? Qual é o seu conteúdo e autoria?
—Fui informado de que se refere a seus velhos amigos, os
hereges gnósticos a quem você nunca cessa de elogiar e, além
disso, escrito por um homem por quem você se interessa, o
temível dr. Jung.
—O psicólogo suíço que vive do outro lado dessas monta­
nhas e tem fama de feiticeiro praticante da boa e antiga tra­
dição das bruxas e dos alquimistas? - perguntou o jovem, não
sem algum excitamento.
— Ele mesmo. O Hexenmeister (feiticeiro) de Zurique em
pessoa.
Assim, tendo o professor anunciado a intrigante notícia, os
dois enregelados viajantes entraram na sala de leitura e, após
tirar os sobretudos cobertos de neve, instalaram-se bem à von­
tade em uma mesa grande, devidamente desocupada na extre­
midade mais afastada da sala. A bibliotecária austríaca cumpri­
15
mentou respeitosamente o Hochwurdiger Herr (Senhor Reve­
rendo) como de costume, enquanto depositava diante dele
diversas publicações referentes ao material de leitura habitual
do professor. Os dois companheiros envolveram-se numa nuvem
etérea de silêncio e conforto erudito, deveras avolumada pelo
calor agradável da sala tão generosamente aquecida com fundos
do Plano Marshall. Passou-se uma hora.
Ao abrir da porta e os sussurros de excitação da bibliotecária
anunciaram a chegada do esperado portador das maravilhas
psicológicas e heréticas que — de acordo com o professor J. —
devia juntar-se a eles em seu presente refúgio. Abordou-os um
indivíduo pequeno e sem muitos atrativos, com duas carac­
terísticas pouco comuns — uma abarrotada pasta enorme e
um colarinho clerical projetando-se do gasto sobretudo preto,
que logo revelaram-no como o padre Z., um sacerdote húngaro
itinerante, cujos ofícios envolviam freqüentes viagens por
países como Áustria, Suíça e Itália.
O visitante aproximou-se da mesa em silêncio e curvou-se
solenemente diante do professor.
—Laudetur Jesus Christus (J^ouvado seja Jesus Cristo) —
disse ele, à maneira tradicional da saudaçãò latina do clero
monástico da Hungria.
—In aeternum. Amen. (Por toda a eternidade. Amém.) — o
professor e seu companheiro responderam devidamente, enquan­
to o visitante sentava-se em silêncio numa cadeira vazia junto à
mesa ocupada por seus compatriotas. Em tom abafado porém
discretamente audível, seguiu-se uma conversa de considerável
duração. O tópico inicial girou compreensivelmente em torno
de fatos iminentes e caros a corações ansiosos. Relataram-se
os últimos movimentos da ditadura comunista na Hungria; os
mais recentes encarceramentos de padres e freiras, os julgamen­
tos espetaculares de membros do alto clero, a captura e prisão
de desafortunados amigos e parentes. As esperanças sussurradas
pela comunidade no exílio, a possível queda da tirania apoiada
16
pelos russos devido a pressões políticas das nações ocidentais,
as esperanças do Vaticano, as irresoluções de políticos de todo
o mundo, a condição dos inúmeros refugiados nos campos e
outros locais espalhados pela Europa Ocidental —esses e outros
assuntos correlatos foram narrados e discutidos, acompanhados
pelo franzir de sobrancelhas e por olhares aflitos. Finalmente,
mitigadas as urgências e respondidas as indagações ansiosas, era
hora de tratar do assunto há muito esperado.
— Meu amigo — disse o professor, revelando grave delibera­
ção na voz —, você falou-me esta manhã de um pequeno livro
escrito pelo dr. Jung. Trouxe-o com você?
O padre Z. abriu a pasta devagar e com cuidado, e começou a
vasculhar seus repletos recessos. Após alguns minutos, ele puxou
um pequeno volume e depositou-o sobre a mesa, onde tanto o
professor como seu jovem amigo pudessem vê-lo facilmente. O
professor abriu-o, colocando-o numa posição em que a luz ilu­
minasse as páginas de forma mais eficiente. Os três homens
olhavam com extasiada atenção. À sua frente estava um livro
pequeno de encadernação cara, impresso num tipo muito deco­
rativo em papel artístico semelhante a pergaminho. As primeiras
letras de cada breve capítulo pareciam nada menos que as ini­
ciais elaboradas dos manuscritos medievais, e uma moldura
circundava o texto em cada página, deixando margens bem
largas com numeração em algarismo romano. O livro estava
escrito em alemão, como se podia notar à primeira vista devido
ao antigo tipo gótico há muito em desuso. A despeito do texto
em alemão, o livro trazia o título em latim, com letras esmera­
das e artísticas na página de rosto. Lia-se:
VII Sermones ad Mortuos
Identificava-se o autor numa linha abaixo do título como
Basilides, e o local onde foi escrito como Alexandria, a cidade
onde Oriente e Ocidente se encontram.
17
Ruborizado, o jovem empertigou-se como se tivesse sido atin­
gido por um soco. Com esforço e a respiração suspensa, pergun­
tou ao padre: — O professor J. disse-nos, e o senhor pareceu
concordar, que o livro foi escrito pelo dr. Jung. Por que então
traz o nome de Basilides, o famoso herege gnóstico de Alexan­
dria, no Egito? O senhor tem certeza de que este é o livro
certo?
— Sim, barão, é este o livro, Os Sete Sermões aos Mortos.
Deixe-me contar-lhe rapidamente sua história para que possa
compreender. Ele foi escrito pelo dr. Carl Jung em 1916, mas
jamais levado a público. Esta é uma cópia muito rara da edição
impressa em particular por Jung, para uso de alguns de seus
amigos mais íntimos. De fato, este volume foi oferecido por
Jung há muito tempo a um médico da Holanda, que antes de
morrer deu-o a um prelado italiano em visita à Igreja da Holan­
da e profundamente interessado em psicologia. O velho monsig-
nore, que agora se encontra no Vaticano, entregou-o a mim por
razões muito semelhantes. Como você deve ter ouvido, o
dr. Jung tem um interesse maior que d normal pelos antigos
gnósticos e, assim, usou o nome de Basilides como um pseu­
dônimo neste caso particular.*
—Ele não é único a sentir-se fascinado pelos gnósticos —
sorriu o professor J. — O jovem barão também não é lá muito
ortodoxo em suas idéias. Mas vamos examinar melhor o livro.
O texto do volume era na verdade tão bizarro e fascinante
quanto prometia a página de rosto. O primeiro capítulo, inti­
tulado “Sermo I”, começava com a ominosa sentença em
alemão:
Die toten kamen zurück von Jerusalem, wo sie nicht fanden, was
sie suchten. Sie begehrten bei mir Einlass Und verlangten bei mir
Lehre undso lehrte ich sie:
* Ver apêndice I, notas do tradutor dos Sermões para o inglês.
18
Höret: ich beginne beim Nichts, das nichts ist dasselbe wie die
fülle. In der Unendlichkeit ist voll so gut wie leer. Das Nichts ist leer
und voll. Ihr könnt auch ebenso gut etwas anderes vom Nichts sagen,
z.b. es sei weiss oder shwarz oder es sei nicht, oder es sei. Ein unendli­
ches und ewiges hatkeineEigenschaften,weilesalleEigenschaftenhat...
* **
Os mortos retomaram de Jerusalem, onde nao encontraram o que
buscavam. Eles pediram para ser admitidos a minha presença e eocigi-
ramserpor mim instruídos; assim, eu os instruí:
Ouvi: Eu começo com nada. Nada é o mesmo que plenitude. No
estado de infinito, plenitude é o mesmo que vazio. ONada é ao mesmo
tempo vazio e pleno. Pode-se também afirmar alguma outra coisa a
respeito do Nada, ou seja, que é branco ou negro existente ou inexis-
tente. Aquilo que é infinito e eterno não possui qualidades porque
contém todas as qualidades ...
Eles continuaram a ler o primeiro capítulo ou sermão até
que o jovem dirigiu-se ao professor: — O que é toda essa obs­
curidade? Eu reconheço a palavra Pleroma, a Plenitude sobre a
qual os antigos gnósticos escreveram, e algumas outras idéias
que vi expressas pelos Padres que escreveram a respeito ou,
antes, contra os gnósticos. Contudo, não consigo compreender
de jeito nenhum este suposto sermão!
O professor replicou de imediato: —Trata-se de uma descri­
ção do Absoluto, do indescritível. Não me surpreende que o
dr. Jung teria tido dificuldades com ela. Lembra-se da escu­
ridão mística anunciada por Dionísio, o areopagita? Ou
da imprecisão poética das descrições de Meister Eckhart? Sem
dúvida, Jung viu-se à frente de uma tarefa que esses místicos
anteriores também encontraram. Continuem lendo!
A página intitulada "Sermo III” chamou-lhes a atenção a
seguir:
Os mortos aproximaram-se como névoa saída dos pântanos e gri­
taram: '‘Fala-nos mais sobre o Deus supremo! ” —Abraxas é o Deus
19
a quem é difícil conhecer. Seu poder é opoder verdadeiramente supre­
moporque o homem não opercebe de modo algum.
O homem vê o s u m m u m bonum do Sole também o infinum malum
do demônio, mas Abraxas não, pois este é aprópria vida indefinível,
amãe do bem e do mal.
O professor J. interrompeu a leitura do texto. —Oh, sim —
Abraxas. O regente universal gnóstico, cuja cabeça assemelha-
se à de um galo. Como seriam mais coloridas nossas imagens e
pinturas sagradas se tivéssemos conservado algumas dessas estra­
nhas divindades gnósticas! Certamente, as pessoas se cansam
até mesmo da imagem de Nosso. Senhor Jesus Cristo, em espe­
cial aqui na Ãustria, onde ela sempre é folheada a ouro. De qual­
quer forma, Jung conseguiu realmente alguma coisa com a des­
crição que fez do antigo deus-galo. O mínimo que se pode dizer
é que se trata de uma poesia comovente! Ouçam!
E ele continua a ler em voz firme, embora baixa:
Ele éplenitude, unindo-se ao vazio.
Ele é o enlace sagrado;
Ele é o amor e o assassino do amor;
Ele é o santo eseu traidor.
Ele é a luz mais brilhante do dia, e amaisprofunda noite da loucura.
Vê-losignifica cegueira;
Conhecê-lo é doença;
Adorá-lo é morte;
Temê-lo é sabedoria;
Não resistir-lhe significa libertação.
Após um breve período de silêncio, o padre Z. retomou a
leitura em voz alta:
Assim é o terrívelAbraxas.
Ele ê o mais poderoso ser manifestado e, nele, a criação toma-se
temerosa de si mesma.
Ele ê oprotesto revelado da cfiação contra oPleroma e seu nada.
Ele ê o terror dofilho, que ele sente estar contra amãe.
20
Ele é o amorda mãepelo seufilho.
Ele é oprazerda terrae acrueldade do céu.
Diante dasuaface, o homemficaparalisado.
Diante dele, não hánempergunta nem resposta.
Ele é avida da criação.
Ele é aatividade da diferenciação.
Ele e o amordo homem.
Ele e apalavrado homem.
Ele è tanto o resplendorcomo asombra do homem.
Ele é arealidade enganosa.
— Esse Jung é realmente um poeta — observou o padre
portador de grandes pastas e livros raros. — Essa passagem é
digna de um Goethe ou pelo menos do nosso mais filosófico
poeta húngaro, Endre Ady, que chamou Deus de terrível tu­
barão.
— Tubarão ou galo, é quase a mesma coisa. Deus é terror e
trevas tanto quanto amor e luz. De que outra forma se poderia
explicar Auschwitz e as câmaras de tortura da Sibéria e de
Budapeste manipuladas por Stalin e correligionários? O profes­
sor J. balançou a cabeça e seus longos cabelos brancos caíram
em ondas soltas sobre sua fronte.
—Mas não serão essas ações tenebrosas e cruéis da alçada do
diabo, em vez de serem a alçada de Deus? —perguntou o padre
Z.
—Decididamente não, meu amigo. Neste pequeno livro, o
médico suíço declara corretamente que existem incontáveis
deuses e demônios. E, a propósito, o que é um demônio? A
igreja chama-o de anjo caído, e de fato o é. Mas de onde ele
caiu? Do reino da grandeza de Deus ou do Pleroma, a plenitu­
de, como aqui é chamado. Cair significa descer, vir do alto para
baixo. Portanto, os demônios são seres que desceram de Deus
para os níveis inferiores da criação, chamados inferno. Alguns
pensam que a palavra diabolos significa de fato pequeno deus.
Esses pequenos deuses maléficos podem realmente ser respon­
sáveis por instigar alguns erros, mas a responsabilidade final por
21
todo bem e mal deve recair sobre Deus. E é justamente por isso
que o Abraxas de Jung constitui uma imagem mais precisa de
Deus do que aquela a nós apresentada por Santo Tomás e pelos
nossos teólogos, os quais sustentam que o mal é apenas uma
ausência do bem. Os campos de extermínio russos e alemães e
seus autores não carecem apenas de bem; eles são maus.
Era hora de o mais jovem dos três admoestar cautelosamente
o mais idoso: —Parece, professor, que agora é o senhor que está
falando como um herege gnóstico. Certamente um Deus ao mes­
mo tempo bom e mau seria objeto muito insatisfatório de adora­
ção para o povo.
— Se por "povo” o senhor se refere às massas de crentes, en­
tão sem dúvida tem razão. No entanto, seus antigos amigos
gnósticos teriam dito que mais importante do que adorar a Deus
é conhecê-lo e que para conhecê-lo é preciso também conhecer
o mal.
—Concordo com o senhor que isso é o que teriam dito os
gnósticos, mas o que o senhor diz, professor?
—Devo perguntar a mim mesmo se o que eu diria é sábio e
também necessário. Portanto, nada direi.
— Ainda fala como um jesuíta - murmurou o padre Z., arre­
pendendo-se imediatamente da declaração impulsiva.
— Seja como for, sabe-se que os jesuítas sobrevivem quando
muitos outros sucumbem. - O professor voltou sua atenção ao
escrito uma vez mais.
O exame do livro estava chegando ao fim. O último capítulo
oferecia-se ao olhar dos três leitores. Intitulado “Sermo VII”,
tinha na página o número XVII em algarismo romano e começa­
va com uma grande inicial iluminada, a letra gótica D:
Des nachts aber kamen die Toten wieder mit kläglichergebärde und
sprachen: noch eines, wir vergossen davon zu reden, lehre uns vom
Menschen ...
* * *
22
A noite novamente retornaram os mortos, dizendo entre queixas:
— Umacoisamaisdevemos saber,pois esquecemos de discuti-la:
ensina-nos arespeito do homem.
— O homem é um portal através do qual penetramos do mundo exte-
tior dos deuses, demônios e almasnomundo interior —do mundo maior
no menor. Pequeno e insignificante é o homem; logo o deixamospara
trás e assim entramos uma vez maisno espaço infinito, no microcosmo,
naeternidade interior.
Na imensurável distância cintila solitária uma estrela, noponto mais
elevado do céu. Trata-se do único Deus desse solitário ser. E o seu mun­
do, o seu Pleroma, asuadivindade.
Nesse mundo, o homem é Abraxas, o que faz nascer seu proprio
mundo e o devora.
Essaestrela é o Deus do homem e oseu destino.
Elaé asua divindade tutelar; nela, o homem encontra repouso.
A elaconduz alongajornada daalma, apos amorte:
nela reluzem todas as coisas que, ao contrário, poderiam afastar o
homem do mundo maior, com o brilho de umagrande luz.
A esse Sero homem deveriaorar.
Essaprece aumenta aluz daestrela.
Essaprece constrói umaponte sobre amorte.
Ela aumenta a vida no microcosmo; quando o mundo exterior
esfria, essaestrelaainda brilha.
Nada poderá separar o homem de seupróprio Deus, se ele ao menos
conseguirdesviaro olhardofeérico espetáculo de Abraxas.
Homem aqui, Deus lá. Fraqueza e insignificância aqui, eternopoder
criador lá.
Aqui hásomente trevas efrio úmido. Lá tudo ésol.
Tendo assim ouvido, os mortos silenciaram e elevardm-se, como
se eleva a fumaça da fogueira do pastor que guarda o seu rebanho à
noite.
O texto finalizava com quatro linhas de palavras bárbaras,
intituladas “Anagrama”, indicando ostensivamente uma tenta­
tiva por parte do dr. Jung de camuflar alguma mensagem secre­
ta e pessoal mas também possivelmente contendo uma seqüên­
23
cia mágica de fórmulas gnósticas, do tipo amiúde encontrado
nas últimas fontes egípcias.
Os três leitores entreolharam-se de maneira uniformemente
significativa. Uma fria atmosfera de assombro e respeito parecia
cercar a mesa. Mesmo o proprietário do livro, cuja familiaridade
com seu conteúdo estendia-se por muitos anos, fora visivelmen­
te afetado. Ninguém falou por vários minutos.
O silêncio foi quebrado pelo professor J.: —O dr. Jung é um
vidente e um místico no estilo dos magos do Renascimento. Sei
já há algum tempo que existe nele algo mais do que percebem os
olhos acadêmicos. Ao contrário de Freud, ele não teme os obs­
curos mistérios do espírito. Entre seus amigos e colaboradores
encontram-se pessoas com ligações e interesses peculiares e não-
convencionais. Fui informado de que um de seus discípulos
italianos é teosofista, enquanto um seguidor inglês, também
médico, tornou-se devoto de um feiticeiro russo.* Deve haver
também algum vínculo entre ele è o grupo fundado pelo místico
austríaco Rudolf Steiner, com sede na Suíça. Quase todos nós
sabemos que o dr. Jung era fascinado pelo espiritualismo e que
obteve seu doutoramento escrevendo uma tese sobre fenôme­
nos ocultos. Alguns crêem que ele seja um pagão espiritualista,
enquanto outros o acusam de tender ao cristianismo. Este pe­
queno livro derrubaria ambas as opiniões, pois mostra Jung
como uma espécie de gnóstico, o que o colocaria fora da cate­
goria de pagão ou cristão. Fico contente por ter examinado
este memorável documento e sou grato ao senhor, padre.
O discreto sacerdote mal teve tempo de agradecer aos comen­
tários do professor, pois o companheiro mais jovem precipitou-
se na conversa com ardor maior do que o costumeiro: —Também
sou realmente grato, além de limites e palavras. Preocupo-me
* Ver Roberto Assagiolli em Autobiografia Inacabada de Alice Baiyley (Nova York,
Lucis Publishing Company, 1951) ePsychological Commentaries on the Teachingsof
Gurdjieffand Ouspensky (Londres, Vincent and Stewaxd, 1964).
24
profundamente, no entanto, pois me lembro de o senhor ter
dito que este livro é muito raro. Gostaria de poder decorar seu
conteúdo para reter cada palavra. Se existe um livro que eu gos­
taria de possuir, certamente é este!
— Não será preciso sobrecarregar assim a memória, barão,
porque não deixarei Innsbruck até amanhã à noite, e, até lá, o
senhor poderá copiar estas poucas páginas sem muita dificulda­
de. Faça apenas a gentileza de devolvê-lo a mim antes das cinco
horas de amanhã. Estou hospedado no mosteiro franciscano,
próximo daqui
Ele entregou o livro a seu feliz compatriota que o segurou
com mãos trêmulas, guardando-o cuidadosamente no bolso do
sobretudo. —Vou copiá-lo esta noite. O senhor poderá tê-lo de
volta tão cedo quanto o desejar, mesmo antes da missa da
manhã.
Fora, a precoce noite de inverno havia caído. A sala de leitura
havia se esvaziado de seus freqüentadores e a bibliotecária obvia­
mente se preparava para fechar as portas. Após polidos cumpri­
mentos, os três companheiros vestiram seus agasalhos e retira­
ram-se do edifício. A noite de inverno recebeu-os com todo o
vigor, e após caminharem um pouco juntos, eles se despediram,
dirigindo-se a seus próprios destinos. Um dia memorável havia
chegado a termo.
Não totalmente. Um deles não estava preparado para ver o
dia terminar. Nenhum cavaleiro da távola redonda poderia ter
conduzido o Santo Graal com maior reverência e ardor do
que o estudante húngaro ao carregar consigo a cópia dos Sete
Sermões aos Mortos, de Jung. O transporte coletivo frio e lento,
a caminhada do terminal até o alojamento na periferia da cida­
de, as apressadas preparações envolvendo a provisão de quanti­
dade suficiente de papel e uma durável caneta-tinteiro — essas
atividades representaram a auréola dos eventos numa jornada
para o lugar onde uma vida inteira de trabalho árduo e espe­
rança seria recompensada e coroada. A tozinha* local sagrado
25
de operações alquímicas culinárias, foi rapidamente transfor­
mada em escritório noturno, e o entusiástico escriba mergu­
lhou com suprema dedicação numa das mais mágicas atividades
de sua jovem vida.
Página após página, o cuidadosamente produzido manuscrito
veio repousar sobre a sólida mesa da cozinha, preciosa proprie­
dade da idosa senhoria que costumava utilizá-la para numerosas
tarefas úteis, desde o escovar matutino do pêlo de seu cão até o
preparo e o servir das refeições diárias, bem como o passar de
roupas, os freqüentes jogos noturnos com cartas do Tarock me­
dieval, uma variação do antigo baralho mágico conhecido como
Taro. No entanto, jamais essa venerável mesa testemunhou
maior diligência e tão fervorosa devoção.
Passava muito da meia-noite quando a tarefa foi concluída.
Logo seria hora de levantar novamente e correr ao mosteiro dos
franciscanos, para assistir a missa da manhã e, após o seu térmi­
no, devolver o precioso volume ao um tanto quanto titubeante
padre Z., na porta da sacristia.
O trabalho estava terminado, mas o mistério apenas começa­
va. Um mundo de sombras a que não se pode escapar havia per­
meado a luz da vida comum.
* * *
O tempo passou e o mundo mudou; os Sete Sermões conti­
nuaram sendo um objeto de respeito e de interesse para seu anti­
go copista. Treze anos depois, na distante Califórnia, os mortos
“voltaram”a seu entusiástico admirador uma vez mais. Eles não
vieram de Jerusalém mas de Zurique, e apareceram num livro
que tinha acabado de ser impresso pela Rascher Verlag, sob o tí­
tulo Erinnerungen Traume Gedanken von C. G. Jung (Memó­
rias, Sonhçs e Reflexões, de C. G. Jung). Como uma cópia da
pré-publicação tinha sido presenteada por um amigo suíço, nos­
so protagonista logo descobriu que o apêndice desse livro conti­
nha o texto em alemão dos misteriosos Sermões. A página intro­
26
dutória aos Sermões encerrava uma estranha nota: “A ser publi­
cado somente na edição alemã.” Uma vez mais o entusiasmo do
escriba atingiu seu pico. Veio-lhe à mente, com certa força, o
pensamento de que o texto alemão deveria tornar-se acessível
a muitas pessoas de bem que liam apenas inglês, e não deveriam*
ser privadas da experiência por essa razão. Agora apresentava-se-
lhe um trabalho um pouco menos romântico porém ainda intri­
gante, que consistia em traduzir o original alemão para o inglês.
Essa tradução foi impressa em caráter particular e distribuída a
um número restrito de amigos pessoais, como a edição alemã
original, pelo próprio Jung. Por essa época, naturalmente, o ve­
lho sábio de Zurique e Kusnack havia deixado o palco de sua
carreira terrena. Sua personalidade, ainda sujeita a especulação
e falatório, já emergia com muito mais clareza do que anterior­
mente. A psicologia junguiana lentamente ganhava impulso fora
do mundo de língua alemã, e os interesses espirituais não-con-
vencionais de seu fundador já se encontravam em parte docu­
mentados pelo aparecimento de suas grandes obras sobre alqui­
mia e por sua investida gnóstic^ contra a teologia convencional
na sua Resposta a Job.
