A revolução tecnológica: impactos e perspectivas da transformação científica
1.
2. As transforma~oes
tecnico-cientificas,
economicas e politicas
1. Revolu~ao tecnol6gica:
impactos e perspectivas
Inicialmente, buscaremos compreender em que con-
sistem as transforma<;:6estecnico-cientificas. Os estudio-
sos do assunto mencionam essas transforma<;:6es com
diferentes denomina<;:6es, tais como Terceira RevolUl;:ao
Industrial, revolurao cientifica e tecnica, revolurao infor-
macional, revolurao informatica, era digital, sociedade
tecnico-informacional, sociedade do conhecimento ou, sim-
plesmente, revolurao tecnologica.
Boa parte dos auto res levam a crer que as mudan<;:as
economicas, sociais, politicas, culturais e educacionais
decorrem, sobretudo, da acelera<;:aodas transforma<;:6es
tecnico-cientificas. Em outras palavras, os acontecimen-
tos do campo da economia e da politica - como a globa-
liza<;:aodos mercados, a produ<;:aoflexivel, 0 desemprego
estrutural, tambem chamado de desemprego tecno16gico,
a necessidade de eleva<;:aoda qualifica<;:aodos trabalha-
dores, a centralidade do conhecimento e da educa<;:ao-
teriam como elemento desencadeador as transforma<;:6es
tecnico-cientificas. A ciencia e a tecnica estariam, por-
tanto, assumindo 0 papel de for<;:aprodutiva em lugar
dos trabalhadores, ja que seu usa, cada vez mais inten-
so, faria crescer a produ<;:ao e diminuiria significativa-
mente 0 trabalho humano.
3. Verifica-se, nessa compreensao, urn determinismo tec-
nologico que nao corresponde inteiramente a realidade.
E preciso considerar que as transforma<;:6estecnico-cien-
tificas resultam da a<;:aohuman a concreta, ou seja, de
interesses economicos conflitantes que se manifestam
no Estado e no mercado, polos complementares do jogo
capitalista. Essas transforma<;:6es refletem a diversidade
e os contrastes da sociedade e, em decorrencia, 0 em-
preendimento do capital em controlar e explorar as capa-
cidades materia is e human as de produ<;:ao da riqueza,
para sua autovaloriza<;:ao.
Todavia, embora existam algumas diferen<;:asna com-
preensao do fenomeno da acelerada transforma<;:ao tec-
nico-cientifica, percebe-se que todos os termos utilizados
para definir a realidade atual apontam para 0 fato de estar
em curso uma radical revolu<;:aoda tecnica e da ciencia
e de essa revolu<;:aoser responsavel par amplas modifi-
ca<;:6esda produ<;:ao,dos servi<;:ose das rela<;:6essociais.
Vma triade revolucionaria: a energia termonuclear,
a microbiologia e a microeletronica
Para compreendermos mais concretamente as trans-
forma<;:6estecnico-cientificas, e preciso considerarmos
os aspectos ou pilares fundamentais da revolu<;:aotecno-
logica. Tal revolu<;:aoesta assentada em uma triade revolu-
cionaria: a microeletronica, a microbiologia e a energia
termonuclear (Shaff, 1990). Essa triade aponta, em grande
parte, os caminhos do conhecimento e as perspectivas do
desenvolvimento da humanidade.
A revolw;:iio tecnologica ou Terceira Revolu~iio Industrial
e marcada, entre outras, pela energia termonuclear, assim
como a Primeira Revoluyao Industrial resultou da des-
coberta e utilizayao da energia a vapor e a Segunda
Revoluyao Industrial, da energia eletrica, como mostra 0
quadro "Revoluyoes cientificas e tecnologicas da moder-
nidade", a seguir. A energia termonuc1ear e responsavel
pelos avan<;:osda conquista espacial, alem de constituir
potencialmente impartante fonte alternativa de energia.
Seu uso no seculo XX,no entanto, esteve em grande parte
a servi<;:oda moderna tecnica de guerra, trazendo graves
conseqiiencias e grandes riscos para a vida humana e do
planeta.
REVOLU~6ES CIENTiFICAS E TECNOLOGICAS DA MODERNIDADE
(do seculo XVIIIao inicio do seculo XXI)
PRIMEIRAREVOLU<;:AOC1ENTiFICA E TECNOLOGICA
(segunda metade do seculo XVIII)
• Nasce na Inglaterra, vinculada ao processo de industrializac;:ao,
substituindo a produc;:ao artesanal pela fabril.
• Caracteriza-se pela evoluc;:ao da tecnologia aplicada a produc;:ao
de mercadorias, pela utilizac;:ao do ferro como materia-prima, pela
invenc;:ao do tear e pela substituic;:ao da forc;:ahumana pela energia e
m6quina a vapor, criando as condic;:oes objetivas de passagem de
uma sociedade agr6ria para uma sociedade industrial.
• Impoe 0 controle de tempo, a disciplina, a fiscalizac;:ao e a con-
centrac;:ao dos trabalhadores no processo de produc;:ao.
• Amplia a divisao do trabalho e faz surgir 0 trabalho assalariado e
o proletariado.
• Aumenta a concentrac;:ao do capital e seu dominio sobre 0 trabalho;
o trabalho subordina-se formal e concretamente ao capital.
• Demanda qualificac;:ao simples (trabalho simplesL 0 que leva 0 tra-
balhador a perder 0 saber mais global sobre 0 trabalho.
SEGUNDA REVOLU<;:AOC1ENTiFICA E TECNOLOGICA
(segunda metade do seculo XIX)
• Caracteriza-se pelo surgimento do ac;:o, da energia eletrica, do
petr61eo e da industria quimica e pelo desenvolvimento dos meios de
transporte e de comunicac;:ao.
4. • Fornece as condic;:oesobjetivas para um sistema de produc;:ooem
massa e para a ampliac;:oodo trabalho assalariado.
• Aumenta a organizac;:oo e a gerencia do trabalho no processo de
produc;:oo,por meio da administrac;:oocientifica do trabalho (propos-
ta por Taylor e Ford): racionalizac;:oo do trabalho para aumento da
produc;:oo,eliminac;:oodos desperdicios, controle dos tempos e movi-
mentos dos trabalhadores na Iinha de montagem.
• Ocasiona a fragmentac;:oo, a hierarquizac;:oo, a individualizac;:ooe
a especializac;:oo de tarefas (Iinha de montagem).
• Intensifica ainda mais a divisoo tecnica do trabalho, ao mesmo
tempo em que promove sua padronizac;:oo e desqualificac;:oo.
• Faz surgir as escolas industriais e profissionalizantes (escolas tecni-
cas), bem como 0 operario-padroo.
TERCEIRAREVOLU<;:AOC1ENTIFICAE TECNOLOGICA
(segunda metade do seculo XX)
• Tem por base, sobretudo, a microeletronica, a cibernetica, a tec·
notronica, a microbiologia, a biotecnologia, a engenharia genetica,
as novas formas de energia, a rob6tica, a informatica, a quimica
fina, a produc;:oode sinteticos, as fibras 6ticas, os chips.
• Acelera e aperfeic;:oa os meios de transporte e as comunicac;:oes
(revoluc;:ooinformacional).
• Aumenta a velocidade e a descontinuidade do processo tecnol6gi-
co, da escala de produc;:oo,da organizac;:oo do processo produtivo,
da centralizac;:oo do capital, da organizac;:oo do processo de traba-
Iho e da qualificac;:oodos trabalhadores.
• Transformaa ciencia e a tecnologia em marerias-primas per excelencia.
• Organiza a produc;:oode forma automatica, autocontrolavel e auto-
ajustavel, mediante processos informatizados, robotizados por meio
de sistema eletronico.
• Torna a gestoo e a organizac;:oo do trabalho mais f1exiveise inte-
gradas globalmente.
A revolufao da microbiologia e responsavel, tambem,
por gran des avanc;:ose perigos para a vida human a e do
planeta. De urn lado, 0 conhecimento genetico dos seres
vivos permite a produc;:ao de plantas e de animais me-
lhorados para 0 comb ate a fome e a desnutric;:ao, 0 de-
senvolvimento de meios contraceptivos no auxilio ao
planejamento familiar e ao comb ate da explosao demo-
grafica e a luta pela eliminac;:ao de doenc;:ascongenitas
(mongolismo, esclerose mUltipla, diabetes, doenc;:asmen-
tais, etc.). De outro lado, ha 0 risco de produc;:ao artifi-
cial de seres humanos encomendados e/ou obedientes,
a clonagem, bem como a criac;:aode virus artificiais e a
possibilidade de guerras bacteriologicas.
A revolufaO da microeletr6nica, por sua vez, e a que
mais facilmente pode ser sentida e percebida. Estamos
rodeados de suas manifestac;:oesno cotidiano, mediante:
a) objetos de uso pessoal, como agendas eletr6nicas, cal-
culadoras, relogios de quartzo, etc.; b) utensilios domes-
ticos, como geladeiras, televisores, videos, aparelhos de
som, maquinas de lavar roupa e louc;:a,forno microon-
das, fax, telefone celular, automoveis, entre outros; c) ser-
vic;:osgerais - terminais bancarios de auto-atendimento,
jogos eletr6nicos, virtuais ou tridimensionais, balanc;:as
digitais, caixas eletr6nicos e outros. Ja e possivel perceber,
tambem, que essas manifestac;:oes,bem como a perma-
nente introduc;:ao de artefatos tecnologicos no cotidia-
no de vida das pessoas, vem promovendo alterac;:oesnas
necessidades, nos habitos, nos costumes, na formac;:aode
habilidades cognitivas e ate na compreensao da realida-
de (realidade virtual).
A vedete dessa revoluc;:aoe, certamente, 0 computador.
Para muitos, ele constitui a maior invenc;:aodo seculo, ja
que seu fasdnio, seu aperfeic;:oamento e sua utilizac;:ao
(diferentemente do automovel, da televisao, do telefone,
do aviao) nao parecem ter limites. Sao potencialmente
infindaveis as aplicac;:oesdo computador em diferentes
campos da atividade human a: lazer, educac;:ao, saude,
5. agricultura, industria, comercio, pesquisa, transporte, tele-
comunica<;:ao,informa<;:ao,etc. Em todos esses campos
come<;:aa fluir uma cultura digital pela qual todos se
sentem fascinados ou pressionados a dela participar e
adquirir seus produtos, sob pena de tornarem-se obso-
letos ou de serem exduidos das atividades que realizam.
o computador tern, ainda, em seu favor 0 fato de ter se
tornado sinonimo de moderniza<;:ao, de eficiencia e de
aumento da produtividade em urn mundo cada vez mais
competitivo e globalizado, fazendo com que exista uma
compreensao de que e imperio so informatizar.
Todavia, os campos que foram atingidos com maior in-
tensidade pela revolu<;:aoda microeletronica (especialmen-
te pela informatiza<;:ao),com grandes reflexoseconomicos,
sociais e culturais, sac tres: a agricultura, a industria e
o comercio, com destaque para 0 setor de servi<;:os.
No mundo inteiro, vem decrescendo 0 trabalho hu-
mano na agricultura, em razao do processo de "tecnolo-
giza<;:ao"e da moderniza<;:ao da produ<;:ao.A agricultura
conta cada vez mais com diferentes formas de energia, de
maquinario (tratores, colheitadeiras, etc.), com avioes,
telefonia rural, computadores, informa<;:oesmeteoro16gi-
cas, estudos do solo e de mercado, sementes selecionadas,
acompanhamento tecnico-cientifico da produ<;:ao,entre
outros. Por isso, os trabalhadores do campo tornam-se,
em grande parte, desnecessarios ao processo de produ<;:ao
capitalista, sendo substituidos pela ciencia e pela tecnica.
Assim, enquanto a revolu<;:aotecno16gicacria as condi<;:oes
para 0 aumento da produ<;:aode alimentos e para grande
diminui<;:ao do trabalho manual-assalariado, agrava-se
o problema do desemprego no campo, como demonstra
o Movimento dos Sem-Terra (MST) no Brasil.
A libera<;:aodo trabalho humano na agricultura, por-
tanto, nao tern servido, em geral, para a melhoria da
qualidade de vida dos individuos, ou seja, para a elimi-
na<;:aoda fome e para 0 aproveitamento do tempo livre
em atividades humanizadoras, e sim para a exclusao e a
expulsao dos trabalhadores do campo. Em muitos casos,
ampliam-se os focos de tensao, em razao das ocupa<;:oes
de terra (demandas por reforma agraria) e da intensifi-
ca<;:aodo processo de marginaliza<;:ao,pelo aviltamento
dos salarios e pelas precarias condi<;:oesde trabalho e de
vida urbana (que tern produzido anomalias no campo,
como furtos, suicidio, abandono da familia, prostitui-
<;:ao,banaliza<;:aoda violencia, etc.)
No campo da industria, as modifica<;:oesdo processo
de produ<;:aosac ainda mais intensas. A microeletronica
e responsavel pela informatiza<;:aoe automa<;:aodas fabri-
cas, especialmente da industria automobilistica. Com as
novas formas e tecnicas de gestao, de produ<;:ao,de venda
e de organiza<;:aodo trabalho (como 0 toyotismo, os me-
todos just in time e kan ban), a microeletronica permite:
a) 0 aumento da produ<;:aoem urn tempo menor; b) a
elimina<;:aode postos de trabalho; c) maior flexibilidade
e, ao mesmo tempo, maior controle do processo de pro-
du<;:aoe do trabalho; d) 0 barateamento e a melhoria da
qualidade dos produtos e servi<;:os.Provavelmente, os
maiores efeitos dessa revolu<;:aosejam a crescente elimi-
na<;:aodo trabalho humano na produ<;:aoe nos servi<;:os
pelo uso da rob6tica e da informatiza<;:ao, 0 qual leva ao
aumento do desemprego estrutural, a dualiza<;:aocres-
cente do mercado de trabalho (induidos/exduidos) e a
intensifica<;:aoda desintegra<;:aosocial e da demanda por
talento e por capacidades, para 0 desenvolvimento de
atividades que exigem maior qualifica<;:ao.
