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Apontamentos de
Filosofia Antiga I
2
As Origens da Filosofia
Do Mito á Filosofia
a) Conceito do mito
No limiar da Filosofia grega há algo em si de não-filosófico, o mito. É a
fé da comunidade nas grandes questões do mundo e da vida, dos
deuses e homens, que dá ao povo a matéria do seu pensamento e do
seu agir. Recebem-na da tradição popular, irreflectida, crente e
cegamente. Consoante o nota Aristóteles, o amigo do mito é, apesar
disso e a certa luz, também filósofo; por isso que, no mito, preocupa-se
ele com problemas que vão ser, por sua vez, objecto da Filosofia. Donde
vem o mencionar Aristóteles, de bom grado, quando refere os
pressupostos de uma questão filosófica e a busca da sua solução,
também as opiniões dos "primitivos", que foram os primeiros a
"teologizar" (οι πρωτοι νεολογηαντεζ).
b) Mitologia de Homero e de Hesíodo
Vêm aqui logo à tona Homero e Hesíodo, com os seus ensinamentos
sobre a origem dos deuses (teogonias) e a produção do mundo
(cosmogonias). Assim, conforme a mitologia de Homero, devemos
procurar a causa primeira de todo devir nas divindades do mar, Oceano
e Tetis, e também na água, pela qual os deuses costumam jurar, e que
o poeta denomina Estígío. Em Hesíodo aparecem o Caos, o Éter e o Eros
como os princípios primeiros de tudo. Mas, ainda outros problemas são
abordados: a transitoriedade da vida, a origem do mal, a questão da
responsabilidade e da culpa, do destino e da‘ necessidade, da vida e da
morte, e semelhantes. Sempre se manifesta aí um pensamento total e
completamente imaginoso, visionado pelos claros olhos do poeta, em
caso particular e concreto, intuitivamente, para depois universalizar a
intuição, e transportá-la para a vida e o mundo em geral, explicando
assim a totalidade do ser e do devir.
c) Orfismo
O Orfismo era uma religião de mistérios no antigo mundo grego, difundido a partir dos
séculos VII e VI a.C. Seu fundador teria sido o poeta Orfeu, que desceu ao Hades e
retornou. Os órficos também reverenciam Perséfone (que descia ao Hades a cada
inverno e voltava a cada primavera) e Dionísio ou Baco (que também desceu e voltou
do Hades). Como os mistérios de Elêusis, os mistérios órficos prometiam vantagens no
além-vida. Esses cultos de mistérios, que prometiam uma vida melhor após a morte,
parecem ter influenciado o início do cristianismo.
3
Peculiaridades
O Orfismo diferia da religião grega popular das seguintes maneiras:
Caracterizava as almas humanas como divinas e imortais, mas
condenadas a viver (por um período) em um círculo penoso de
sucessivas encarnações através da metempsicose ou
transmigração de almas;
Prescrevia uma forma ascética de vida, ou vida órfica, a qual,
junto com ritos iniciáticos secretos, deveria garantir não apenas o
desprendimento do tal círculo penoso mas também uma
comunhão com deus(es);
Advertia sobre uma punição pós-morte por certas transgressões
cometidas durante a vida;
Era fundamentada sobre escritos sagrados com relação à origem
dos deuses e seres humanos.
Evidências
As visões e práticas órficas foram testemunhadas por Heródoto,
Eurípides e Platão. A maioria das fontes de ensinamentos e
práticas órficas é atrasada e ambígua, e alguns estudiosos
afirmam que o Orfismo tenha sido na verdade uma construção de
uma data mais recente do que se acredita. Porém, os papiros
Derveni, descobertos há poucos anos, permitem datar a mitologia
órfica em quatro séculos AEC ou até uma data mais antiga que
essa. Outras inscrições encontradas testificam a antiga existência
de um movimento com as mesmas crenças centrais que foi mais
tarde associado com o nome do Orfismo.