No entanto, a tradução dos Sete Sermões continuou sendo
um assunto reservado a um texto a ser estudado por um peque­
no número de pessoas com interesses no campo do gnosticismo
e da psicologia de Jung. Durante anos, essa foi a única tradução
e, além disso, era quase que desconhecida. Outro pequeno frag­
mento do trabalho concluía-se, mas o mistério persistia e o
mundo de sombras estendeu-se por mais tempo.
* * *
O tempo continuou a passar e o mundo mudou ainda mais do
que antes. Os anos 60 e a maior parte da década seguinte escoa­
ram-se, trazendo consigo uma era de turbulência e grande criativi­
dade espiritual. A guerra do Vietná fora perdida (a única batalha
perdida pelos Estados Unidos da América), porém a luta contra a
27
consciência superficial e a estreiteza de alma da cultura ociden­
tal moderna estava quase ganha. A cruzada dos filhos do que al­
guns gostavam de chamar de Era de Aquário, á semelhança de
cruzadas anteriores, libertou temporariamente o Santo Sepulcro
onde repousava o poder salvador do espírito. Os filhos da nova
era, que tinham visão ampla, afastaram a lápide e proclamaram
o surgimento de uma inefável grandeza. Uma rústica mas glorio­
sa besta, pressagiada certa vez pelo poeta Yeats, aproximou-se
de Belém para nascer. Os menestréis cantaram: “Os tempos es­
tão mudando”, e realmente mudaram. As asas dos anjos estavam
no ar.
Nesses novos tempos, o reconhecimento ao dr. Jung tornou-
se ainda maior. Embora há muito fisicamente ausente, sua pre­
sença começou a ser sentida mais intensamente ano após ano.
Psicólogos e psiquiatras continuavam a jogar pelas regras de
Freud e Skinner, comprazendo-se com a libido e os labirintos de
ratos neuróticos, mas, no domínio da literatura, da mitologia,
da poesia e de uma cultura como a que ainda permanecia num
mundo cada vez mais deseducado, crescia gradualmente a cons­
cientização acerca de Jung. Ele se tornou mais importante do
que a sua terapia, mais importante ainda que a sua psicologia
analítica, e, fato curioso, essa circunstância pareceu inteiramen­
te justa e correta.
Paralelamente à ascensão de Jung bem como de outras figuras
e assuntos anteriormente arcanos, o mundo assistiu também a
um modesto renascimento do interesse pelo gnosticismo, a ve­
lha disciplina espiritual com a qual Jung se associou nos Sete
Sermões. Códices há muito soterrados vieram à luz no Egito,
chamando a atenção de muitos eruditos e de pessoas leigas ain­
da mais criativas e dotadas de imaginação. Palavras e nomes,
tais como Pleroma, Abraxas e Basilides, não mais permanece­
ram totalmente estranhas a um bom número de pessoas intuiti­
vas e criativas. O tempo de Jung e dos gnósticos havia chegado.
O momento para os Sete Sermões aos Mortos era chegado.
28
Foi assim que os mortos retornaram de Jerusalém mais uma
vez e exigiram atenção. Trinta anos durara seu tributo entre os
participantes do pequeno drama original, que colaborou para o
estabelecimento da ligação entre os Sermões e a pessoa que cer­
ta vez os copiou com devoção sem nenhuma previsão de seu fu­
turo uso. A nobre figura do professor J. havia partido da acade­
mia terrena. Comentou-se que partira o coração o desastroso
fracasso do levante patriótico de seu povo em 1956, o qual ele
observara ansiosamente do último local em que ficou exilado
em Munique, na Bavária. O padre Z., guardião do livro, também
havia morrido, de forma muito semelhante à que vivera, discreta
e modestamente, um humilde trabalhador em vinha alheia. O
exílio continuou, refletindo talvez o exílio maior mencionado
pelos antigos gnósticos — o exílio das centelhas que se despren­
dem do corpo da luz. Longe dos Alpes tiroleses, onde pela pri­
meira vez os confrontou, o outrora jovem escriba continuou a
ser perseguido pelos mortos e pelos sermões a eles pregados por
Basilides, o Sábio. O encorajamento de novos companheiros
num novo mundo avivara a chama acesa numa tarde de inverno
há muito tempo. E assim, três décadas após os eventos originais
aqui descritos, a Gnose do dr. Jung, conforme enunciara em
seus Sete Sermões, torna-se agora acessível a um círculo mais
amplo.
Em cada era da história humana existiram indivíduos imbuí­
dos de uma qualidade especial de conhecimento ou Gnose. Carl
Jung foi um deles. Tal conhecimento, como ele repetidas vezes
afirmou, não poderia ser encontrado nas tradições da ciência e
da religião existentes em sua época, ou em qualquer outra. Ha­
via apenas um caminho aberto, uma única opção; Jung precisou
viver a experiência original. Essa experiência de Gnose, a Urer-
fahrung (experiência arcaica ou original), como ele a chamou,
evou-o ao mundo de sombras de Basilides e aos mortos inquiri-
ores. Mesmo enquanto vivia no mundo radiante iluminado
pela luz do sol de seus primeiros anos, ele nunca pôde escapar
29
a uma condição que posteriormente descreveu como premoni­
ção de um mundo de sombras ao qual não se podia escapar. Es­
sa premonição certamente não constitui uma experiência exclu­
siva de Jung, mas é compartilhada até certo ponto por toda a
humanidade. A natureza gnóstica da vocação humana evidencia-
se pela presença, em todas as pessoas, de uma percepção desse
mundo de sombras. Apesar de sua não-racionalidade e improba­
bilidade, o elemento transcendente de uma gnose interior en­
contra-se indelevelmente gravado no coração do homem; todas
as trivialidades do mundo cotidiano, decorrentes da desatenção
e da conseqüente ignorância, são incapazes de apagar a sua lem­
brança. A negação da Gnose apenas afirma secretamente o seu
poder. Como Meister Eckhart expressou: “Quanto mais o ho­
mem blasfema, mais louva a Deus”.
O estado de esquecimento da Gnose sempre carrega consigo
um perturbador senso de privação, que não se aplacará até que
seu único objetivo verdadeiro —e não os muitos falsos e engano­
sos —seja novamente encontrado. Os antigos gnósticos, a partir
de cujo mundo de sombras Jung produziu os Sete Sermões, cos­
tumavam dizer que todos os desejos de uma pessoa, todas as
suas tentativas de obter estímulo, felicidade e amor a partir de
algo ou de alguma experiência não passam de sinais de uma ines­
gotável saudade do Pleroma, a “plenitude do Ser”, que é o ver­
dadeiro lar da alma. Somente aqueles que descobriram o cami­
nho de casa podem revelá-lo aos outros. Um homem que perdeu
seu rumo revela-se um guia medíocre. O argumento igualitário
de que os desinformados podem prestar serviço ao mundo des­
de que bem-intencionados é invalidado por esse fato. A longo
prazo, só os que sabem podem prestar serviço útil, pois são eles
que conhecem a estrada por tê-la percorrido.
C. G. Jung era um curador de almas e um curador da cultura.
O mundo raramente viu servidor mais eficiente da humanidade.
Essa eficiência e essa sabedoria resultaram não de hereditarie­
dade, ambiente, educação, mas do fato de ele ter percorrido o
30
caminho que conduz à terra das sombras, onde reside o conhe­
cimento secreto da alma. Trilhar essa estrada e encontrar o pró­
prio objetivo significa ir contra o mundo e as noções do que é
sensato e do que é provável. Certa vez, Jung escreveu que a
imagem que temos do mundo somente corresponde à realidade
quando o improvável tem lugar nela. E improvável que a ordem
prevaleça sobre o caos e que o significado vença a falta de senti­
do. No entanto, o improvável acontece; ele é possível e não es­
tá fora de nosso alcance. Num sentido muito verdadeiro, o im­
provável representa a verdadeira vocação, o autêntico destino
do ser humano. Pode-se dizer que é essa vocação que nos torna
humanos, pois somos menos humanos na medida em que a ne­
gligenciamos ou ignoramos. As árvores e as flores, os pássaros e
os animais que seguem o próprio destino são superiores ao ho­
mem, que trai o seu.
Este prólogo, agora em seu final, constitui um testemunho
pessoal. Para o seu autor, os Sete Sermões e a maneira pela qual
ele um dia os descobriu foram e continuam sendo um grande
símbolo de um curioso destino, ao mesmo tempo profunda­
mente pessoal e totalmente universal. A vida não foi nem pode­
ria ter sido a mesma depois daquele momento mágico na acon­
chegante sala de leitura, na fria e nevada cidade nos Alpes. Co­
mo um volume de escritura sagrada ou um códice de fórmulas
de poder que levam à transformação, as palavras transcritas do
pequeno livro misterioso mudaram o curso de uma vida. O por­
to seguro da ortodoxia havia perdido todos os seus atrativos e,
com eles, os sistemas de crença e tradição de idade venerável.
A perda da fé e das lealdades convencionais bem poderia ter
trazido consigo os sinais do desenraizamento espiritual, tão ca­
racterístico naqueles que substituem a fé pelo pensamento e a
tradição pela busca. Como, num momento como esse, um indi­
víduo pode condenar-se prontamente ao destino do Holandês
Voador e navegar incessantemente de cá para lá no oceano da
v* a> aterrorizado por suas tempestades e fascinado por suas
31
calmarias, enquanto busca um porto jamais encontrado! Esse
nao poderia ser o destino de uma pessoa que entrou em con­
tato com o espírito de Jung e dos gnósticos; tal não será a sorte
de quem entrar no mundo encantado das sombras arquetípicas
armado com a espada da Gnose. A partir de uma premonição,
a vida criou uma realização e uma experiência. Assim é com fre­
qüência; as realidades, a princípio não mais do que uma intri­
gante mas longínqua visão, revelam-se mais próximas do que se
sonhou. Encontram-se “mais próximas do que a sua veia jugu-
lar”, como disse o Profeta do Islã falando com a eloqüência con­
cisa do deserto. O mundo de sombras ao que não se pode esca­
par está presente no espaço de cada um, como certamente este­
ve no de Jung. E lamentável que para tantos ele permaneça in­
visível para sempre. No entanto, aqueles que em sonho ou vigí­
lia, nas mágicas sincronicidades da luz do dia ou na obscura ma­
gia do sono, contataram efetivamente essas sombras, não ape­
nas conservam a sua visibilidade, mas tornam-se na verdade as
fontes da própria existência. Foi talvez essa qualidade imperati­
va do mundo das sombras que Jung desejou expressar quando
disse a Laurens van der Post: “O sonho é como uma mulher.
Terá a palavra final, como teve a primeira”.
Define-se prólogo como a primeira palavra. Em outro sentido,
também deve ser a última, pois nele deve-se resumir o Alfa e o
Omega da obra que se segue. Se essas linhas conseguiram realizar
isso, não cabe ao escritor julgar. Só lhe resta nutrir a esperança
de que o leitor receba uma premonição da estrutura mental ou
do estado de espírito que serviu como força motriz para o seu
trabalho. Jung disse que só um poeta poderia começar a en­
tendê-lo; assim, talvez seja oportuno concluirmos com alguns
versos do poeta A. E., outro andarilho no estranho reino da
Gnose:
De um mundo atemporal
Sombras caem sobre o Tempo,
32
A partir de uma beleza mais antiga que
a terra,
A almapode subiruma escada.
Eu ascendopor uma escadaria espectral
A umapureza maisantiga que o Tempo.
33
Capítulo I
A Gnose de C. G. Jung
UMA CIÊNCIA NASCIDA DO MISTÉRIO
Neste último quartel do século XX, poucos contestariam a
verdade de que a psicologia profunda provou ser uma das mais
poderosas forças transformadoras da cultura da nossa época.
Emergindo da obscura alienação da consciência que caracteri­
zou o século XIX, a redescoberta do mistério do inconsciente
dentro da mente humana tornou-se muito semelhante à influên­
cia bíblica que fez surgir todo um mundo novo do espírito dian­
te dos olhos de gerações passadas. O filósofo alemão Martin Hei­
degger expressou uma grande verdade ao considerar o século
XIX o mais negro de todos os da era moderna; no entanto, foi
precisamente nesse período de maior obscurecimento da luz do
espírito que nasceram os dois gigantes pioneiros do inconsciente,
Sigmund Freud e Carl Gustav Jung, em 1856 e em 1875, respec­
tivamente.
Freud foi um grande descobridor, destinado a desmascarar
muitas coisas. Tanto os psicólogos como o público ainda custam
a perceber a dívida de gratidão que têm para com ele. Como era
um homem da antiga e estritamente materialista escola de ciên­
cia, que só trocou o laboratório de biologia pela arte da cura
por exigências práticas, Freud só poderia utilizar os padrões
34
de pensamento do seu tempo. Por trágica e irônica idios­
sincrasia do destino, o homem cujas descobertas abalaram os ali­
cerces do racionalismo científico permaneceu, ele próprio, pre­
so ao dogma reducionista e racionalista, que preservou e defen­
deu com convicção desesperada. Como Moisés, ele não pôde en­
trar na terra prometida, à qual conduziu outros, e a tarefa da
conquista final recaiu então sobre um homem mais jovem, um
novo Josué da mente, cujo nome era Carl Gustav Jung.
Quem era Jung e como ele realizou a suprema missão do pio-
neirismo psíquico? Quais eram as fontes da sua intuição proféti­
ca sobre os mais secretos recessos da alma humana? De onde
provinha a sua sabedoria?
Por toda longa vida de Jung (26 de julho de 1875 a 6 de ju­
nho de 1961), as pessoas intrigaram-se com as implicações curio­
samente mágicas e esotéricas do seu trabalho. Tratava-se de um
fenômeno até então inédito no mundo da intelectualidade, des­
de a era do Iluminismo. Símbolos e imagens de venerável e obs­
curo poder foram ressuscitados da poeira de. suas tumbas mile­
nares. Hereges e alquimistas, místicos e magos, sábios taoístas e
lamas tibetanos emprestaram os tesouros de suas buscas arca-
nas à bruxaria do moderno Hermes Suíço. Findas estavam
as preocupações personalísticas e mundanas da psicanálise ante­
rior, com seus traumas de infância e fantasias imaturas, e os deu­
ses e heróis do passado não eram mais considerados máscaras
glorificadas de terrores e de luxúrias infantis. Como Venus, que
emergiu da espuma do mar, ou Atena, que nasceu da fronte de
Zeus, os arquétipos surgiram da prima matéria do inconsciente
coletivo: os Deuses mais uma vez caminhavam com os homens.
Acima dessas águas primordiais de criatividade da psique mo-
via-se o espírito de um homem, o gênio de Jung. Bem poderia o
intelectual surpreender-se e o sábio ficar atônito, pois uma nova
era da mente havia chegado.
Para os que estavam familiarizados com as disciplinas arcanas
e as teonas da tradição da realidade alternativa, chamada algu­
35
mas vezes de filosofia perene, ou teosofia (sabedoria divina),
tornou-se logo claro que existiam certos paralelos entre os ensi-^
namentos de Jung e o que eles há muito conheciam como stsen-
da da iniciação. De acordo com o renomado poeta esotérico e
diplomata, Miguçl Serrano, em seu pequeno e original trabalho
C. G. Jung and Hermann Hesse, era como se houvesse uma se­
gunda linguagem subjacente à primeira, em todas as obras de
Jung. O analista tornou-se um hierofante dos mistérios, enquan­
to o paciente transformou-se no neófito ou discípulo. A doença
revelou-se uma condição dividida ou incompleta, e a saúde, um
estado de integridade espiritual. A psicologia analítica começou
a aparecer como um diálogo entre o indivíduo e o universo, sem
destruir a personalidade ou o ego, segundo a orientação de algu­
mas teorias hindus e budistas.
As fontes do trabalho de Jung continuaram a ser objeto de
conjetura por muitas décadas. Durante sua vida, Jung velou as
origens de suas.descobertas sob um manto de precaução que fre­
qüentemente se aproximava do segredo hermético. Ele afirmou
repetidas vezes que túdo o que escreveu baseava-se em evidência
empírica, indicando que, não obstante grande parte de sua obra
parecesse esotérica e mística, ela sempre se apoiava em experiên­
cias no campo psicológico. A maioria das pessoas entendeu que
isso significava que Jung tratava muitos pacientes e que também
tinha acesso à pesquisa prática de muitos de seus colegas mais
jovens, seus livros sendo sem dúvida o resultado de dados coleta­
dos dessas fontes. Havia, é claro, rumores quanto a ser ele um
cientista realmente muito pouco convencional, que se associava a
astrólogos e religiosos. Dizia-se ainda que ele próprio tinha expe­
riências estranhas e ocultas, via fantasmas e consultava oráculos.
Foi somente após a morte de Jung em 1961, e em especial
após a publicação de seus notáveis fragmentos autobiográficos,
intitulados Memories, Dreams and Reflections, que uma contí­
nua corrente de revelações cada vez mais arrojadas começou a
verter das penas de seus discípulos e de divulgações póstumas de
36
notas e cartas do próprio Jung. Essa multiplicidade de revela­
ções mostrou que, entre 1 9 1 2 e l 9 1 7 , Jung passou por um in­
tenso período de experiências que envolveram um enorme
afluir, em sua consciência e a partir de seu interior, de forças
que ele chamou arquetípicas, mas que épocas precedentes te­
riam julgado divinas ou demoníacas. Jung confidenciou a respei­
to dessas experiências a vários de seus colegas mas indubitavel­
mente experimentou muito mais do que o que revelou e, de fa­
to, mais do que algum dia se revelará. O grande pesquisador cos­
tumava chamar essas experiências, ou melhor, esse ciclo de ex­
periências, seu Nekyiaj utilizando o termo com que Homero
descreveu a descida de Ulisses ao Hades.* Comentà-se que nesse
período Jung afastou-se da maioria das atividades externas, com
exceção de uma pequena parte de sua prática psiquiátrica. Diz-
se até mesmo que durante essa fase não leu nenhum livro, segu­
ramente um grande evento na vida de um estudioso tão ávido de
todas as formas de literatura. Apesar de não ter lido, escreveu.
Sua produção nessa época consistiu no registro de suas estranhas
experiências interiores, num total de 1.330 páginas manuscritas,
ilustradas de próprio punho. Sua escrita então mudou para a
usada no século XIV; as pinturas foram feitas com pigmentos
que ele mesmo fabricava, segundo o estilo dos artistas de eras
passadas. Jung conservou algumas das mais belas pinturas e ma­
nuscritos encadernados em couro vermelho e guardados num lu­
gar de honra entre os seus pertences, razão do nome com que fi­
caram conhecidos. Red Book. De acordo com testemunhas,
os escritos desse período de sua vida enquadram-se em duas ca­
tegorias distintas: alguns são luminosos e angelicais, enquanto
outros são sombrios e demoníacos na forma e no conteúdo. So­
mos tentados a dizer que Jung, à maneira de outros magos,
passou por experiências pertencentes às categorias da Invocação
Kmh» “Remembering C. G. Jung’*, em “Psychological Perspectives”,
voi. o, p. 57 (N. do A.)
37
Teúrgica de deuses e da Evocação Goética de espíritos, tendo
guardado um “registro mágico” de cada uma.
Por mais fascinantes que esses fatos sobre as primeiras trans­
formações de Jung possam ser, sua verdadeira importância só
se revela quando compreendemos haver evidência de que gran­
de parte de seu trabalho científico, se não a totalidade, pode ba­
sear-se em revelações visionárias. Dessa forma, o tão repetido
adjetivo empírico que caracteriza as fontes do trabalho de Jung
aparece sob uma luz inteiramente nova. Na realidade, a ciência
psicológica de Jung fundamentava-se em elementos empíricos;
estes porém, não eram fundamentalmente de natureza exterior
mas compunham-se de experiências que ele realizou em seu
mundo secreto, nas regiões ocultas de seu inconsciente mais
profundo. De fato, Jung não é “científico” no sentido mais es­
trito da palavra, hoje em uso, na medida em que ele não contro­
lou variáveis nem conduziu testes cuidadosos e repetitivos. Sua
‘ciência” consistiu no desenvolvimento de um corpo sistemati­
zado de conhecimentos resultante da observação, do estudo e
da descoberta de princípios e significados subjacentes à área de
seus estudos através da utilização de padrões científicos de obje­
tividade. Ele (e Freud) conta com um aceitável aliado, científi­
co e atual, na fenomenologia. cujos proponentes consideram as
várias modalidades da consciência humana como seus dados pri­
mários e constroem hipóteses, teorias e explicações com base
neles.
Talvez seja conveniente lembrar que Freud conduziu grande
parte de sua pesquisa de modo semelhante ao de Jung. O grande
médico vienense descobriu os segredos dos sonhos através da
análise de seus próprios sonhos; de fato, ele talvez tenha sido o
único psicanalista a nunca se submeter à análise por outra pes­
soa, exceto uma breve discussão de alguns de seus sonhos com
Jung durante a viagem que fizeram juntos aos Estados Unidos.
Jung não estava sozinho na busca da companhia de ocultistas
e místicos não-convencionais, porque Freud foi um ávido fre-
38
qüentador dos círculos de adivinhos e nutriu uma importante
amizade com um cientista excêntrico chamado Wilhelm Fliess.*
Somos tentados a descrever Jung como um anti-racionalista su­
mamente racional, enquanto Freud poderia ser chamado de um
racionalista muito irracional. No entanto, ambos buscavam a
mesma coisa: “Mais Luz” (o famoso Mehr Licht de Goethe)
no tocante aos mistérios da psique.
Em 1917, ao concluir a grande descida ao seu inferno espiri­
tual e pessoal, Jung viu-se diante de uma escolha solene. Ele po­
deria ter tomado suas revelações pelo valor aparente, poderia
talvez tê-las publicado como algum tipo sui generis de tomo reli­
gioso juntando-se, assim, ao círculo dos grandes escritores ocul-
tistas de seu tempo, a exemplo de H. P. Blavatsky e Rudolf
Steiner. Contudo, decidiu permanecer no campo da disciplina
científica de sua escolha, ou seja, a psicologia profunda, embora
sem deixar de utilizar as 1.330 páginas do revelador material ar-
quetípico e misterioso para enriquecer seu trabalho científi­
co. Existem boas razões para se suspeitar que Jung continuou,
por toda a vida a se valer desse registro de conhecimento secre­
to e incorporar elementos dele em seus numerosos livros, quan-
reu no caso da primeira grande obra escrita após sua transforma­
ção pessoal, ou seja, Psychological Types, publicada em 1921.
as primeiras 583 páginas em seis semanas. Mais tarde, confessou
ao poeta holandês Roland Holst que Psychological Types foi
inteiramente escrito com base no material contido em trinta
Páginas do Red £oofe.**
do julgava adequado. Há evidência indiscutível de que isso ocor-
Embora acometido por uma coqueluche contagiosa e, portan­
to, isolado de seus pacientes de costume, ele ditou o manuscri­
to dessa obra num ritmo incrivelmente acelerado, completando
Incjer(í^ o A ^°neS’ Li^e °nd Worte of Sigmund Freud (Nova York: Basic Books,
de esof^r^0 P°r G em palestra durante a primeira Conferência Panarion
39
Como se poderia esperar, Jung manteve por toda a vida
um contato constante com as fontes misteriosas que inspi­
raram seu Red Book. Ele continuou a ser um inspirado —
alguns diriam visionário — revelador pelo resto de seus dias.
Seu trabalho científico jamais representou um compartimen­
to de sua existência que fosse ou pudesse ser separado de
sua vida profética e mística; os dois estavam intrincada e ine­
xoravelmente inter-relacionados. O Jung místico guiava e
inspirava o Jung cientista, enquanto o médico e o psicólogo
proporcionavam equilíbrio e bom senso para estabilizar e tor­
nar práticas as mensagens dos deuses e dos demônios arquetí-
picos. Assim foi concebido e executado o memorável traba­
lho de Carl Jung. Tanto em objetivo como em conteúdo, a
obra constitui um exemplo do precioso princípio de conjunctio
oppositorum, a união de polaridades que sempre produz o eli­
xir do significado supremo.