Por sua vez, 0 impacto da revolu<;:aoda microeletro-
nica no setor de servi<;:os(comercio, corretoras de valo-
res, hospitais, profissoes liberais e outros) e urn tanto
singular. Por meio da informatiza<;:ao e da ado<;:aode
novas tecnologias e formas de gerenciamento, 0 setor
esta modernizando-se. Na realidade, esta em curso uma
tendencia mundial (nos paises desenvolvidos ou em fase
de desenvolvimento) de crescimento do setor de servi<;:os
ou de aumento da gera<;:aode riqueza, em detrimento
6. da agricultura e da industria, que passam por urn proces-
so de enxugamento e retra<;:ao.
o crescimento do setor de servi<;:osassocia-se: a) a
transferencia da riqueza gerada com ganhos de produ-
tividade na agricultura e na industria; b) ao aumento do
consumo, especialmente em periodos de estabiliza<;:aoda
infla<;:aoe de amplia<;:aodo poder de compra; c) a genera-
liza<;:aoda competi<;:ao; d) a terceiriza<;:ao patrocinada
pelas empresas, ou melhor, a contrata<;:aode servi<;:osde
terceiros para areas como faxina, vigilancia, advocacia,
contabilidade, etc.; e) a diminui<;:aodo emprego na agri-
cultura e na industria, 0 que leva muitas pessoas a tentar
urn negocio proprio na economia formal ou informal;
f) ao aumento da demanda por servi<;:osem areas como
lazer e educa<;:ao.
A tendencia mundial de crescimento do setor, no
entanto, nao significa uma absor<;:aototal dos desempre-
gados da agricultura e da industria. Os postos de trabalho
reorganizados ou criados nesse setor nao conseguem
atender ao contigente de desempregados gerado pelos
outros setores. E preciso considerar, ainda, que no setor
de servi<;:ostambem vem se alterando 0 perfil de quali-
fica<;:aodos trabalhadores, em razao das reformula<;:6es
das atividades e da incorpora<;:ao das novas tecnologias,
formas e tecnicas de organiza<;:aodo trabalho.
a reduzir 0 tempo, 0 que se deve a multiplica<;:ao dos
meios, dos modos e da velocidade com que sao propa-
gadas ou acessadas atualmente.
A internet (a super-rede mundial de computadores)
e uma das estrelas principais dessa fase da revolu<;:aoin-
formacional, pois interliga milhares de computadores,
ou melhor, de usuarios a urn imenso e crescente banco
de informa<;:6es,permitindo-lhes navegar pelo mundo por
meio do microcomputador. As informa<;:6esdisponiveis
dizem respeito a praticamente todos os ternas de inte-
resse, 0 que fascina cada vez mais as pessoas. 0 uso da
internet no Brasil,apesar da permanente expansao, ainda e
bastante restrito, 0 que tern gerado ampla exclusao digital.
Com maior ou menor acesso, no entanto, as novas
tecnologias da informa<;:aoe os diferentes meios de co-
munica<;:ao- por exemplo, 0 radio, 0 jornal, a revista,
a televisao, 0 computador, 0 telefone, 0 fax e outros -
estao presentes nos espa<;:ossociais ou incorporados ao
cotidiano de vida das pessoas, de maneira que modifi-
cam habitos, costumes e necessidades. Os meios de co-
munica<;:ao,melhor dizendo, as midias exercem cada vez
mais urn papel de media<;:aoe de tradu<;:aoda realidade
social.A seu modo - urn modo editado e, por vezes,ma-
nejado -, elas contam 0 que acontece no mundo, fazen-
do com que grande parte da realidade seja percebida de
forma virtual.
As midias tambem vem sentindo 0 impacto da revo-
lu<;:aoda microeletr6nica e do processo de informa-
tiza<;:ao.As alternativas eletr6nicas de comunica<;:aoe as
vers6es eletr6nicas dos antigos meios promoveram, no
final do seculo XX, uma revolu<;:aono interior da revo-
lu<;:aodos meios de comunica<;:ao; dito de outro modo,
houve verdadeira revolu<;:aoinformacional nas midias.
A televisao e, nesse sentido, urn dos veiculos mais ageis.
Alem de tratar as noticias e as informac;:6es no momen-
to em que se dao, ela conseguiu alargar suas opc;:6esna
Alem da triade revolucionaria apontada, e preciso
destacar as mudan<;:as e as implica<;:6es da revolu<;:ao
informacional emergente. Essa revolu<;:aotern por base
urn espantoso e continuo avan<;:odas telecomunica<;:6es,
dos meios de comunica<;:ao (midias) e das novas tec-
nologias da informa<;:ao.Tais avan<;:ostorn am 0 mundo
pequeno e interconectado por varios meios, sugerindo-
nos a ideia de que vivemos em uma aldeia global. As in-
formac;:6escirculam de maneira a encurtar distancias e
7. A EDucAt;:Ao ESCOLAR NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAt;:OES DA SOCIEDADE CONTEMPORA.NEA As TRANSFORMAt;:OES TECNICO-CIENTiFICAS, ECONOMICAS E POLiTICAS
area de transmissao a cabo ou por assinatura. Ensaia,
ainda, experimentos de interatividade, em que e possivel
obter urn feedback dos telespectadores mediante enque-
tes, respostas, debates, conversas, registro, recebimento de
informa<;:oesvia computador domestico, telefone, etc.
De maneira geral, os veiculos jornalisticos informati-
zam-se e distribuem as informa<;:oespor diferentes meios
(telefone, fibras 6ticas, satelites, etc.), criando redes de
informa<;:aoon-line (comunica<;:aoinstantanea) que con-
seguem juntar texto, som e imagem.
Dando sequencia aquilo que foi iniciado pela tele-
visao a cabo, a informatiza<;:ao das midias ten de a diver-
sificar e diferenciar os leitores/usuarios como urn uni-
verso segmentado e complexo, em razao das demandas
espedficas e da tendencia a individualiza<;:ao, indicati-
vas de urn periodo de afirma<;:aodas singularidades e de
florescimento das diferen<;:asou, ainda, de intensifica<;:ao
do processo de individualiza<;:ao.
Caracterizam ainda a revolu<;:aoinformacional:
a) 0 surgimento de uma nova linguagem comunica-
cional, uma vez que circulam e se tornam comuns ter-
mos como realidade virtual, ciberespa<;:o,hipermidia,
correio eletronico e outros, expressando as novas reali-
dades e possibilidades informacionais. Ja e comum tam-
bem a utiliza<;:aode uma linguagem digital, sobretudo
entre os jovens, para expressar sentimentos e situa<;:oes
de vida;
b) os diferentes mecanismos de informa<;:aodigital (co-
munica<;:ao instantanea), de acesso a informa<;:ao e de
pesquisas e liga<;:oesentre materias sempre atualizadas e
qualificadas;
c) as novas possibilidades de entretenimento e de educa-
<;:ao(TV educativa, educa<;:aoa distancia, videos, softwares,
etc.);
d) 0 acumulo de informa<;:oese as infindaveis condi<;:oes
de armazenamento.
Uma caracteristica importante da revolu<;:aoinfor-
macional diz respeito ao papel central da informa<;:aona
sociedade p6s-mercantil ou p6s-industrial e a seu trata-
mento (Lojkine, 1995). Essa nova sociedade tern como
aspectos marcantes a organiza<;:aoeficaz da produ<;:aoe 0
tratamento da informa<;:ao.Sao caracteristicas ja clara-
mente observadas, por exemplo, nos paises desenvolvidos,
nos quais e crescente a interpenetra<;:aoentre a informa-
<;:aoe 0 mundo da produ<;:aoe do mercado. Novos la<;:os
estao sendo tecidos entre produ<;:aomaterial e servi<;:os,
saberes e habilidades. A informa<;:ao, do ponto de vista
capitalista, constitui urn bem economico (uma merca-
doria). Sua produ<;:ao,seu tratamento, sua circula<;:aoou
mesmo sua aquisi<;:aotornaram-se fundamentais para a
amplia<;:aodo poder e da competitividade no mundo
globalizado. Investir em informa<;:aoou adquirir infor-
ma<;:aoqualificada passou a ser, entao, condi<;:aodeter-
minante para 0 aumento da eficacia e da eficiencia no
mundo dos neg6cios.
A revolu<;:aoinformacional esta, portanto, na base de
uma nova forma de divisao social e de exclusao: de urn
lado, os que tern 0 monop6lio do pensamento, ou me-
lhor, da informa<;:ao;de outro, os excluidos desse exerd-
cio. Por isso, 0 acesso ao mundo informacional consiste
cada vez mais em uma troca entre proprietarios privados
que acessam a informa<;:aoatual, verdadeira e criadora de
modo flexivel (Lojkine, 1995), a fim de se capacitarem
para a tomada de decisoes. A informa<;:aode livre circu-
la<;:ao,isto e, a que circula no espa<;:opublico, e, em geral,
tratada e midiatizada pelos mass media, que exercem,
em grande parte, urn papel de entretenimento e de
doutrina<;:ao das massas. Essa informa<;:ao de massa e,
portanto, dominada pelo mercado capitalista, que a torna
8. As TRANSFORMAC;:OES TECNICO-CIENTiFICAS, ECONOMICAS E POLiTICAS
insignificante e pobre de conteudo, mas determinante
na crias:ao das condis:6es objetivas atuais de formas:ao de
uma cultura de massa mundial e de globalizas:ao do capi-
tal, como veremos adiante. A globalizas:ao s6 se tornou
possivel gras:asexatamente a urn sistema global, altamen-
te integrado pelas telecomunicas:6es instantaneas.
Desse modo, a evidente utilizas:aoelitista e tecnomitica
da informas:ao e das novas tecnologias a ela relacionadas
imp6e 0 desafio de perceber as potencialidades contradi-
t6rias e libertadoras da revolus:ao informacional, bem
como as condis:6es e as estrategias de luta pela demo-
cratizas:ao da informas:ao no contexto de uma sociedade
cada vez mais globalizada, 0 que sup6e tambem demo-
cratizar a politica de comunicas:ao, como a concessao
de canais de radio e de TV.
CAPITALISMO: aspectos gerais
CONCEITUA<;:AO
Denomina~ao do modo de produ~ao em que 0 capital, sob suas dife-
rentes formas, e 0 principal meio de produ~ao. Tem como principio
organizador a rela~ao trabalho assalariado-capital e como contra-
di~ao basica a rela~ao produ~ao social-apropria~ao privada.
ORIGEM (do seculo xv ao XVIII)
• Difusao das transa~oes monetarias no interior do feudalismo.
• Crescimento do capital mercantil e do comercio exterior - mer-
cantilismo.
CARACTERISTICAS
• apropria~ao, per parte do capitalista, do valor produzido pelo traba-
Ihador para alem do trabalho necessario a subsistencia (mais-valia);
• produ~ao para venda;
• existencia de um mercado em que a for~a de trabalho e comprada
e vendida livremente; explora~ao do trabalho vivo na produ~ao e no
mercado (controle do trabalho);
• media~ao universal das trocas pelo uso do dinheiro;
• controle, por parte do capitalista, do processo de produ~ao e das
decisoes financeiras;
• concorrencia entre capitais (Iuta per mercados), for~ando 0 capitalis-
ta a adotar novas tecnicas e praticas cientlfico-tecnol6gicasem busca do
crescimento e do lucro. Por isso, 0 capitalismo torna-se tecnol6gica e
organizacionalmente dinamico;
• tendencia a concentra~ao de capital nas grandes empresas (mono-
p6lios, carteis e conglomerados/corpora~oes).
PERIODIZA<;:AODO CAPITALISMO
o amadurecimento das contradi~oes internas do capitalismo (como
as que se observam entre for~as produtivas e rela~oes de produ~ao)
produz etapas, fases ou estagios de adapta~ao. As diferen~as entre
as etapas do capitalismo verificam-se, sobretudo, no grau em que a
produ~ao, em sentido amplo, esta socializada. Grosso modo, apre-
sentam-se quatro etapas:
A palavra globalizas:ao esta na moda. No entanto,
diferentemente da moda passageira, ela parece ter vindo
para ficar. Embora seu significado ainda nao conste da
maioria dos dicionarios, tern sido usada para expressar
uma gama de fatores econ6micos, sociais, politicos e
culturais que expressam 0 espirito e a etapa de desen-
volvimento do capitalismo em que 0 mundo se encon-
tra atualmente. Trata-se, portanto, de palavra de dificil
conceituas:ao, em razao da amplitude e da complexi-
dade da realidade que tenta definir. Por isso, nao e pos-
sivel discorrer aqui, extensa e profundamente, sobre
toda a problematica envolvida; exporemos entao os
aspectos mais gerais e significativos do tema. 0 quadro
a seguir traz alguns elementos basicos que nos auxilia-
rao nessa compreensao.