Mitologia
As teogonias órficas são trabalhos genealógicos como a Teogonia
de Hesíodo, mas os detalhes são diferentes. O relato principal é:
Dionísio (na sua encarnação de Zagreus) é o filho de Zeus e
Perséfone; ele foi assassinado e fervido pelos Titãs. Zeus lançou
um raio nestes e Hermes salvou o coração de Zagreu. As cinzas
resultantes geraram a humanidade pecaminosa, composta dos
corpos dos Titãs e de Dionísio. A alma do homem (factor
dionisíaco) é portanto divina, enquanto o corpo (factor titânico)
aprisiona a alma. Declarava-se que a alma retornaria
repetidamente à vida, atada à roda do renascimento. O coração
de Dionísio é implantado na coxa de Zeus, e este então engravida
a mortal Semele com o renascido Dionísio. A Teogonia
4
Protogonos, perdida, composta cerca de 500 AEC, só é conhecida
através de comentários encontrados em papiros e de referências
nos autores clássicos, como Empédocles e Píndaro. A "Teogonia
Eudemiana ", também perdida, foi composta no século V AEC, e
teria sido o produto de um culto sincrético Baco-Curético. A
Teogonia Rapsódica, também perdida, composta na idade
helenística, incorporava os trabalhos anteriores, e ficou conhecida
através de sumários nos escritos de autores neo-platonistas. Já
os Hinos Órficos, 87 poemas hexamétricos de extensão mais
curta, foram compostos no final da era helenística ou início da
era imperial romana.
Mito de Orfeu
Orfeu, o mais conhecido dos músicos lendários da Grécia Antiga, é
objecto de grande número de mitos um tanto divergentes. Filho da
musa Calíope e de Eagros, rei da Trácia, vivia perto do Monte Olimpo,
na Tessália, e aprendeu a arte com o próprio Apolo.
Tornou-se um cantor maravilhoso e tocava divinamente a lira e a cítara,
instrumento este cuja invenção lhe é atribuída. Ao ouvi-lo cantar as
feras o seguiam, as árvores se inclinavam em sua direcção e até os
homens mais irascíveis se acalmavam.
Orfeu participou da famosa expedição dos Argonautas. Durante a
viagem, apaziguava as ondas com sua música e, com ela, conseguiu até
anular o efeito do hipnótico canto das sereias e salvar o navio.
A mais famosa lenda de que participa é a da descida ao Hades à
procura de sua esposa Eurídice, que havia morrido acidentalmente,
picada por uma serpente. Com sua arte, Orfeu encantou monstros, as
sombras dos mortos, o barqueiro Caronte e até os deuses infernais,
Hades e Perséfone. Eles aceitaram devolver Eurídice aos vivos desde que
5
o poeta deixasse o Hades, seguido por ela, sem olhar para trás uma
única vez. Atormentado pela dúvida, porém, Orfeu não resistiu e pouco
antes de sair olhou para trás. Eurídice teve que retornar e o desolado
músico, por sua vez, voltou ao mundo dos vivos.
Algum tempo depois, por razões mal esclarecidas pelas diversas lendas,
morreu esquartejado por um grupo de mulheres enfurecidas, as
mênades. A cabeça de Orfeu caiu no mar e chegou até a ilha de Lesbos,
onde os habitantes ergueram-lhe um túmulo de onde, dizia-se, era
possível ouvir com frequência o som de uma lira...
Orfeu foi levado aos Campos Elísiose lá entretinham os bem-
aventurados com sua música. Sua lira foi transformada pelos deuses
em constelação
Iconografia e culto de Orfeu
Durante o século -VI, Orfeu foi associado a um culto de mistérios muito
popular que preconizava a origem divina da alma e a reincarnação,
conceito mencionado igualmente pelos pitagóricos e, mais tarde, por
Platão. Segundo a tradição, foi ele quem fez as revelações místicas
fundamentais aos iniciados, que aprendera durante sua descida ao
Hades.
Uma literatura esotérica, baseada nos preceitos órficos, floresceu
durante o Período Helenístico. Na iconografia grega antiga, Orfeu era
mostrado cantando com uma lira ou uma cítara, em geral no momento
de sua morte às mãos das bacantes (vasos de figuras vermelhas
posteriores a -500). Os mosaicos romanos mostravam-no com
frequência ao lado de animais selvagens, embevecidos com sua música.
α) Fuga do mundo — A dogmática dos órficos era contudo coisa
totalmente diferente de uma afirmação vital. Devemos, antes, considerá-
la como uma vaga miscelânea de ascese e mística, culto das almas e
esperanças no além, coisas todas muito estranhas ao povo homérico.