A literatura que continha as experiências originais de Jung
quanto ao inconsciente no período de sua grande transfor­
mação nunca foi por ele colocada à disposição do público.
A atitude de seus herdeiros parece ser, no mínimo, ainda
mais reservada a esse respeito do que a do próprio Jung. No
momento da redação destas palavras (1982), parece que qual­
quer esperança ou expectativa que se possa alimentar com
respeito à publicação desse material não será consumada por
algum tempo ainda. Portanto, restam-nos os trabalhos cien­
tíficos de Jung e muito pouco mais. Entretanto, na catego­
ria desse mais encontramos pelo menos um documento real­
mente importante, que nos revela muito sobre as fontes da
psicologia de Jung. Trata-se de uma pequena obra, pouco
mais que uma diminuta monografia, embora o significado de
seu conteúdo possa facilmente elevá-la a um item da maior
importância no estudo da mensagem e da missão de Jung.
A obra a que me refiro é conhecida como Os Sete Sermões
aos Mortos.
40
PREGANDO AOS MORTOS
Carl Jung permitiu a publicação de apenas uma fração solitá­
ria do vasto material arquetípico que escreveu sob misteriosa
inspiração no início da carreira. Este foi escrito num curto pe­
ríodo, entre 15 de dezembro de 1916 e 16 de fevereiro de 1917.
De acordo com declarações em seus fragmentos autobiográficos,
Jung concluiu-o em três noites.* A produção desse pequeno li­
vro foi precedida por eventos estranhos e esteve repleta de fenô­
menos de natureza parapsicológica. Primeiro, vários filhos de
Jung viram e perceberam entidades fantasmagóricas na casa, en­
quanto ele próprio sentiu uma atmosfera ameaçadora à sua vol­
ta. Uma das crianças teve um sonho de tom religioso um pouco
ameaçador, envolvendo um anjo e um demônio. Então —numa
tarde de domingo — o sino da porta de entrada soou furiosa­
mente. Podia-se vê-lo movendo-se freneticamente, mas não havia
ninguém à vista que fosse responsável pelo ato. Uma multidão
de “espíritos” parecia encher a sala, na verdade a casa, e nin­
guém podia respirar normalmente no vestíbulo infestado de fan­
tasmas. O dr. Jung gritou com voz perturbada e trêmula: “Em
nome de Deus, o que significa isso?” A resposta veio num coro
de vozes fantasmagóricas: “Voltamos de Jerusalém, onde não en­
contramos o que buscávamos.” Com essas palavras começa o
tratado, que se intitula em latim Septem Sermones ad Mortuos,
e então continua em alemão com o subtítulo: “Sete exortações
aos mortos, escritos por Basilides de Alexandria, a cidade onde
Oriente e Ocidente se encontram.”
Uma leitura mesmo superficial do tratado mostra que ele foi
escrito de acordo com o gnosticismo do século II e utiliza livre­
mente a terminologia daquela época. O próprio subtítulo revela
o nome do famoso sábio gnóstico Basilides que ensinou em Ale-
Ver C. G. Jung, Memories, Dreams, Reflections, org. Aniela Jaffé, (Nova York,
Kanaom House, Inc., Pantheon Books). (N. do A.)
41
xandria, no Egito helenístico, por volta dos anos 125-140 d.C.
De fato, Jung parece atribuir a autoria do próprio documento
a Basilides, sugerindo assim a algumas pessoas um elemento de
mediunidade e (ou) escrita automática. Nesse sentido, deve-se
lembrar que por muitos séculos foi comum autores de literatura
de caráter espiritualista não assinarem seus nomes nessas obras,
mas, ao contrário, atribuí-las poeticamente a alguém que conside­
ravam ocupar uma posição superior a sua. Assim, atribui-se ficti-
ciamente o célebre Zohar da literatura cabalística ao rabino Shi-
mon ben Jochai, sendo seu verdadeiro autor desconhecido. É
bem provável que C. G. Jung tenha utilizado esse antigo exercício
de humildade poética ao tomar o nome de Basilides como au­
tor dos Sermões. Entretanto, o elemento parapsicológico conti­
do nos fenômenos que envolvem a escrita do tratado foi espon­
taneamente reconhecido e enfatizado por Jung, a ponto de apli-
car-lhe as palavras de Goethe, na segunda parte de Fausto: “Ele
caminha por toda parte, está no ar! ” Uma coisa é certa: trata-
se de um trabalho incomum, escrito em circunstâncias as mais
incomuns.
A importância dos Sete Sermões dentro do contexto do pen­
samento junguiano constitui um assunto sobre o qual as opi­
niões diferem. Quando, anos mais tarde, Jung foi interrogado
a respeito, ele resmungou, chamando isso de “indiscrição juve­
nil”. Alguns de seus discípulos mais conservadores, como Anie-
la Jaffé, tendem a perpetuar o mito de uma “indiscrição juve­
nil”., enquanto outros têm impressão diferente. M. L. von Franz,
discípula de grande importância, afirmou que, embora Jung se
referisse à publicação dos Sermões como uma tolice juvenil, de
forma alguma aí incluía as concepções neles contidas. Uma comis­
são de especialistas junguianos, reunida na primeira Conferência
Panarion de Los Angeles, Califórnia, em 1975, chegou à conclu­
são de que os Sete Sermões constituem nada menos do que “a
fonte e a origem” da obra de Jung, e a exposição do centenário
de C. G. Jung, que percorreu o mundo na época do centésimo
42
aniversário de seu nascimento, em 1975, mostrou a primeira pá­
gina da edição original dos Sermões, descrevendo-os assim: “ Os
Septem Sermones ad Mortuos representam uma síntese das ex­
periências que Jung teve com as imagens do inconsciente”. Ain­
da mais significativas são as anotações que o próprio Jung fez a
respeito do conteúdo do Red Book e dos Sermões, declarando
que todas as suas obras, toda a sua atividade criativa derivava
desses sonhos e visões iniciais, que também já continham tudo
o que ele realizou mais tarde, na vida.* Trata-se de palavras que
dificilmente alguém utilizaria para referir-se a uma mera indiscri­
ção juvenil!
O pequeno tratado poético foi publicado por Jung em
caráter particular, para o deleite de um círculo íntimo de
amigos, e o texto alemão logo seria traduzido para o inglês
por H. G. Baynes. Ele foi incluído no apêndice do original
alemão de Memoríes, Dreams and Reflections, editado por
Rascher Verlag, de Zurique, em 1962, porém omitido na
edição inglesa, publicada simultaneamente pela Pantheon
Books. Essa omissão deliberada só pode ser explicada como
mais uma evidência da bem conhecida desconfiança que a
mente européia têm dos povos de língua inglesa, com sua
tendência a compreender mal e a interpretar de forma errô­
nea tudo o que se aproxima do místico e do oculto. Apesar
disso, um volume separado dos Sermões, artisticamente con­
cebido, foi também publicado pela Stuart & Watkins, de Lon­
dres, com a tradução de Baynes. Dessa forma, existem no
momento diversas edições em circulação, proporcionando
uma luz adicional ao próprio texto.**
Certamente, houve eventos ao longo da carreira de Jung em
que ele poderia ter-se arrependido facilmente da indiscrição ju-
^VerMemoríes, Dreams, Reflections, de C. G. Jung.
Para a história completa da publicação, ver as notas do tradutor (para o inglês)
no apêndice I.
43
venil de publicar seu pequeno volume de visões arquetípicas.
Um desses incidentes diz respeito ao formidável Martin Buber
que, com seus ares de Jeová, nunca se deu bem com Jung e,
além disso, conseguiu afastar dele um de seus mais caros discí­
pulos, atraindo-o para seu próprio grupo. Esse discípulo infiel,
chamado Martin Trüb, deu uma cópia dos Sermões a Buber,
cuja ira, ao estilo do Velho Testamento, atingiu grandes propor­
ções em vista do que ele considerou heresias gnósticas de Jung.
Buber atacou Jung repetidas vezes e, em seu livro Eclipse o f
God, acusou-o gravemente de ser um gnóstico. Muito perturba­
do com o caso, Jung fez-lhe uma réplica um tanto ambígua, ne­
gando e afirmando o seu gnosticismo num mesmo fôlego, por
assim dizer.* Outra história curiosa envolve o autor alemão Her­
mann Hesse, Prêmio Nobel, e sua célebre novela Demian, à. qual
incorporou muitos temas explicitamente gnósticos,em particular
algumas referências ao arquetípico deus gnóstico Abraxas, que
se assemelham muito ao tratamento dado por Jung à mesma fi­
gura nos Sermões. Embora o gnosticismo estivesse decididamen­
te no ar durante as duas décadas que permearam guerras mun­
diais, o tipo de gnosticismo adotado por Hesse em Demian apre­
senta-se tão singularmente junguiano que muitos suspeitaram
haver aí uma conexão. De fato, um analista junguiano chamado
Lang tratou Hesse por volta de 1916 e poderia facilmente ter
passado uma cópia dos Sermões ao jovem gênio literário que
surgia. A afinidade que continuou a existir por muitas décadas
entre Jung e Hesse foi subseqüentemente imortalizada pelo di­
plomata e poeta chileno Miguel Serrano, em sua fascinante obra
C. G. Jung and Hermann Hesse. Pode parecer que o pequeno li­
vro, de um gnosticismo poético, que resultou da visita dos mor­
tos a Jung em 1916, exerceu uma influência maior e produziu
mais reações do que até mesmo Jung julgaria provável. Todas
essas reações, no entanto, diziam respeito a um tema ao mesmo
* Relatado na primeira Conferência Panarion.
44
tempo obscuro e controvertido, que era, evidentemente, o gnos-
ticismo.*
AFINAL, QUEM SÃO OS GNÓSTICOS?
As palavras gnóstico e gnosticismo não são exatamente co­
muns no vocabulário dos nossos contemporâneos. De fato, há
mais pessoas familiarizadas com o antônimo de gnóstico, isto é,
agnóstico; literalmente, esse termo significa um desconhecedor
ou ignorante, mas em sentido figurativo descreve uma pessoa
sem fé religiosa que não obstante se ressente de ser chamada de
ateísta. No entanto, os gnósticos já existiam muito antes dos
agnósticos e, na maioria, parecem ter representado uma classe
muito mais interessante que o último grupo. Em oposição aos
não-conhecedores, eles se consideravam conhecedores —gnosti-
koiy em grego — denotando aqueles que possuem a gnose ou o
conhecimento. Os gnósticos viveram, na maior parte, durante os
três ou quatro primeiros séculos da Era Cristã. Em geral, prova­
velmente eles não teriam se autodenominado gnósticos; teriam
se considerado cristãos ou mais raramente judeus ou ainda se­
guidores das tradições dos antigos cultos do Egito, da Babilônia,
da Grécia e de Roma. Não eram sectários nem membros de
uma nova religião específica, como queriam seus detratores,
mas pessoas que compartilhavam entre si certa atitude perante
a vida. Pode-se dizer que essa atitude consistia na convicção de
que o conhecimento direto, pessoal e absoluto das verdades au­
tenticas da existência é acessível aos seres humanos e, mais ain­
da, que a obtenção de tal conhecimento deve sempre constituir
a suprema realização da vida humana. Esse conhecimento ou
Gnose não era concebido como um saber racional de natureza
científica, ou mesmo um saber filosófico da verdade, mas um
O leitor deve consultar as págs. 140-43 desta obra para maiores detalhes sobre
o vinculo de Hermann Hesse com Jung e os Sete Sermões aos Mortos. (N. do A.)
45
conhecimento que brota no coração de forma misteriosa e intui­
tiva, sendo portanto chamado em pelo menos uma obra gnóstica
(o Evangelho da Verdade) de Gnosis kardias, o conhecimento do
coração. Trata-se é claro, de um conceito que é ao mesmo tempo
religioso e altamente psicológico, pois o significado, o propósito
da vida não aparece então nem como a fé, com sua ênfase
na crença cega e na também cega repressão, nem como as ações,
com sua extrovertida orientação para as boas ações, mas sim
como uma transformação e uma visão interior, em suma, um pro­
cesso ligado à psicologia profunda.
Se passarmos a considerar os gnósticos como os primeiros
profissionais da psicologia profunda, torna-se imediatamente
aparente a razão pela qual a prática e o ensinamento gnósti­
co de forma radical diferia da prática e do ensinamento da
ortodoxia cristã e judaica. O conhecimento do coração, em favor
do qual os gnósticos se empenhavam não podia ser adquirido por
meio de uma barganha com Jeová, através de um tratado ou alian­
ça que garantisse bem-estar espiritual e físico ao homem, em tro­
ca do cumprimento servil de um conjunto de regras. Da mesma
forma, não se poderia obter a Gnose pela mera crença fervorosa
de que a atitude de sacrifício de um homem divino na história pu­
desse aliviar a carga de culpa e frustração de nossos ombros e
assegurar bem-aventurança perpétua, além dos limites da exis­
tência mortal. Os gnósticos não negaram o benefício do Torá
nem a magnificência da figura de Cristo, o ungido do Deus
supremo. Eles consideravam a Lei necessária a um certo tipo
de personalidade que precisa de regras para o que atualmente
poderia chamar de a formação e o fortalecimento do ego psi­
cológico. Também não negaram a importância da missão do
personagem misterioso que, em seu disfarce, era conhecido
pelos homens como o rabino Joshua de Nazaré. A Lei e o Salva­
dor, os dois mais reverenciados conceitos de judeus e cristãos,
tornaram-se para os gnósticos apenas meios para um fim maior
que esses mesmos conceitos. Eles configuravam incentivos e ar­
46
tifícios de alguma forma capazes de conduzir ao conhecimento
pessoal que, uma vez obtido, prescinde tanto da lei como da
fé. Para eles, como para Carl Jung muitos séculos depois, a teo­
logia e a ética constituíam apenas pontos de-partida no caminho
do autoconhecimento.
Dezessete ou dezoito séculos separam-nos dos gnósticos. Du­
rante esse período, o gnosticismo tornou-se não apenas uma fé
esquecida (como um de seus intérpretes, G. R. S. Mead, cha­
mou-o), mas também uma fé e uma verdade reprimidas. Aparen­
temente, quase nenhum outro grupo foi temido e odiado de
forma tão incansável e persistente, por quase dois milênios,
quanto os infelizes gnósticos. Textos de teologia ainda se refe­
rem a eles como os primeiros e mais perniciosos de todos os
hereges, e a era do ecumenismo não lhes parece ter estendido
nenhum dos benefícios do amor cristão. Muito antes de Hitler,
o imperador Constantino e seu cruel episcopado iniciaram a
prática do genocídio religioso contra os gnósticos, sendo esses
primeiros holocausitos seguidos por muitos outros no decorrer
da história. A última grande perseguição terminou com o sacri­
fício de aproximadamente duzentos gnósticos em 1244 no cas­
telo de Montségur, na França, um acontecimento que Laurence
Durell descreveu como as Termópilas da alma Gnóstica. Apesar
disso, alguns proeminentes representantes das vítimas do último
holocausto não consideraram á minoria religiosa mais perseguida
da história como companheira de infortúnio, como indicam os
ataques de Martin Buber a Jung e ao gnosticismo. Judeus e
cristãos, católicos, protestantes e os ortodoxos orientais (e, no
caso da Gnose Maniqueísta, até os zoroastristas, os muçulma­
nos e os budistas) odiaram e perseguiram os gnósticos com per­
sistente determinação.
Por quê? Seria apenas porque seu antinomianismo ou sua des­
consideração pela lei moral escandalizava os rabinos, ou porque
suas dúvidas relativas à encarnação física de Jesus e sua reinter-
pretação da ressurreição enfurecia os sacerdotes? Seria porque
47
eles rejeitavam o casamento e a procriação, como afirmam al­
guns de seus detratores? Eram eles detestados devido a licencio-
sidades e orgias, como alegam outros? Ou poderia ocorrer que
os gnósticos realmente tivessem algum conhecimento, e que es­
se conhecimento os tornasse sumamente perigosos às institui­
ções, tanto seculares como eclesiásticas?
Não é fácil responder a essa indagação; contudo, deve-se fa­
zer uma tentativa. Poderíamos ensaiar uma resposta dizendo
que os gnósticos diferiam da maior parte da humanidade, não
apenas em detalhes de crença ou de preceitos éticos, porém em
sua visão mais essencial e fundamental da existência e de seu
propósito. Sua divergência era radical no sentido mais exato da
palavra, por reportar-se à raiz (latim: radix) das atitudes e con-
jeturas da humanidade com respeito à vida. Independentemen­
te de suas crenças filosóficas e religiosas, a maioria das pessoas
acalenta certas suposições inconscientes, pertencentes a condi­
ção humana, que não originam das atividades convergentes de
formulação da consciência, mas que irradiam de um profundo e
inconsciente substrato da mente. Essa mente é regida pela biolo­
gia, e não pela psicologia; ela é automática, e não está sujeita a
escolhas conscientes nem a percepções. A mais importante des­
sas suposições, a qual poder-se-ia dizer que sintetiza todas as
outras, consiste na crença de que o mundo é bom e que o nosso
envolvimento nele é de alguma forma desejável e fundamental­
mente benéfico. Essa premissa conduz a inúmeras outras, todas
mais ou menos caracterizadas pela submissão às condições exter­
nas e às leis que parecem governá-las. A despeito dos incontáveis
acontecimentos incoerentes e maléficos em nossas vidas, dos in­
críveis fatos que se sucedem, dos desvios das reiteradas insanida-
des da história humana, tanto coletiva como individualmente,
acreditaremos ser nossa incumbência prosseguir com o mundo,
pois ele é, afinal, o mundo de Deus, devendo,'portanto, haver
significado e bondade ocultos em seus processos, mesmo que se­
ja difícil discerni-los. Assim, devemos continuar no cumprimen­
48
to de nosso papel dentro do sistema, da melhor maneira possível,
sendo filhos obedientes, maridos zelosos, esposas respeitosas,
bem-comportados açougueiros, padeiros, fabricantes de velas, es­
perando contra toda a esperança, que uma revelação do significa­
do resulte, de algum modo, dessa vida de resignação sem sentido.
Não é assim, disseram os gnósticos. Dinheiro, poder, governo,
constituição de famílias, pagamento de impostos, a infinita sé­
rie de armadilhas das circunstâncias e obrigações —nada disso foi
jamais rejeitado tão total e inequivocamente na história humana
como pelos gnósticos. Estes nunca esperaram que alguma re­
volução política ou econômica pudesse, ou devesse^ eliminar to­
dos os elementos iníquos do sistema em que a alma humana en-
contra-se aprisionada. Sua rejeição não se referia a um governo
ou sistema de propriedade em favor de outro; ao contrário, dizia
respeito à total e predominante sistematização da vida e da ex­
periência. Portanto, os gnósticos eram na verdade conhecedores
de um segredo tão fatal e terrível que os governantes deste mun­
do — i.e., os poderes, secular e religioso, que sempre lucraram
com os sistemas estabelecidos da sociedade —não podiam per-
mitir-se ver esse segredo conhecido e, muito menos, tê-lo publi­
camente proclamado em seus domínios. De fato, os gnósticos
sabiam algo: a vida humana não alcança a sua realização dentro
das estruturas e instituições da sociedade, porque estas represen­
tam, na melhor das hipóteses, apenas obscuras projeções de ou­
tra realidade mais fundamental. Ninguém atinge sua verdadeira
natureza individual sendo o que a sociedade espera nem fazendo
o que ela deseja. Família, sociedade, igreja, ocupação e profis­
são, lealdade patriótica e política, bem como regras e normas
morais e éticas, na realidade de modo algum conduzem ao ver­
dadeiro bem-estar espiritual da alma humana. Ao contrário,
constituem, com maior freqüência, as próprias algemas que nos
alienam de nosso real destino espiritual.
Esse aspecto do gnosticismo foi considerado herético em épo­
cas passadas e até hoje costuma ser chamado de “negação do
49
mundo” e “antivida” ; porém constitui, obviamente, nada mais
que boa psicologia e boà teologia espiritual, por ser tratar de
bom senso. O político e o filósofo social podem considerar o
mundo um problema a ser resolvido, mas o gnóstico, com seu
discernimento psicológico, reconhece-o como uma condição
da qual precisamos nos libertar pela visão interior. Isso porque
os gnósticos, como os psicólogos, não buscam a transformação
do mundo mas a transformação da mente, com sua conseqüên­
cia natural — uma mudança de postura perante o mundo. A
maior parte das religiões também tende a ratificar uma atitude
familiar de interiorização na teoria; contudo, como resultado
de sua presença dentro das instituições da sociedade, elas sem­
pre negam isso na prática. As religiões costumam se iniciar co­
mo movimentos de libertação radical seguindo linhas espirituais
mas inevitavelmente terminam como pilares das próprias socie­
dades, as carcereiras de nossas almas.
Se desejamos obter a Gnose, o conhecimento do coração que
liberta os seres humanos, devemos nos desvencilhar do falso
cosmo criado pela nossa mente condicionada. A palavra grega
Kosmos, bem como o vocábulo hebraico olam, embora quase
sempre mal traduzidos como mundo, realmente designam mais
o conceito de sistemas. Quando os gnósticos diziam que o siste­
ma à sua volta era mau e que precisaríamos sair dele para conhe­
cer a verdade e descobrir o,seu significado, comportavam-se não
só como precursores de inúmeros alienados da sociedade, desde
São Francisco de Assis até os beatniks e hippies, mas também
exprimiam um fato psicológico desde então redescoberto pela
moderna psicologia profunda. Jung reafirmou uma antiga per­
cepção gnóstica ao dizer que o extrovertido ego humano deve,
em primeiro lugar, tomar plena consciência de sua própria alie­
nação do Self Superior, antes de poder começar a retornar ao
estado de união mais íntima com o inconsciente. Até nos cons­
cientizarmos inteiramente da inadequação de nosso estado de
extroversão e de sua insuficiência quanto às nossas necessida-
50
des espirituais mais profundas, não obteremos nenhum grau
sequer de individuação, através da qual uma personalidade
mais madura e ampla surge, O ego alienado é o precursor e
uma pré-condição inevitável do ego individualizado. Como Jung,
os gnósticos não rejeitavam necessariamente a terra per se, que
reconheciam como uma tela sobre a qual o Demiurgo da mente
projeta seu sistema ilusório. Quando nos deparamos com uma
condenação do mundo nos escritos gnósticos, o termo usado é
fatalmente Kosmos ou este eon e nunca a palavra ge (terra),
que consideravam neutra, se não totalmente satisfatória.
Era desse conhecimento — o conhecimento que se tem no
próprio coração a respeito da inutilidade espiritual e absoluta in­
suficiência das instituições e valores estabelecidos do mundo ex­
terior — que os gnósticos valiam-se para construir tanto uma
imagem de ser universal como um sistema de inferências coeren­
tes a serem extraídas dessa imagem. (Como era de esperar, eles
o realizaram não,tanto em termos de filosofia e teologia, mas
em termos de mito, ritual e cúltivo das qualidades imaginativas
e mitopoéticas da alma). Como muitas outras pessoas inteligen­
tes e sensíveis, antes e depois de sua época, eles se sentiram es­
trangeiros num país desconhecido, uma semente abandonada
dos mundos distantes de luz infinita. Alguns, como a juventude
alienada dos anos 60, retiraram-se para comunidades e eremité-
rios à margem da civilização. Outros, mais numerosos talvez,
permaneceram em meio à vasta cultura metropolitana das gran­
des cidades, como Alexandria e Roma, aparentemente desempe­
nhando seus papéis na sociedade, enquanto no íntimo serviam a
um mestre diferente —no mundo, mas não do mundo. A maio­
ria deles tinha instrução, cultura e riqueza; entretanto, continua­
vam conscientes do inegável fato de que todas essas realizações e
tesouros perdem a cor perante a Gnose do coração, o conheci­
mento do que existe. Não surpreende que o mago de Küstnacht,
que desde sua primeira infância buscou e encontrou a própria
Gnose, tivesse afinidade com esse povo estranho e solitário, es­
51
ses peregrinos da eternidade, prontos para voltar ao lar entre as
estrelas.