9. oj Capitalismo concorrencial - seculo XVIII e infcio do seculo XIX
• etapa chamada tambem de Primeira Revolu~ao Industrial, fase in-
dustrial, capitalismo competitivo, fase do capital mercantil;
• surge com as m6quinas movidas a energia (a vapor e, depois, ele-
trica) e promove r6pido crescimento, que se faz acompanhar de pro-
gresso tecnico;
• nasce a economia politica (com A. Smithe D. Ricardo) e a ideologia
do laissez-faire (concorrencia generalizada com a elimina~ao do Estado
na regula~ao e no controle do mercado, do trabalho e do comercio);
• divisao do trabalho coordenada ou orientada pelos mercados em
que as mercadorias sac vendidas (importa~ao/exporta~ao).
bj Capitalismo monopolista - seculo XIX e infcio do seculo XX
• etapa chamada tambem de imperialismo, capitalismo dos mono-
polios, Segunda Revolu~ao Industrial;
• abandona 0 laissez-faire, com a conseqUente interven~ao nas ativi-
dades economicas e sua regula~ao;
• consolida~ao dos Estados nacionais;
• cria~ao de mecanismos de absor~ao do excedente para manuten~ao
do crescimento;
• inicio da negocia~ao coletiva;
• produ~ao/ consumo de massas (fordismo)e elevadas despesas estatais;
• dominio da maquinaria no processo de trabalho/ desqualifica~ao do
trabalho;
• produ~ao mais socializada e concentra~ao do capital;
• trabalhador coletivo/trabalho parcelar e integrado;
• substitui~ao da concorrencia entre capitais industriais pelos mono-
polios (aumento do lucro das empresas monopolistas);
• sistema de credito orientando a divisao social do trabalho. 0 juro
e a forma predominante de apropria~ao da mais-valia, sendo a com-
pensa~ao para quem detem 0 capital;
• fascismo e nazismo resultam em parte da tendencia do capitalismo
monopolista/ estatismo conservador. Esses regimes organizam a vida
social de maneira totalit6ria, com 0 apoio da burguesia ou da ciasse
media. Sao regimes militares, nacionalistas e antidemocr6ticos .
c) Capitalismo monopolista de Estado - seculo XX (pos-Segunda
Guerra Mundial)
• etapa chamada tambem de Estado benfeitor, Estado benefici6rio,
Estado de bem-estar social, capitalismo de Estado, neoliberalismo
social-democrata;
• papel do Estado articulado ao sistema de credito e aos mercados,
na coordena~ao da divisao social do trabalho;
• planejamento macroeconomico (economia planificada) e politicas
de distribui~ao de renda e pleno emprego;
• maior socializa~ao das for~as produtivas;
• Estado empres6rio, regulador e interventor;
• produ~ao de bens e servi~os pelo setor publico;
• Estado intervem em favor dos monopolios (fusao: Estado-capital
monopolista).
d) Capitalismo concorrencial global - seculo XX (infcio do deca-
do de 80)
• Etapa chamada tambem de pos-capitalismo, economia de merca-
do, capitalismo f1exivel,neoliberalismo de mercado, Terceira Revolu-
~ao Industrial;
• Estado minimo e economia de mercado; desregulamenta~ao e pri-
vatiza~ao;
• acumula~ao f1exiveldo capital, da produ~ao, do trabalho e do mer-
cado;
• sistema financeiro autonomo dos Estados nacionais;
• mudan~as tecnico-cientificas aceleradas;
• ordem economica determinada pelas corpora~5es mundiais, pelas
transnacionais, pelas institui~5esfinanceiras internacionais e pelos pai-
ses centra is;
• globaliza~ao/integra~ao da produ~ao, do capital, dos mercados e
do trabalho.
10. Acelera~ao,integra~ao e reestrutura~ao capitalista
o capitalismo lan<;:ou-se,no final do seculo XX, em
urn acelerado processo de reestrutura<;:ao e integra<;:ao
economica, que compreende 0 progresso tecnico-cien-
tifico em areas como telecomunica<;:6es e informatica, a
privatiza<;:aode amplos setores de bens e servi<;:ospro-
duzidos pelo Estado, a busca de eficiencia e de competi-
tividade e a desregulamenta<;:aodo comercio entre paises,
com a destrui<;:aodas fronteiras nacionais e a procura pela
completa liberdade de transito para as pessoas, merca-
dorias e capitais, em uma especie de mercado universal.
Esseprocesso de acelera<;:ao,integra<;:aoe reestrutura<;:aoca-
pitalista vem sendo chamado de globaliza<;:ao,ou melhor,
de mundializa<;:ao. Dito de outro modo, a globaliza<;:ao
pode ser entendida como uma estrategia de enfrenta-
mento da crise do capitalismo e de constitui<;:aode uma
nova ordem economica mundial.
Nao e possivel precisar a data em que surgiu a globa-
liza<;:ao.Na verdade, 0 modo de produ<;:aocapitalista sem-
pre experimentou ciclos de internacionaliza<;:aoe de mun-
dializa<;:aodo capital. Entretanto, os tra<;:os,os aspectos
e as caracteristicas principais dessa etapa do capitalismo
saDbastante diferenciados e tornaram-se mais visiveis,
a partir de 1980, com 0 discurso e 0 projeto neoliberal,
que criaram as condi<;:6espara 0 impulso e a efetiva-
<;:aoda globaliza<;:ao.
A globaliza<;:aoe visivel, por exemplo, no processo de
entrela<;:amentoda economia mundial, por meio de mer-
cados comuns ou blocos economicos, como a Uniao Eu-
ropeia (UE), 0 Acordo de Livre-Comercio da America
do Norte (Nafta), 0 Mercado Comum do Sul (Mercosul),
entre outros, e na deflagra<;:aoda abertura economica e
competi<;:aointernacional em rela<;:aoa diferentes elemen-
tos atuais da cadeia de produ<;:aoe de consumo: capital
de investimento, materia-prima, mao-de-obra qualifi-
cada, tecnologia, informa<;:aoe mercado sofisticado. Tais
elementos estao cada vez mais globalizados.
As TRANSFORMA~OES TECNICO-CIENTiFICAS. ECONOMICAS E POLiTICAS
A globaliza<;:aopressup6e, por isso, a submissao a uma
racionalidade economica baseada no mercado global
competitivo e auto-regulavel. Essa racionalidade econo-
mica exclui a regula<;:aodo mercado pelo Estado, ja que
entende que aquele tende a se equilibrar e se auto-regular
em razao da lei natural da oferta e da procura. Com 0
objetivo de adotar essa racionalidade, os paises terceiro-
mundistas devem, portanto, promover uma completa
desregulamenta<;:aoou desmonte dos mecanismos de pro-
te<;:aoe de seguran<;:ada economia nacional, em confor-
midade com 0 receituario neoliberal.
Essa batalha competitiva imposta, em parte, pela glo-
baliza<;:aonao significa, no entanto, que esteja em curso
urn processo de desestrutura<;:ao,desorganiza<;:aoe incoe-
saDdo capitalismo; ao contrario,
o capitalismo esta se tornando cada vez mais organiza-
do atraves da dispersiio, da mobilidade geografica e das
respostasJlexiveis nos mercados de trabalho, nos proces-
50S de trabalho e nos mercados de consumo, tudo acom-
panhado por pesadas doses de inova~iio tecnol6gica, de
produto e institucional (Harvey, 1992, p. 150-151).
No ambito politico-institucional, como veremos adian-
te, assiste-se aglobaliza<;:aodo poder por meio da forma<;:ao
de urn Estado global que tern por finalidade consolidar e
sustentar a nova ordem economica e politica mundial.
Todavia, a globaliza<;:aoe mais fortemente sentida e
percebida em manifesta<;:6escomo:
a) produtos, capitais e tecnologias sem identidade na-
cional;
b) automa<;:ao,informatiza<;:aoe terceiriza<;:aoda produ<;:ao;
c) implementa<;:ao de programas de qualidade total e de
produtividade (processos de reengenharia em vista de
maior racionalidade econ6mica);
11. Globaliza~ao dos mercados: inclusao ou exclusao?
Embora 0 termo globaliza<;:aopossa sugerir a ideia de
inclusao de todos os paises, regioes e pessoas que se ade-
quarem aos novos padroes de desenvolvimento capitalis-
ta, 0 que se percebe, de modo geral, e a logica de exclusao
da maio ria (pessoas, paises e regioes), que ocorre porque
essa etapa do capitalismo e orientada pela ideologia do
mercado livre. Rompendo fronteiras e enfraquecendo
governos, faz com que os mercados se unifiquem e se
dispersem, ao mesmo tempo em que impoe a logica da
exclusao, observada no mundo da produyao, do comer-
cio, do consumo, da cultura, do trabalho e das finanyas.
A marca mais distintiva dessa transformayao do capi-
talismo, no final do seculo XX e inicio do seculo XXI, e
a chamada acumularao flexivel do capital, que ocorre em
urn sistema integrado. Ela se caracteriza pela flexibilizayao
dos processos de trabalho e dos mercados de produtos
e de consumo, inaugurando novo modo de acumulayao.
Evidencia-se, nesse processo, a dispersao da produyao e
do trabalho, ao mesmo tempo em que tern lugar a desre-
gulamentayao e a monopolizayao da produ<;:ao - ou
seja, esta se da em uma pluralidade de lugares, mas com
controle unico (Harvey, 1992).
Esse processo ocorre, em grande parte, grayas a atua-
yao das corporayoes mundiais ou transnacionais, como
Mitsubishi, Mitsui, General Motors, Ford, Volkswagen,
Renault, Shell e outras, que atuam, praticamente, em to-
dos os paises. Os funcionarios, os predios, as maquinas
e os laboratorios dessas empresas estao, na maior parte
das vezes, em unidades fora do pais de origem, assim
como 0 faturamento que auferem. Essa dispersao geo-
grafica da produyao, no entanto, nao tern impedido a
migrayao de trabalhadores qualificados para os paises
centrais ou desenvolvidos, nos quais, em geral, se encon-
tram as sedes das corporayoes mundiais.
As corporayoes procuram no mundo (dispersao geo-
grafica) as condiyoes para investimento na produ<;:aoe
na comercializayao de mercadorias (busca de mercados),
em razao do aumento da competitividade e do estreita-
mento da margem de lucro. 0 resultado dessas transfe-
rencias de operayoes e a perda de identidade nacional das
mercadorias, do capital e das tecnologias, com a conse-
quente cria<;:aode urn sistema de produyao global que
universaliza necessidades, gostos, habitos, desejos e praze-
res.Assim, 0 mundo transforma-se cada vez mais em uma
fabrica e em urn shopping center global (Rattner, 1995).
Como caracteristicas da produyao global flexivel,per-
cebe-se, entre outras: a acelerayao do ritmo da inova<;:ao
do produto; a explora<;:aodos mercados sofisticados e de
pequena escala - produ<;:aode pequenas quantidades;
a introdu<;:ao de novas tecnologias e de novas formas
organizacionais; 0 aumento do poder corporativo; as
fusoes corporativas; a acelera<;:aodo tempo de giro da
produ<;:aoe a redu<;:aodo tempo de giro no consumo -
diminui<;:ao do tempo de uso do produto por causa de
sua menor durabilidade; a cria<;:aode novas necessida-
des de consumo por meio da propaganda; 0 consumo
individualizado e adequado as exigencias do cliente (Har-
vey, 1992).
A flexibilidade global da produ<;:ao,ocasionada pela
revolu<;:aotecnologica e pela globaliza<;:aoecon6mica,
tambem alcan<;:a0 mercado de trabalho. 0 trabalho des-
formaliza -se, dispersa -se, espalha -se, dessindicaliza -se,
d) demissoes, desemprego, subemprego;
e) recessao, desemprego estrutural, exclusao e crise social;
f) diminui<;:aodos salarios, diminui<;:aodo poder sindical;
elimina<;:ao de direitos trabalhistas e flexibiliza<;:aodos
contratos de trabalho;
g) desqualifica<;:aodo Estado (como promotor do desen-
volvimento econ6mico e social) e minimiza<;:aodas poli-
ticas publicas.
12. diversifica-se e torna-se cada vez mais escasso, apesar de
seu caniter ainda altamente nacional, criando uma ten-
sao basica no novo processo produtivo: de urn lado, as
demandas por eleva<;:ao da qualifica<;:ao do trabalhador,
em razao da organiza<;:ao mais horizontal do trabalho, das
multiplas tarefas, da necessidade de treinamento e de
aprendizagem permanente, da enfase na co-responsabi-
lidade do trabalhador; de outro, a cria<;:aode regimes e de
contratos mais flexiveis (redu<;:ao do emprego regular,
trabalho em tempo parcial, temporario ou subcontrata-
do, partilha do trabalho), 0 estabelecimento de politica
salarial flexivel, 0 crescimento da economia informal (no-
vas estrategias de sobrevivencia), 0 aumento de emprego
no setor de servi<;:os e de atividades aut6nomas, 0 retro-
cesso do poder sindical, 0 desemprego estrutural e/ou
tecno16gico, entre outros (Altvater, 1995). Portanto, essa
etapa do capitalismo, especialmente no tocante a flexi-
biliza<;:ao e a desregulamenta<;:ao do trabalho, consegue
acirrar duas contradi<;:oes basicas: educarao-explorarao
no novo processo produtivo e inclusao-exclusao social no
processo de globalizarao. Essas contradi<;:oes do contexto
atual nao deixam antever sua sintese, ou melhor, sua reso-
lu<;:aono interior do capitalismo.
Essa situa<;:ao do mercado de trabalho, portanto, e ex-
tremamente complexa, especialmente porque ja e forte
sua dependencia do movimento do mercado mundial.