Agora, já a alma não é sangue, mas espírito; oriunda de um outro
mundo; exilada nesta terra, como castigo por uma culpa original;
encadeada ao corpo, deve passar por uma larga peregrinação até
libertar-se dos sentidos. Via para a colimada purificação do sensível era
uma série de proibições de alimentos, como a carne e as favas.
Laminazinhas de ouro, enterradas com os mortos, testemunhavam que
a sua alma provinha "pura de puros" e "libertou-se do penoso ciclo das
reencarnações". A doutrina dos órficos sobre o destino das almas,
depois da morte, espelha-se nos grandes mitos escatológicos, nos
diálogos platónicos Górgias, Fédon e República. A dogmática órfica já
possuía, também, uma bem elaborada teologia e cosmogonia.
6
β) Cosmogonia — Ensinava que no princípio existiu o Caos e a Noite.
O ―Chãos‖ deve compreendê-lo literalmente como o vácuo abissal ou o
precipício. A Noite gerou um ovo, o ovo cósmico, donde nasceu o amor
(Eros) alado. "E este, consorciado com o abismo hiante, alado e
nocturno, no vasto Tártaro, deu origem ao nosso género e o trouxe fora,
para a luz. Não havia o género dos mortais, antes de ser reduzido à
unidade pelo amor; quando, porém, ele uniu uma parte com outra,
surgiu o Céu, e o Oceano, e a Terra, e o género imortal de todos os
deuses". Segundo uma fonte mais recente, a origem primitiva do
Cosmos foi um dragão com cabeça de touro e de leão: no meio, porém,
tinha o rosto de um deus, e nos ombros, asas. 3Ê conhecido como o
deus do Tempo eternamente jovem. O dragão produziu uma tríplice
seminação: o Éter húmido, o Abismo ilimitado e hiante e a nebulosa
Escuridão; e além disso, de novo, um ovo cósmico.
Tudo isto é intuição de todo fantasiosa e poética. Tem-se visto na
mitologia órfica uma "palmar" tradição oriental. Em particular o
dualismo de corpo e alma, do aquém e do além, e, em geral, uma forma
de vida em fuga do terreno, "uma gota de sangue estrangeiro" na
Grécia. A terra original destas corrupções pode, na realidade, ter sido a
índia, onde tais ideias apareceram cerca de 800 a.C., nos Upanishads,
escritos teológicos exige ticos dos Vedas. Também se encontram na
religião de Zoroastro, no planalto do Irã, como resulta dos antigos
Gâthas do Zendavesta. Estas ideias teriam sido, então, sempre um
património espiritual ariano.
d) O mito e o Logos
Muito mais importante, porém, que a questão da origem é a
sobrevivência dessas concepções. Aristóteles disse, com razão, (Met. B.
4), a propósito do mito, que ele não constituía ciência, porquê esses
"teólogos" arcaicos apenas reproduziam as doutrinas tradicionais sem
apresentarem nenhumas provas. Opõe-lhes aqueles "que falam
aduzindo provas (οι διαποδειξεΩζ λεγοντεζ), dos quais, por isso, podemos
esperar uma verdadeira "convicção". Com isso quer referir-se aos
filósofos. Por estes metódicos momentos da dúvida, da prova e da
fundamentação, distingue ele o mito, da Filosofia, embora há pouco
tivesse concedido que o amigo do mito, a certa luz, também era filósofo.
A Filosofia é, ao lado do mito, realmente algo de novo. Já não se vive
numa crença cega, do património espiritual do vulgo, mas o indivíduo
volta-se todo para si mesmo e deve agora, livre e sem tutela, elaborar
por si, examinando e provando, o que pensa e quer considerar
verdadeiro. Ê uma posição espiritual diferente da do mito. Contudo, não
devemos perder de vista que as questões formuladas pelo mito, como
suas intuições conceptuais, elaboradas nos obscuros e não-críticos
tempos anteriores, ainda sobreviveram na linguagem conceptual
filosófica. À crítica do conhecimento filosófico impõe-se aqui a tarefa de
7
examinar se os presumidos instrumentos racionais‘ ‗de pensamento
filosófico também estão, na realidade, todos racionalmente fundados.
