As crises da economia capitalista vistas numa perspectiva histórica, tendo em conta a acção política futura, no contexto da formação política dos jovens quadros partidários.
A Pastoral de S. Frei Fortunato de São Boaventura: aspectos do pensamento con...
As crises da economia capitalista em portugal
1. As crises da economia capitalista em Portugal:
Aspectos históricos para uma reflexão política
Pedro Abreu Peixoto
O estudo das crises económico-financeiras, sob uma perspectiva histórica e
política, tem particular utilidade, se entendido como instrumento para a preparação do
terreno político mais moderado, que permita a construção de uma sociedade social e
economicamente equilibrada.
A crise que abalou o mundo, no final da primeira década do Séc. XXI, com
especial predominância no ano de 2009, é mais uma das crises cíclicas produzidas no
sistema capitalista, desde a sua instalação no início do Séc. XIX.
No entanto, uma análise que se faça, sob qualquer perspectiva, terá que passar
por compreender que não é filha única. A crise de 2009 é uma crise fundada nos inícios
de oitocentos, quando o então novo sistema capitalista inicia uma série de crises,
económicas e/ou financeiras, que surgem com regularidade, com poucos anos de
intervalo entre si.
Estas crises, embora complexas, são caracterizadas pelo facto de, a uma fase de
prosperidade, suceder uma outra, normalmente de surgimento brusco, em que existem
claros indícios de sobreprodução. Os preços afundam-se, a maior parte das actividades
económicas retrai-se e cresce o desemprego.
São crises claramente distintas das existentes entre os Séc. XVI a XIX.
Até então, as dificuldades económicas faziam-se sentir quando se davam crises
de subprodução, normalmente no sector agrícola, ou quando existiam graves crises
monetárias, com claras pressões negativas em termos da economia em geral.
Ao longo destes três séculos, veremos a resposta pela emissão de papel-moeda,
pela desvalorização da moeda, ambas fundadas na queda do valor do ouro e da prata,
bem como na diminuição do metal nobre que constituía a liga da moeda, mantendo
embora o seu valor facial.
Para além destas crises, típicas da Europa de quinhentos a oitocentos, Portugal
tem que contar ainda, neste período, com uma crise económica estrutural, com inegável
projecção histórica mais profunda que qualquer crise cíclica, a qual tem a sua origem no
monopólio das terras pela classe senhorial que, juntamente com a pouco numerosa
burguesia mercantil, controlava os lucros da actividade resultante dos descobrimentos.
Esta situação, gerava um enorme condicionamento no desenvolvimento da
agricultura, num quadro de um mercado interno muito reduzido e sujeito a pesados
impostos sobre o consumo, em que os lucros do comércio ultramarino tendiam a não ser
investidos, mas sim canalizados para o estrangeiro, através de empresas holandesas e
inglesas, ou através de um exagerado consumo da classe senhorial.
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2. As crises da economia capitalista em Portugal:
Aspectos históricos para uma reflexão política
Pedro Abreu Peixoto
Durante o Séc. XVII existem claros problemas demográficos, com falta de gente
para trabalhar as terras, e, ao mesmo tempo, com elevados índices de desemprego, numa
situação que tende a piorar durante o Séc. XVIII.
As crises monetárias e/ou financeiras, bem como as crises de subprodução,
manter-se-ão presentes em Portugal até ao início do Séc. XIX. Assistiremos à alta geral
de preços durante o Séc. XVI e o primeiro quartel do XVII, acompanhada com uma
grande desvalorização da moeda que surge com a entrada em exploração de novas
jazidas de ouro e prata, ou ainda à crise de 1687-88, altura da introdução do papel-
moeda, ou ainda, quando, em 1796, se dá a emissão de uma apólice da dívida pública no
valor de 12 milhões de cruzados.
Estas crises, que subsistem a par com as graves e persistentes crises de
abastecimento, muito comuns a nível local, como foram as de 1640, 1651, 1661, 1667,
1709, 1711, 1734 ou 1765.
Nos começos do Séc. XIX, Portugal irá debater-se com a primeira crise cíclica
em França, no ano de 1808 e, em 1818, com uma nova crise de sobreprodução. Sentida
será igualmente a depressão cíclica de 1836-37 e, em 1846, desenvolve-se uma grave
crise financeira, cujos efeitos se juntarão aos de muitos outros países em 1847.
Os anos de 1857, 1866 e 1873, serão igualmente momentos de crises cíclicas,
sentidas em Portugal, que vive a grande depressão financeira de 1876, com numerosos
bancos a suspenderem pagamentos e o governo a recorrer a empréstimos ingleses, no
contexto da maior depressão de sempre registada nos tempos modernos, entre Outubro
de 1873 e Março de 1879.
A grande depressão iniciada em 1873, tem a sua origem numa bolha imobiliária
em França, na Prússia e na Áustria-Hungria, bem como num crescimento imparável de
produtos financeiros “tóxicos”, criados com o objectivo de financiar o enorme
desenvolvimento ferroviário americano, cujo real valor era difícil de avaliar, estando na
sua maioria na mão de estrangeiros. È, afinal, uma crise com premissas que conhecemos
bem.
O crash da bolsa de Viena inicia a grande depressão de 1873, antecipando o ruir
de todo o edifício financeiro global.
Apesar da intervenção do governo americano, com a compra de 13 milhões de
dólares de títulos em queda, a crise de crédito subsiste e destrói grande parte do tecido
económico americano. Em muitas das grandes cidades americanas, o desemprego
chegou a valores recorde de 25% da população activa.
Só no ano de 1878 a bolsa recomeçou a animar-se.