Segundo Altvater (1995, p. 70), as tendencias em curso
apontam urn retrocesso da l6gica do trabalho em favor
da l6gica do mercado; nesta l6gica, "sao experimentadas
adequaroes das formas de emprego, dos periodos e horarios
de trabalho, da organizarao do trabalho e do sistema e nivel
de salarios as restriroes exteriores da concorrencia interna-
cional". A globaliza<;:ao da produ<;:ao passa a redefinir a
geografia do mercado de trabalho mundial. As corpora-
s:oes mundiais buscam lugares, condis:oes de produs:ao
e de consumo que sejam favoniveis as elevadas taxas de
lucro, especialmente mao-de-obra qualificada e barata,
mercado consumidor emergente, pouca ou nenhuma re-
gulamenta<;:ao do Estado para as rela<;:oes de trabalho e
fraca presen<;:a do movimento sindical.
Essas manifesta<;:oes do processo de globaliza<;:ao, bem
como as transforma<;:oes econ6micas associadas a revo-
lu<;:aotecno16gica, levam a crer que 0 homem parece estar
condenado a acabar, em grande parte, com 0 trabalho
manual e assalariado. Por isso, ja se apresenta 0 desafio de
pensar uma sociedade em que nao prevalecera essa for-
ma e rela<;:aode trabalho, ou melhor, em que sera cada vez
mais crescente a amplia<;:ao da produtividade, 0 desapa-
recimento do trabalho assalariado (sobretudo na indus-
tria e na agricultura) e a demanda por qualifica<;:ao nova
e mais elevada. As questoes que se impoem, entao, sac:
que fazer com as pessoas estruturalmente desempregadas
(massas human as exduidas e descartaveis para 0 sistema
atual de produ<;:ao)? Como redistribuir renda nacional
em urn tempo-espa<;:o em que se apregoa e se impoe a
minimiza<;:ao do Estado (como instrumento de equali-
za<;:ao), a perda de substancia real das democracias, a
amplia<;:ao do mercado (como instrumento unificador e
auto-regulador da sociedade global competitiva) e a ob-
sessao com 0 crescimento econ6mico acordado com os
interesses de acumula<;:ao do capital? Eis algo que inte-
ressa a todos e deve ser debatido pelo conjunto da socie-
dade e, especialmente, pe10s govern os.
A globaliza<;:ao do sistema financeiro e outra das mar-
cas tipicas do processo de globaliza<;:ao da economia. Ela
se expressa na crescente expansao dos fluxos financeiros
internacionais, isto e, na livre circula<;:aodo capital, sobre-
tudo nos paises chamados emergentes, perifericos ou em
desenvolvimento. Grandes somas de recursos atualmente
existentes no mundo encontram-se em posse dos ban-
cos, das corporas:oes, das organizas:oes e dos investido-
res internacionais, os quais, por sua vez, se tornam ca-
da vez mais livres para realizar transas:6es no mercado
13. financeiro intemacional, a fim de buscar formas de apli-
cac;:oeslucrativas em paises que se abrem ao capital exter-
no. Isso acontece porque 0 capital financeiro percorre
virtualmente 0 mundo por meio dos computadores, pro-
curando as melhores condic;:oes geopoliticas para sua
reproduc;:ao, ou melhor, para a gerac;:aode altas taxas de
lucro, como tambem para se resguardar de desequilibrios
economicos e fugir dos impostos.
A globalizac;:aofinanceira tern ocorrido, em grande
parte, grac;:asao empreendimento dos donos do capital
para tomar 0 sistema financeiro autonomo dos Estados
nacionais, evidentemente com a ajuda do programa do
neoliberalismo de mercado. Tal empreendimento mate-
rializa-se atualmente na abertura economica, com a desre-
gulamentac;:ao,a nao-intermediac;:ao e 0 desbloqueio (fim
das restric;:oeslegais), os quais permitem ao capital finan-
ceiro cruzar as fronteiras e circular livre e desimpedido.
A autonomizac;:ao da esfera financeira facilita a circu-
lac;:aodo capital ap<itrida (dinheiro sem Estado). Trata-se
de dinheiro gerando dinheiro sem passar pelos proces-
sos de produc;:aode mercadorias e de comercializac;:aodas
mercadorias produzidas, de uma lucratividade financeira
advinda puramente da compra e da venda de papeis.
Nesse sentido, Assmann (1993) afirma que e absurdo 0
predominio do capital financeiro especulativo sobre 0
produtivo (que e de apenas 7% a 9% do capital total); ha
dias em que apenas 5% dos bilhoes de d6lares que mu-
dam de titularidade nas quatro maiores bolsas do mun-
do tern que ver diretamente com a circulac;:aode bens e
de servic;:os.
A mobilidade do capital deixa os govemos fragilizados
e gera grande instabilidade nas economias dos paises
emergentes. As economias nacionais tomam-se cada vez
mais dependentes dos movimentos financeiros intema-
cionais, 0 que pode ser percebido nas poHticas moneta-
rias e cambiais adotadas e impostas a populac;:ao em
nome do ajuste economico e da reforma d9 Estado. A
instabilidade economica esta, portanto, associada, entre
outros aspectos, a luta por alocac;:aode recursos intema-
cionais, luta essa que tern atraido mais 0 dinheiro volatil
(capital especulativo) do que 0 capital para investimento
(capital produtivo). Em geral, 0 capital financeiro especu-
lativo, sem patria, traz permanente tensao as economias
nacionais dos paises emergentes, que se tomam refens
desse tipo de capital.
Globaliza<;aodo poder: 0 Estado global e a nova
ordem economica mundial
A globalizac;:aotambem ocorre no ambito do poder.
Atualmente, ja e possivel perceber com maior clareza os
arranjos e a configurac;:ao da nova ordem economica e
politica mundial. Tal configurac;:aodeve-se, sobretudo, ao
avanc;:odo neoliberalismo de mercado, a queda do socia-
lismo real, no final da decada de 80, ao desmonte da or-
dem economica constituida pelos Estados nacionais, a
partir da Segunda Guerra Mundial, e a globalizac;:aodo
sistema de mercado, mediante a globalizac;:aodo capital.
A abertura economica e a crescente limitac;:ao dos
poderes dos Estados nacionais tern como extensao a
ampliac;:aoda autonomia do mercado mundial, a inter-
dependencia economica e 0 aumento do poder trans-
nacional. 0 poder decis6rio do capital transnacional nao
e desconcentrado e desarticulado, como pode parecer
em urn primeiro momento; ao contrario, e cada vez mais
articulado e concentrado.
De urn lado, 0 poder das sociedades neoliberais con-
centra-se, crescentemente, nas forc;:asde mercado, ou seja,
nos grandes grupos financeiros e industriais (corpora-
c;:oes),os quais, em combinac;:ao com 0 Estado, definem
as estrategias de desenvolvimento, incluindo as reestru-
turac;:6esecon6micas e os ajustes poHtico-financeiros.
14. De outro lado, 0 poder de decisao ocorre nas instan-
cias mundiais de concentrayao do poder economico, po-
litico e militar, como a Organizayao das Nayoes Unidas
(ONU),o grupo dos sete paises mais ricos ou poderosos
(G-7), a Organizayao do Tratado do Atlantico Norte
(Otan),o Fundo Monetirio Internacional (FM!), 0 Banco
Mundial (Bird), 0 Acordo Geral de Tarifas e Comercio
(Gatt), a Organizayao de Cooperayao e Desenvolvimento
Economico (OCDE) e a Organizayao Mundial do Co-
mercio (OMC). Alem dessas instancias, e preciso consi-
derar, ainda, 0 papel socioideol6gico desempenhado por
outras organizayoes mundiais, como a Organizayao da
ONU para a Educayao, Ciencia e Cultura (Unesco), a
Organizayao Mundial de Saude (OMS), a Organizayao
Internacional do Trabalho (OIT), bem como as organiza-
yoes nao-governamentais (ONGs). Ha, em geral, perfeita
simbiose entre os interesses das corporayoes transna-
cionais e a tomada de decisao nas instancias superiores
de concentrayao do poder mundial, sobretudo naquelas
que tratam dos assuntos economicos e militares.
As corporayoes transnacionais e as instancias supe-
riores de concentrayao de poder san cada vez mais cons-
tituintes, ordenadoras e controladoras da nova ordem
mundial. Com poder de deliberayao, em ambito mun-
dial, no campo economico, politico e militar, impoem e
monitoram aspoliticas de ajustes do projeto sociopolitico-
economico do neoliberalismo de mercado, ou melhor,
dos interesses da burguesia mundial.
Os paises ricos ou primeiro-mundistas desempe-
nham papel ativo na criayao e na sustentayao dessa so-
ciedade politica global, com especial destaque para a
posiyao determinante do grupo dos sete paises mais ricos
ou poderosos do mundo (G-7: Estados Unidos, Canada,
Japao, Alemanha, Inglaterra, Franya e Italia) nas instan-
cias superiores do poder mundial, como mostra 0 esque-
ma proposto por Steffan (1995, p. 518).
o Estado Global
I
Governo global
I
Grupo G-7
I
Estrutura executiva
I
Politico
I
Sociallideol6gico
ONU
Assembleia Geral
Secretaria Geral
Corte Internacional de Justis;a
Unesco
OMS
Oil
I
Militar
Bird
FMI
OCDE
OMC
Gatt
ONU
Conselho de
Segurans;a
Embora ocorram conflitos por causa de interesses
divergentes, as decisoes do G-7, no tocante a nova ordem
economica mundial, correspondem a cota de poder de
cada pais no interior do Estado global. Desse modo, essas
potencias mundiais tern conseguido:
a) atender aos interesses do capital transnacional;
b) controlar os riscos da sociedade global;
c) instalar urn sistema de rapida advertencia aos merca-
dos emergentes de paises do terceiro-mundo;
d) impor uma hierarquia de poder transnacional;
e) implementar as politicas neoliberais nos paises ter-
ceiro-mundistas e disseminar a visao de mundo neolibe-
ral, isto e, de uma sociedade regida pelo livre mercado.
15. 3. Neoliberalismo: 0 mercado como
principio fundador, unificador
e auto-regulador da sociedade
da igualdade. Alternando-se conforme 0 estagio de
desenvolvimento e de adapta~ao, ambos tern impul-
sionado e sustentado ideologicamente determinados
processos de moderniza~ao. De modo geral, percebe-se
que 0 paradigma da liberdade economica, da eficiencia e
da qualidade tern prevalecido nos momentos em que 0
capitalismolliberalismo e mais concorrencial, ao passo
que 0 paradigma da igualdade tern sido mais hegemoni-
co nos momentos em que 0 capitalismolliberalismo e
mais estatizante-democratico.
Dessa forma, com 0 auxilio dos dois paradigmas, 0 li-
beralismo tern demonstrado capacidade de adaptar-se,
de incorporar criticas e de mudar de significado em cada
momenta (tempo e espa~o) pr6prio do desenvolvimento
do capitalismo, expressando sempre uma visao de mundo
que ordene e mantenha a sociedade capitalista como uma
realidade definitiva que se aperfei~oa para 0 bem comum.
Embora pare~am antagonicos em alguns momentos
hist6ricos, os dois paradigm as tern basicamente a mesma
origem e, na essencia, semelhantes germes constitutivos.
Os germes constitutivos do paradigma da liberdade eco-
nomica, da eficiencia e da qualidade sao percebidos com
maior visibilidade no Iluminismo, no liberalismo classico
(com J. Locke e A. Smith), no liberalismo conservador e
no positivismo, enquanto os constitutivos do paradig-
ma da igualdade estao mais presentes no Iluminismo, no
liberalismo classico (com J. J. Rousseau) e na Revolu~ao
Francesa.
Ha, no entanto, uma percep~ao mais clara dos dois
paradigmas quando se voltam os ollios para as condi~6es
objetivas do mundo ap6s a Segunda Guerra Mundial.
Nesse contexto, 0 capitalismo monopolista de Estado,
com seu social-liberalismo ou Estado de bem-estar social,
tern como dimensao discursiva 0 paradigma da igual-
dade, e 0 capitalismo concorrencial global, com seu neoli-
beralismo de mercado, tern como discurso 0 paradigm a
da liberdade economica, da eficiencia e da qualidade.
E possivel dizer que 0 capitalismolliberalismo vem
assumindo duas posi~6es classicas que se revezam: uma
concorrencial e outra estatizante, muito embora seja
comum encontrar classifica~6es que apresentam quatro
etapas de desenvolvimento, como vimos na sintese de
estudo sobre 0 capitalismo.
As duas posi~6es ou macrotendencias (a concorren-
cial e a estatizante) vem orientando historicamente os
projetos de sociedade capitalista-liberal, de educa~ao e
de sele~ao dos individuos. A prirrieira delas, a concor-
rencial, cuja preocupa~ao central e a liberdade econo-
mica (economia de mercado auto-regulavel), define-se
nas seguintes caracteristicas: a livre concorrencia e 0
fortalecimento da iniciativa privada com a competitivi-
dade, a eficiencia e a qualidade de servi~os e produtos;
a sociedade aberta e a educa~ao para 0 desenvolvimento
economico em atendimento as demandas e as exigencias
do mercado; a forma~ao das elites intelectuais; a sele~ao
dos melhores, baseada em criterios naturais de aptid6es
e capacidades. A segunda tendencia, a estatizante, apre-
senta caracteristicas cuja preocupa~ao central e de con-
teudo igualitarista-social, com 0 objetivo de: efetivar uma
economia de mercado planejada e administrada pelo
Estado; promover politicas publicas de bem-estar social
(capitalismo social); permitir 0 desenvolvimento mais
igualitario das aptid6es e das capacidades, sobretudo por
meio da educa~ao e da sele~ao dos individuos baseada
em criterios mais naturais.
o desenvolvimento hist6rico das duas macrotenden-
cias leva-nos, ainda, a perceber a existencia de dois para-
digmas de condu~ao de projetos diferenciados de moder-
niza~ao capitalista-liberal: 0 paradigma da liberdade
economica, da eficiencia e da qualidade e 0 paradigma
16. No periodo entre as guerras mundiais, em que surge
a expressao neoliberalismo, duas tendencias liberais esta-
yam presentes: uma que aparece como reas:ao ao libe-
ralismo conservador e ao positivismo (e assimila teses
socialistas) e outra fiel ao liberalismo de J. Locke eA.