JUNG E O GNOSTICISMO
Desde o princípio de sua carreira psicanalítica até a morte,
Jung manteve um vivo interesse e uma profunda simpatia pe­
los gnósticos. Já em 12 de agosto de 1912, Jung escreveu uma
carta a Freud a respeito dos gnósticos, na qual qualificou a con­
cepção gnóstica de Sofia de reaproveitamento de uma antiga sabe­
doria que poderia aparecer uma vez mais na moderna psicanálise.
Não lhe faltava literatura capaz de estimular seu interesse pelos
gnósticos, porque os eruditos do século XIX na Alemanha (em­
bora quase que em nenhum outro país) devotavam-se diligente­
mente aos estudos gnósticos. Em parte como reação contra a ri­
gidez da Alemanha bismarckiana e a seus efeitos conformistas,
tanto teológicos como intelectuais, inúmeros eruditos excelen­
tes (Reitzenstein, Leisengang e Carl Schmidt, entre outros),
além de poetas e escritores criativos (Herman Usner, Albrecht
Dieterich), e, pelo menos, alguns membros da intelectualidade
francesa (M. Jacques Matter, Anatole France) investigaram a
tradição gnóstica. Todos os biógrafos de Jung mencionam seu
profundo interesse por assuntos gnósticos. Uma das declarações
mais reveladoras a esse respeito é citada por uma de suas ex-co-
laboradoras, Barbara Hannah, que lhe reproduz as palavras so­
bre os gnósticos: “Senti como se finalmente tivesse encontrado
um círculo de amigos que me entendessem”. A mesma biógrafa
também ressalta que Jung desenvolveu um interesse por Schope­
nhauer justamente porque o grande filósofo alemão lembrava-
lhe os gnósticos e a ênfase que colocavam no aspecto do sofri­
mento do mundo; álém disso, ele aprovava de todo o coração o
fato de Schopenhauer “não falar nem da providência onisciente
e todo-misericordiosa de um Criador, nem da harmonia do cos­
mo, mas ter afirmado abertamente que uma falha fundamental
52
subjazia ao triste curso da história humana e à crueldade da na­
tureza; a cegueira da Vontade criadora do mundo. . .” Que essas
são afirmações completamente gnósticas não é preciso dizer. Co­
mo seu interesse por Schopenhauer remonta à infância, pode­
mos considerar Jung, sob muitos aspectos, como um gnóstico
“natural”, possuidor de uma postura gnóstica mesmo antes de
familiarizar-se com alguns dos ensinamentos do gnosticismo.
Apesar de Jung ter tido acesso a certo volume de literatura
poética e erudita bem cedo na vida, o que estimulou seu interes­
se pelo gnosticismo, ele não contou com quase nenhum material
de natureza gnóstica procedente de fontes originais à sua dispo­
sição. Como muitos outros, para informar-se sobre os gnósticos.
Jung teve de se basear nos relatos fragmentários e sobretudo
deslealmente distorcidos dos padres da igreja antignóstica, em
particular Irineu e Hipólito. As pesadas engrenagens da erudi­
ção acadêmica apenas começavam, com extrema lentidão e mes­
mo relutância, a dedicar-se aos três códices coptas Codex Ag-
new, Codex Bruce, Codex Askew, que na época mofavam em
vários museus, esperando para ser traduzidos e publicados. Po-
obter tanta compreensão e extrair tanta informação valiosa,
favorável ao gnosticismo, das polêmicas dos padres caçadores
de hereges da Igreja. A contribuição de Jung aos estudos gnósti­
cos em geral e a uma esclarecida interpretação contemporânea
do gnosticismo em particular é pouco menos que notável em al­
cance e importância. E lamentável que essa contribuição não se­
ja ainda apreciada por um número crescente de especialistas em
gnosticismo, dentro do campo de estudos bíblicos, embora is­
so não seja particularmente surpreendente, em vista do fato de
que a maioria desses eruditos provêm de escolas de teologia e de
religião com tendências ortodoxas. Além disso, muitos deles ca­
recem por completo de qualquer apreciação séria da psicologia,
especialmente do tipo de psicologia que Jung proclamou. Afir-
nia-se que a guerra é por demais importante para ser confiada a
53
generais; da mesma forma, Seria igualmente justo dizer que o
gnosticismo representa uma tradição de muito valor para Ser
consignada a estudiosos da Bíblia e a sofistas de palavras coptas.
A falta de atenção e respeito dispensados a Jung por alguns des­
ses eruditos é ainda mais inacreditável, considerando-se que a
influência de Jung consiste praticamente na única responsável
pelo projeto vital de publicação do maior acervo de escritos
gnósticos originais jamais descobertos na história: a Biblioteca
de Nag Hammadi.
Os gnósticos foram prolíficos escritores da tradição sacra.
Seus inimigos observaram com desaprovação que os seguidores
do instrutor gnóstico Valentino costumavam escrever um novo
evangelho a cada dia, e que nenhum deles era muito estimado, a
menos que desse uma nova contribuição à sua literatura. En­
tretanto, de toda essa profusão de textos, muito pouco sobrevi­
veu, devido à incansável supressão e destruição da literatura
gnóstica a que se dedicaram os queimadores de livros e caçado­
res de hereges da Igreja que, com o apoio do poder constituído,
obtiveram predominância Sobre seus rivais. Durante muitos sécu­
los, não se soube da existência de nenhuma escritura gnóstica
original. Foi somente nos séculos XVIII e XIX que viajantes,
como o destemido e romântico escocês James Bruce, começa­
ram a trazer para a Europa, do Egito e localidades vizinhas,
fragmentos de papiros antigos contendo textos. Embora talvez
escritos originariamente em grego, esses haviam sido traduzidos
pelos escribas gnósticos para o copta, a língua popular do Egito
helênico. Sendo realmente raros os eruditos coptas e demais pes­
soas interessadas em gnosticismo, a tradução desses textos pro­
cedeu-se muito lentamente. Então, um quase milagre aconteceu.
Em dezembro de 1945, pouco após o término da II Guerra
Mundial, um camponês egípcio encontrou uma coleção inteira
de manuscritos gnósticos enquanto cavava para extrair fertili­
zantes na vizinhança de algumas cavernas, na cadeia montanho­
sa de Jabal al-Tarif, próximo ao Nilo, no Alto Egito. Aparente­
54
mente, esses tesouros fizeram parte, em certa época, da biblio­
teca do vasto complexo monástico fundado na região pelo pai
do monasticismo cristão, o monge copta São Pacômio.
Como suas predecessoras, a descoberta de Nag Hammadi cus­
tou muito a se concretizar. Os métodos lentos dos acadêmicos
foram, entretanto, bastante acelerados pela influência de um ho­
mem que nao era nem erudito copta nem especialista bíblico,
mas simplesmente um arqueólogo da alma humana. Esse homem
era, é claro, Carl Jung. Ele se interessou pela descoberta de
Nag Hammadi desde o princípio; foi um antigo amigo e colabo­
rador de Jung, o professor Gilles Quispel, que tomou a iniciativa
de traduzir e publicar os livros de Nag Hammadi. Em 10 de
maio de 1952, embora a crise política e a dissensão acadêmica
paralisassem todos os trabalhos relativos aos manuscritos, Quis­
pel adquiriu um dos códices em Bruxelas, e desta porção da
grande biblioteca, reálizou-se a maior parte das primeiras tradu­
ções, envergonhando assim a comunidade erudita, que se viu na
contingência de apressar o trabalho longamente adiado. Esse do­
cumento, intitulado Jung Codex, foi apresentado ao Instituto
Jung de Zurique por ocasião do octogésimo aniversário do dr.
Jung, tornando-se o primeiro item da descoberta de Nag Ham­
madi a ser abertamente examinado por eruditos e leigos fora do
turbulento ambiente não-cooperativo do Egito dos anos 50. O
próprio professor Quispel declarou ter sido Jung uma peça-cha-
ve no despertar da atenção sobre os manuscritos e na publica­
ção da valiosa coleção de Nag Hammadi. Existem boas razões
para se crer que, sem a influência de Jung, essa coleção também
poderia ter sido relegada à obscuridade pela aparentemente sem­
pre ativa conspiração da negligência erudita. (Para maiores de­
talhes sobre a história da Biblioteca de Nag Hammadi e a parti­
cipação de Jung, ver: H. C. Puech, G. Quispel, W. C. Van Unnik:
—The Jung Codex, Londres, M. R. Mowbray, 1955.)
Qual era a verdadeira visão de Jüng a respeito do gnosticis-
mo? Ao contrário da maioria dos eruditos até bem recentemen­
55
te, ele jamais acreditou que se tratasse de uma heresia cristã dos
séculos II e III. Também nunca deu importância às infindáveis
disputas de especialistas a respeito das possíveis origens do gnos­
ticismo: indiana, iraniana, grega e outras. Antes de qualquer ou­
tra autoridade no campo dos estudos sobre os gnósticos, Jung
reconheceu-os por aquilo que eram: videntes que produziram
criações originais e primordiais, a partir do mistério que ele
chamou de inconsciente. Quando, em 1940, perguntaram-lhe
se o gnosticismo era filosofia ou mitologia, ele respondeu com
seriedade que os gnósticos lidavam com imagens reais e originais
e não eram filósofos sincretistas, como muitos supunham. Jung
reconheceu que imagens gnósticas surgem ainda hoje nas expe­
riências interiores das pessoas, ligadas à individuação da psique;
nisso ele via evidência do fato de que os gnósticos expressavam
imagens arquetípicas reais que, como se sabe, persistem e exis­
tem independentemente do tempo ou de circunstâncias históri­
cas. Ele identificou no gnosticismo uma poderosa e absoluta­
mente primordial e original expressão da mente humana, uma
expressão dirigida para a mais profunda e importante tarefa da
alma, ou seja, a obtenção de sua plenitude. Os gnóstiços, como
Jung os percebia, interessavam-se acima de tudo por uma coi­
sa — a experiência da plenitude do ser. Considerando que isso
incorporava seu interesse pessoal e também o objetivo de sua
psicologia, é incontestável que sua afinidade com os gnósticos
e com sua sabedoria era realmente grande. Essa visão do gnosti­
cismo não se confinoü aos trabalhos psicológicos de Jung, mas
logo entrou nç> mundo dos estudos gnósticos por intermédio do
supracitado colaborador, Gilles Quispel, que, em seu importan­
te trabalho Gnosis als Weltreligion (1951), apresentou a tese de
que o gnosticismo não expressa nem uma filosofia nem uma he­
resia, mas uma experiência religiosa específica, qúe então se ma­
nifesta como mito e(ou) ritual. E de fato lamentável que, após
mais de vinte e cinco anos da publicação desse trabalho, tão
poucos tenham apreciado suas significativas implicações.
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Em vista dessas considerações, pode-se compreensivelmente
indagar: Jung era um gnóstico? Pessoas mal-informadas, como
Martin Buber, responderam sim a essa pergunta, querendo dizer
com isso que Jung não era nem um cientista respeitável nem um
bom homem, de acordo com o significado religioso ortodoxo do
termo. Em virtude do uso pejorativo da expressão gnóstico,
muitos dos seguidores de Jung, e ocasionalmente o próprio
Jung, negaram que ele fosse um gnóstico. Um exemplo bem tí­
pico dessas evasivas foi a declaração de Gilles Quispel, segundo
a qual “Jung não era um gnóstico no sentido comum do ter­
mo”. Por outro lado, é muito duvidoso que jamais tenha havido
um único gnóstico no sentido comum do termo. O gnosticismo
não constitui um conjunto de doutrinas, mas a expressão mito­
lógica de uma experiência interior. Em termos de psicologia
junguiana, poderíamos dizer que os gnósticos deram expressão
em linguagem poética e mitológica às suas experiências dentro
do processo de individuação. Ao fazê-lo, eles produziram uma
profusão do mais significativo material, contendo profundas
percepções da estrutura da psique, do conteúdo do inconscien­
te coletivo e da dinâmica do processo de individuação. Como o
próprio Jung, os gnósticos não descreveram apenas os aspectos
conscientes e pessoais inconscientes da psique humana, ijias ex­
ploraram empiricamente o inconsciente coletivo e forneceram
descrições e formulações das várias imagens e forças arquetípi-
cas. Como afirmou Jung, os gnósticos foram muito mais bem-
sucedidos do que os cristãos ortodoxos na descoberta de ex­
pressões simbólicas adequadas do Self, e essas expressões as­
semelham-se às formuladas por Jung. Embora Jung não tenha
se identificado abertamente com o gnosticismo como escola
religiosa, da mesma forma que não se identificou com nenhuma
seita religiosa, pouca dúvida pode existir de que ele fez, mais do
que qualquer outra pessoa, lançar luz sobre o impulso central das
imagens e da prática simbólica gnósticas. Ele viu no gnosticismo
uma expressão particularmente valiosa da luta universal do ho­
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mem para readquirir a plenitude. Embora náo fosse prático
nem modesto que ele o dissesse, não há dúvida de que essa ex­
pressão gnóstica do anseio pela plenitude só foi reproduzida
uma vez na história do Ocidente, e isso se deu no próprio siste­
ma de psicologia analítica de Jung.
Que tipo de gnóstico era Jung? Certamente, não um seguidor
literal de nenhum dos antigos mestres da Gnose, o que teria sido
um empreendimento impossível, diante da insuficiência de in­
formações detalhadas a respeito desses e de seus ensinamentos.
Por outro lado, como os gnósticos do passado, ele formulou
pelo menos os rudimentos de um sistema de transformação ou
individuação, que se baseava não na fé numa fonte exterior (se­
ja Jesus ou Valentino), mas na experiência interior, natural da
alma, que sempre representou a fonte de toda verdadeira Gno­
se.
A definição léxica de gnóstico é conhecedor, e não seguidor
de alguém que pode ser um conhecedor. Jung sem dúvida era
um conhecedor, se é que já houve algum. Negar que ele era um
gnóstico nesse sentido eqüivaleria à negação de todos os dados
reconhecidos sobre sua vida e seu trabalho. A mais provável in­
dicação do caráter especificamente gnóstico da linha seguida por
Jung, nö entanto, não é outra senão o tratado intitulado Sete
Sermões aos Mortos, o qual, segundo admitem proeminentes
junguianos, constitui a fonte e a origem de seu trabalho poste­
rior. Quem, a não ser um gnóstico, escreveria ou poderia escre­
ver uma obra como esses sermões? Quem optaria por revestir
suas revelações arquetípicas pessoais, que formam o esqueleto
do trabalho de sua vida, usando a terminologia e o estilo mitoló­
gico da gnose alexandrina? Quem preferiria eleger Basilides, em
vez de qualquer outro vulto, como autor dos Sermões? Quem
usaria com versada compreensão e finesse, termos tais como
Pleroma e Abraxas para simbolizar estados psicológicos alta­
mente abstratos? Há apenas uma resposta para essas perguntas:
somente um gnóstico fàría essas coisas* Como Carl Jung realizou
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tudo isso e muito mais, podemos portanto considerá-lo gnósti-
co, tanto no sentido geral de um verdadeiro conhecedor das
mais profundas realidades do ser psíquico como no sentido mais
estrito de moderno restaurador do gnosticismo dos primeiros
séculos da era cristã.
JUNG E A GNOSE PANSOFICA
De acordo com Morton Smith, notável descobridor do Evan­
gelho Secreto de Marco, o termo gnostikoi em geral se aplicava a
pessoas de tendência pitagórica e/ou platônica, embora natural­
mente a expressão gnose apareça nos escritos de muitos autores
ligados a outras escolas, incluindo Padres da igreja ortodoxa cris­
tã, como Orígenes e Clemente de Alexandria. A Biblioteca
Gnóstica de Nag Hammadi continha cópias da República de Pla­
tão e também de certos tratados herméticos que os eruditos pu­
ristas da vindima contemporânea jamais sonhariam incluir na
literatura gnóstica. Tudo isso fornece indícios para a convicção
de que, já em tempos primitivos, quando as escolas gnósticas ain­
da estavam vivas fisicamente, o gnosticismo caracterizava-se por
um considerável ecumenismo e flexibilidade. Os membros da
Suposta comunidade gnóstica do Alto Egito provavelmente te­
riam definido a literatura gnóstica como qualquer escritura de
valor espiritual, capaz de produzir gnose no leitor. Acadêmicos
versados em gnosticismo podem aspirar ao status de puristas,
mas os próprios gnósticos nunca o foram, nem poderiam ser.
Assim, nos séculos posteriores, após a destruição das comunida­
des gnósticas primitivas e de suas escrituras, o espírito gnóstico
continuou a viver sob muitos nomes e disfarces, servindo ainda
a seus propósitos originais e imorredouros. Enquanto existir
uma luz na individualidade mais recôndita da natureza humana,
enquanto existirem homens e mulheres que se sintam semelhan­
tes a essa luz, sempre haverá gnósticos no mundo. Podemos con­
siderar sua contínua existência resultante em grande medida da
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sobrevivência dos arquétipos gnósticos no inconsciente coletivo
e da própria natureza dos processos de crescimento e desenvolvi­
mento da psique em si. Jung indubitavelmente sabia disso quan­
do se referiu ao processo de confronto com a sombra (o reco­
nhecimento da parte inaceitável ou “má” de nós mesmos) co­
mo um “processo gnóstico”. Os padres da Igreja cunharam a
frase anima naturaliter christiana (a alma que é cristã por natu­
reza), entretanto os gnósticos, com muito maior legitimidade,
poderiam ter dito que o conteúdo da alma e sua senda de cresci­
mento são por natureza gnósticos. O inegável caráter arquetípi-
co do gnosticismo não constitui a única causa de sua sobrevivên­
cia. Além do caráter gnóstico do inconsciente, que tende espon­
taneamente a produzir sistemas gnósticos de realidade, existe
também um desenvolvimento histórico e umá continuidade li­
gando os antigos adeptos do gnosticismo a seus herdeiros de pe­
ríodos históricos posteriores.
Movimentos subterrâneos raras vezes se prestam como obje­
tos de trabalho para o historiador. Compelidos ao segredo pelo
ambiente hostil, sua principal preocupação é a sobrevivência, e
portanto eles deixam relativamente poucos vestígios perceptí­
veis no solo do tempo. Grande parte, embora não a totalidade,
da história gnóstica posterior aos séculos III e IV constitui-se
de especulação e intuição em lugar de fatos. Contudo, nessa
tênue estrutura de segredos e subterfúgios, de evasões e oca­
sionais declarações ousadas, certos dados significativos se sobres­
saem com singular força e brilho. Como um desses dados encon­
tra-se a vida e o trabalho do esplêndido profeta persa Mani
(215-277 d.C.), cuja estrela se elevou justamente quando a dos
gnósticos declinava. Mani foi um gnóstico, tanto pela natureza
de seu caráter como em virtude da tradição. Aos doze anos de
idade, recebeu a visita de um anjo que lhe anunciou haver sido
escolhido para grandes tarefas. Aos vinte e quatro anos o anjo
voltou à sua presença e exortou-o a aparecer em público e pro­
clamar a sua doutrina. O termo persa que designa esse anjo sig­
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  • 2. Outras obras de interesse: A GNOSE DE PRINCETON RaymondRuyer OS EVANGELHOS GNÓSTICOS ElainePageIs OS MANUSCRITOS DO MAR MORTO E.M. Laperrousaz OS ESSÊNIOS Christian D. Ginsburg APSICOLOGIA DE JUNG E O BUDISMO TIBETANO RadmiIaMoacanin C.G. JUNG: Entrevistas e Encontros W. McGuire O DESENVOLVIMENTO ADULTO DE C.G. JUNG John-RaphaeIStaude ENSAIOS SOBRE A PSICOLOGIA DE C.G. JUNG AnielaJaffé O MITO DO SIGNIFICADO NA OBRA DE C.G. JUNG Aniela Jaffé INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA JUNGUIANA Hall & Nordby JUNG E O TARÔ —Uma Jornada Arquetípica SallieNichols JUNG, SINCRONICIDADE E DESTINO HUMANO IraProgoff AS IDÉIAS DE JUNG* Anthony Storr * Co-edição com a EDUSP DICIONÁRIO DE RELIGIÕES John R. Hinnells Coleção Estudos de Psicologia Junguiana por Analistas Junguianos ADIVINHAÇÃO E SINCRONICIDADE Marie-Louise von Franz ALQUIMIA Marie-Louise von Franz O ARQUÉTIPO CRISTÃO Edward F. Edinger A CRIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA EdwardF. Edinger O ENCONTRO ANALÍTICO MarioJacobi A EXPERIÊNCIA JUNGUIANA JamesA. Hall ENSAIOS DE SOBREVIVÊNCIA - Anatomia de uma Crise da Meia-Idade Daryl Sharp TOCAR —Terapia do Corpo e Psicologia Profunda Deldon Anne MeNeely JUNG E A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS JamesA. Hall NARCISISMO E TRANSFORMAÇÃO DO CARÁTER Nathan S. Salant O SIGNIFICADO PSICOLÓGICO DOS MOTIVOS DE REDENÇÃO NOS CONTOS DE FADAS Marie-Louise von Franz Peça catálogo gratuito à EDITORA CULTRIX Rua Dr. Mário Vicente, 374 - Fone: 272-1399 04270 - São Paulo, SP
  • 3. A GNOSE DE JUNG e os Sete Sermões aos Mortos
  • 4.
  • 5. STEPHAN A. HOELLER A GNOSE DE JUNG os Sete Sermões aos Mortos Tradução SANDRA GALEOTTI SONIA MIDORI YAMAMOTO EDITORA CULTRIX Sâo Paulo
  • 6. Título do original: The Gnostic Jung and the Seven Sermons to the Dead Ediçio _________ Ano ~ 2- 3- 4- 5- 6-7 8-9 ’ . 91- 92- 93- 94-95 Direitos de tradução para a língua portuguesa adquiridos com exclusividade pela EDITORA CULTRIX LTDA. Rua Dr. Mário Vicente, 374 - 04270 - São Paulo, SP - Fone: 272-1399 que se reserva a propriedade literária desta tradução. Impresso nas oficinas gráficas da Editora Pensamento.
  • 7. Carl Gustav Jung com o seu anel Gnóstico. {Foto de Cartier-BresSOn)
  • 8.
  • 9. Para Kristofer, um verdadeiro filho de Hermes, que trouxe a mediação da Conjunção para muitos, inclusive para.o autor.
  • 10.
