O documento discute a história da formação de professores em Portugal desde o século XVIII, destacando o controle estatal sobre a profissão e a luta por autonomia. Também apresenta propostas para uma nova formação focada no desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional dos professores e das escolas.
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
Formação Professores História Controle Autonomia
1. O texto tem como objetivo abordar o debate acerca
da formação de professores sob uma perspectiva
profissional e não acadêmica (área, currículos, etc.).
Para isso, primeiro apresenta um panorama histórico
acerca da formação da profissão docente e depois
apresenta propostas de trabalhos para a formação
docente relacionadas ao desenvolvimento pessoal,
profissional e organizacional.
▪ A FORMAÇÃO DA PROFISSÃO DOCENTE:
APONTAMENTOS HISTÓRICOS
A docência se constitui como profissão depois que o
Estado substitui a Igreja como entidade de tutela do
ensino. Os reformadores portugueses do final do
século XVIII sabiam que esse esforço iria validar
ideologicamente o poder estatal no processo de
reprodução social, pois os professores são as vozes
dos novos dispositivos de escolarização.
Ao longo do século XIX, o papel do professor ganha
importância na criação de um Portugal
contemporâneo. O recrutamento de professores foi
ficando mais rigoroso e com a criação de uma base do
sistema educativo, a formação de professores passou
a constituir uma parte valiosa para a profissão.
As escolas normais são criadas para o controle do
corpo profissional de professores e, nas décadas de
viragem do século XIX para o XX, há um confronto de
visões acerca da profissão docente dentro desse
sistema de ensino. Apesar das escolas normais
difundirem e transmitirem conhecimentos produzidos
fora da esfera docente, elas também se tornam um
lugar de reflexão quanto as práticas dos professores
como profissionais.
Ainda nesse período acontece uma série de mudanças
sociológicas no professorado em relação aos ensinos
primário e secundário. Há o fortalecimento de
instituições de formação de professores,
desenvolvimento de sindicatos, mulheres na profissão
e modificações na organização socioeconômica do
corpo docente. Apesar do controle estatal sob os
professores, cresce uma certa autonomia na profissão
docente.
Na Primeira República, a ambição de “formar um
homem novo” deu aos professores a justificativa de
que para efetuar essa missão eles precisavam de maior
prestígio, qualificação e autonomia dentro da
educação. Porém, o Estado não estava disposto a
abdicar do controle ideológico que mantinham dentro
do campo educativo, e assim, iniciam-se conflitos pelo
controle da autonomia educacional.
+ Para Adolfo Lima (1915), o poder político não é
capaz de exercer funções específicas da educação no
que diz respeito ao recrutamento de professores;
+ Já para Eusébio Tamagnini (1930) o Estado
organiza o plano dos estudos e os objetivos, mas
compete apenas ao professor o saber pedagógico.
Apesar dos dois autores apresentarem perspectivas
diferentes, ambos chamam a atenção para a
necessidade da autonomia na profissão docente. Esse
é o momento-chave da configuração social e
profissional da formação de professores dentro do
pensamento docente.
Durante o Estado Novo há uma política ambígua em
relação a profissão docente: ao mesmo tempo que o
Estado exerce um controle autoritário em relação a
sua autonomia profissional, ele também eleva a
profissão como símbolo de prestígio social. Nesse
período, reforçam-se os mecanismos de controle
ideológico na formação e no exercício da atividade
docente dentro do funcionamento das escolas normais
primárias e secundárias.
+ No ensino primário, houve a redução da condição de
admissão do ensino normal, em relação aos conteúdos,
tempo de formação e exigência intelectual. Também
houve a instauração de controle moral e ideológico nas
formações, nos estágios e nas avaliações.
+ No ensino secundário, extinguiu-se a escola normal
secundária e criou-se o Curso de Ciências Pedagógicas
e o Liceu Normal, onde separavam-se a preparação
acadêmica e profissional da prática profissional. Esse
modelo torna inviável a integração dificultando a
formação profissionalizante dos professores.
O período do Estado Novo contribuiu com a
degradação do estatuto socioeconômico da profissão
docente e com a elevação da imagem de “funcionário”.