Smith, com pinceladas do conservadorismo, do autorita-
rismo e do elitismo (liberalismo conservador/positivis-
mo). E possivel notar que essas duas perspectivas se
op6em na ados:ao de as:6espoliticas, economicas, sociais
e culturais, para obter hegemonia na condus:ao de urn
projeto de modernizas:ao capitalista.
A primeira tendencia, 0 novo liberalismolsocial-
liberalismo, que tern J. Dewey (1859-1952) eM. Keynes
(1883-1946) como maio res expoentes, assume a hege-
monia ideol6gica na sociedade capitalista da Segunda
Guerra Mundial ate a primeira metade da decada de 70,
quando, entao, comes:aa se esgotar. A segunda, 0 neolibe-
ralismo de mercado (conservador e elitista), cujo maior
expoente e F.A. Hayek, sai de seu estado de hibernas:ao
para dar novo folego e solus:6es a crise mundial da deca-
da de 70, akans:ando seu ponto mais alto nos governos de
Ronald Reagan (EUA) e Margaret Thatcher (Inglaterra).
Vale ressaltar, todavia, dois aspectos fundamentais:
primeiro, 0 neoliberalismo teorizado por Hayek nao sig-
nifica 0 fim do novo liberalismolsocial-liberalismo de
Keynes e Dewey ou mesmo uma negas:ao de todos os fun-
damentos do liberalismo c1<issico,e sim uma nova, gran-
de e complexa rearticulas:ao do liberalismo, imposta
pela nova ordem economica e politica mundial; segundo,
e comum, atualmente, 0 uso da expressao neoliberalis-
mo em referencia ao liberalismo de Keynes e Dewey ou
ao neoliberalismo de Hayek e de organismos interna-
cionais como aNU, FMI e Banco Mundial. Pode-se falar,
entao, do estabelecimento de uma dicotomia neolibe-
ral, sobretudo no campo das ideias, a partir da Segunda
Guerra Mundial.
a esquema abaixo seguir sintetiza os aspectos cen-
trais considerados.
Macrotendencias do capitalismo/liberalismo
I
I
Paradigma(s)
I
I
Liberdade economica,
efici€lncia e qualidade
I
Tendencias p6s-Segunda Guerra Mundial
I
Reac;:6esafirmadoras do
liberalismo conservador
Reac;:6es contrarias ao
liberalismo conservador
a quadro seguinte procura, com base em algumas
categorias fundamentais (economia, Estado, demo cra-
cia, por exemplo), caracterizar os dois paradigmas basicos
identificados em projetos de modernizas:ao do capitalis-
mo/liberalismo. E precise ressaltar, no entanto, que hci
uma tensao hist6rica permanente entre os dois paradig-
mas, ou melhor, entre os dois projetos de moderniza<;:ao
liberal-capitalista, 0 que pode nao ficar evidenciado
visualmente.
17. Neoliberalismo
de mercado
Social-liberalismo/ Neoliberalismo
Novo liberalismo de mercado
d) Educa<;oo d) Educa<;oo
• enfase na escola unica, publica, • enfase no ensino privado, na
gratuita, laica, universal e obrigat6- escola diferenciada/ dual e na for-
ria; democra~co-popular; forma<;oo ma<;oo das elites intelectuais; forma-
para a cidadania; planifica<;oo dos <;00 para 0 atendimento das de-
sistemas de ensino; mandas/exigencias do mercado;
e) Sele<;oo dos individuos e) Sele<;oo dos individuos
• sele<;oodas capacidades, basea- • sele<;oo dos melhores, baseada
da em criterios naturais de apti- em criterios naturais de aptidoo e
doo e de inteligencia; desenvolvi- de inteligencia; elitismo psicocultu-
mento igualitario; ral (seletividade meritocratica);
f) Direito f) Direito
• enfase no direito publico, na jus- • enfase no direito privado, na
ti<;a social, na propriedade coleti- propriedade privada; na lei como
va; a lei como instrumento da igual- instrumento da igualdade formal;
dade formal/real;
g) Governo g) Governo
• governo democratico, coletivis- • governo limitado;
ta, igualitarista;
h) Prindpios h) Prindpios
• enfase na igualdade de oportu- • enfase na liberdade, na pro-
nidades, na democracia popular, priedade, na individualidade (direi-
na justi<;a social, na etica comu- tos naturais)' na economia de mer-
nitaria e na equidade social. cado auto-regulavel e na socieda-
de aberta.
L1BERALISMO/ CAPITALISMO
Projetos de moderniza<;ao
Social-liberalismo/
Novo liberalismo
Paradigma da igualdade de opor-
tunidades.
Tendencia capitalista-Iiberal esta-
tizante e democratica que imprime
um projeto de moderniza<;oo ca-
racterizado por:
a) Economia
• economia de mercado planejada
e administrada palo Estado; eco-
nomia mais coletivista/ socializada;
b) Estado
• Estado de bem-estar social: inter-
venter, regulador, organizador e pla-
nejador da economia; provedor do
pleno emprego e do cresci mento,
da educa<;oo, da saude, da assis-
rencia aos desempregados, etc.;
c) Democracia
• ideal de democracia direta (Rous-
seau): governo do povo, pelo povo
e por intermedio do povo; democra-
cia politico-social (participa<;oo politi-
ca e democratiza<;ao da sociedade);
democracia substancial (refere-se ao
conteudo da forma de governo);
Paradigma da liberdade economi-
ca, da eficiencia e da qualidade.
Tendencia capitalista-liberal concor-
rencial e elitista-conservadora que
imprime um projeto de moderniza-
<;00caracterizado per:
a) Economia
• economia de mercado auto-re-
gul6vel: livre concorrencia; fortaleci-
mento da iniciativa privada com
enfase na competitividade, na efi-
ciencia e na qualidade de servi<;os
e produtos;
b) Estado
• Estado minimalista, com tres
fun<;oes: policiamento, justi<;a e
defesa nacional; projeto de deses-
tatiza<;oo, desregulamenta<;ao e
privatiza<;ao; desqualifica<;oo dos
servi<;ose das politicas publicas;
c) Democracia
• ideal de democracia indireta
(Tocqueville: governo representati-
yo); enfase na democracia politica:
democracia formal (refere-se a
forma de governo);
18. o paradigma da igualdade
o paradigma da igualdade (na 6tica liberal), ou me-
lhor, da igualdade de oportunidade, nao surge de uma
hora para outra. Nasce com 0 ideal de isonomia dos gre-
gos, reaparece com vigor revolucionario no Iluminismo,
e assumido como questao central no pensamento de
Rousseau, como principio basico na corrente demo cra-
tica da Revolw;:aoFrancesa e como meta a ser alcan<;:ada
pela a<;:aogovernamental do novo liberalismo/social-libe-
ralismo, ap6s a Segunda Guerra Mundial.
A tradi<;:aoliberal democratica, igualitarista, desde
cedo, adotou 0 estatismo como forma de assegurar a exis-
ten cia da sociedade livre, mediante certa igualdade nas
condi<;:5esmateriais de existencia. Ha a tentativa de conce-
der a todos os individuos as mesmas oportunidades e, se
possivel, identicas condi<;:5esde desenvolvimento. Acre-
dita-se que a democracia politica s6 seja exeqiiivel com
algum nivel de democracia social, economica e cultural.
o ideal democratico-igualitarista s6 se efetivou mais
concretamente com a fase do capitalismo monopolista de
Estado (novo liberalismo/social-liberalismo), sobretudo
no periodo que vai de 1945 a 1973 (fordismo e keyne-
sianismo). Trata-se de periodo embalado por certa fe no
paradigma da igualdade.
No ambito da economia, assiste-se ao crescimento e
ao fortalecimento do Estado, com 0 objetivo de inter-
ven<;:ao,de planejamento, de coordena<;:ao e de parti-
cipa<;:aona esfera economica. Nesse sentido, 0 Estado
desempenha fun<;:5esmultiplas: regula os monop6lios e
intervem, quando preciso; executa 0 planejamento ma-
croeconomico em busca da economia planificada; coor-
den a a divisao social do trabalho e as politicas de renda
e de pleno emprego, para ampliar a socializa<;:aodas for-
<;:asprodutivas; e, tambem, participa da esfera economica,
com a prodw;:ao de bens e servi<;:os.
A sustenta<;:aopolitica desse modelo economico da-se
por meio do novo liberalismo/social-liberalismo ou Esta-
do de bem-estar social. 0 ideal e a constitui<;:aode uma
sociedade democratica, moderna e cientifica que, efeti-
vamente, garanta a liberdade, a igualdade de oportuni-
dade, 0 desenvolvimento individual e a seguran<;:ados
cidadaos e de seus bens. A f6rmula politica e a da demo-
cracia da representa<;:ao,em que 0 povo escolhe pelo su-
fragio universal os que exercerao 0 poder. Essa f6rmula
s6 se sustenta, no entanto, com uma moral solidaria e
agregadora entre os cidadaos da democracia e se houver
certa socializa<;:aoda economia que forne<;:aas condi<;:5es
materiais de existencia.
A moderniza<;:ao economica capitalista p6s-Segunda
Guerra Mundial, que requer maior socializa<;:aodo con-
sumo para 0 desenvolvimento economico, depositou
maior confian<;:ana educa<;:aoem vista das mudan<;:asna
economia e no mercado de trabalho. A forma<;:aode sis-
temas nacionais de educa<;:aoe a expansao do ensino,
nesse periodo, surgiram por decorrencia. A igualdade de
acesso tern sido perseguida em todos os graus e moda-
lidades de ensino.
as defensores do liberalismo social acreditavam que,
por meio da universaliza<;:aodo ensino, seria possivel
estabelecer as condi<;:5esde institui<;:aoda sociedade de-
mocratica, moderna, cientifica, industrial e plenamente
desenvolvida. A amplia<;:aoquantitativa do acesso a edu-
ca<;:aogarantiria a igualdade de oportunidades, 0 maxi-
mo do desenvolvimento individual e a adapta<;:aosocial
de cada urn conforme sua inteligencia e capacidade.
Desse modo, havendo uma base social que tornasse a
sociedade mais homogenea e democratizasse igualmente
~odas as oportunidades, a sele<;:aodos individuos e seu
Julgamento social ocorreriam naturalmente.
Embora 0 capitalismo ocorra tardiamente no Brasil
- sobretudo a partir da Revolu<;:aode 30, com 0 proces-
so de industrializa<;:ao e de urbaniza<;:ao -, e possivel
perceber, no contexto da Era Vargas (1930-1945) e depois
Com a ideologia do desenvolvimentismo e do naciona-
lismo populista (1945-1964), as marcas do movimento
19. mundial do capitalismo monopolista de Estado e do
social-liberalismo/novo liberalismo. Nesse momenta da
vida nacional, sucede a tentativa de transformar a socie-
dade tradicional e arcaico-rural em uma sociedade mo-
derna e urbano-industrial.
o Estado brasileiro, no periodo de 1930-1964, expan-
diu-se, a fim de nacionalizar e desenvolver a economia
brasileira, particularmente a industrializa~ao, por meio
da substitui~ao das importa~6es. Passou, tambem, a ado-
tar programas de educa~ao e de saude publica, de assis-
tencia a agricultura, de regula~ao dos pre~os, de seguros
sociais e outros. Criou ainda uma legisla~ao trabalhista
que fez concess6es ao proletariado, assegurando direi-
tos sociais como sahirio minima, ferias remuneradas e
aviso previo. De maneira geral, no periodo populista am-
pliaram-se os direitos sociais, economicos e politicos dos
cidadaos, em que pesem os sinuosos caminhos de cons-
titui<;:aoda democracia no Pais, nesse periodo.
Atualmente, as profundas mudan<;:asno capitalismo
rnundial- sobretudo nas duas ultimas decadas -, que
recriam 0 mercado global sobre novas bases, imp6em 0
paradigma da liberdade economica, da eficiencia e da
qualidade como mecanismo balizador da competitivi-
dade que deve prevalecer em uma sociedade aberta.
Eficiencia e qualidade saGcondi~6es para a sobreviven-
cia e a lucratividade no mercado competitivo. Por isso,
o paradigma em questao vem afirmando-se no mundo
da produ<;:ao,do mercado e do consumo, sendo perse-
guido por todos os que querem se tornar competitivos
em qualquer area.
o paradigma da liberdade economica, da eficiencia e
da qualidade vem servindo, tambem, para reordenar a
a~ao do Estado, limitando, quase sempre, seu raio de a~ao
em termos de politicas publicas. E 0 caso, por exemplo,
da educa~ao. Se, ap6s a Segunda Guerra Mundial, 0
objetivo era certa igualdade, com a universaliza~ao do
ensino em todos os graus, agora se fala em universaliza-
~ao do ensino fundamental. Se, na decada de 1950, foi
utilizado 0 discurso da igualdade para expansao do ensi-
no, em atendimento a determinada moderniza<;:ao eco-
nomica, agora se faz uso do discurso da eficiencia e da
qualidade para conter a expansao educacional publica e
gratuita, sobretudo no ensino superior, tendo como fim
outro projeto de moderniza<;:ao economica. Como se
julga 0 Estado falido e incompetente para gerir a edu-
ca<;:ao,resolve-se transferi-la para a iniciativa privada,
que, naturalmente, busca a eficiencia e a qualidade.