  • 11. Sumário Prefácio .................................................. ........................................ 11 Prólogo............................................................................................. 13 Capítulo I: A Gnose de C. G. Jung Uma Ciência Nascida do Mistério.............. .......................... 34 Pregando aos Mortos .............................................................. 41 Afinal, Quem São os Gnósticos?........................................... 45 Jung e o Gnosticismo.............................................................. 52 Jung e a Gnose Pansófica....................................................... 59 Jung e o Novo Gnosticismo .............. ................................... 69 Capítulo II: VII Sermones ad Mortuos (Tradução do Texto Originaldos Sermões) . . .................. 85 Capítulo III: Interpretação dos Sete Sermões Preâmbulo —O Sábio, a Cidade e os Mortos......................101 O Primeiro Sermão: A Plenitude Vazia............................... 108 O Segundo Sermão: Hélios, a Imagem de Deus . . . . . . . . 121 O Terceiro Sermão, Parte 1: Abraxas, O Arauto Celestial 129 O Terceiro Sermão, Parte 2: O Deus Desconhecido de Ju n g ................................................................................. .. 139 O Quarto Sermão: A Sarça Ardente e a Árvore da V ida.........................................................................................156 9
  • 12. O Quinto Sermão: As Duas Comunidades —Cidade-Mãe e Fortaleza-Pai.......................... ........................................184 O Sexto Sermão: A Serpente e a Pomba.............................207 O Sétimo Sermão: Rumo ao Lar Entre as Estrelas..........238 Epílogo ......................................................................................269 Apêndice: Notas do Tradutor (Dos Sermões para o Inglês) .............. .......................................................................287 N otas................................................................ ....................... .. 289 Glossário Gnóstico Quintessencial ........................................ 293 Bibliografia Selecionada............................................................295 índice analítico ..........................................................................298 10
  • 13. Prefácio A essência dos comentários sobre os Sete Sermões aos Mortos foi apresentada pelo autor numa aula de psicologia da religião no Institute for the Study of Religion East and West da Univer­ sidade da Califórnia, em Los Angeles, durante a primavera de 1977. O Prólogo, “Premonição de um Mundo de Sombras a que não se pode escapar” foi publicado pela primeira vez em Psy- chological Perspectives (do C. G. Jung Institute, de Los Angeles), edição da primavera de 1982. Os mais sinceros agradecimentos do autor aos seguintes colaboradores deste livro: A Academy of Creative Education e seu presidente, dr. James C. Ingerbretsen, pela doação de fundos que possibilitou escrevê-lo. Ao Ourobouros Circle o f Beverly Hills, Califórnia, e seus generosos anfitriões, sr. e sra. Arthur Malvin. A Irene Malvin, especialmente por criar e doar seu desenho de Abraxas para este trabalho. Ao professor John Algeo, por ler o manuscrito e por enri­ quecê-lo com valiosas sugestões. 11
  • 14.
  • 15. Prólogo PREMONIÇÃO DE UM MUNDO DE SOMBRAS A QUE NÃO SE PODE ESCAPAR Era o ano de 1949. Uma profunda camada de neve encobria o contorno das esplêndidas construções barrocas da velha cidade de Innsbruck. A venerável capital da terra do Tirol parecia despovoada pela força implacável do inverno alpino. A larga avenida que leva o nome da Imperatriz Maria Teresa, matriarca amada dos estados unidos da Europa oriental há muito extintos, estava sem os transeuntes vespertinos, que haviam fugido do frio abrigando-se onde podiam. Abrigos aquecidos era coisa rara. A falta de material para aquecimento deixava a maioria dos edi­ fícios públicos e muitos dos privados sem calor. Mesmo as históricas salas da famosa Universidade de Innsbruck abrigavam massas trêmulas de estudantes pesadamente vestidos e amontoa­ dos em torno dos professores, cuja erudição era suplantada apenas pelo desconforto dos alunos. Quitandeiros. desanimados ofereciam um estoque deficiente de vegetais queimados pelo frio, enquanto soldados da cavalaria marroquina e da infantaria senegalesa do exército francês de ocupação vociferavam, amal­ diçoando o dia em que seus generais decidiram aquartelá-los naquela terra de neve e gelo. Felizes de fato eram os homens, mulheres e crianças que pudessem abrigar-se em um quarto aquecido num dia como aquele. Numa pequena rua lateral no centro da cidade, duas figuras que usavam chapéu, sobretudo e cachecol dirigiam-se rapida­ 13
  • 16. mente para um desses locais abençoados, sob a forma de uma sala pública de leitura, mantida pelo Serviço de Informação dos Estados Unidos da América para o enriquecimento intelec­ tual — e por acaso, ou nem tanto, para o bem-estar físico —da população. Ali, em meio a livros e periódicos impressos em vários idio­ mas, todos difundindo os ideais dos quatro mais ricos e gene­ rosos poderes de ocupação; exaustos e enregelados refugiados do inverno tirolês reuniam-se com bastante freqüência. Os dois personagens a que nos referimos fugiam não apenas do frio mas também de outras formas mais duradouras de adversi­ dade. Tratava-se de refugiados da pátria vizinha, a Hungria, que vieram residir, ainda que temporariamente, no país irmão, a pátria imperial austríaca de muitos povos da Europa oriental. O mais antigo dos compatriotas tinha uma aparência singular­ mente impressionante, bem como credenciais também impres­ sionantes nos campos do saber, da religião e da vida pública. O professor J. era padre da Igreja Católica Romana e, até há pouco, membro da Companhia de Jesus, da qual se afastou com a aprovação oficial da Igreja, embora mantivesse a condi­ ção de sacerdote. Por muitos anos, ele foi conhecido como eminente luminar do mundo acadêmico em seu país e o mais jovem professor a obter cátedra numa universidade húngara. Autor de inúmeros livros eruditos sobre filosofia e reconhecido especialista em Existencialismo, conhecia pessoalmente Heidegger, Jaspers e Jean-Paul Sartre. Em 1945, seu nome figurou entre diversos indicados para o principal arcebispado da Hungria, que legava a liderança da Igreja do país todo, mas foi preterido em favor do trágico e heróico prelado, o Cardeal Mindszenty, cuja prisão escandalizou o mundo inteiro poucos anos depois. Nessa época, o professor J. vivia em tranqüilo semi-retiro na Áustria, uma figura austera e misteriosa conhe­ cida apenas por alguns compatriotas seus e mantendo contato pessoal com um número ainda menor deles. Um dos escolhidos 14
  • 17. com quem conversava regularmente era o seu agora compa­ nheiro de caminhada invernal, um jovem e precoce estudante de filosofia, com aspirações ao sacerdócio. Esse rapaz — que não era outro senão o autor deste estudo — estranhamente havia chamado a atenção do retraído professor, que parecia divertir-se com sua grande atração por religião, combinada com uma linha não convencional de pensamento e exuberân­ cia juvenil. “Gosto de você, meu jovem Barão”, disse ele em seu primeiro encontro; “Numa época anterior, você poderia ter-se tornado um verdadeiro herege e seria queimado pelos domini­ canos! ” Esse promissor comentário inicial desenvolveu-se num clima de amizade, salientado por encontros quase que diários na sala de leitura da biblioteca americana e, em raras ocasiões de momentânea prosperidade, num bar próximo, acompanha­ dos de café turco e conhaque francês. —Talvez tenhamos um presente para você esta tarde — disse o professor a seu companheiro. — Um livro estranho está a caminho e certamente irá interessá-lo. — Um livro estranho? Qual é o seu conteúdo e autoria? —Fui informado de que se refere a seus velhos amigos, os hereges gnósticos a quem você nunca cessa de elogiar e, além disso, escrito por um homem por quem você se interessa, o temível dr. Jung. —O psicólogo suíço que vive do outro lado dessas monta­ nhas e tem fama de feiticeiro praticante da boa e antiga tra­ dição das bruxas e dos alquimistas? - perguntou o jovem, não sem algum excitamento. — Ele mesmo. O Hexenmeister (feiticeiro) de Zurique em pessoa. Assim, tendo o professor anunciado a intrigante notícia, os dois enregelados viajantes entraram na sala de leitura e, após tirar os sobretudos cobertos de neve, instalaram-se bem à von­ tade em uma mesa grande, devidamente desocupada na extre­ midade mais afastada da sala. A bibliotecária austríaca cumpri­ 15
  • 18. mentou respeitosamente o Hochwurdiger Herr (Senhor Reve­ rendo) como de costume, enquanto depositava diante dele diversas publicações referentes ao material de leitura habitual do professor. Os dois companheiros envolveram-se numa nuvem etérea de silêncio e conforto erudito, deveras avolumada pelo calor agradável da sala tão generosamente aquecida com fundos do Plano Marshall. Passou-se uma hora. Ao abrir da porta e os sussurros de excitação da bibliotecária anunciaram a chegada do esperado portador das maravilhas psicológicas e heréticas que — de acordo com o professor J. — devia juntar-se a eles em seu presente refúgio. Abordou-os um indivíduo pequeno e sem muitos atrativos, com duas carac­ terísticas pouco comuns — uma abarrotada pasta enorme e um colarinho clerical projetando-se do gasto sobretudo preto, que logo revelaram-no como o padre Z., um sacerdote húngaro itinerante, cujos ofícios envolviam freqüentes viagens por países como Áustria, Suíça e Itália. O visitante aproximou-se da mesa em silêncio e curvou-se solenemente diante do professor. —Laudetur Jesus Christus (J^ouvado seja Jesus Cristo) — disse ele, à maneira tradicional da saudaçãò latina do clero monástico da Hungria. —In aeternum. Amen. (Por toda a eternidade. Amém.) — o professor e seu companheiro responderam devidamente, enquan­ to o visitante sentava-se em silêncio numa cadeira vazia junto à mesa ocupada por seus compatriotas. Em tom abafado porém discretamente audível, seguiu-se uma conversa de considerável duração. O tópico inicial girou compreensivelmente em torno de fatos iminentes e caros a corações ansiosos. Relataram-se os últimos movimentos da ditadura comunista na Hungria; os mais recentes encarceramentos de padres e freiras, os julgamen­ tos espetaculares de membros do alto clero, a captura e prisão de desafortunados amigos e parentes. As esperanças sussurradas pela comunidade no exílio, a possível queda da tirania apoiada 16
  • 19. pelos russos devido a pressões políticas das nações ocidentais, as esperanças do Vaticano, as irresoluções de políticos de todo o mundo, a condição dos inúmeros refugiados nos campos e outros locais espalhados pela Europa Ocidental —esses e outros assuntos correlatos foram narrados e discutidos, acompanhados pelo franzir de sobrancelhas e por olhares aflitos. Finalmente, mitigadas as urgências e respondidas as indagações ansiosas, era hora de tratar do assunto há muito esperado. — Meu amigo — disse o professor, revelando grave delibera­ ção na voz —, você falou-me esta manhã de um pequeno livro escrito pelo dr. Jung. Trouxe-o com você? O padre Z. abriu a pasta devagar e com cuidado, e começou a vasculhar seus repletos recessos. Após alguns minutos, ele puxou um pequeno volume e depositou-o sobre a mesa, onde tanto o professor como seu jovem amigo pudessem vê-lo facilmente. O professor abriu-o, colocando-o numa posição em que a luz ilu­ minasse as páginas de forma mais eficiente. Os três homens olhavam com extasiada atenção. À sua frente estava um livro pequeno de encadernação cara, impresso num tipo muito deco­ rativo em papel artístico semelhante a pergaminho. As primeiras letras de cada breve capítulo pareciam nada menos que as ini­ ciais elaboradas dos manuscritos medievais, e uma moldura circundava o texto em cada página, deixando margens bem largas com numeração em algarismo romano. O livro estava escrito em alemão, como se podia notar à primeira vista devido ao antigo tipo gótico há muito em desuso. A despeito do texto em alemão, o livro trazia o título em latim, com letras esmera­ das e artísticas na página de rosto. Lia-se: VII Sermones ad Mortuos Identificava-se o autor numa linha abaixo do título como Basilides, e o local onde foi escrito como Alexandria, a cidade onde Oriente e Ocidente se encontram. 17
  • 20. Ruborizado, o jovem empertigou-se como se tivesse sido atin­ gido por um soco. Com esforço e a respiração suspensa, pergun­ tou ao padre: — O professor J. disse-nos, e o senhor pareceu concordar, que o livro foi escrito pelo dr. Jung. Por que então traz o nome de Basilides, o famoso herege gnóstico de Alexan­ dria, no Egito? O senhor tem certeza de que este é o livro certo? — Sim, barão, é este o livro, Os Sete Sermões aos Mortos. Deixe-me contar-lhe rapidamente sua história para que possa compreender. Ele foi escrito pelo dr. Carl Jung em 1916, mas jamais levado a público. Esta é uma cópia muito rara da edição impressa em particular por Jung, para uso de alguns de seus amigos mais íntimos. De fato, este volume foi oferecido por Jung há muito tempo a um médico da Holanda, que antes de morrer deu-o a um prelado italiano em visita à Igreja da Holan­ da e profundamente interessado em psicologia. O velho monsig- nore, que agora se encontra no Vaticano, entregou-o a mim por razões muito semelhantes. Como você deve ter ouvido, o dr. Jung tem um interesse maior que d normal pelos antigos gnósticos e, assim, usou o nome de Basilides como um pseu­ dônimo neste caso particular.* —Ele não é único a sentir-se fascinado pelos gnósticos — sorriu o professor J. — O jovem barão também não é lá muito ortodoxo em suas idéias. Mas vamos examinar melhor o livro. O texto do volume era na verdade tão bizarro e fascinante quanto prometia a página de rosto. O primeiro capítulo, inti­ tulado “Sermo I”, começava com a ominosa sentença em alemão: Die toten kamen zurück von Jerusalem, wo sie nicht fanden, was sie suchten. Sie begehrten bei mir Einlass Und verlangten bei mir Lehre undso lehrte ich sie: * Ver apêndice I, notas do tradutor dos Sermões para o inglês. 18
  • 21. Höret: ich beginne beim Nichts, das nichts ist dasselbe wie die fülle. In der Unendlichkeit ist voll so gut wie leer. Das Nichts ist leer und voll. Ihr könnt auch ebenso gut etwas anderes vom Nichts sagen, z.b. es sei weiss oder shwarz oder es sei nicht, oder es sei. Ein unendli­ ches und ewiges hatkeineEigenschaften,weilesalleEigenschaftenhat... * ** Os mortos retomaram de Jerusalem, onde nao encontraram o que buscavam. Eles pediram para ser admitidos a minha presença e eocigi- ramserpor mim instruídos; assim, eu os instruí: Ouvi: Eu começo com nada. Nada é o mesmo que plenitude. No estado de infinito, plenitude é o mesmo que vazio. ONada é ao mesmo tempo vazio e pleno. Pode-se também afirmar alguma outra coisa a respeito do Nada, ou seja, que é branco ou negro existente ou inexis- tente. Aquilo que é infinito e eterno não possui qualidades porque contém todas as qualidades ... Eles continuaram a ler o primeiro capítulo ou sermão até que o jovem dirigiu-se ao professor: — O que é toda essa obs­ curidade? Eu reconheço a palavra Pleroma, a Plenitude sobre a qual os antigos gnósticos escreveram, e algumas outras idéias que vi expressas pelos Padres que escreveram a respeito ou, antes, contra os gnósticos. Contudo, não consigo compreender de jeito nenhum este suposto sermão! O professor replicou de imediato: —Trata-se de uma descri­ ção do Absoluto, do indescritível. Não me surpreende que o dr. Jung teria tido dificuldades com ela. Lembra-se da escu­ ridão mística anunciada por Dionísio, o areopagita? Ou da imprecisão poética das descrições de Meister Eckhart? Sem dúvida, Jung viu-se à frente de uma tarefa que esses místicos anteriores também encontraram. Continuem lendo! A página intitulada "Sermo III” chamou-lhes a atenção a seguir: Os mortos aproximaram-se como névoa saída dos pântanos e gri­ taram: '‘Fala-nos mais sobre o Deus supremo! ” —Abraxas é o Deus 19
  • 22. a quem é difícil conhecer. Seu poder é opoder verdadeiramente supre­ moporque o homem não opercebe de modo algum. O homem vê o s u m m u m bonum do Sole também o infinum malum do demônio, mas Abraxas não, pois este é aprópria vida indefinível, amãe do bem e do mal. O professor J. interrompeu a leitura do texto. —Oh, sim — Abraxas. O regente universal gnóstico, cuja cabeça assemelha- se à de um galo. Como seriam mais coloridas nossas imagens e pinturas sagradas se tivéssemos conservado algumas dessas estra­ nhas divindades gnósticas! Certamente, as pessoas se cansam até mesmo da imagem de Nosso. Senhor Jesus Cristo, em espe­ cial aqui na Ãustria, onde ela sempre é folheada a ouro. De qual­ quer forma, Jung conseguiu realmente alguma coisa com a des­ crição que fez do antigo deus-galo. O mínimo que se pode dizer é que se trata de uma poesia comovente! Ouçam! E ele continua a ler em voz firme, embora baixa: Ele éplenitude, unindo-se ao vazio. Ele é o enlace sagrado; Ele é o amor e o assassino do amor; Ele é o santo eseu traidor. Ele é a luz mais brilhante do dia, e amaisprofunda noite da loucura. Vê-losignifica cegueira; Conhecê-lo é doença; Adorá-lo é morte; Temê-lo é sabedoria; Não resistir-lhe significa libertação. Após um breve período de silêncio, o padre Z. retomou a leitura em voz alta: Assim é o terrívelAbraxas. Ele ê o mais poderoso ser manifestado e, nele, a criação toma-se temerosa de si mesma. Ele ê oprotesto revelado da cfiação contra oPleroma e seu nada. Ele ê o terror dofilho, que ele sente estar contra amãe. 20
  • 23. Ele é o amorda mãepelo seufilho. Ele é oprazerda terrae acrueldade do céu. Diante dasuaface, o homemficaparalisado. Diante dele, não hánempergunta nem resposta. Ele é avida da criação. Ele é aatividade da diferenciação. Ele e o amordo homem. Ele e apalavrado homem. Ele è tanto o resplendorcomo asombra do homem. Ele é arealidade enganosa. — Esse Jung é realmente um poeta — observou o padre portador de grandes pastas e livros raros. — Essa passagem é digna de um Goethe ou pelo menos do nosso mais filosófico poeta húngaro, Endre Ady, que chamou Deus de terrível tu­ barão. — Tubarão ou galo, é quase a mesma coisa. Deus é terror e trevas tanto quanto amor e luz. De que outra forma se poderia explicar Auschwitz e as câmaras de tortura da Sibéria e de Budapeste manipuladas por Stalin e correligionários? O profes­ sor J. balançou a cabeça e seus longos cabelos brancos caíram em ondas soltas sobre sua fronte. —Mas não serão essas ações tenebrosas e cruéis da alçada do diabo, em vez de serem a alçada de Deus? —perguntou o padre Z. —Decididamente não, meu amigo. Neste pequeno livro, o médico suíço declara corretamente que existem incontáveis deuses e demônios. E, a propósito, o que é um demônio? A igreja chama-o de anjo caído, e de fato o é. Mas de onde ele caiu? Do reino da grandeza de Deus ou do Pleroma, a plenitu­ de, como aqui é chamado. Cair significa descer, vir do alto para baixo. Portanto, os demônios são seres que desceram de Deus para os níveis inferiores da criação, chamados inferno. Alguns pensam que a palavra diabolos significa de fato pequeno deus. Esses pequenos deuses maléficos podem realmente ser respon­ sáveis por instigar alguns erros, mas a responsabilidade final por 21
  • 24. todo bem e mal deve recair sobre Deus. E é justamente por isso que o Abraxas de Jung constitui uma imagem mais precisa de Deus do que aquela a nós apresentada por Santo Tomás e pelos nossos teólogos, os quais sustentam que o mal é apenas uma ausência do bem. Os campos de extermínio russos e alemães e seus autores não carecem apenas de bem; eles são maus. Era hora de o mais jovem dos três admoestar cautelosamente o mais idoso: —Parece, professor, que agora é o senhor que está falando como um herege gnóstico. Certamente um Deus ao mes­ mo tempo bom e mau seria objeto muito insatisfatório de adora­ ção para o povo. — Se por "povo” o senhor se refere às massas de crentes, en­ tão sem dúvida tem razão. No entanto, seus antigos amigos gnósticos teriam dito que mais importante do que adorar a Deus é conhecê-lo e que para conhecê-lo é preciso também conhecer o mal. —Concordo com o senhor que isso é o que teriam dito os gnósticos, mas o que o senhor diz, professor? —Devo perguntar a mim mesmo se o que eu diria é sábio e também necessário. Portanto, nada direi. — Ainda fala como um jesuíta - murmurou o padre Z., arre­ pendendo-se imediatamente da declaração impulsiva. — Seja como for, sabe-se que os jesuítas sobrevivem quando muitos outros sucumbem. - O professor voltou sua atenção ao escrito uma vez mais. O exame do livro estava chegando ao fim. O último capítulo oferecia-se ao olhar dos três leitores. Intitulado “Sermo VII”, tinha na página o número XVII em algarismo romano e começa­ va com uma grande inicial iluminada, a letra gótica D: Des nachts aber kamen die Toten wieder mit kläglichergebärde und sprachen: noch eines, wir vergossen davon zu reden, lehre uns vom Menschen ... * * * 22
  • 25. A noite novamente retornaram os mortos, dizendo entre queixas: — Umacoisamaisdevemos saber,pois esquecemos de discuti-la: ensina-nos arespeito do homem. — O homem é um portal através do qual penetramos do mundo exte- tior dos deuses, demônios e almasnomundo interior —do mundo maior no menor. Pequeno e insignificante é o homem; logo o deixamospara trás e assim entramos uma vez maisno espaço infinito, no microcosmo, naeternidade interior. Na imensurável distância cintila solitária uma estrela, noponto mais elevado do céu. Trata-se do único Deus desse solitário ser. E o seu mun­ do, o seu Pleroma, asuadivindade. Nesse mundo, o homem é Abraxas, o que faz nascer seu proprio mundo e o devora. Essaestrela é o Deus do homem e oseu destino. Elaé asua divindade tutelar; nela, o homem encontra repouso. A elaconduz alongajornada daalma, apos amorte: nela reluzem todas as coisas que, ao contrário, poderiam afastar o homem do mundo maior, com o brilho de umagrande luz. A esse Sero homem deveriaorar. Essaprece aumenta aluz daestrela. Essaprece constrói umaponte sobre amorte. Ela aumenta a vida no microcosmo; quando o mundo exterior esfria, essaestrelaainda brilha. Nada poderá separar o homem de seupróprio Deus, se ele ao menos conseguirdesviaro olhardofeérico espetáculo de Abraxas. Homem aqui, Deus lá. Fraqueza e insignificância aqui, eternopoder criador lá. Aqui hásomente trevas efrio úmido. Lá tudo ésol. Tendo assim ouvido, os mortos silenciaram e elevardm-se, como se eleva a fumaça da fogueira do pastor que guarda o seu rebanho à noite. O texto finalizava com quatro linhas de palavras bárbaras, intituladas “Anagrama”, indicando ostensivamente uma tenta­ tiva por parte do dr. Jung de camuflar alguma mensagem secre­ ta e pessoal mas também possivelmente contendo uma seqüên­ 23