Talvez não o sejam. E isto não somente por uma recusa, mas porque o
espírito ultrapassa o "saber" e abrange o mito, num sentido positivo,
como um caminho apropriado para a sabedoria. De maneira que
somente o crente na ciência iluminada é que pretende libertar-se do
mito, ao passo que Aristóteles diz, com razão, que também o mito, a seu
modo, filosofa.
As Origens da Filosofia
Quadro Político da Grécia Antiga até ao século VII
A questão das origens da Filosofia é hoje uma questão clássica mas
ainda controvertida. Para a tentarmos compreender vamos recuar até
ao momento no qual surgiram os primeiros Gregos.
Aproximadamente no ano 2000 a.C. estabeleceram-se na Grécia povos
indo-europeus que nela se fixaram, os quais já falavam o grego.
Quanto à origem e características dos indo-europeus ainda hoje
subsistem dúvidas. Poder-se-á dizer que são povos continentais, ligados
à pastorícia e com uma religião ligada aos fenómenos atmosféricos.
Detecta-se no século XVI uma civilização que vai ser brilhante, a
civilização dos Aqueus. Vários são os problemas que se colocam ao seu
estudo e para uma parte dos quais só há conjecturas.
O que podemos dizer, com alguma segurança, é o seguinte:
Os Aqueus são essencialmente guerreiros e encetam uma
expansão pelo Mediterrâneo Oriental;
Constituem uma série de estados entre os quais existe, ao que
parece, a hegemonia de Micenas;
o estado aqueu é fortemente burocratizado;
O linear B é a escrita dos Aqueus, a qual é silábica e não se
adapta à palavra oral.
8
Não se conhece bem a organização política e social dos Aqueus. Sob o
ponto de vista político o poder está concentrado nas mãos do soberano;
é muito provável que haja traços orientalizantes no estado aqueu.
O soberano vive num palácio que é uma autêntica cidadela que se
ergue na parte alta da cidade. Ele governa auxiliado por altos
funcionários e uma burocracia controla tudo o que se passa no estado.
Sob o ponto de vista social deve existir uma hierarquia rígida na qual a
classe dos guerreiros é a mais importante.
Vejamos, agora, outros aspectos.
Os Aqueus entraram em contacto com outros povos e entre estes, deve
destacar-se o cretense.
Um povo rude como o aqueu, pouco a pouco, em contacto com outras
civilizações, vai-se interessando pelos aspectos artísticos; é provável que
artistas cretenses tivessem trabalhado nalguns estados Aqueus.
A civilização aqueia mostrou uma abertura ao exterior que é notável e
neste aspecto prefigura a Grécia a partir dos finais do século IX. É estas
aberturas que encontramos em relação à religião.
As religiões que vamos encontrar na Grécia arcaica, em boa parte,
estão formadas no tempo dos Aqueus. Os principais deuses encontram-
se já na civilização aqueia e há divindades que vêm de outras regiões,
em especial de Creta.
É interessante notar-se que a religião dos Aqueus, nos tempos mais
recuados, privilegiava as divindades masculinas mas, sobretudo, em
contacto com Creta o panteão vai ser enriquecido com divindades
femininas. Os contornos da religião grega são nítidos, portanto, antes
dos poemas homéricos.
Para terminarmos a parte referente aos Aqueus façamos referência a
dois problemas:
O primeiro diz respeito à Guerra de Tróia. Como é sabido a Guerra
de Tróia foi encarada, na Antiguidade, como um conflito de
9
grandes proporções. Todavia, para alguns historiadores, entre os
quais citemos Finley e Claude Mossé, a importância da expedição a
Tróia foi diminuta.
O segundo problema refere-se ao fim da civilização dos Aqueus.
Não deve ter sido um final rápido: é possível que a destruição
durasse cerca de um século (do século XII ao século XI). Apontam-
se hoje várias hipóteses parecendo que se está longe de uma
certeza.
Só podemos dizer que a destruição foi brutal. No século XI um monte
de ruínas era o que restaria do mundo aqueu.
Pouco se sabe da Grécia entre os séculos XI e IX, o linear B
desapareceu e a arqueologia não tem trazido muitas informações sobre
este período.