Essa visão funcionarizada da docência ganha força na
2. formação dos professores, enquanto a visão de um
profissional autônomo e reflexivo perde.
Ao passar das décadas, realizaram-se debates acerca
da profissão docente e sua formação:
a) ANOS 60:
Portugal surge em último lugar nas estatísticas
europeias das políticas educativas. Diante disso, urge
a importância do papel da educação na formação do
capital humano e cria-se uma escola de planejamento
de ensino. Nos próximos anos acontece o
recrutamento massivo de professores em pouco
tempo, desencadeando ainda mais a
desprofissionalização da docência.
b) ANOS 70:
O ensino normal primário atua sob direção do
Ministério da Educação e acontece o lançamento de
Escolas Superiores de Educação com a ajuda do Banco
Mundial. A formação de professores nas Universidades
se depara com a visão de setores conservadores, que
veem o ensino como uma ação que não precisa de
saberes pedagógicos para se concretizar desde que
possuam os conhecimentos específicos. Essa década
ficou conhecida pelas ricas referências teóricas,
curriculares e metodológicas acerca da construção
dos programas de formação.
c) ANOS 80:
Ficou marcado por desequilíbrios estruturais devido a
quantidade de professores sem as habilitações
acadêmicas e pedagógicas necessárias. O poder
político-sindical procurou remediar a situação através
de programas de profissionalização em
exercício/serviço e formação em serviço. Esse esforço
não surtiu efeito inovador do ponto de vista
organizativo/curricular e nem do conceitual, no mais,
reforçou a visão degradada e desqualificada que os
professores se encontravam devido ao controle estatal
sob a profissão docente.
d) ANOS 90:
Estando a formação inicial em resolução, o foco se vira
para a formação contínua que lida com as mesmas
convergências político-sindicais: o sucesso da Reforma
do Sistema Educativo e do outro lado a concretização
do Estatuto da Carreira Docente. O Estado procura
instaurar uma função de regularização que prolongue
seu controle na profissão, e nisso, a formação contínua
tende a se articular com os objetivos do sistema. A
política reformadora tem produzido discursos de apelo
a participação, reforçando o poder do Estado.
Produzindo perspectivas sociais e orientações técnicas,
a tutela político-estatal se estende para uma tutela
científico-curricular e instaura controles mais sutis
sobre a profissão docente.
A preocupação gerada em torno da formação de
professores, não só diz respeito a ocupação de um
cargo importante no mercado de trabalho, mas a um
controle sobre a profissão docente. Com isso, gera-se
os questionamentos: haverá uma consolidação das
tutelas do Estado sob a profissão docente ou haverá
o desenvolvimento científico no ensino por meio da
autonomia dos professores?
É preciso reconhecer as falhas científicas e conceituais
dos atuais programas de formação dos professores,
situando nossa visão para além das engrenagens
tradicionais (científico x pedagógico / teoria x
metodologia) e sugerindo novas maneiras de pensar.
▪ A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Os anos 80 contribuíram com a concepção
desprestigiada que a profissão docente possui. A falta
de um projeto que mobilizasse a classe docente,
dificultou a afirmação social dos professores e abriu
espaço para uma afirmação mais própria de
“funcionário” do que de “profissional autônomo”.
A profissão docente encontra-se sob a influência de
um processo de proletarização, que degrada o
estatuto, o rendimento e a autonomia dos professores.
Esse processo:
+ Separa a concepção da execução, ou seja, valida a
intervenção de especialistas científicos na produção
dos conhecimentos e reduz aos professores apenas a
aplicação destes;
+ Intensifica o trabalho dos professores, aumentando
suas tarefas diárias e colocando uma sobrecarga
permanente de atividades e avaliações.
As consequências desse processo na vida dos
professores resultam em:
+ Economizar esforços e realizar apenas o essencial
no cumprimento da tarefa;
+ Apoia-se nos especialistas e acabar depreciando
suas experiências e capacidades ao longo dos anos;
+ Perder competências coletivas para ganhar
competências administrativas;
+ Perder qualidade para ganhar quantidade.