  • 26. cia mágica de fórmulas gnósticas, do tipo amiúde encontrado nas últimas fontes egípcias. Os três leitores entreolharam-se de maneira uniformemente significativa. Uma fria atmosfera de assombro e respeito parecia cercar a mesa. Mesmo o proprietário do livro, cuja familiaridade com seu conteúdo estendia-se por muitos anos, fora visivelmen­ te afetado. Ninguém falou por vários minutos. O silêncio foi quebrado pelo professor J.: —O dr. Jung é um vidente e um místico no estilo dos magos do Renascimento. Sei já há algum tempo que existe nele algo mais do que percebem os olhos acadêmicos. Ao contrário de Freud, ele não teme os obs­ curos mistérios do espírito. Entre seus amigos e colaboradores encontram-se pessoas com ligações e interesses peculiares e não- convencionais. Fui informado de que um de seus discípulos italianos é teosofista, enquanto um seguidor inglês, também médico, tornou-se devoto de um feiticeiro russo.* Deve haver também algum vínculo entre ele è o grupo fundado pelo místico austríaco Rudolf Steiner, com sede na Suíça. Quase todos nós sabemos que o dr. Jung era fascinado pelo espiritualismo e que obteve seu doutoramento escrevendo uma tese sobre fenôme­ nos ocultos. Alguns crêem que ele seja um pagão espiritualista, enquanto outros o acusam de tender ao cristianismo. Este pe­ queno livro derrubaria ambas as opiniões, pois mostra Jung como uma espécie de gnóstico, o que o colocaria fora da cate­ goria de pagão ou cristão. Fico contente por ter examinado este memorável documento e sou grato ao senhor, padre. O discreto sacerdote mal teve tempo de agradecer aos comen­ tários do professor, pois o companheiro mais jovem precipitou- se na conversa com ardor maior do que o costumeiro: —Também sou realmente grato, além de limites e palavras. Preocupo-me * Ver Roberto Assagiolli em Autobiografia Inacabada de Alice Baiyley (Nova York, Lucis Publishing Company, 1951) ePsychological Commentaries on the Teachingsof Gurdjieffand Ouspensky (Londres, Vincent and Stewaxd, 1964). 24
  • 27. profundamente, no entanto, pois me lembro de o senhor ter dito que este livro é muito raro. Gostaria de poder decorar seu conteúdo para reter cada palavra. Se existe um livro que eu gos­ taria de possuir, certamente é este! — Não será preciso sobrecarregar assim a memória, barão, porque não deixarei Innsbruck até amanhã à noite, e, até lá, o senhor poderá copiar estas poucas páginas sem muita dificulda­ de. Faça apenas a gentileza de devolvê-lo a mim antes das cinco horas de amanhã. Estou hospedado no mosteiro franciscano, próximo daqui Ele entregou o livro a seu feliz compatriota que o segurou com mãos trêmulas, guardando-o cuidadosamente no bolso do sobretudo. —Vou copiá-lo esta noite. O senhor poderá tê-lo de volta tão cedo quanto o desejar, mesmo antes da missa da manhã. Fora, a precoce noite de inverno havia caído. A sala de leitura havia se esvaziado de seus freqüentadores e a bibliotecária obvia­ mente se preparava para fechar as portas. Após polidos cumpri­ mentos, os três companheiros vestiram seus agasalhos e retira­ ram-se do edifício. A noite de inverno recebeu-os com todo o vigor, e após caminharem um pouco juntos, eles se despediram, dirigindo-se a seus próprios destinos. Um dia memorável havia chegado a termo. Não totalmente. Um deles não estava preparado para ver o dia terminar. Nenhum cavaleiro da távola redonda poderia ter conduzido o Santo Graal com maior reverência e ardor do que o estudante húngaro ao carregar consigo a cópia dos Sete Sermões aos Mortos, de Jung. O transporte coletivo frio e lento, a caminhada do terminal até o alojamento na periferia da cida­ de, as apressadas preparações envolvendo a provisão de quanti­ dade suficiente de papel e uma durável caneta-tinteiro — essas atividades representaram a auréola dos eventos numa jornada para o lugar onde uma vida inteira de trabalho árduo e espe­ rança seria recompensada e coroada. A tozinha* local sagrado 25
  • 28. de operações alquímicas culinárias, foi rapidamente transfor­ mada em escritório noturno, e o entusiástico escriba mergu­ lhou com suprema dedicação numa das mais mágicas atividades de sua jovem vida. Página após página, o cuidadosamente produzido manuscrito veio repousar sobre a sólida mesa da cozinha, preciosa proprie­ dade da idosa senhoria que costumava utilizá-la para numerosas tarefas úteis, desde o escovar matutino do pêlo de seu cão até o preparo e o servir das refeições diárias, bem como o passar de roupas, os freqüentes jogos noturnos com cartas do Tarock me­ dieval, uma variação do antigo baralho mágico conhecido como Taro. No entanto, jamais essa venerável mesa testemunhou maior diligência e tão fervorosa devoção. Passava muito da meia-noite quando a tarefa foi concluída. Logo seria hora de levantar novamente e correr ao mosteiro dos franciscanos, para assistir a missa da manhã e, após o seu térmi­ no, devolver o precioso volume ao um tanto quanto titubeante padre Z., na porta da sacristia. O trabalho estava terminado, mas o mistério apenas começa­ va. Um mundo de sombras a que não se pode escapar havia per­ meado a luz da vida comum. * * * O tempo passou e o mundo mudou; os Sete Sermões conti­ nuaram sendo um objeto de respeito e de interesse para seu anti­ go copista. Treze anos depois, na distante Califórnia, os mortos “voltaram”a seu entusiástico admirador uma vez mais. Eles não vieram de Jerusalém mas de Zurique, e apareceram num livro que tinha acabado de ser impresso pela Rascher Verlag, sob o tí­ tulo Erinnerungen Traume Gedanken von C. G. Jung (Memó­ rias, Sonhçs e Reflexões, de C. G. Jung). Como uma cópia da pré-publicação tinha sido presenteada por um amigo suíço, nos­ so protagonista logo descobriu que o apêndice desse livro conti­ nha o texto em alemão dos misteriosos Sermões. A página intro­ 26
  • 29. dutória aos Sermões encerrava uma estranha nota: “A ser publi­ cado somente na edição alemã.” Uma vez mais o entusiasmo do escriba atingiu seu pico. Veio-lhe à mente, com certa força, o pensamento de que o texto alemão deveria tornar-se acessível a muitas pessoas de bem que liam apenas inglês, e não deveriam* ser privadas da experiência por essa razão. Agora apresentava-se- lhe um trabalho um pouco menos romântico porém ainda intri­ gante, que consistia em traduzir o original alemão para o inglês. Essa tradução foi impressa em caráter particular e distribuída a um número restrito de amigos pessoais, como a edição alemã original, pelo próprio Jung. Por essa época, naturalmente, o ve­ lho sábio de Zurique e Kusnack havia deixado o palco de sua carreira terrena. Sua personalidade, ainda sujeita a especulação e falatório, já emergia com muito mais clareza do que anterior­ mente. A psicologia junguiana lentamente ganhava impulso fora do mundo de língua alemã, e os interesses espirituais não-con- vencionais de seu fundador já se encontravam em parte docu­ mentados pelo aparecimento de suas grandes obras sobre alqui­ mia e por sua investida gnóstic^ contra a teologia convencional na sua Resposta a Job. No entanto, a tradução dos Sete Sermões continuou sendo um assunto reservado a um texto a ser estudado por um peque­ no número de pessoas com interesses no campo do gnosticismo e da psicologia de Jung. Durante anos, essa foi a única tradução e, além disso, era quase que desconhecida. Outro pequeno frag­ mento do trabalho concluía-se, mas o mistério persistia e o mundo de sombras estendeu-se por mais tempo. * * * O tempo continuou a passar e o mundo mudou ainda mais do que antes. Os anos 60 e a maior parte da década seguinte escoa­ ram-se, trazendo consigo uma era de turbulência e grande criativi­ dade espiritual. A guerra do Vietná fora perdida (a única batalha perdida pelos Estados Unidos da América), porém a luta contra a 27
  • 30. consciência superficial e a estreiteza de alma da cultura ociden­ tal moderna estava quase ganha. A cruzada dos filhos do que al­ guns gostavam de chamar de Era de Aquário, á semelhança de cruzadas anteriores, libertou temporariamente o Santo Sepulcro onde repousava o poder salvador do espírito. Os filhos da nova era, que tinham visão ampla, afastaram a lápide e proclamaram o surgimento de uma inefável grandeza. Uma rústica mas glorio­ sa besta, pressagiada certa vez pelo poeta Yeats, aproximou-se de Belém para nascer. Os menestréis cantaram: “Os tempos es­ tão mudando”, e realmente mudaram. As asas dos anjos estavam no ar. Nesses novos tempos, o reconhecimento ao dr. Jung tornou- se ainda maior. Embora há muito fisicamente ausente, sua pre­ sença começou a ser sentida mais intensamente ano após ano. Psicólogos e psiquiatras continuavam a jogar pelas regras de Freud e Skinner, comprazendo-se com a libido e os labirintos de ratos neuróticos, mas, no domínio da literatura, da mitologia, da poesia e de uma cultura como a que ainda permanecia num mundo cada vez mais deseducado, crescia gradualmente a cons­ cientização acerca de Jung. Ele se tornou mais importante do que a sua terapia, mais importante ainda que a sua psicologia analítica, e, fato curioso, essa circunstância pareceu inteiramen­ te justa e correta. Paralelamente à ascensão de Jung bem como de outras figuras e assuntos anteriormente arcanos, o mundo assistiu também a um modesto renascimento do interesse pelo gnosticismo, a ve­ lha disciplina espiritual com a qual Jung se associou nos Sete Sermões. Códices há muito soterrados vieram à luz no Egito, chamando a atenção de muitos eruditos e de pessoas leigas ain­ da mais criativas e dotadas de imaginação. Palavras e nomes, tais como Pleroma, Abraxas e Basilides, não mais permanece­ ram totalmente estranhas a um bom número de pessoas intuiti­ vas e criativas. O tempo de Jung e dos gnósticos havia chegado. O momento para os Sete Sermões aos Mortos era chegado. 28
  • 31. Foi assim que os mortos retornaram de Jerusalém mais uma vez e exigiram atenção. Trinta anos durara seu tributo entre os participantes do pequeno drama original, que colaborou para o estabelecimento da ligação entre os Sermões e a pessoa que cer­ ta vez os copiou com devoção sem nenhuma previsão de seu fu­ turo uso. A nobre figura do professor J. havia partido da acade­ mia terrena. Comentou-se que partira o coração o desastroso fracasso do levante patriótico de seu povo em 1956, o qual ele observara ansiosamente do último local em que ficou exilado em Munique, na Bavária. O padre Z., guardião do livro, também havia morrido, de forma muito semelhante à que vivera, discreta e modestamente, um humilde trabalhador em vinha alheia. O exílio continuou, refletindo talvez o exílio maior mencionado pelos antigos gnósticos — o exílio das centelhas que se despren­ dem do corpo da luz. Longe dos Alpes tiroleses, onde pela pri­ meira vez os confrontou, o outrora jovem escriba continuou a ser perseguido pelos mortos e pelos sermões a eles pregados por Basilides, o Sábio. O encorajamento de novos companheiros num novo mundo avivara a chama acesa numa tarde de inverno há muito tempo. E assim, três décadas após os eventos originais aqui descritos, a Gnose do dr. Jung, conforme enunciara em seus Sete Sermões, torna-se agora acessível a um círculo mais amplo. Em cada era da história humana existiram indivíduos imbuí­ dos de uma qualidade especial de conhecimento ou Gnose. Carl Jung foi um deles. Tal conhecimento, como ele repetidas vezes afirmou, não poderia ser encontrado nas tradições da ciência e da religião existentes em sua época, ou em qualquer outra. Ha­ via apenas um caminho aberto, uma única opção; Jung precisou viver a experiência original. Essa experiência de Gnose, a Urer- fahrung (experiência arcaica ou original), como ele a chamou, evou-o ao mundo de sombras de Basilides e aos mortos inquiri- ores. Mesmo enquanto vivia no mundo radiante iluminado pela luz do sol de seus primeiros anos, ele nunca pôde escapar 29
  • 32. a uma condição que posteriormente descreveu como premoni­ ção de um mundo de sombras ao qual não se podia escapar. Es­ sa premonição certamente não constitui uma experiência exclu­ siva de Jung, mas é compartilhada até certo ponto por toda a humanidade. A natureza gnóstica da vocação humana evidencia- se pela presença, em todas as pessoas, de uma percepção desse mundo de sombras. Apesar de sua não-racionalidade e improba­ bilidade, o elemento transcendente de uma gnose interior en­ contra-se indelevelmente gravado no coração do homem; todas as trivialidades do mundo cotidiano, decorrentes da desatenção e da conseqüente ignorância, são incapazes de apagar a sua lem­ brança. A negação da Gnose apenas afirma secretamente o seu poder. Como Meister Eckhart expressou: “Quanto mais o ho­ mem blasfema, mais louva a Deus”. O estado de esquecimento da Gnose sempre carrega consigo um perturbador senso de privação, que não se aplacará até que seu único objetivo verdadeiro —e não os muitos falsos e engano­ sos —seja novamente encontrado. Os antigos gnósticos, a partir de cujo mundo de sombras Jung produziu os Sete Sermões, cos­ tumavam dizer que todos os desejos de uma pessoa, todas as suas tentativas de obter estímulo, felicidade e amor a partir de algo ou de alguma experiência não passam de sinais de uma ines­ gotável saudade do Pleroma, a “plenitude do Ser”, que é o ver­ dadeiro lar da alma. Somente aqueles que descobriram o cami­ nho de casa podem revelá-lo aos outros. Um homem que perdeu seu rumo revela-se um guia medíocre. O argumento igualitário de que os desinformados podem prestar serviço ao mundo des­ de que bem-intencionados é invalidado por esse fato. A longo prazo, só os que sabem podem prestar serviço útil, pois são eles que conhecem a estrada por tê-la percorrido. C. G. Jung era um curador de almas e um curador da cultura. O mundo raramente viu servidor mais eficiente da humanidade. Essa eficiência e essa sabedoria resultaram não de hereditarie­ dade, ambiente, educação, mas do fato de ele ter percorrido o 30
  • 33. caminho que conduz à terra das sombras, onde reside o conhe­ cimento secreto da alma. Trilhar essa estrada e encontrar o pró­ prio objetivo significa ir contra o mundo e as noções do que é sensato e do que é provável. Certa vez, Jung escreveu que a imagem que temos do mundo somente corresponde à realidade quando o improvável tem lugar nela. E improvável que a ordem prevaleça sobre o caos e que o significado vença a falta de senti­ do. No entanto, o improvável acontece; ele é possível e não es­ tá fora de nosso alcance. Num sentido muito verdadeiro, o im­ provável representa a verdadeira vocação, o autêntico destino do ser humano. Pode-se dizer que é essa vocação que nos torna humanos, pois somos menos humanos na medida em que a ne­ gligenciamos ou ignoramos. As árvores e as flores, os pássaros e os animais que seguem o próprio destino são superiores ao ho­ mem, que trai o seu. Este prólogo, agora em seu final, constitui um testemunho pessoal. Para o seu autor, os Sete Sermões e a maneira pela qual ele um dia os descobriu foram e continuam sendo um grande símbolo de um curioso destino, ao mesmo tempo profunda­ mente pessoal e totalmente universal. A vida não foi nem pode­ ria ter sido a mesma depois daquele momento mágico na acon­ chegante sala de leitura, na fria e nevada cidade nos Alpes. Co­ mo um volume de escritura sagrada ou um códice de fórmulas de poder que levam à transformação, as palavras transcritas do pequeno livro misterioso mudaram o curso de uma vida. O por­ to seguro da ortodoxia havia perdido todos os seus atrativos e, com eles, os sistemas de crença e tradição de idade venerável. A perda da fé e das lealdades convencionais bem poderia ter trazido consigo os sinais do desenraizamento espiritual, tão ca­ racterístico naqueles que substituem a fé pelo pensamento e a tradição pela busca. Como, num momento como esse, um indi­ víduo pode condenar-se prontamente ao destino do Holandês Voador e navegar incessantemente de cá para lá no oceano da v* a> aterrorizado por suas tempestades e fascinado por suas 31
  • 34. calmarias, enquanto busca um porto jamais encontrado! Esse nao poderia ser o destino de uma pessoa que entrou em con­ tato com o espírito de Jung e dos gnósticos; tal não será a sorte de quem entrar no mundo encantado das sombras arquetípicas armado com a espada da Gnose. A partir de uma premonição, a vida criou uma realização e uma experiência. Assim é com fre­ qüência; as realidades, a princípio não mais do que uma intri­ gante mas longínqua visão, revelam-se mais próximas do que se sonhou. Encontram-se “mais próximas do que a sua veia jugu- lar”, como disse o Profeta do Islã falando com a eloqüência con­ cisa do deserto. O mundo de sombras ao que não se pode esca­ par está presente no espaço de cada um, como certamente este­ ve no de Jung. E lamentável que para tantos ele permaneça in­ visível para sempre. No entanto, aqueles que em sonho ou vigí­ lia, nas mágicas sincronicidades da luz do dia ou na obscura ma­ gia do sono, contataram efetivamente essas sombras, não ape­ nas conservam a sua visibilidade, mas tornam-se na verdade as fontes da própria existência. Foi talvez essa qualidade imperati­ va do mundo das sombras que Jung desejou expressar quando disse a Laurens van der Post: “O sonho é como uma mulher. Terá a palavra final, como teve a primeira”. Define-se prólogo como a primeira palavra. Em outro sentido, também deve ser a última, pois nele deve-se resumir o Alfa e o Omega da obra que se segue. Se essas linhas conseguiram realizar isso, não cabe ao escritor julgar. Só lhe resta nutrir a esperança de que o leitor receba uma premonição da estrutura mental ou do estado de espírito que serviu como força motriz para o seu trabalho. Jung disse que só um poeta poderia começar a en­ tendê-lo; assim, talvez seja oportuno concluirmos com alguns versos do poeta A. E., outro andarilho no estranho reino da Gnose: De um mundo atemporal Sombras caem sobre o Tempo, 32
  • 35. A partir de uma beleza mais antiga que a terra, A almapode subiruma escada. Eu ascendopor uma escadaria espectral A umapureza maisantiga que o Tempo. 33
  • 36. Capítulo I A Gnose de C. G. Jung UMA CIÊNCIA NASCIDA DO MISTÉRIO Neste último quartel do século XX, poucos contestariam a verdade de que a psicologia profunda provou ser uma das mais poderosas forças transformadoras da cultura da nossa época. Emergindo da obscura alienação da consciência que caracteri­ zou o século XIX, a redescoberta do mistério do inconsciente dentro da mente humana tornou-se muito semelhante à influên­ cia bíblica que fez surgir todo um mundo novo do espírito dian­ te dos olhos de gerações passadas. O filósofo alemão Martin Hei­ degger expressou uma grande verdade ao considerar o século XIX o mais negro de todos os da era moderna; no entanto, foi precisamente nesse período de maior obscurecimento da luz do espírito que nasceram os dois gigantes pioneiros do inconsciente, Sigmund Freud e Carl Gustav Jung, em 1856 e em 1875, respec­ tivamente. Freud foi um grande descobridor, destinado a desmascarar muitas coisas. Tanto os psicólogos como o público ainda custam a perceber a dívida de gratidão que têm para com ele. Como era um homem da antiga e estritamente materialista escola de ciên­ cia, que só trocou o laboratório de biologia pela arte da cura por exigências práticas, Freud só poderia utilizar os padrões 34
  • 37. de pensamento do seu tempo. Por trágica e irônica idios­ sincrasia do destino, o homem cujas descobertas abalaram os ali­ cerces do racionalismo científico permaneceu, ele próprio, pre­ so ao dogma reducionista e racionalista, que preservou e defen­ deu com convicção desesperada. Como Moisés, ele não pôde en­ trar na terra prometida, à qual conduziu outros, e a tarefa da conquista final recaiu então sobre um homem mais jovem, um novo Josué da mente, cujo nome era Carl Gustav Jung. Quem era Jung e como ele realizou a suprema missão do pio- neirismo psíquico? Quais eram as fontes da sua intuição proféti­ ca sobre os mais secretos recessos da alma humana? De onde provinha a sua sabedoria? Por toda longa vida de Jung (26 de julho de 1875 a 6 de ju­ nho de 1961), as pessoas intrigaram-se com as implicações curio­ samente mágicas e esotéricas do seu trabalho. Tratava-se de um fenômeno até então inédito no mundo da intelectualidade, des­ de a era do Iluminismo. Símbolos e imagens de venerável e obs­ curo poder foram ressuscitados da poeira de. suas tumbas mile­ nares. Hereges e alquimistas, místicos e magos, sábios taoístas e lamas tibetanos emprestaram os tesouros de suas buscas arca- nas à bruxaria do moderno Hermes Suíço. Findas estavam as preocupações personalísticas e mundanas da psicanálise ante­ rior, com seus traumas de infância e fantasias imaturas, e os deu­ ses e heróis do passado não eram mais considerados máscaras glorificadas de terrores e de luxúrias infantis. Como Venus, que emergiu da espuma do mar, ou Atena, que nasceu da fronte de Zeus, os arquétipos surgiram da prima matéria do inconsciente coletivo: os Deuses mais uma vez caminhavam com os homens. Acima dessas águas primordiais de criatividade da psique mo- via-se o espírito de um homem, o gênio de Jung. Bem poderia o intelectual surpreender-se e o sábio ficar atônito, pois uma nova era da mente havia chegado. Para os que estavam familiarizados com as disciplinas arcanas e as teonas da tradição da realidade alternativa, chamada algu­ 35
  • 38. mas vezes de filosofia perene, ou teosofia (sabedoria divina), tornou-se logo claro que existiam certos paralelos entre os ensi-^ namentos de Jung e o que eles há muito conheciam como stsen- da da iniciação. De acordo com o renomado poeta esotérico e diplomata, Miguçl Serrano, em seu pequeno e original trabalho C. G. Jung and Hermann Hesse, era como se houvesse uma se­ gunda linguagem subjacente à primeira, em todas as obras de Jung. O analista tornou-se um hierofante dos mistérios, enquan­ to o paciente transformou-se no neófito ou discípulo. A doença revelou-se uma condição dividida ou incompleta, e a saúde, um estado de integridade espiritual. A psicologia analítica começou a aparecer como um diálogo entre o indivíduo e o universo, sem destruir a personalidade ou o ego, segundo a orientação de algu­ mas teorias hindus e budistas. As fontes do trabalho de Jung continuaram a ser objeto de conjetura por muitas décadas. Durante sua vida, Jung velou as origens de suas.descobertas sob um manto de precaução que fre­ qüentemente se aproximava do segredo hermético. Ele afirmou repetidas vezes que túdo o que escreveu baseava-se em evidência empírica, indicando que, não obstante grande parte de sua obra parecesse esotérica e mística, ela sempre se apoiava em experiên­ cias no campo psicológico. A maioria das pessoas entendeu que isso significava que Jung tratava muitos pacientes e que também tinha acesso à pesquisa prática de muitos de seus colegas mais jovens, seus livros sendo sem dúvida o resultado de dados coleta­ dos dessas fontes. Havia, é claro, rumores quanto a ser ele um cientista realmente muito pouco convencional, que se associava a astrólogos e religiosos. Dizia-se ainda que ele próprio tinha expe­ riências estranhas e ocultas, via fantasmas e consultava oráculos. Foi somente após a morte de Jung em 1961, e em especial após a publicação de seus notáveis fragmentos autobiográficos, intitulados Memories, Dreams and Reflections, que uma contí­ nua corrente de revelações cada vez mais arrojadas começou a verter das penas de seus discípulos e de divulgações póstumas de 36
  • 39. notas e cartas do próprio Jung. Essa multiplicidade de revela­ ções mostrou que, entre 1 9 1 2 e l 9 1 7 , Jung passou por um in­ tenso período de experiências que envolveram um enorme afluir, em sua consciência e a partir de seu interior, de forças que ele chamou arquetípicas, mas que épocas precedentes te­ riam julgado divinas ou demoníacas. Jung confidenciou a respei­ to dessas experiências a vários de seus colegas mas indubitavel­ mente experimentou muito mais do que o que revelou e, de fa­ to, mais do que algum dia se revelará. O grande pesquisador cos­ tumava chamar essas experiências, ou melhor, esse ciclo de ex­ periências, seu Nekyiaj utilizando o termo com que Homero descreveu a descida de Ulisses ao Hades.* Comentà-se que nesse período Jung afastou-se da maioria das atividades externas, com exceção de uma pequena parte de sua prática psiquiátrica. Diz- se até mesmo que durante essa fase não leu nenhum livro, segu­ ramente um grande evento na vida de um estudioso tão ávido de todas as formas de literatura. Apesar de não ter lido, escreveu. Sua produção nessa época consistiu no registro de suas estranhas experiências interiores, num total de 1.330 páginas manuscritas, ilustradas de próprio punho. Sua escrita então mudou para a usada no século XIV; as pinturas foram feitas com pigmentos que ele mesmo fabricava, segundo o estilo dos artistas de eras passadas. Jung conservou algumas das mais belas pinturas e ma­ nuscritos encadernados em couro vermelho e guardados num lu­ gar de honra entre os seus pertences, razão do nome com que fi­ caram conhecidos. Red Book. De acordo com testemunhas, os escritos desse período de sua vida enquadram-se em duas ca­ tegorias distintas: alguns são luminosos e angelicais, enquanto outros são sombrios e demoníacos na forma e no conteúdo. So­ mos tentados a dizer que Jung, à maneira de outros magos, passou por experiências pertencentes às categorias da Invocação Kmh» “Remembering C. G. Jung’*, em “Psychological Perspectives”, voi. o, p. 57 (N. do A.) 37