O que se poderá dizer é o seguinte:
A Grécia fecha-se sobre si própria. Se os contactos com o exterior
não terminam, são todavia menos frequentes;
A actividade económica é diminuta;
As concentrações urbanas praticamente não existem;
A escrita, que agora é alfabética, deve ter surgido nos meados do
século X.
A introdução da escrita é um momento alto da civilização grega. A base
da escrita é o alfabeto fenício. É clara portanto a influência deste povo.
Mas o que é interessante notar-se é o facto dos Gregos não se terem
limitado a importar o alfabeto fenício: para que a escrita correspondesse
à linguagem oral os Gregos fizeram as adaptações necessárias.
A escrita antecede o aparecimento da polis. Esta, segundo Lévêque,
teria surgido cerca de 800.
As poleis espalharam-se por todo esse vasto território que constitui a
Hélade. Mas vejamos o que é a polis.
Devido à escassez de informações não conhecemos as raízes, ou seja,
as razões do aparecimento da cidade-estado. O que sabemos é que de
10
uma forma geral a polis, tem um pequeno território o que a leva a
possuir, igualmente, quase sempre, uma pequena população.
Há diferenças entre o estado aqueu e a polis no tocante ao desenho
urbanístico: enquanto no primeiro a cidadela, que é a residência do rei,
é o lugar central, na polis surge a àgora que, nos seus primeiros
tempos, é uma praça pública.
Na ágora os habitantes podiam encontrar-se, conviver e trocar ideias.
Há, assim, uma maior abertura, o sinal de uma mentalidade na qual a
curiosidade sobre as concepções e a vida pública devem ter, já, um
lugar de destaque.
O que vai acontecer ao longo dos tempos é o que se tem chamado a
fragmentação do poder político. A tendência é para o poder político se
dividir por vários magistrados, colégios e assembleias. E também vários
são os regimes políticos que os Gregos vão conhecer, entre os quais o
democrático que atinge a sua forma mais avançada na Atenas do século
V.
Ora, entre o aparecimento da polis e o final do século VII podemos
encontrar, entre outros, os seguintes aspectos:
A Grécia está francamente aberta ao exterior;
A actividade económica é intensa;
Há grupos sociais em ascensão: comerciantes, navegadores,
proprietários de oficinas;
Surge a moeda, cujo significado inicial, ainda hoje não é
consensual;
Aparecem os códigos escritos, com grande repercussão na
mentalidade grega.
No final do século VII encontramos a Hélade estendendo-se da
extremidade do Mar Negro ao extremo ocidental do Mediterrâneo. A
Hélade é, assim, um espaço descontínuo onde a unidade é constituída
por laços espirituais: a língua, a religião, os festivais pan-helénicos,
entre outros. Mas a Hélade é o espaço das poleis e no período que
estamos a considerar mencionemos duas faixas de colonização
11
extremamente importantes: o litoral da Ásia Menor e aquela constituída
pelo Sul de Itália e a Sicília.
Quadro cultural da Grécia Antiga até ao século VII
É frequente ao descrever-se as origens da filosofia falar-se de
passagem do mito ao logos.
Tentaremos mostrar que a expressão passagem do mito ao logos é
ambígua e pode deturpar o que historicamente se teria passado.
Comecemos pela questão do mito. O mito é uma história real, ou seja,
o que para nós é uma fábula, uma história maravilhosa, era nas
sociedades arcaicas uma narrativa verdadeira. Mas digamos, ainda, que
o mito pode ter como personagens não só os deuses como os próprios
homens (Cfr. M.H.R. Pereira).
A importância do mito é praticamente indesmentível. Funciona como
algo exemplar: o acto de semear ou de erguer uma casa é imitações de
gestos contidos nos mitos. Um dos mais importantes é o cosmogónico,
ou seja, aquele que trata das origens.
Este mito narra a forma como o mundo veio à existência e qual o papel
que os deuses desempenharam nesse acto. A origem do homem era
contemplada nesta exposição que era transmitida de geração em
geração: o mundo assim como o homem era obra dos deuses.
Para além da dimensão do mito como modelo devemos falar da
sabedoria que a ele está ligado.