A formação de professores pode desempenhar um
papel importante na criação de uma nova
profissionalidade docente. Estimulando uma cultura
profissional no seio docente e uma cultura
3. organizacional no seio das escolas. Para isso, é preciso
dar atenção aos principais desenvolvimentos, que são:
a) DESENVOLVIMENTO PESSOAL:
Aqui produz-se a vida do professor, estimula-se sua
perspectiva crítico-reflexiva e lhes fornece um
pensamento autônomo e auto formador. Esse
desenvolvimento não se constrói através de
acumulações (cursos, técnicas, etc.) mas de reflexões
sobre as práticas de (re)construção de uma identidade
pessoal. Por isso, é importante investir na pessoa e o
seu saber da experiência, pois o que o professor retém
como referências está ligado à sua experiência e
identidade construídos ao longo da vida. Além disso, é
importante também a criação de redes de auto
formação participada, para estimular a socialização
profissional e a produção de uma cultura de saberes e
valores produzidos pelos próprios professores. As
diferentes perspectivas e o conhecimento profissional
partilhados dos professores, ajudam nos percursos da
formação e sua formulação teórica. Ao mesmo tempo
que o professor produz sua vida, ele também produz
sua profissão.
b) DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:
Aqui produz-se a profissão docente, onde os
professores são profissionais reflexivos que assumem
a responsabilidade pelo seu desenvolvimento
profissional e participam como protagonistas na
implementação de políticas educacionais. As situações
que os professores enfrentam/resolvem tem
características únicas e exigem respostas únicas, por
isso, é preciso investir nesses saberes e trabalhá-los
num ponto de vista teórico e conceitual. Além do
científico é preciso trabalhar o pedagógico, pois a
problemática do ensino não se encontra apenas na
valorização dos saberes dos professores, mas também
no esforço para a imposição de saberes “científicos”.
Diante disso, é importante o investimento nas relações
dos professores com o saber pedagógico e científico,
passando pela experimentação, inovação e ensaios
acerca dos modelos de trabalho pedagógico e a
reflexão sobre sua utilização. Ao mesmo tempo que é
preciso produzir sua profissão, é também preciso
produzir o lugar em que ela intervém. Em outras
palavras, o desenvolvimento profissional dos
professores tem que estar articulado com as escolas
e seus projetos. Essa formação profissional não se
realiza antes ou depois, e sim durante, tornando-se
uma prática devidamente contínua.
c) DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL:
Aqui produz-se a escola, investindo em projetos
educacionais que articulam a formação contínua com
a gestão escolar, as práticas curriculares e as
necessidades dos professores. Essa formação não deve
ser encarada como uma função distinta dentro de um
projeto, mas como um processo permanente e
integrado no dia-a-dia das escolas e professores. O
uso das experiências inovadoras dos professores pode
ajudar a implantar práticas diferenciadas de formação
contínua, não oficializando nada, mas disseminando a
ideia para que as práticas se adequem a outras
pessoas e outros ambientes, tornando-se únicas de
cada local. Com isso, uma nova cultura da formação
de professores será criada, pois eles serão
protagonistas nas diversas fases da formação: na
concepção, no acompanhamento, na regulação e na
avaliação. Além disso, é preciso estabelecer um elo
positivo entre os poderes dos atores sociais,
profissionais e institucionais, uma vez que a
aprendizagem em comum facilita a consolidação de
dispositivos de colaboração profissional. A formação
contínua deve investir nas experiências inovadoras que
já existem no sistema educativo, as transformando do
seu ponto de vista, invés de instaurar novos
mecanismos de controle e enquadramento. É preciso
unir a lógica dos professores com a lógica das
instituições de formação, não esquecendo que a
formação é inseparável dos projetos profissionais e
organizacionais.
Por fim, o texto procura colaborar coma valorização
das pessoas e dos grupos que têm lutado pela
inovação no interior das escolas e do sistema
educativo contra as que valorizam a tentativa de
imposição de novos mecanismos de controle e
enquadramento. A formação de professores localiza-
se nesse confronto.
REFERÊNCIAS:
NÓVOA, António. Formação de professores e profissão
docente. In: Os professores e a sua formação. Lisboa:
Dom Quixote, 1992. pg. 13-33.