  • 40. Teúrgica de deuses e da Evocação Goética de espíritos, tendo guardado um “registro mágico” de cada uma. Por mais fascinantes que esses fatos sobre as primeiras trans­ formações de Jung possam ser, sua verdadeira importância só se revela quando compreendemos haver evidência de que gran­ de parte de seu trabalho científico, se não a totalidade, pode ba­ sear-se em revelações visionárias. Dessa forma, o tão repetido adjetivo empírico que caracteriza as fontes do trabalho de Jung aparece sob uma luz inteiramente nova. Na realidade, a ciência psicológica de Jung fundamentava-se em elementos empíricos; estes porém, não eram fundamentalmente de natureza exterior mas compunham-se de experiências que ele realizou em seu mundo secreto, nas regiões ocultas de seu inconsciente mais profundo. De fato, Jung não é “científico” no sentido mais es­ trito da palavra, hoje em uso, na medida em que ele não contro­ lou variáveis nem conduziu testes cuidadosos e repetitivos. Sua ‘ciência” consistiu no desenvolvimento de um corpo sistemati­ zado de conhecimentos resultante da observação, do estudo e da descoberta de princípios e significados subjacentes à área de seus estudos através da utilização de padrões científicos de obje­ tividade. Ele (e Freud) conta com um aceitável aliado, científi­ co e atual, na fenomenologia. cujos proponentes consideram as várias modalidades da consciência humana como seus dados pri­ mários e constroem hipóteses, teorias e explicações com base neles. Talvez seja conveniente lembrar que Freud conduziu grande parte de sua pesquisa de modo semelhante ao de Jung. O grande médico vienense descobriu os segredos dos sonhos através da análise de seus próprios sonhos; de fato, ele talvez tenha sido o único psicanalista a nunca se submeter à análise por outra pes­ soa, exceto uma breve discussão de alguns de seus sonhos com Jung durante a viagem que fizeram juntos aos Estados Unidos. Jung não estava sozinho na busca da companhia de ocultistas e místicos não-convencionais, porque Freud foi um ávido fre- 38
  • 41. qüentador dos círculos de adivinhos e nutriu uma importante amizade com um cientista excêntrico chamado Wilhelm Fliess.* Somos tentados a descrever Jung como um anti-racionalista su­ mamente racional, enquanto Freud poderia ser chamado de um racionalista muito irracional. No entanto, ambos buscavam a mesma coisa: “Mais Luz” (o famoso Mehr Licht de Goethe) no tocante aos mistérios da psique. Em 1917, ao concluir a grande descida ao seu inferno espiri­ tual e pessoal, Jung viu-se diante de uma escolha solene. Ele po­ deria ter tomado suas revelações pelo valor aparente, poderia talvez tê-las publicado como algum tipo sui generis de tomo reli­ gioso juntando-se, assim, ao círculo dos grandes escritores ocul- tistas de seu tempo, a exemplo de H. P. Blavatsky e Rudolf Steiner. Contudo, decidiu permanecer no campo da disciplina científica de sua escolha, ou seja, a psicologia profunda, embora sem deixar de utilizar as 1.330 páginas do revelador material ar- quetípico e misterioso para enriquecer seu trabalho científi­ co. Existem boas razões para se suspeitar que Jung continuou, por toda a vida a se valer desse registro de conhecimento secre­ to e incorporar elementos dele em seus numerosos livros, quan- reu no caso da primeira grande obra escrita após sua transforma­ ção pessoal, ou seja, Psychological Types, publicada em 1921. as primeiras 583 páginas em seis semanas. Mais tarde, confessou ao poeta holandês Roland Holst que Psychological Types foi inteiramente escrito com base no material contido em trinta Páginas do Red £oofe.** do julgava adequado. Há evidência indiscutível de que isso ocor- Embora acometido por uma coqueluche contagiosa e, portan­ to, isolado de seus pacientes de costume, ele ditou o manuscri­ to dessa obra num ritmo incrivelmente acelerado, completando Incjer(í^ o A ^°neS’ Li^e °nd Worte of Sigmund Freud (Nova York: Basic Books, de esof^r^0 P°r G em palestra durante a primeira Conferência Panarion 39
  • 42. Como se poderia esperar, Jung manteve por toda a vida um contato constante com as fontes misteriosas que inspi­ raram seu Red Book. Ele continuou a ser um inspirado — alguns diriam visionário — revelador pelo resto de seus dias. Seu trabalho científico jamais representou um compartimen­ to de sua existência que fosse ou pudesse ser separado de sua vida profética e mística; os dois estavam intrincada e ine­ xoravelmente inter-relacionados. O Jung místico guiava e inspirava o Jung cientista, enquanto o médico e o psicólogo proporcionavam equilíbrio e bom senso para estabilizar e tor­ nar práticas as mensagens dos deuses e dos demônios arquetí- picos. Assim foi concebido e executado o memorável traba­ lho de Carl Jung. Tanto em objetivo como em conteúdo, a obra constitui um exemplo do precioso princípio de conjunctio oppositorum, a união de polaridades que sempre produz o eli­ xir do significado supremo. A literatura que continha as experiências originais de Jung quanto ao inconsciente no período de sua grande transfor­ mação nunca foi por ele colocada à disposição do público. A atitude de seus herdeiros parece ser, no mínimo, ainda mais reservada a esse respeito do que a do próprio Jung. No momento da redação destas palavras (1982), parece que qual­ quer esperança ou expectativa que se possa alimentar com respeito à publicação desse material não será consumada por algum tempo ainda. Portanto, restam-nos os trabalhos cien­ tíficos de Jung e muito pouco mais. Entretanto, na catego­ ria desse mais encontramos pelo menos um documento real­ mente importante, que nos revela muito sobre as fontes da psicologia de Jung. Trata-se de uma pequena obra, pouco mais que uma diminuta monografia, embora o significado de seu conteúdo possa facilmente elevá-la a um item da maior importância no estudo da mensagem e da missão de Jung. A obra a que me refiro é conhecida como Os Sete Sermões aos Mortos. 40
  • 43. PREGANDO AOS MORTOS Carl Jung permitiu a publicação de apenas uma fração solitá­ ria do vasto material arquetípico que escreveu sob misteriosa inspiração no início da carreira. Este foi escrito num curto pe­ ríodo, entre 15 de dezembro de 1916 e 16 de fevereiro de 1917. De acordo com declarações em seus fragmentos autobiográficos, Jung concluiu-o em três noites.* A produção desse pequeno li­ vro foi precedida por eventos estranhos e esteve repleta de fenô­ menos de natureza parapsicológica. Primeiro, vários filhos de Jung viram e perceberam entidades fantasmagóricas na casa, en­ quanto ele próprio sentiu uma atmosfera ameaçadora à sua vol­ ta. Uma das crianças teve um sonho de tom religioso um pouco ameaçador, envolvendo um anjo e um demônio. Então —numa tarde de domingo — o sino da porta de entrada soou furiosa­ mente. Podia-se vê-lo movendo-se freneticamente, mas não havia ninguém à vista que fosse responsável pelo ato. Uma multidão de “espíritos” parecia encher a sala, na verdade a casa, e nin­ guém podia respirar normalmente no vestíbulo infestado de fan­ tasmas. O dr. Jung gritou com voz perturbada e trêmula: “Em nome de Deus, o que significa isso?” A resposta veio num coro de vozes fantasmagóricas: “Voltamos de Jerusalém, onde não en­ contramos o que buscávamos.” Com essas palavras começa o tratado, que se intitula em latim Septem Sermones ad Mortuos, e então continua em alemão com o subtítulo: “Sete exortações aos mortos, escritos por Basilides de Alexandria, a cidade onde Oriente e Ocidente se encontram.” Uma leitura mesmo superficial do tratado mostra que ele foi escrito de acordo com o gnosticismo do século II e utiliza livre­ mente a terminologia daquela época. O próprio subtítulo revela o nome do famoso sábio gnóstico Basilides que ensinou em Ale- Ver C. G. Jung, Memories, Dreams, Reflections, org. Aniela Jaffé, (Nova York, Kanaom House, Inc., Pantheon Books). (N. do A.) 41
  • 44. xandria, no Egito helenístico, por volta dos anos 125-140 d.C. De fato, Jung parece atribuir a autoria do próprio documento a Basilides, sugerindo assim a algumas pessoas um elemento de mediunidade e (ou) escrita automática. Nesse sentido, deve-se lembrar que por muitos séculos foi comum autores de literatura de caráter espiritualista não assinarem seus nomes nessas obras, mas, ao contrário, atribuí-las poeticamente a alguém que conside­ ravam ocupar uma posição superior a sua. Assim, atribui-se ficti- ciamente o célebre Zohar da literatura cabalística ao rabino Shi- mon ben Jochai, sendo seu verdadeiro autor desconhecido. É bem provável que C. G. Jung tenha utilizado esse antigo exercício de humildade poética ao tomar o nome de Basilides como au­ tor dos Sermões. Entretanto, o elemento parapsicológico conti­ do nos fenômenos que envolvem a escrita do tratado foi espon­ taneamente reconhecido e enfatizado por Jung, a ponto de apli- car-lhe as palavras de Goethe, na segunda parte de Fausto: “Ele caminha por toda parte, está no ar! ” Uma coisa é certa: trata- se de um trabalho incomum, escrito em circunstâncias as mais incomuns. A importância dos Sete Sermões dentro do contexto do pen­ samento junguiano constitui um assunto sobre o qual as opi­ niões diferem. Quando, anos mais tarde, Jung foi interrogado a respeito, ele resmungou, chamando isso de “indiscrição juve­ nil”. Alguns de seus discípulos mais conservadores, como Anie- la Jaffé, tendem a perpetuar o mito de uma “indiscrição juve­ nil”., enquanto outros têm impressão diferente. M. L. von Franz, discípula de grande importância, afirmou que, embora Jung se referisse à publicação dos Sermões como uma tolice juvenil, de forma alguma aí incluía as concepções neles contidas. Uma comis­ são de especialistas junguianos, reunida na primeira Conferência Panarion de Los Angeles, Califórnia, em 1975, chegou à conclu­ são de que os Sete Sermões constituem nada menos do que “a fonte e a origem” da obra de Jung, e a exposição do centenário de C. G. Jung, que percorreu o mundo na época do centésimo 42
  • 45. aniversário de seu nascimento, em 1975, mostrou a primeira pá­ gina da edição original dos Sermões, descrevendo-os assim: “ Os Septem Sermones ad Mortuos representam uma síntese das ex­ periências que Jung teve com as imagens do inconsciente”. Ain­ da mais significativas são as anotações que o próprio Jung fez a respeito do conteúdo do Red Book e dos Sermões, declarando que todas as suas obras, toda a sua atividade criativa derivava desses sonhos e visões iniciais, que também já continham tudo o que ele realizou mais tarde, na vida.* Trata-se de palavras que dificilmente alguém utilizaria para referir-se a uma mera indiscri­ ção juvenil! O pequeno tratado poético foi publicado por Jung em caráter particular, para o deleite de um círculo íntimo de amigos, e o texto alemão logo seria traduzido para o inglês por H. G. Baynes. Ele foi incluído no apêndice do original alemão de Memoríes, Dreams and Reflections, editado por Rascher Verlag, de Zurique, em 1962, porém omitido na edição inglesa, publicada simultaneamente pela Pantheon Books. Essa omissão deliberada só pode ser explicada como mais uma evidência da bem conhecida desconfiança que a mente européia têm dos povos de língua inglesa, com sua tendência a compreender mal e a interpretar de forma errô­ nea tudo o que se aproxima do místico e do oculto. Apesar disso, um volume separado dos Sermões, artisticamente con­ cebido, foi também publicado pela Stuart & Watkins, de Lon­ dres, com a tradução de Baynes. Dessa forma, existem no momento diversas edições em circulação, proporcionando uma luz adicional ao próprio texto.** Certamente, houve eventos ao longo da carreira de Jung em que ele poderia ter-se arrependido facilmente da indiscrição ju- ^VerMemoríes, Dreams, Reflections, de C. G. Jung. Para a história completa da publicação, ver as notas do tradutor (para o inglês) no apêndice I. 43
  • 46. venil de publicar seu pequeno volume de visões arquetípicas. Um desses incidentes diz respeito ao formidável Martin Buber que, com seus ares de Jeová, nunca se deu bem com Jung e, além disso, conseguiu afastar dele um de seus mais caros discí­ pulos, atraindo-o para seu próprio grupo. Esse discípulo infiel, chamado Martin Trüb, deu uma cópia dos Sermões a Buber, cuja ira, ao estilo do Velho Testamento, atingiu grandes propor­ ções em vista do que ele considerou heresias gnósticas de Jung. Buber atacou Jung repetidas vezes e, em seu livro Eclipse o f God, acusou-o gravemente de ser um gnóstico. Muito perturba­ do com o caso, Jung fez-lhe uma réplica um tanto ambígua, ne­ gando e afirmando o seu gnosticismo num mesmo fôlego, por assim dizer.* Outra história curiosa envolve o autor alemão Her­ mann Hesse, Prêmio Nobel, e sua célebre novela Demian, à. qual incorporou muitos temas explicitamente gnósticos,em particular algumas referências ao arquetípico deus gnóstico Abraxas, que se assemelham muito ao tratamento dado por Jung à mesma fi­ gura nos Sermões. Embora o gnosticismo estivesse decididamen­ te no ar durante as duas décadas que permearam guerras mun­ diais, o tipo de gnosticismo adotado por Hesse em Demian apre­ senta-se tão singularmente junguiano que muitos suspeitaram haver aí uma conexão. De fato, um analista junguiano chamado Lang tratou Hesse por volta de 1916 e poderia facilmente ter passado uma cópia dos Sermões ao jovem gênio literário que surgia. A afinidade que continuou a existir por muitas décadas entre Jung e Hesse foi subseqüentemente imortalizada pelo di­ plomata e poeta chileno Miguel Serrano, em sua fascinante obra C. G. Jung and Hermann Hesse. Pode parecer que o pequeno li­ vro, de um gnosticismo poético, que resultou da visita dos mor­ tos a Jung em 1916, exerceu uma influência maior e produziu mais reações do que até mesmo Jung julgaria provável. Todas essas reações, no entanto, diziam respeito a um tema ao mesmo * Relatado na primeira Conferência Panarion. 44
  • 47. tempo obscuro e controvertido, que era, evidentemente, o gnos- ticismo.* AFINAL, QUEM SÃO OS GNÓSTICOS? As palavras gnóstico e gnosticismo não são exatamente co­ muns no vocabulário dos nossos contemporâneos. De fato, há mais pessoas familiarizadas com o antônimo de gnóstico, isto é, agnóstico; literalmente, esse termo significa um desconhecedor ou ignorante, mas em sentido figurativo descreve uma pessoa sem fé religiosa que não obstante se ressente de ser chamada de ateísta. No entanto, os gnósticos já existiam muito antes dos agnósticos e, na maioria, parecem ter representado uma classe muito mais interessante que o último grupo. Em oposição aos não-conhecedores, eles se consideravam conhecedores —gnosti- koiy em grego — denotando aqueles que possuem a gnose ou o conhecimento. Os gnósticos viveram, na maior parte, durante os três ou quatro primeiros séculos da Era Cristã. Em geral, prova­ velmente eles não teriam se autodenominado gnósticos; teriam se considerado cristãos ou mais raramente judeus ou ainda se­ guidores das tradições dos antigos cultos do Egito, da Babilônia, da Grécia e de Roma. Não eram sectários nem membros de uma nova religião específica, como queriam seus detratores, mas pessoas que compartilhavam entre si certa atitude perante a vida. Pode-se dizer que essa atitude consistia na convicção de que o conhecimento direto, pessoal e absoluto das verdades au­ tenticas da existência é acessível aos seres humanos e, mais ain­ da, que a obtenção de tal conhecimento deve sempre constituir a suprema realização da vida humana. Esse conhecimento ou Gnose não era concebido como um saber racional de natureza científica, ou mesmo um saber filosófico da verdade, mas um O leitor deve consultar as págs. 140-43 desta obra para maiores detalhes sobre o vinculo de Hermann Hesse com Jung e os Sete Sermões aos Mortos. (N. do A.) 45
  • 48. conhecimento que brota no coração de forma misteriosa e intui­ tiva, sendo portanto chamado em pelo menos uma obra gnóstica (o Evangelho da Verdade) de Gnosis kardias, o conhecimento do coração. Trata-se é claro, de um conceito que é ao mesmo tempo religioso e altamente psicológico, pois o significado, o propósito da vida não aparece então nem como a fé, com sua ênfase na crença cega e na também cega repressão, nem como as ações, com sua extrovertida orientação para as boas ações, mas sim como uma transformação e uma visão interior, em suma, um pro­ cesso ligado à psicologia profunda. Se passarmos a considerar os gnósticos como os primeiros profissionais da psicologia profunda, torna-se imediatamente aparente a razão pela qual a prática e o ensinamento gnósti­ co de forma radical diferia da prática e do ensinamento da ortodoxia cristã e judaica. O conhecimento do coração, em favor do qual os gnósticos se empenhavam não podia ser adquirido por meio de uma barganha com Jeová, através de um tratado ou alian­ ça que garantisse bem-estar espiritual e físico ao homem, em tro­ ca do cumprimento servil de um conjunto de regras. Da mesma forma, não se poderia obter a Gnose pela mera crença fervorosa de que a atitude de sacrifício de um homem divino na história pu­ desse aliviar a carga de culpa e frustração de nossos ombros e assegurar bem-aventurança perpétua, além dos limites da exis­ tência mortal. Os gnósticos não negaram o benefício do Torá nem a magnificência da figura de Cristo, o ungido do Deus supremo. Eles consideravam a Lei necessária a um certo tipo de personalidade que precisa de regras para o que atualmente poderia chamar de a formação e o fortalecimento do ego psi­ cológico. Também não negaram a importância da missão do personagem misterioso que, em seu disfarce, era conhecido pelos homens como o rabino Joshua de Nazaré. A Lei e o Salva­ dor, os dois mais reverenciados conceitos de judeus e cristãos, tornaram-se para os gnósticos apenas meios para um fim maior que esses mesmos conceitos. Eles configuravam incentivos e ar­ 46
  • 49. tifícios de alguma forma capazes de conduzir ao conhecimento pessoal que, uma vez obtido, prescinde tanto da lei como da fé. Para eles, como para Carl Jung muitos séculos depois, a teo­ logia e a ética constituíam apenas pontos de-partida no caminho do autoconhecimento. Dezessete ou dezoito séculos separam-nos dos gnósticos. Du­ rante esse período, o gnosticismo tornou-se não apenas uma fé esquecida (como um de seus intérpretes, G. R. S. Mead, cha­ mou-o), mas também uma fé e uma verdade reprimidas. Aparen­ temente, quase nenhum outro grupo foi temido e odiado de forma tão incansável e persistente, por quase dois milênios, quanto os infelizes gnósticos. Textos de teologia ainda se refe­ rem a eles como os primeiros e mais perniciosos de todos os hereges, e a era do ecumenismo não lhes parece ter estendido nenhum dos benefícios do amor cristão. Muito antes de Hitler, o imperador Constantino e seu cruel episcopado iniciaram a prática do genocídio religioso contra os gnósticos, sendo esses primeiros holocausitos seguidos por muitos outros no decorrer da história. A última grande perseguição terminou com o sacri­ fício de aproximadamente duzentos gnósticos em 1244 no cas­ telo de Montségur, na França, um acontecimento que Laurence Durell descreveu como as Termópilas da alma Gnóstica. Apesar disso, alguns proeminentes representantes das vítimas do último holocausto não consideraram á minoria religiosa mais perseguida da história como companheira de infortúnio, como indicam os ataques de Martin Buber a Jung e ao gnosticismo. Judeus e cristãos, católicos, protestantes e os ortodoxos orientais (e, no caso da Gnose Maniqueísta, até os zoroastristas, os muçulma­ nos e os budistas) odiaram e perseguiram os gnósticos com per­ sistente determinação. Por quê? Seria apenas porque seu antinomianismo ou sua des­ consideração pela lei moral escandalizava os rabinos, ou porque suas dúvidas relativas à encarnação física de Jesus e sua reinter- pretação da ressurreição enfurecia os sacerdotes? Seria porque 47
  • 50. eles rejeitavam o casamento e a procriação, como afirmam al­ guns de seus detratores? Eram eles detestados devido a licencio- sidades e orgias, como alegam outros? Ou poderia ocorrer que os gnósticos realmente tivessem algum conhecimento, e que es­ se conhecimento os tornasse sumamente perigosos às institui­ ções, tanto seculares como eclesiásticas? Não é fácil responder a essa indagação; contudo, deve-se fa­ zer uma tentativa. Poderíamos ensaiar uma resposta dizendo que os gnósticos diferiam da maior parte da humanidade, não apenas em detalhes de crença ou de preceitos éticos, porém em sua visão mais essencial e fundamental da existência e de seu propósito. Sua divergência era radical no sentido mais exato da palavra, por reportar-se à raiz (latim: radix) das atitudes e con- jeturas da humanidade com respeito à vida. Independentemen­ te de suas crenças filosóficas e religiosas, a maioria das pessoas acalenta certas suposições inconscientes, pertencentes a condi­ ção humana, que não originam das atividades convergentes de formulação da consciência, mas que irradiam de um profundo e inconsciente substrato da mente. Essa mente é regida pela biolo­ gia, e não pela psicologia; ela é automática, e não está sujeita a escolhas conscientes nem a percepções. A mais importante des­ sas suposições, a qual poder-se-ia dizer que sintetiza todas as outras, consiste na crença de que o mundo é bom e que o nosso envolvimento nele é de alguma forma desejável e fundamental­ mente benéfico. Essa premissa conduz a inúmeras outras, todas mais ou menos caracterizadas pela submissão às condições exter­ nas e às leis que parecem governá-las. A despeito dos incontáveis acontecimentos incoerentes e maléficos em nossas vidas, dos in­ críveis fatos que se sucedem, dos desvios das reiteradas insanida- des da história humana, tanto coletiva como individualmente, acreditaremos ser nossa incumbência prosseguir com o mundo, pois ele é, afinal, o mundo de Deus, devendo,'portanto, haver significado e bondade ocultos em seus processos, mesmo que se­ ja difícil discerni-los. Assim, devemos continuar no cumprimen­ 48