Igualdade de acesso ou universaliza~ao do ensino em
todos os niveis e qualidade de ensino ou universaliza<;:ao
da qualidade aparecem como antiteses. Nao e possivel
ampliar os indices de escolariza~ao e dar condi<;:6esde
permanencia na escola e na universidade com 0 mesmo
nivel de qUalidade e de eficiencia, em razao da diversidade
e das condi<;:6esexistentes no contexto atual' Seria preciso,
entao, hierarquizar e nivelar por cima, ou seja, pela ex-
ce1encia,tornando 0 sistema de ensino competitivo.
o paradigma da liberdade economica,
da eficiencia e da qualidade
o paradigma da liberdade economica, da eficiencia e
da qualidade teve sua origem, a rigor, na genese do modo
de produ<;:aocapitalista e, consequentemente, no modo de
vida liberal-burgues. 0 processo produtivo capitalista,
desde seu inicio, acentuou a relevancia da iniciativa pri-
vada no sistema produtor de mercadorias, em contra-
posi~ao ao modo de produ<;:ao feudal e as excessivas
interferencia, regulamenta<;:aoe centraliza<;:aoexercitadas
pelo Estado absolutista no setor economico. 0 modo de
produ<;:aocapitalista requereu, inicialmente, urn merca-
do livre (auto-regulavel), em uma sociedade aberta, em
que prevaleceria a livre competi<;:ao.Ja nesse momento,
eficiencia e qualidade de produtos e servi<;:oseram indi-
cadas como germes ou criterios para reger a concorren-
cia do mercado e definir 0 grau de competitividade de
cada empresa.
20. Todavia, a necessidade de criar uma cultura tecnol6-
gica para a expansao do capital, alem da requalifica<;:ao
dos trabalhadores e da amplia<;:ao do mercado de con-
sumo, tern real<;:ado a importancia da universaliza<;:ao do
ensino fundamental com base em tres principios: efi-
ciencia, equidade e qualidade. Tais principios aparecem
claramente, por exemplo, no documento Satisfa~iio das
necessidades basicas de aprendizagem: uma visiio para 0
decenio de 1990 e na Declara~iioMundial sobre Educa~iio
para Todos, realizada em Jontien, Tailandia (de 5 a 9 de
mar<;:ode 1990), nos documentos da Unesco Transforma-
~iioprodutiva com eqiiidade (1990) e Educa~iio e conhe-
cimento: eixo da transforma~iio produtiva com eqiiidade
(1992) e ainda no Plano Decenal de Educa~iiopara Todos,
documento do Ministerio da Educa<;:ao, datado de
junho de 1990. Parece haver uma jun<;:ao entre os dois
paradigmas capitalista-liberais no tocante ao ensino
fundamental, com 0 fim de atender as demandas e as
necessidades dessa nova fase do projeto de moderniza-
<;:aocapitalista.
Organismos multilaterais (por exemplo, Banco Mun-
dial, Unesco, Comissao Economica para a America Latina
- Cepal) e nacionais (Federa<;:ao das Industrias do Esta-
do de Sao Paulo - Fiesp, Confedera<;:ao Nacional da
Industria - CNI, Ministerio da Educa<;:ao - MEC,
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
- Inep, Ministerio do Trabalho - MTB, entre outros)
difundiram em seus documentos de orienta<;:ao das poli-
ticas de educa<;:ao, especialmente no decorrer da decada
de 90, a nova agenda e a nova linguagem da articula<;:ao
da educa<;:aoe da produ<;:ao do conhecimento com 0 novo
processo produtivo. A expansao da educa<;:ao e do conhe-
cimento, necessaria ao capital e a sociedade tecnol6gica
globalizada, ap6ia-se em conceitos como moderniza<;:ao,
diversidade, flexibilidade, competitividade, excelencia, de-
sempenho, eficiencia, descentraliza<;:ao, integra<;:ao, auto-
nomia, equidade, etc. Esses conceitos e valores encontram
fundamenta<;:ao, sobretudo, na 6tica da esfera privada,
tendo que ver com a 16gica empresarial e com a nova
ordem economica mundial.
As mudan<;:as no ambito da produ<;:ao, em razao do
avan<;:oda ciencia e da tecnologia, tern gerado uma situa-
<;:aode competitividade no mercado mundial. Instalou-
se, como vimos anteriormente, urn novo paradigma
produtivo em nivel mundial, 0 qual implica profundas
mudan<;:as na produ<;:ao, na aprendizagem, na difusao do
conhecimento e na qualidade dos recursos humanos. A
competitividade instalada e requerida pelo capital trans-
nacional passa, cada vez mais, pelo desenvolvimento do
conhecimento e pela forma<;:ao de recursos humanos,
atribuindo pape1 central a educa<;:ao. Nesse sentido, a
orienta<;:ao do Banco Mundial (1995) tern sido a de
educar para produzir mais e melhor. Para 0 banco, 0
investimento em educa<;:ao, em uma sociedade de livre
mercado, permite 0 aumento da produtividade e do cres-
cimento economico, como se evidencia em certos pai-
ses do Sudeste Asiatico, como Indonesia, Singapura,
Malasia e Tailandia.
Os defensores do neoliberalismo de mercado, no cam-
po da educa<;:ao, julgam que a expansao educacional
ocorrida a partir da Segunda Guerra Mundial, embalada
pe10 paradigma da igualdade, conseguiu promover certa
mobilidade social por algum tempo, mas pouco contribuiu
para 0 desenvolvimento economico. Houve, tambem,
crescente perda da qualidade de ensino, demonstrada,
por exemplo, em altas taxas de reprova<;:ao e de evasao.
Outrossim, a capacita<;:ao instituida no p6s-guerra nao
acompanhou os avan<;:os do sistema produtor de mer-
cadorias, ficando, desse modo, obsoleta e burocratica.
Os arautos desse tipo de neoliberalismo afirmam, entao,
que 0 sistema de educa<;:ao se encontra isolado, 0 que
dificulta 0 avan<;:oda capacita<;:ao e da aquisi<;:aodos novos
conhecimentos cientifico- tecno16gicos.
21. Neoliberalismo e educa<;:ao:reformas
e 'politicas educacionais de ajuste
A reorganizayao do capitalismo mundial, para a
globalizayao da economia, assim como 0 discurso do
neoliberalismo de mercado e das mudanyas tecnico-
cientificas trouxeram novas exigencias, novas agendas,
novas ayoes e novo discurso ao setor educacional, so-
bretudo a partir da decada de 80. Esse novo momento
evidencia a crise de urn modelo societario capitalista-
liberal estatizante e democratico-igualitarista que dire-
cionou, de certa forma, 0 projeto de modernizayao a
partir da Segunda Guerra Mundial.
Neste t6pico, procuraremos evidenciar e analisar essa
nova configurayao estrutural e educacional por meio da
percepyao hist6rico-critica de dois paradigmas de mo-
dernizayao capitalista-liberal: 0 paradigma da liberdade
economica, da eficiencia e da qualidade e 0 paradigma
da igualdade. Atualmente, as exigencias impostas pelo
novo sistema produtivo ao setor educacional realyam a
tensao entre esses dois paradigmas, sobretudo no que
diz respeito a efetivayao de uma educayao de qualidade
para todos.
Como ja ressaltamos, 0 paradigma da liberdade eco-
nomica, da eficiencia e da qualidade explicita-se mais
concretamente no neoliberalismo de mercado. Este, por
sua vez, tern como maiores defensores os liberistas, ou
seja, os liberais que acreditam que sem a liberdade de
mercado (economia auto-regulavel) as demais liber-
dades nao podem ser asseguradas. Para os liberistas, 0
fim do socialismo real, no final da decada de 80, repre-
senta a vit6ria do capitalismo e, conseqiientemente, a
supremacia da sociedade aberta regida pelas leis de mer-
cado. A economia de mercado auto-regulavel deve, por-
tanto, se expandir e se generalizar. 0 mercado deve ser 0
principio fundador, unificador e auto-regulador da nova
ordem economica e politica mundial.
Os elementos de constituiyao dessa nova ordem
mundial e desse novo tempo podem ser encontrados no
ambito da economia, da politica e da educayao. Como
ja tratamos das t:ransformayoes economicas anterior-
mente, limitar-nos-emos, a seguir, a considerar mais al-
guns elementos no ambito da politica e da educayao que
informam sobre 0 neoliberalismo de mercado e sobre
seu programa educacional. 0 quadro abaixo antecipa,
resumidamente, referencias basicas sobre 0 neolibera-
lismo de mercado.
NEOLIBERALISMO DE MERCADO
CONCEITUA<;:AO
Denominac;:oode uma corrente doutrinaria do Iiberalismo que se opee
ao social-liberalismo e/ou novo liberalismo (modelo economico key-
nesiano) e retoma algumas das posic;:6esdo liberalismo c1assicoe do
Iiberalismo conservador, preconizando a minimizac;:oodo Estado, a
economia com plena liberac;:oodas forc;:asde mercado e a liberdade
de iniciativa economica.
ORIGEM
o termo neo/ibera/ismo surgiu nas decadas de 30-40, no contexto da
recessoo (iniciada com a quebra da Boisa de Nova York, em 1929)
e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Reapareceu como pro-
grama de governo em meados da decada de 70, na Inglaterra
(governo Thatcher), e no inkio da decada de 80, nos Estados Unidos
(governo Reagan). Seu ressurgimento deveu-se a crise do modelo
economico keynesiano de Estado de bem-estar social ou Estado de
servic;:os.Tal modelo tornara-se hegemonico, a partir do termino da
Segunda Guerra Mundial, defendendo a intervenc;:oodo Estado na
economia com a finalidade de gerar democracia, soberania, pleno
emprego, justic;:asocial, igualdade de oportunidades e a construc;:oo
de uma etica comunitaria solidaria. Desde os governos de Thatcher e
Reagan, as ideias e propostas do neoliberalismo de mercado passaram
a inRuenciara politica economica mundial, em razoo, sobretudo, de sua
adoc;:ooe imposic;:oopelos organismos financeiros internacionais, como
o Fundo Monet6rio Internacional e 0 Banco Mundial ou Bird.
22. A EDUCA<;AO ESCOLAR NO CONTEXTO DAS TRANSFORMA<;OES DA SOCIEDADE CONTEMPORANEA
PENSADORES
LudwigYon Mises; Friedrich Yon Hayek; Milton Frieedman.
CARACTERISTICAS
Critica 0 paternalismo estatal e a crescente estatizac;ao e regulaC;ao
social que atuam sobre as liberdades fundamentais do individuo .por
meio de interferencias arbitrarias (governo i1imitadol,pondo em nsco
a liberdade politica, economica e social (Hayek). A liberdade econo-
mica e tida como condic;ao para a existencia das demais liberdades,
como a politica, a individual, a religiosa, etc. Desse modo, 0 merca-
do e tido como principio fundador, auto-unificador e auto-regulador
da sociedade.
Defende a economia de mercado dinamizada pela empresa privada,
ou melhor,a Iiberdade total do mercado, e ainda 0 governo Iimitado, 0
Estado minimo e a sociedade aberta, concorrencial/competitiva.
Op6e·se radicalmente as politicas estatais de universalidade, ~gual-
dade e gratuidade dos servic;os sociais, como saude, segundade
social e educac;ao.
Trac;osmais evidentes do projeto politico-economico-social do neoli-
beralismo de mercado:
• desregulamentac;ao estatal e privatizac;ao de bens e servic;os;
• abertura externa;
• liberac;ao de prec;os;
• prevalencia da iniciativa privada;
• reduc;ao das despesas e do deficit publicos;
• flexibilizac;ao das relac;6es trabalhistas e desformalizac;ao e infor-
malizac;ao nos mercados de trabalho;
• cortesdos gastos sociais,eliminando programas e reduzindo beneficios;
• supressao dos direitos sociais;
• programas de descentralizac;ao com incentivo aos processos de pri-
vatizac;ao;
• cobranc;a dos servic;ospublicos e remercantilizac;ao dos beneficios
sociais;
• arrocho salarial/queda do salario real.
No terreno politico, os governos de Reagan (Partido
Republicano), nos Estados Unidos, e Thatcher (Partido
Conservador), na Inglaterra, demarcaram a virada para
o neoliberalismo de mercado. Houve, nesse momento,
uma rejei<;aodo liberalismo social-democrata de tenden-
cia igualitarista e estatizante, promotor do Estado de bem-
estar social. 0 papel do Estado foi posta em segundo
plano, ao mesmo tempo em que se priorizou 0 livre curso
das leis de mercado por meio da valoriza<;ao da inicia-
tiva privada. Na Inglaterra, por exemplo, a revolu<;ao
neoliberal privatizou todos os bens e servi<;ose procu-
rou banir a heran<;a intervencionista. Para Thatcher, 0
ideal da revolu<;aoneoliberal era 0 de produzir urn capi-
talismo popular, ou seja, de fazer de cada cidadao urn
proprietario e, portanto, urn capitalista. A privatiza<;ao
de estatais na Inglaterra, segundo a "Dama de Ferro", teria
sido urn born exemplo de capitalismo popular, pois
permitiu que mais da metade dos trabalhadores pudes-
sem adquirir a<;6esdas empresas em que trabalhavam,
por ocasiao de sua privatiza<;ao.