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3. As crises da economia capitalista em Portugal:
Aspectos históricos para uma reflexão política
Pedro Abreu Peixoto
O capitalismo mundial vê a sua economia em crise, novamente, no ano de 1882,
com expressão em Portugal em 1886, com uma acentuada quebra do movimento de
mercadorias por via férrea, afectando igualmente o comércio externo, bem como será
extensível à última grande depressão cíclica do Séc. XIX, verificada entre 1890 e 1892,
com o seu epicentro em Inglaterra e que atingirá muitos interesses portugueses.
Dar-se-á então a falência do banco Baring & Brothers, o que redundará na maior
crise financeira do Séc. XIX em Portugal, cujos efeitos só se atenuarão por volta do ano
de 1902.
No primeiro quartel do Séc. XX, a economia capitalista mundial conhece quatro
crises cíclicas de grande alcance, que atingirão Portugal de forma desigual.
Se crises como a de 1900 se tornaram pouco sensíveis à economia portuguesa, já
a crise de 1920 afecta claramente o nosso país, levando à retracção da produção e dos
negócios, ao desemprego e à corrida à venda dos títulos governamentais.
Após a grande crise de 1920, a economia capitalista esperará mais nove anos, até
assistir à sua próxima grande crise cíclica, a qual se assumirá como uma das mais duras
do século para a economia mundial.
A crise de 1929, inicia-se com a vertiginosa queda económica dos E.U.A e com
a rápida propagação das suas consequências à Europa.
A grande depressão de então é gerada por uma crise capitalista clássica de
sobreprodução, em que um excesso de oferta de bens não encontra eco numa suficiente
procura. Esta crise dá-se num contexto de altas taxas aduaneiras e de um alto
proteccionismo e é inaugurada com o crash da bolsa de Nova Iorque em Outubro de
1929.
Todas estas crises, para que nos possam trazer alguns ensinamentos úteis para o
presente e para o futuro, têm que ser contextualizadas no seu tempo. São, por isso,
necessariamente, relativizáveis nos dias de hoje.
Questão como aquelas às quais se tem procurado responder, com alguma
recorrência, sobre qual foi a maior crise desde o início do Séc. XX, ou qual foi a crise
com maior semelhança com a crise actual, são, entre tantos outros, meros exercícios de
retórica.
Note-se que, se a crise de 1929 tem, sem dúvida, algumas semelhanças em
termos dos seus pressupostos, com a crise de 2009, não deixa de ser óbvia a sua enorme
semelhança, talvez até com maiores pontos de contacto, com a crise de 1873,
nomeadamente na “bolha” imobiliária sem paralelo em França, na Prússia e na Áustria-
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4. As crises da economia capitalista em Portugal:
Aspectos históricos para uma reflexão política
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Hungria, e o boom de veículos financeiros tóxicos, que, como referido anteriormente,
serviram para financiar o enorme crescimento ferroviário americano.
Por outro lado, clamamos que a crise de 2009 foi a maior crise desde 1929,
esquecendo-nos, no entanto, da enorme crise gerada nas economias da Europa central,
da URSS e dos seus países satélites, a seguir a 1989, com reduções drásticas do PIB na
ordem dos 30 a 40%, apenas no espaço de uma década.
Consideremos assim que, a contextualização das crises, para além de ser
fundamental para a sua compreensão, ajuda-nos, também, a não arranjar soluções do
passado para problemas do presente.
Há, no entanto, questões que, por estarem presentes em todas as crises e, mais,
por em todas elas terem sido fulcrais, seja para a sua formação, seja para a sua solução,
devem ser alvo de particular reflexão.
E reflexão necessária, cada vez mais, em termos políticos. Duas questões que
deixamos para debate.
Primeiro, a importância que a intervenção do Estado assume para ultrapassar as
situações de crise económica/financeira. Mesmo no mais acirrado momento do
capitalismo europeu, quando a crise se instala, não é ao próprio sistema que se exige
uma solução, mas, sim, ao Estado. E o que é o Estado?
Surge assim, de forma imperiosa, a necessidade de reflectir politicamente sobre
o papel do Estado na economia, seja ao nível do grau de intervenção – até onde deve ir
o liberalismo? -, seja em termos de regulação, o que quer dizer, mais ou menos bom-
senso.
E m segundo lugar, lembramos os extremismos, para os quais as crises são,
normalmente, um campo fértil.
Quem não se lembra do “fim da História” que, após a crise de 1989, nas
economias da Europa central e de leste, colocava o capitalismo como um único
paradigma.
Nem os fatalistas históricos tiveram razão, nem provavelmente terão aqueles
que, neste momento, vaticinarem o mesmo fim para o capitalismo.
Esta questão é importante, para compreendermos o papel fundamental da
moderação, seja na reflexão sobre as crises, seja nas formas de sair delas, seja, se
possível, nos caminhos para as evitar ou para com elas lidar.
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5. As crises da economia capitalista em Portugal:
Aspectos históricos para uma reflexão política
Pedro Abreu Peixoto
A moderação que, nos últimos tempos, tanto tem faltado na teoria económica,
como na acção política, deve ser o fio condutor da acção, para uma nova forma de
entender o mundo.
Apenas fazendo apelo à moderação, poderemos conseguir a atitude reflexiva
necessária, para atingir um patamar de consenso ideológico, necessário para a reforma
do Estado, no seio das complexas alterações civilizacionais que vivemos.
Reformar o Estado, este é o grande desafio da nova geração de políticos,
principalmente no entendimento do papel social do Estado nos momentos de crise, e da
sua função na defesa dos mais carenciados.
Hoje, como nunca, liberalismo e Estado Social têm que conviver, animados pela
acção de políticas inovadoras, integradoras e adaptadas ao mundo actual.
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