  • 51. to de nosso papel dentro do sistema, da melhor maneira possível, sendo filhos obedientes, maridos zelosos, esposas respeitosas, bem-comportados açougueiros, padeiros, fabricantes de velas, es­ perando contra toda a esperança, que uma revelação do significa­ do resulte, de algum modo, dessa vida de resignação sem sentido. Não é assim, disseram os gnósticos. Dinheiro, poder, governo, constituição de famílias, pagamento de impostos, a infinita sé­ rie de armadilhas das circunstâncias e obrigações —nada disso foi jamais rejeitado tão total e inequivocamente na história humana como pelos gnósticos. Estes nunca esperaram que alguma re­ volução política ou econômica pudesse, ou devesse^ eliminar to­ dos os elementos iníquos do sistema em que a alma humana en- contra-se aprisionada. Sua rejeição não se referia a um governo ou sistema de propriedade em favor de outro; ao contrário, dizia respeito à total e predominante sistematização da vida e da ex­ periência. Portanto, os gnósticos eram na verdade conhecedores de um segredo tão fatal e terrível que os governantes deste mun­ do — i.e., os poderes, secular e religioso, que sempre lucraram com os sistemas estabelecidos da sociedade —não podiam per- mitir-se ver esse segredo conhecido e, muito menos, tê-lo publi­ camente proclamado em seus domínios. De fato, os gnósticos sabiam algo: a vida humana não alcança a sua realização dentro das estruturas e instituições da sociedade, porque estas represen­ tam, na melhor das hipóteses, apenas obscuras projeções de ou­ tra realidade mais fundamental. Ninguém atinge sua verdadeira natureza individual sendo o que a sociedade espera nem fazendo o que ela deseja. Família, sociedade, igreja, ocupação e profis­ são, lealdade patriótica e política, bem como regras e normas morais e éticas, na realidade de modo algum conduzem ao ver­ dadeiro bem-estar espiritual da alma humana. Ao contrário, constituem, com maior freqüência, as próprias algemas que nos alienam de nosso real destino espiritual. Esse aspecto do gnosticismo foi considerado herético em épo­ cas passadas e até hoje costuma ser chamado de “negação do 49
  • 52. mundo” e “antivida” ; porém constitui, obviamente, nada mais que boa psicologia e boà teologia espiritual, por ser tratar de bom senso. O político e o filósofo social podem considerar o mundo um problema a ser resolvido, mas o gnóstico, com seu discernimento psicológico, reconhece-o como uma condição da qual precisamos nos libertar pela visão interior. Isso porque os gnósticos, como os psicólogos, não buscam a transformação do mundo mas a transformação da mente, com sua conseqüên­ cia natural — uma mudança de postura perante o mundo. A maior parte das religiões também tende a ratificar uma atitude familiar de interiorização na teoria; contudo, como resultado de sua presença dentro das instituições da sociedade, elas sem­ pre negam isso na prática. As religiões costumam se iniciar co­ mo movimentos de libertação radical seguindo linhas espirituais mas inevitavelmente terminam como pilares das próprias socie­ dades, as carcereiras de nossas almas. Se desejamos obter a Gnose, o conhecimento do coração que liberta os seres humanos, devemos nos desvencilhar do falso cosmo criado pela nossa mente condicionada. A palavra grega Kosmos, bem como o vocábulo hebraico olam, embora quase sempre mal traduzidos como mundo, realmente designam mais o conceito de sistemas. Quando os gnósticos diziam que o siste­ ma à sua volta era mau e que precisaríamos sair dele para conhe­ cer a verdade e descobrir o,seu significado, comportavam-se não só como precursores de inúmeros alienados da sociedade, desde São Francisco de Assis até os beatniks e hippies, mas também exprimiam um fato psicológico desde então redescoberto pela moderna psicologia profunda. Jung reafirmou uma antiga per­ cepção gnóstica ao dizer que o extrovertido ego humano deve, em primeiro lugar, tomar plena consciência de sua própria alie­ nação do Self Superior, antes de poder começar a retornar ao estado de união mais íntima com o inconsciente. Até nos cons­ cientizarmos inteiramente da inadequação de nosso estado de extroversão e de sua insuficiência quanto às nossas necessida- 50
  • 53. des espirituais mais profundas, não obteremos nenhum grau sequer de individuação, através da qual uma personalidade mais madura e ampla surge, O ego alienado é o precursor e uma pré-condição inevitável do ego individualizado. Como Jung, os gnósticos não rejeitavam necessariamente a terra per se, que reconheciam como uma tela sobre a qual o Demiurgo da mente projeta seu sistema ilusório. Quando nos deparamos com uma condenação do mundo nos escritos gnósticos, o termo usado é fatalmente Kosmos ou este eon e nunca a palavra ge (terra), que consideravam neutra, se não totalmente satisfatória. Era desse conhecimento — o conhecimento que se tem no próprio coração a respeito da inutilidade espiritual e absoluta in­ suficiência das instituições e valores estabelecidos do mundo ex­ terior — que os gnósticos valiam-se para construir tanto uma imagem de ser universal como um sistema de inferências coeren­ tes a serem extraídas dessa imagem. (Como era de esperar, eles o realizaram não,tanto em termos de filosofia e teologia, mas em termos de mito, ritual e cúltivo das qualidades imaginativas e mitopoéticas da alma). Como muitas outras pessoas inteligen­ tes e sensíveis, antes e depois de sua época, eles se sentiram es­ trangeiros num país desconhecido, uma semente abandonada dos mundos distantes de luz infinita. Alguns, como a juventude alienada dos anos 60, retiraram-se para comunidades e eremité- rios à margem da civilização. Outros, mais numerosos talvez, permaneceram em meio à vasta cultura metropolitana das gran­ des cidades, como Alexandria e Roma, aparentemente desempe­ nhando seus papéis na sociedade, enquanto no íntimo serviam a um mestre diferente —no mundo, mas não do mundo. A maio­ ria deles tinha instrução, cultura e riqueza; entretanto, continua­ vam conscientes do inegável fato de que todas essas realizações e tesouros perdem a cor perante a Gnose do coração, o conheci­ mento do que existe. Não surpreende que o mago de Küstnacht, que desde sua primeira infância buscou e encontrou a própria Gnose, tivesse afinidade com esse povo estranho e solitário, es­ 51
  • 54. ses peregrinos da eternidade, prontos para voltar ao lar entre as estrelas. JUNG E O GNOSTICISMO Desde o princípio de sua carreira psicanalítica até a morte, Jung manteve um vivo interesse e uma profunda simpatia pe­ los gnósticos. Já em 12 de agosto de 1912, Jung escreveu uma carta a Freud a respeito dos gnósticos, na qual qualificou a con­ cepção gnóstica de Sofia de reaproveitamento de uma antiga sabe­ doria que poderia aparecer uma vez mais na moderna psicanálise. Não lhe faltava literatura capaz de estimular seu interesse pelos gnósticos, porque os eruditos do século XIX na Alemanha (em­ bora quase que em nenhum outro país) devotavam-se diligente­ mente aos estudos gnósticos. Em parte como reação contra a ri­ gidez da Alemanha bismarckiana e a seus efeitos conformistas, tanto teológicos como intelectuais, inúmeros eruditos excelen­ tes (Reitzenstein, Leisengang e Carl Schmidt, entre outros), além de poetas e escritores criativos (Herman Usner, Albrecht Dieterich), e, pelo menos, alguns membros da intelectualidade francesa (M. Jacques Matter, Anatole France) investigaram a tradição gnóstica. Todos os biógrafos de Jung mencionam seu profundo interesse por assuntos gnósticos. Uma das declarações mais reveladoras a esse respeito é citada por uma de suas ex-co- laboradoras, Barbara Hannah, que lhe reproduz as palavras so­ bre os gnósticos: “Senti como se finalmente tivesse encontrado um círculo de amigos que me entendessem”. A mesma biógrafa também ressalta que Jung desenvolveu um interesse por Schope­ nhauer justamente porque o grande filósofo alemão lembrava- lhe os gnósticos e a ênfase que colocavam no aspecto do sofri­ mento do mundo; álém disso, ele aprovava de todo o coração o fato de Schopenhauer “não falar nem da providência onisciente e todo-misericordiosa de um Criador, nem da harmonia do cos­ mo, mas ter afirmado abertamente que uma falha fundamental 52
  • 55. subjazia ao triste curso da história humana e à crueldade da na­ tureza; a cegueira da Vontade criadora do mundo. . .” Que essas são afirmações completamente gnósticas não é preciso dizer. Co­ mo seu interesse por Schopenhauer remonta à infância, pode­ mos considerar Jung, sob muitos aspectos, como um gnóstico “natural”, possuidor de uma postura gnóstica mesmo antes de familiarizar-se com alguns dos ensinamentos do gnosticismo. Apesar de Jung ter tido acesso a certo volume de literatura poética e erudita bem cedo na vida, o que estimulou seu interes­ se pelo gnosticismo, ele não contou com quase nenhum material de natureza gnóstica procedente de fontes originais à sua dispo­ sição. Como muitos outros, para informar-se sobre os gnósticos. Jung teve de se basear nos relatos fragmentários e sobretudo deslealmente distorcidos dos padres da igreja antignóstica, em particular Irineu e Hipólito. As pesadas engrenagens da erudi­ ção acadêmica apenas começavam, com extrema lentidão e mes­ mo relutância, a dedicar-se aos três códices coptas Codex Ag- new, Codex Bruce, Codex Askew, que na época mofavam em vários museus, esperando para ser traduzidos e publicados. Po- obter tanta compreensão e extrair tanta informação valiosa, favorável ao gnosticismo, das polêmicas dos padres caçadores de hereges da Igreja. A contribuição de Jung aos estudos gnósti­ cos em geral e a uma esclarecida interpretação contemporânea do gnosticismo em particular é pouco menos que notável em al­ cance e importância. E lamentável que essa contribuição não se­ ja ainda apreciada por um número crescente de especialistas em gnosticismo, dentro do campo de estudos bíblicos, embora is­ so não seja particularmente surpreendente, em vista do fato de que a maioria desses eruditos provêm de escolas de teologia e de religião com tendências ortodoxas. Além disso, muitos deles ca­ recem por completo de qualquer apreciação séria da psicologia, especialmente do tipo de psicologia que Jung proclamou. Afir- nia-se que a guerra é por demais importante para ser confiada a 53
  • 56. generais; da mesma forma, Seria igualmente justo dizer que o gnosticismo representa uma tradição de muito valor para Ser consignada a estudiosos da Bíblia e a sofistas de palavras coptas. A falta de atenção e respeito dispensados a Jung por alguns des­ ses eruditos é ainda mais inacreditável, considerando-se que a influência de Jung consiste praticamente na única responsável pelo projeto vital de publicação do maior acervo de escritos gnósticos originais jamais descobertos na história: a Biblioteca de Nag Hammadi. Os gnósticos foram prolíficos escritores da tradição sacra. Seus inimigos observaram com desaprovação que os seguidores do instrutor gnóstico Valentino costumavam escrever um novo evangelho a cada dia, e que nenhum deles era muito estimado, a menos que desse uma nova contribuição à sua literatura. En­ tretanto, de toda essa profusão de textos, muito pouco sobrevi­ veu, devido à incansável supressão e destruição da literatura gnóstica a que se dedicaram os queimadores de livros e caçado­ res de hereges da Igreja que, com o apoio do poder constituído, obtiveram predominância Sobre seus rivais. Durante muitos sécu­ los, não se soube da existência de nenhuma escritura gnóstica original. Foi somente nos séculos XVIII e XIX que viajantes, como o destemido e romântico escocês James Bruce, começa­ ram a trazer para a Europa, do Egito e localidades vizinhas, fragmentos de papiros antigos contendo textos. Embora talvez escritos originariamente em grego, esses haviam sido traduzidos pelos escribas gnósticos para o copta, a língua popular do Egito helênico. Sendo realmente raros os eruditos coptas e demais pes­ soas interessadas em gnosticismo, a tradução desses textos pro­ cedeu-se muito lentamente. Então, um quase milagre aconteceu. Em dezembro de 1945, pouco após o término da II Guerra Mundial, um camponês egípcio encontrou uma coleção inteira de manuscritos gnósticos enquanto cavava para extrair fertili­ zantes na vizinhança de algumas cavernas, na cadeia montanho­ sa de Jabal al-Tarif, próximo ao Nilo, no Alto Egito. Aparente­ 54
  • 57. mente, esses tesouros fizeram parte, em certa época, da biblio­ teca do vasto complexo monástico fundado na região pelo pai do monasticismo cristão, o monge copta São Pacômio. Como suas predecessoras, a descoberta de Nag Hammadi cus­ tou muito a se concretizar. Os métodos lentos dos acadêmicos foram, entretanto, bastante acelerados pela influência de um ho­ mem que nao era nem erudito copta nem especialista bíblico, mas simplesmente um arqueólogo da alma humana. Esse homem era, é claro, Carl Jung. Ele se interessou pela descoberta de Nag Hammadi desde o princípio; foi um antigo amigo e colabo­ rador de Jung, o professor Gilles Quispel, que tomou a iniciativa de traduzir e publicar os livros de Nag Hammadi. Em 10 de maio de 1952, embora a crise política e a dissensão acadêmica paralisassem todos os trabalhos relativos aos manuscritos, Quis­ pel adquiriu um dos códices em Bruxelas, e desta porção da grande biblioteca, reálizou-se a maior parte das primeiras tradu­ ções, envergonhando assim a comunidade erudita, que se viu na contingência de apressar o trabalho longamente adiado. Esse do­ cumento, intitulado Jung Codex, foi apresentado ao Instituto Jung de Zurique por ocasião do octogésimo aniversário do dr. Jung, tornando-se o primeiro item da descoberta de Nag Ham­ madi a ser abertamente examinado por eruditos e leigos fora do turbulento ambiente não-cooperativo do Egito dos anos 50. O próprio professor Quispel declarou ter sido Jung uma peça-cha- ve no despertar da atenção sobre os manuscritos e na publica­ ção da valiosa coleção de Nag Hammadi. Existem boas razões para se crer que, sem a influência de Jung, essa coleção também poderia ter sido relegada à obscuridade pela aparentemente sem­ pre ativa conspiração da negligência erudita. (Para maiores de­ talhes sobre a história da Biblioteca de Nag Hammadi e a parti­ cipação de Jung, ver: H. C. Puech, G. Quispel, W. C. Van Unnik: —The Jung Codex, Londres, M. R. Mowbray, 1955.) Qual era a verdadeira visão de Jüng a respeito do gnosticis- mo? Ao contrário da maioria dos eruditos até bem recentemen­ 55
  • 58. te, ele jamais acreditou que se tratasse de uma heresia cristã dos séculos II e III. Também nunca deu importância às infindáveis disputas de especialistas a respeito das possíveis origens do gnos­ ticismo: indiana, iraniana, grega e outras. Antes de qualquer ou­ tra autoridade no campo dos estudos sobre os gnósticos, Jung reconheceu-os por aquilo que eram: videntes que produziram criações originais e primordiais, a partir do mistério que ele chamou de inconsciente. Quando, em 1940, perguntaram-lhe se o gnosticismo era filosofia ou mitologia, ele respondeu com seriedade que os gnósticos lidavam com imagens reais e originais e não eram filósofos sincretistas, como muitos supunham. Jung reconheceu que imagens gnósticas surgem ainda hoje nas expe­ riências interiores das pessoas, ligadas à individuação da psique; nisso ele via evidência do fato de que os gnósticos expressavam imagens arquetípicas reais que, como se sabe, persistem e exis­ tem independentemente do tempo ou de circunstâncias históri­ cas. Ele identificou no gnosticismo uma poderosa e absoluta­ mente primordial e original expressão da mente humana, uma expressão dirigida para a mais profunda e importante tarefa da alma, ou seja, a obtenção de sua plenitude. Os gnóstiços, como Jung os percebia, interessavam-se acima de tudo por uma coi­ sa — a experiência da plenitude do ser. Considerando que isso incorporava seu interesse pessoal e também o objetivo de sua psicologia, é incontestável que sua afinidade com os gnósticos e com sua sabedoria era realmente grande. Essa visão do gnosti­ cismo não se confinoü aos trabalhos psicológicos de Jung, mas logo entrou nç> mundo dos estudos gnósticos por intermédio do supracitado colaborador, Gilles Quispel, que, em seu importan­ te trabalho Gnosis als Weltreligion (1951), apresentou a tese de que o gnosticismo não expressa nem uma filosofia nem uma he­ resia, mas uma experiência religiosa específica, qúe então se ma­ nifesta como mito e(ou) ritual. E de fato lamentável que, após mais de vinte e cinco anos da publicação desse trabalho, tão poucos tenham apreciado suas significativas implicações. 56
  • 59. Em vista dessas considerações, pode-se compreensivelmente indagar: Jung era um gnóstico? Pessoas mal-informadas, como Martin Buber, responderam sim a essa pergunta, querendo dizer com isso que Jung não era nem um cientista respeitável nem um bom homem, de acordo com o significado religioso ortodoxo do termo. Em virtude do uso pejorativo da expressão gnóstico, muitos dos seguidores de Jung, e ocasionalmente o próprio Jung, negaram que ele fosse um gnóstico. Um exemplo bem tí­ pico dessas evasivas foi a declaração de Gilles Quispel, segundo a qual “Jung não era um gnóstico no sentido comum do ter­ mo”. Por outro lado, é muito duvidoso que jamais tenha havido um único gnóstico no sentido comum do termo. O gnosticismo não constitui um conjunto de doutrinas, mas a expressão mito­ lógica de uma experiência interior. Em termos de psicologia junguiana, poderíamos dizer que os gnósticos deram expressão em linguagem poética e mitológica às suas experiências dentro do processo de individuação. Ao fazê-lo, eles produziram uma profusão do mais significativo material, contendo profundas percepções da estrutura da psique, do conteúdo do inconscien­ te coletivo e da dinâmica do processo de individuação. Como o próprio Jung, os gnósticos não descreveram apenas os aspectos conscientes e pessoais inconscientes da psique humana, ijias ex­ ploraram empiricamente o inconsciente coletivo e forneceram descrições e formulações das várias imagens e forças arquetípi- cas. Como afirmou Jung, os gnósticos foram muito mais bem- sucedidos do que os cristãos ortodoxos na descoberta de ex­ pressões simbólicas adequadas do Self, e essas expressões as­ semelham-se às formuladas por Jung. Embora Jung não tenha se identificado abertamente com o gnosticismo como escola religiosa, da mesma forma que não se identificou com nenhuma seita religiosa, pouca dúvida pode existir de que ele fez, mais do que qualquer outra pessoa, lançar luz sobre o impulso central das imagens e da prática simbólica gnósticas. Ele viu no gnosticismo uma expressão particularmente valiosa da luta universal do ho­ 57
  • 60. mem para readquirir a plenitude. Embora náo fosse prático nem modesto que ele o dissesse, não há dúvida de que essa ex­ pressão gnóstica do anseio pela plenitude só foi reproduzida uma vez na história do Ocidente, e isso se deu no próprio siste­ ma de psicologia analítica de Jung. Que tipo de gnóstico era Jung? Certamente, não um seguidor literal de nenhum dos antigos mestres da Gnose, o que teria sido um empreendimento impossível, diante da insuficiência de in­ formações detalhadas a respeito desses e de seus ensinamentos. Por outro lado, como os gnósticos do passado, ele formulou pelo menos os rudimentos de um sistema de transformação ou individuação, que se baseava não na fé numa fonte exterior (se­ ja Jesus ou Valentino), mas na experiência interior, natural da alma, que sempre representou a fonte de toda verdadeira Gno­ se. A definição léxica de gnóstico é conhecedor, e não seguidor de alguém que pode ser um conhecedor. Jung sem dúvida era um conhecedor, se é que já houve algum. Negar que ele era um gnóstico nesse sentido eqüivaleria à negação de todos os dados reconhecidos sobre sua vida e seu trabalho. A mais provável in­ dicação do caráter especificamente gnóstico da linha seguida por Jung, nö entanto, não é outra senão o tratado intitulado Sete Sermões aos Mortos, o qual, segundo admitem proeminentes junguianos, constitui a fonte e a origem de seu trabalho poste­ rior. Quem, a não ser um gnóstico, escreveria ou poderia escre­ ver uma obra como esses sermões? Quem optaria por revestir suas revelações arquetípicas pessoais, que formam o esqueleto do trabalho de sua vida, usando a terminologia e o estilo mitoló­ gico da gnose alexandrina? Quem preferiria eleger Basilides, em vez de qualquer outro vulto, como autor dos Sermões? Quem usaria com versada compreensão e finesse, termos tais como Pleroma e Abraxas para simbolizar estados psicológicos alta­ mente abstratos? Há apenas uma resposta para essas perguntas: somente um gnóstico fàría essas coisas* Como Carl Jung realizou 58
  • 61. tudo isso e muito mais, podemos portanto considerá-lo gnósti- co, tanto no sentido geral de um verdadeiro conhecedor das mais profundas realidades do ser psíquico como no sentido mais estrito de moderno restaurador do gnosticismo dos primeiros séculos da era cristã. JUNG E A GNOSE PANSOFICA De acordo com Morton Smith, notável descobridor do Evan­ gelho Secreto de Marco, o termo gnostikoi em geral se aplicava a pessoas de tendência pitagórica e/ou platônica, embora natural­ mente a expressão gnose apareça nos escritos de muitos autores ligados a outras escolas, incluindo Padres da igreja ortodoxa cris­ tã, como Orígenes e Clemente de Alexandria. A Biblioteca Gnóstica de Nag Hammadi continha cópias da República de Pla­ tão e também de certos tratados herméticos que os eruditos pu­ ristas da vindima contemporânea jamais sonhariam incluir na literatura gnóstica. Tudo isso fornece indícios para a convicção de que, já em tempos primitivos, quando as escolas gnósticas ain­ da estavam vivas fisicamente, o gnosticismo caracterizava-se por um considerável ecumenismo e flexibilidade. Os membros da Suposta comunidade gnóstica do Alto Egito provavelmente te­ riam definido a literatura gnóstica como qualquer escritura de valor espiritual, capaz de produzir gnose no leitor. Acadêmicos versados em gnosticismo podem aspirar ao status de puristas, mas os próprios gnósticos nunca o foram, nem poderiam ser. Assim, nos séculos posteriores, após a destruição das comunida­ des gnósticas primitivas e de suas escrituras, o espírito gnóstico continuou a viver sob muitos nomes e disfarces, servindo ainda a seus propósitos originais e imorredouros. Enquanto existir uma luz na individualidade mais recôndita da natureza humana, enquanto existirem homens e mulheres que se sintam semelhan­ tes a essa luz, sempre haverá gnósticos no mundo. Podemos con­ siderar sua contínua existência resultante em grande medida da 59
  • 62. sobrevivência dos arquétipos gnósticos no inconsciente coletivo e da própria natureza dos processos de crescimento e desenvolvi­ mento da psique em si. Jung indubitavelmente sabia disso quan­ do se referiu ao processo de confronto com a sombra (o reco­ nhecimento da parte inaceitável ou “má” de nós mesmos) co­ mo um “processo gnóstico”. Os padres da Igreja cunharam a frase anima naturaliter christiana (a alma que é cristã por natu­ reza), entretanto os gnósticos, com muito maior legitimidade, poderiam ter dito que o conteúdo da alma e sua senda de cresci­ mento são por natureza gnósticos. O inegável caráter arquetípi- co do gnosticismo não constitui a única causa de sua sobrevivên­ cia. Além do caráter gnóstico do inconsciente, que tende espon­ taneamente a produzir sistemas gnósticos de realidade, existe também um desenvolvimento histórico e umá continuidade li­ gando os antigos adeptos do gnosticismo a seus herdeiros de pe­ ríodos históricos posteriores. Movimentos subterrâneos raras vezes se prestam como obje­ tos de trabalho para o historiador. Compelidos ao segredo pelo ambiente hostil, sua principal preocupação é a sobrevivência, e portanto eles deixam relativamente poucos vestígios perceptí­ veis no solo do tempo. Grande parte, embora não a totalidade, da história gnóstica posterior aos séculos III e IV constitui-se de especulação e intuição em lugar de fatos. Contudo, nessa tênue estrutura de segredos e subterfúgios, de evasões e oca­ sionais declarações ousadas, certos dados significativos se sobres­ saem com singular força e brilho. Como um desses dados encon­ tra-se a vida e o trabalho do esplêndido profeta persa Mani (215-277 d.C.), cuja estrela se elevou justamente quando a dos gnósticos declinava. Mani foi um gnóstico, tanto pela natureza de seu caráter como em virtude da tradição. Aos doze anos de idade, recebeu a visita de um anjo que lhe anunciou haver sido escolhido para grandes tarefas. Aos vinte e quatro anos o anjo voltou à sua presença e exortou-o a aparecer em público e pro­ clamar a sua doutrina. O termo persa que designa esse anjo sig­ 60