Essa orienta<;ao exerceu e continua a exercer forte
influencia sobre os paises do Terceiro Mundo, especial-
mente na America Latina, apesar de seu fracasso ter sido
demonstrado, ja ha algum tempo, nos paises em que
nasceu. E 0 que se verificou com a queda de Thatcher e
com a altera<;ao que George Bush imprimiu ao progra-
ma republicano de Reagan.
o conflito, no entanto, continuou. 0 fracasso dessa
politica neoliberal acentuou-se nos Estados Unidos com a
elei<;aode Bill Clinton (mediante urn programa social-
democrata) e, na Inglaterra, com a elei<;aode Tony Blair,
do Partido Trabalhista. Na America Latina, por sua vez,
assimilou-se a ideia de que os paises que conseguiram
juntar liberalismo e democracia representativa sac os
desenvolvidos, pois sofreram transforma<;:6es econo-
micas aliadas a transforma<;:6es politicas. A sugestao
oferecida, portanto, e a de os paises subdesenvolvidos
23. A EDUCAc;:Ao ESCOLAR NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAC;:OES DA SOCIEDADE CONTEMPOAANEA
voltarem as tradiyoes liberais para encontrar 0 proprio
desenvolvimento economico. Exemplos da adoyao dessa
orientayao multiplicam-se na America Latina: Chile,
Mexico, Argentina, Brasil e outros.
a neoliberalismo de mercado, ao menos concei-
tualmente, luta contra 0 estatismo, ou seja, contra 0 Esta-
do maximo, contra 0 planejamento economico, contra
a regulamentayao da economia e contra 0 chamado
protecionismo, ao mesmo tempo em que se enraiza no
mercado mundial, direcionando a construyao da nova
ordem internacionaL Assim, essa nova ordem postula a
liberayao total do mercado e a transferencia de todas as
areas e serviyos do Estado para a iniciativa privada.
Aos governos dos paises desenvolvidos (com suas
multinacionais, corporayoes, conglomerados e organi-
zayoes) interessa urn mundo sem fronteiras (ao menos,
sem as dos paises subdesenvolvidos), mediante a moder-
nizayao da economia, a abertura dos mere ados ao capital
transnacional, a integrayao economica, a nao-intervenyao
dos Estados na economia (com sua conseqiiente dimi-
nuiyao), a saida dos Estados do setor de produyao (por
sua privatizayao), a diminuiyao do deficit publico e a
diminuiyao de gastos do fundo publico em politicas pu-
blicas e sociais.
a capital parece ter vida propria e globaliza-se de
forma natural e espontanea, indicando os caminhos para
o progresso e para 0 desenvolvimento de todos os paises.
Varios organismos multilaterais (aNU, Banco Mundial,
FMI, Unesco, Cepal e outros) e, por conseqiiencia, na-
cionais orientam e impoem as politicas governamen-
tais para os fins desejados pelo capital transnacionaL
Dissemina-se 0 discurso de integrayao dos paises sub-
desenvolvidos a economia mundial, como forma de
tornarem-se desenvolvidos e serem salvos de urn futuro
catastr6fico nao demarcado pelos estagios do capita-
lismo avan<;:ado.
a capital, portanto, quer expandir-se, mas necessita
de seguranya e das condiyoes ideais de explorayao, expan-
sao e acumulayao. a neoliberalismo requer uma demo-
cracia politica (democracia burguesa da representayao),
orientada para os objetivos do capital transnacional, que
mantenha as condiyoes do livre jogo das foryas do mer-
cado, ao mesmo tempo que difunde a ideia de que esse
tipo de economia tende naturalmente a beneficiar a to-
dos sem distinyao, embora esteja ocorrendo exatamente
o contrario.
A crenya na mao invisivel do mercado, no entanto, nao
consegue recriar a natureza revolucionaria que havia no
liberalismo nascente (liberalismo classico). Constata-se
- em lugar daquela confianya na racionalidade natural
das leis de mercado, que conduziria todos rumo ao pro-
gresso - urn abandono das foryas de mercado, sem sig-
nificado e rumo definidos. A democracia e tida, apenas,
como metodo, ou melhor, como meio de garantir a
liberdade economica. Trata-se, portanto, de democrkcia
restrita e sem finalidades coletivas e sociais de constru-
yao de uma sociedade mais justa, humana e solidaria.
No tocante a educafao, a orientayao politica do neo-
liberalismo de mercado evidencia, ideologicamente, urn
discurso de crise e de fracasso da escola publica, como
decorrencia da incapacidade administrativa e financeira
de 0 Estado gerir 0 bem comurn. A necessidade de rees-
truturayao da escola publica advoga a primazia da inicia-
tiva privada, regida pelas leis de mercado. Desse modo,
o papel do Estado e re1egado a segundo plano, ao mesmo
tempo que se valorizam os metodos e 0 pape1 da iniciati-
va privada no desenvolvimento e no progresso individual
e sociaL
a Estado, na perspectiva neoliberal de mercado, vem
desobrigando-se paulatinamente da educayao publica.
Nessa metamorfose, deixa de demonstrar ate mesmo 0
interesse na implementa<;:ao da escola unica - dife-
renciada, liberal-burguesa -, que destaca, mesmo que
24. ideologicamente, os principios de universalidade, gra-
tuidade, laicidade e obrigatoriedade do ensino.
Contraditoriamente, no entanto, vem-se discutindo
o problema da requalifica<;:aodos trabalhadores, a qual se
alia a uma forma<;:aoescolar basica, unica, geral, abran-
gente e abstrata. Esse tema surge porque a nova ordem
capitalista constitui urn modelo diferente de explora-
<;:ao,baseado em novas formas de organizar a produ<;:ao
e em novas tecnologias. As rela<;:6esentre capital e tra-
balho e entre trabalho e educa<;:aoalteram-se profunda-
mente, acirrando a contradi<;:ao educar-explorar, como
vimos anteriormente na questao da globaliza<;:aoda pro-
du<;:ao,do consumo e do trabalho.
o modelo de explora<;:aoanterior, que exigia urn tra-
balhador fragmentado, rotativo - para executar tarefas
repetitivas - e treinado rapidamente pela empresa, cede
lugar a urn modelo de explora<;:aoque requer urn novo
trabalhador, com habilidades de comunica<;:ao,de abstra-
<;:ao,de visao de conjunto, de integra<;:aoe de tlexibilidade,
para acompanhar 0 proprio avan<;:ocientifico-tecnolo-
gico da empresa, 0 qual se da por for<;:ados padr6es de
competitividade seletivos exigidos no mercado global.
Essas novas competencias nao podem ser desenvolvidas
a curto praze e nem pela empresa. Por isso, a educa<;:ao
basica, ou melhor, a educa<;:aofundamental ganha cen-
tralidade nas politicas educacionais, sobretudo nos pai-
ses subdesenvolvidos. Ela tern como fun<;:aoprimordial
desenvolver as novas habilidades cognitivas (inteligen-
cia instrumentalizadora) e as competencias sociais ne-
cessarias a adapta<;:aodo individuo ao novo paradigma
produtivo, alem de formar 0 consumidor competente,
exigente, sofisticado.
As orienta<;:6esdo Banco Mundial para 0 ensino basi-
co e superior sac extremamente representativas deste no-
vo momento. Elas retletem a tendencia da nova ordem
econ6mica mundial, 0 avan<;:odas tecnologias e da glo-
baliza<;:ao,as quais requerem individuos com habilidades
intelectuais mais diversificadas e flexiveis, sobretudo
quanta a adaptabilidade as fun<;:6esque surgem cons-
tantemente. A solu<;:aoconsiste em desenvolver urn ensi-
no mais eficiente, de qualidade e capaz de oferecer uma
forma<;:aogeral mais sofisticada, em lugar de treinamento
para 0 trabalho. No entanto, 0 banco tambem estimula
o aumento da competitividade, a descentraliza<;:aoe a pri-
vatiza<;:aodo ensino, eliminando a gratuidade (sobretudo
nas universidades publicas), e a sele<;:aopautada cada vez
mais pelo desempenho (sele<;:aonatural das capacidades).
o Banco Mundial requer que a educa<;:aoescolar esteja
articulada ao novo paradigma produtivo, para assegurar
o acesso aos novos codigos da modernidade capitalista. E
necessario que a educa<;:ao,a capacita<;:aoe a investiga<;:ao
avancem em dire<;:aoa urn enfoque sistemico, como se
constata, por exemplo, nos ultimos relatorios da insti-
tui<;:aoe nas recomenda<;:6es do Promedila (V Reuniao
do Comite Regional Intergovernamental do Projeto da
Educa<;:ao:America Latina e Caribe - 1990), alem de ou-
tros documentos internacionais e nacionais ja citados.
o enfoque sistemico, assim como a administrariio efi-
ciente e a tecnologia educacional, esta na base do movi-
mento pela qualidade total. A busca da eficiencia (econo-
mia de recursos), da eficcicia (adequa<;:aodo produto),
enfim, da excelencia e da qualidade total, para levar 0
sistema de ensino a corresponder as necessidades do
mundo atual, apresenta como solu<;:ao0 enfoque siste-
mico (que procura otimizar 0 todo). Trata-se de usar 0
procedimento correto-racional, cientifico. A abordagem
sistemica permite fazer 0 diagnostico para evidenciar os
problemas, implementar 0 planejamento (consideran-
do as condi<;:6esdo ambiente), selecionar os meios, ela-
borar os objetivos operacionais, controlar 0 processo,
avaliar 0 produto por meio de tecnicas adequadas e re-
troalimentar 0 sistema.
A administra<;:ao eficiente e a tecnologia educacional
sac complement ares ao enfoque sistemico. A adminis-
tra<;:aoeficiente busca a racionaliza<;:aodo trabalho, bem
25. como 0 controle do processo produtivo e 0 aumento da
produtividade, ao passo que a tecnologia educacional-
se preocupa com 0 metodo cientifico, para obter eficien-
cia, efiGiciae qualidade no processo pedag6gico - todos
os componentes educacionais (objetivos, administra<;ao,
estrutura, meios de ensino, custos, tecnologias e outros)
devem ser considerados. Manifesta-se, desse modo, a ten-
tativa de vincular a educa<;ao ao novo paradigma pro-
dutivo, na 6tica do que se denomina neotecnicismo. Ha
uma volta ao discurso do racionalismo economico, do
gerenciamento/administra<;ao privado como modelo
para 0 setor publico e do discurso do capital humano
(forma<;ao de recursos humanos).
Essa nova abordagem da educa<;ao ap6ia-se em urn
conceito positivista de ciencia neutra e objetiva. Co-
nhecer, nessa perspectiva, significa observar, descrever,
medir, explicar e preyer os fatos livre de julgamentos de
valor ou ideologias. S6 e verdadeiro 0 que e verificavel.
o numero designa a essencia dos objetos, a coisa 'em si;
portanto, a ciencia deve ser numerica, precisa e rigoro-
sa. Desse modo, enquanto 0 novo paradigma produtivo
poe em relevo a questao da qualidade, a abordagem posi-
tivista fornece a concep<;ao e 0 instrumental necessarios
a avaliai(ao do sistema de ensino e dos individuos. A
certeza, a exatidao e a utilidade do conhecimento sao os
criterios da cientificidade e da racionalidade instrumen-
tal positivista postos a disposi<;ao do novo paradigma
produtivo e da forma sistemica e eficiente de reorgani-
zar a educa<;ao, de maneira que apontem 0 ideal de urn
progressivo melhoramento das condi<;oes de vida e da
harmoniza<;ao social.
Nesse mesmo contexto, encontram-se as universida-
des publicas amea<;adas e em permanente crise. Faltam
recursos de toda ordem para garantir sua funcionali-
dade. 0 discurso neoliberal de mercado questiona ate
mesmo a relevancia social delas, ao mesmo tempo que
vincula sua autonomia a questao do autofinanciamento
e da privatiza<;ao, como unica forma de sair da crise e
alcan<;arcompetitividade, racionalidade, qualidade e efi-
ciencia. Restaria as universidades, como estrategia de
sobrevivencia, a op<;aode se atrelarem ao novo processo
produtivo, com 0 objetivo de gerarem conhecimentos
cientifico-tecnol6gicos necessarios a competitividade das
empresas no mercado global e formarem individuos
mais adaptados as condi<;oesde vida pro fissional presen-
tes neste novo tempo.
A adapta<;ao das universidades ao novo paradigma
produtivo passa, entao, por essa 6tica economicista, pela
ado<;ao da filosofia da qualidade total (neotecnicismo)
aplicada ao ensino superior. Postulam-se a legitimidade
social e a eficacia total das universidades, que podem ser
obtidas com sua inser<;aona busca da qualidade total, ja
que se vive na era da excelencia. As universidades devem,
entao, agregar novos valores a seus servi<;os,ao mesmo
tempo que redescobrem sua natureza, sua missao e sua
identidade. Podem ser uteis, se corresponderem aos desa-
fios do mundo atual: a satisfa<;aodos clientes, a produti-
vidade, a redu<;aodos custos, a otimiza<;aodos resultados,
a criatividade, a inova<;ao e a sobrevivencia pela compe-
titividade. Pretende-se, portanto, que elas assimilem a
Otica de funcionamento, os principios e os objetivos da
qualidade total (ja vivenciados na industria e no comer-
cio). Essa nova cultura institucionallevaria as univer-
sidades a bus car constantemente a qualidade total dos
servi<;os,bem como a formar profissionais capazes de cor-
responder as sempre novas necessidades do mercado.
Diante do exposto, verifica-se que a atual configura-
<;aoestrutural e educacional, no plano mundial, impoe
novos desafios e urn novo discurso ao setor educa-
cional. A 16gica do capitalismo concorrencial global e
do paradigma da liberdade economica, da eficienciil e
da qualidade encaminha, de forma avassaladora, 0 novo
modelo societario e as novas reformula<;:oesnecessarias
26. no setor educacional. A compreensao hist6rica dos ger-
mes constitutivos da 16gica capitalista-liberal reve1a,por
sua vez, seu carater conservador-elitista. Dai a necessi-
dade de considerar a nova onda de forma hist6rico-
critica, a fim de apreender a dire~ao politica e as reais
possibilidades de democratiza~ao da sociedade e da edu-
ca~ao. Essa tare fa esti associada a urgente necessidade
de uma reestrutura~ao educativa capaz de corresponder
aos desafios impostos pe1asociedade tecno16gica a escola
e ao campo da educa~ao em geral.
Capitulo II
A EDUCA~Ao ESCOLAR PUBLICA
E DEMOCRATICA NO CONTEXTO
ATUAL: UM DESAFIO FUNDAMENTAL
27. Programa de educa~ao do
governo Lula: Uma Escola
do Tamanho do Brasil
Uma Escola do Tamanho do Brasil e 0 nome do
programa para educara.o do governo federal que assumiu
o Pais para um mandato de quatro anos, de 2003 a
2006. 0fato de, pela primeira vez, 0 presidente brasileiro
vir das camadas populares pode sinalizar que 0 Pais
comera a tecer uma nova historia. A educara.o e uma
area que devera con tar com diferenras de tratamento em
relara.o ao passado proximo e distante. 0 titulo do
programa para educara.o expressa a prioridade que 0
governo propoe oferecer it area. "Pensar a educa<;:ao
como uma a<;:aorelevante na transforma<;:ao da
realidade econ6mica e social do povo brasileiro e
pensar numa Escola do Tamanho do Brasil", e 0 que
diz 0 programa (PT, 2002, p. 7).
Consider.ando que a educa<;:aoe condi<;:aopara a cida-
dania, 0 governo Lula mostra-se determinado, segundo
as concep<;:6ese as diretrizes do programa de educa<;:ao
para 0 Brasil, a reverter 0 processo de municipalizara.o
predatoria da escola publica, propondo urn novo marco
de solidariedade entre os entes federativos para garantir
a universaliza<;:aoda educa<;:aobasica, na perspectiva de
elevar a media de escolaridade dos brasileiros e resgatar
a qualidade do ensino em todos os niveis.
Para garantir a educa<;:aocomo direito, 0 projeto de
educa<;:aodo governo Lula obedeceni a tres diretrizes ge-
rais: a) democratiza<;:ao do acesso e garantia de perma-
nencia; b) qualidade social da educa<;:ao;c) instaura<;:ao
do regime de colabora<;:aoe da democratiza<;:aoda gestao.
Vejamos cada uma dessas diretrizes.
28. 1. Democratiza~ao do acesso
e garantia de permanencia
repetencia e a evasao. Tambem se fani com que a pratica
social e a experiencia de vida dos alunos sejam incluidas,
como elementos fundamentais, na organizac;:aodo conhe-
cimento e da cultura.
A valorizac;:aoprofissional dos docentes dar-se-a junto
com a valorizac;:aodo projeto politico das escolas, uma
vez que 0 projeto da escola passa a ser referencia para a
progressao funcional baseada na experiencia e no desem-
penho dos compromissos desse projeto. Sera incenti-
vada a criac;:aode centros de formac;:aopermanente e de
aperfeic;:oamento dos profissionais da educac;:ao,por esta-
dos ou regiao, articulados com as universidades e com
os sistemas de educac;:aobasica. Incentivar-se-a tambem
a publicac;:aode trabalhos, pesquisas, analises e descric;:6es
de experiencias pedagogicas bem-sucedidas de autoria
dos profissionais da educac;:aobasica.
Democratizar nao significa apenas construir novas
escolas.Apesar de importante, so isso nao garante 0 aten-
dim ento, verdade valida especialmente na zona ruraL E
preciso ampliar 0 atendimento e assegurar a utilizac;:ao
de todas as alternativas para garantir 0 acesso e a per-
manencia, articulando ate mesmo os servic;:osde trans-
porte escolar.
Para institucionalizar 0 esforc;:ode todos em prol da
democratizac;:ao do acesso a escola e da garantia de per-
manencia nela, buscar-se-a a construc;:ao de urn Sistema
Nacional Articulado de Educac;:ao,de sorte que Estado e
sociedade, de maneira organizada, autonoma e perma-
nente, possam, por meio de uma gestao democratica e
participativa, atingir os objetivos propostos.
3. Regime de colabora~ao
e gestao democnitica
A qualidade social traduz-se na oferta de educac;:aoes-
colar e de outras modalidades de formac;:aopara todos,
com padr6es de excelencia e de adequac;:ao aos interes-
ses da maio ria da populac;:ao.Tern como conseqiiencia a
inclusao social, por meio da qual todos os brasileiros se
tornam aptos ao questionamento, a problematizac;:ao, a
tomada de decis6es, buscando soluc;:6escoletivas possiveis
e necessarias a resoluc;:aodos problemas de cada urn e da
comunidade onde se vive e trabalha (PT, 2002, p. 10).
o conceito de qualidade social que procurara per-
mear a politica educacional dos proximos quatro anos
- a qual sera definida pela comunidade escolar, pelos
especialistas e estudiosos, pelos trabalhadores, enfim, por
todos os que estao envolvidos no processo formativo -
e discutido como se segue.
Em sua perspectiva, sera repensada a organizac;:aodos
tempos e dos espac;:osdas escolas, como a estrutura seria-
da, de forma que evite a exclusao, a qual tern levado a
Para cumprir os dispositivos da Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educac;:aoNacional em vigor, que estabelece 0 regi-
me de colaborac;:ao entre as esferas administrativas, 0
governo Lula encaminhara proposta de lei complemen-
tar para regulamentar a cooperac;:ao entre as esferas de
administrac;:ao e instituir as instancias democraticas de
articulac;:ao.Buscara tambem reverter 0 atual processo de
m,unicipalizac;:aopredatoria da educac;:ao.
Algumas das propostas nessa direc;:aosao:
a) instituir 0 sistema nacional de educac;:ao, normati-
vo e deliberativo, para articular as ac;:6eseducacionais da
Uniao, dos estados e dos municipios;
b) criar 0 Forum Nacional da Educac;:aopara prop or, ava-
liar e acompanhar a execuc;:aodo Plano Nacional da Edu-
cac;:aoe de seus similares em cada esfera administrativa;
29. c) fortalecer os foruns, os conselhos e as instancias da
educa<;:ao,buscando, sempre que possivel, a<;:oesintegra-
das que evitem a fragmenta<;:ao e a dispersao de recur-
sos e de esfor<;:os;
d) estimular a instala<;:ao de processos constituintes
escolares, bem como do or<;:amento participativo, nas
esferas do governo e nas unidades escolares;
e) estabelecer normas de aplica<;:aodos recursos fede-
rais, estaduais e municipais, com base na defini<;:aode urn
custo-qualidade por aluno;
f) instituir 0 Fundo de Manuten<;:aoe Desenvolvimento
da Educa<;:aoBasica (Fundeb).
o Fazer valer padroes de qualidade no funcionamento das
institui<;:oespublicas e privadas, com adequado e efeti-
vo atendimento.
o Alcan<;:ar,em quatro anos, a universaliza<;:ao da edu-
ca<;:aoinfantil para crian<;:ade 4 a 6 anos.
o Promover a<;:oes,com parcerias, para assegurar acesso
a creches para todos os filhos de maes trabalhadoras.
o Criar mecanismos para que, em todas as faculdades de
Educa<;:ao,seja oferecida a habilita<;:aoem educa<;:aoinfantil.
o Criar a Camara da Infancia e da Adolescencia, a ser
composta pelos Ministerios da Educa<;:ao,da Cultura,
da Saude e de Desenvolvimento Social e da Justi<;:a,com
o objetivo de estabelecer uma politica integrada para a
infancia e a juventude.
b) Ensina fundamental
o Pensar esta etapa da educa<;:aobasica articulada com a
educa<;:aoinfantil e 0 ensino medio.
o Orientar os sistemas de ensino para que adotem proje-
tos politico-pedagogicos compromissados com a inclu-
sao, com a aprendizagem e com 0 sucesso escolar. (Esses
aspectos do projeto da escola constituem os ciclos de
forma<;:ao,que nada tern que ver com algumas experien-
cias de ciclos desenvolvidas, cujo objetivo prioritario e
a promo<;:aoautomatica.)
o 0 programa Bolsa-Escola deve ser implementado
como parte integrante do projeto politico-pedagogico.
Assim, exigira acompanhamento da vida escolar do aluno
e a intera<;:aocom a comunidade do ensino fundamen-
tal e medio. A bolsa sera paga por familia, e nao por
crian<;:a,e a freqiiencia dos alunos as aulas sera fiscaliza-
da de forma rigorosa.
c) Ensina media
Alem da precariedade de oferta, 0 ensino medio carece
de professores bem formados, bem como de laboratorios,
4. Proposta para os diferentes niveis
e modalidades da educa~ao
Educa<;:aobasica
A Lei de Diretrizes e Bases da Educa<;:aoNacional
estabelece que a educa<;:aobasica e formada pela educa<;:ao
infantil, pelo ensino fundamental e pelo ensino medio.
Por ser basica, 0 Pais nao pode prescindir de cada uma
de suas etapas, e torna-se necessario investir maiores re-
cursos, especialmente para as 13 milhoes de crian<;:asate
6 anos sem espa<;:opara matricula na educa<;:aoinfantil
e para os 2,1 milhoes de jovens sem atendimento no
ensino medio. A seguir as propostas para cada uma das
etapas da educa<;:aobasica.
a) Educar;:aa infantil
o Estabelecer uma politica de financiamento que consi-
dere a expansao do atendimento, a defini<;:aode urn valor
custo-aluno-qualidade, a supera<;:aodas desigualdades
regionais de atendimento, a a<;:aointegrada entre as esfe-
ras administrativas para compartilhar responsabilidades.
30. de equipamentos, de bibliotecas, de condier6es fisicas e
de ambiente de estudo. Diante desse quadro, 0 governo
Lula prop5e-se a:
• Estabelecer, em comunhao com os estados, uma politi-
ca de ampliaerao de vagas, incluindo a construerao de
novas escolas.
• Formar professores com estrategias de atuaerao no pe-
riodo noturno, para alcaneraruma nova qualidade, segun-
do a conceperao da escola unitaria.
•Universalizar gradativamente 0 ensino medio para todos
os portadores de certificaerao do ensino fundamental.
•Articular governo federal e governos estaduais, para ga-
rantir ensino medio de qualidade, que proporcione urn
efetivo dominio das bases cientificas, com aer6esefetivas
sobre predios, sobre equipamentos, sobre a formaerao de
professores, sobre livros, sobre a participaerao da comu-
nidade na discussao do processo de avaliaeraoda escola,
do trabalho pedag6gico e de seus resultados, bem como
da gestao da escola.
Educaerao superior
o Pais tern urn dos men ores indices de matrkulas na
educaerao superior na America Latina (7,7% dos jovens
na faixa etaria de 18 a 24 anos). Nos ultimos oito anos,
a matrkula nas instituier6es publicas foi de apenas 28%,
enquanto nas particulares foi de 86%, em razao da redu-
eraodo oreramento para 0 ensino superior, especialmente
para as universidades federais.
o crescimento da demanda por ensino superior -
re1acionado ao crescimento de 200%, na decada de 90,
de concluintes do ensino medio - nao levou 0 subsis-
tema a responder, com a mesma intensidade, a essa pro-
cura. 0 governo Lula prop6e-se a ampliar as vagas no
ensino superior, especialmente nas instituier6es publi-
cas. Para isso, pretende, entre outras coisas:
• Ampliar as vagas no ensino superior em taxas com-
pativeis com 0 Plano Nacional de Educa<;:ao,que preve,
para os pr6ximos dez anos, atingir 30% da faixa etaria
de 18 a 24 anos.
• Promover a substituierao do Programa de Financiamen-
to ao Estudante (FIES) por urn novo Programa Social de
Apoio ao Estudante, cujos recursos nao estejam vincu-
lados constitucionalmente a educaerao. A aplicaerao dos
recursos deve obedecer a criterios de renda dos candida-
tos e de qualificaerao das instituier6es de ensino superior
(IES) e dos cursos envolvidos.
• Criar 0 Programa Nacional de Bolsas Universitarias
(PNBU), com recursos nao vinculados a educaerao, para
estudantes carentes, os quais, em contrapartida, execu-
tarao atividades junto a suas comunidades.
• Promover 0 aumento anual do numero de mestres e
doutores em pe10 menos 5%, em conformidade com
meta estabe1ecida pelo PNE.
• Estabe1ecermecanismos que superem os limites de aces-
so ao ensino superior para negros e estudantes egressos
da escola publica.
! Implantar, de forma progressiva, uma rede universi-
taria nacional de ensino a distancia com exigente padrao
de qualidade.
• Ampliar programas de iniciaerao cientifica e criar pro-
gram as de iniciaerao a docencia e a extensao.
• Revisar as carreiras e matrizes salariais dos docentes e
dos funcionarios tecnico-administrativos das instituier6es
federais de ensino (IFEs);
• Revisar as atribuier6es e a composierao do Conselho
Nacional de Educaerao.
• Estabe1ecernovo marco legal para as fundaer6esde apoio
institucional criadas nas IES publicas, regulamentando
suas atribuier6es na prestaerao de servieros a essas insti-
tuier6es e impedindo sua utiliza<;:aoem prol de interes-
ses de individuos ou de grupos.