O mais antigo corpo de saber que encontramos na Grécia está ligado
aos sacerdotes e aos homens divinos.
Os homens divinos constituem uma expressão usada pelos gregos.
Com ela queriam significar aquelas personalidades que continuando a
ser humanas possuíam um dom dado pelos deuses, o que fazia que
estivessem mais perto da divindade.
Estes homens tinham poderes extraordinários como por exemplo:
conhecer o passado e o futuro; separar o espírito do corpo e viajar, por
12
vezes por longos anos, com o espírito deixando de lado o corpo; descida
ao Hades; poderes para deter cataclismos naturais.
Para se compreender um pouco melhor uma questão tão delicada
convirá mencionar a posição de E. Morin (O Método, III?). O filósofo
francês considera que na época em que o mito é relevante as técnicas já
existiam, isto é, há uma coexistência de actividades bem diferenciadas.
Tal significa que é próprio do espírito humano este duplo enfoque, o que
leva o homem a viver não só com a razão mas também com o mito.
No caso da Grécia Antiga podemos ver a força do mito mas também
manifestações culturais, ligadas essencialmente à literatura, que
ampliam e diversificam o campo do Homem.
Façamos assim uma referência à cultura Grega desde os poemas
homéricos até aos finais do séc. VII.
Em primeiro lugar acentuemos a importância da Ilíada e da Odisseia.
Nestes poemas viram os Gregos os seus antepassados: os Gregos são os
descendentes dos heróis da Guerra de Tróia. Há assim uma dimensão
histórica, sempre considerada ao longo dos séculos na Grécia Antiga.
Nos poemas homéricos o aspecto religioso é relevante: os episódios
relativos aos deuses são numerosos e assim não é para admirar que a
sua influência seja grande neste campo.
As qualidades ostentadas pelos heróis irão servir de modelo aos
Gregos. Assim não é para admirar que Homero fosse considerado o
educador da Grécia e os poemas constituíssem a base da paidéia grega.
Convirá reflectir um pouco sobre este ponto.
Homero será acusado por vários pensadores de contar histórias
vergonhosas acerca dos deuses.
O ataque de Xenófanes a Homero inicia a querela entre os defensores
da paidéia tradicional e os filósofos. Mais tarde, vemos Platão, na
República, criticar longamente a paideia tradicional.
Se os poemas homéricos são fundamentais todavia não fazem esquecer
a Teogonia e os Trabalhos e os Dias de Hesíodo (meados do século VIII).
13
Os poemas de Hesíodo constituem um marco na História da Cultura
Grega – vejamos alguns aspectos.
Será interessante ver que o poeta fala de si próprio na sua obra (o
poeta ou poetas dos poemas homéricos não têm uma atitude pessoal).
As obras de Hesíodo apresentam outra inovação: o aspecto ético é
frisado e assim a justiça é algo de agradável aos deuses.
A Teogonia é importante não só porque é um tratado sobre a religião
grega mas também pela questão cosmogónica.
Há um esforço por parte de Hesíodo em colocar uma certa ordem na
religião grega: ao que nos parece tudo indica que o quadro religioso
grego era confuso, que as contradições eram abundantes nas biografias
dos deuses.
Surge, assim, um traço de um novo espírito: há a preocupação em
arrumar a matéria religiosa, há uma certa racionalização na tarefa
levada a cabo por Hesíodo. Com isto não queremos dizer que se perca o
sentido religioso mas sim, que começa a surgir um novo estilo.
A narrativa cosmogónica na Teogonia segue o estilo a que fizemos
referência. A génese do Universo é relativamente simples e há uma certa
aproximação à noção de Natureza sem implicar a perda do estatuto de
importância que as divindades possuíam.
Mencionemos outro acontecimento da História da Cultura Grega: o
aparecimento, nos princípios do século VII, da poesia lírica.
O poeta lírico fala de si, descreve os seus sentimentos, torna - - os
públicos. É este, sem dúvida, um fenómeno relevante na Cultura Grega.
Os quadros que traçamos não nos mostram toda a riqueza da Cultura
Grega desde os fins do século IX até aos finais do século VII. Mas
parece-nos suficiente para compreender a passagem do século VII para
o VI.
Relembremos que a parte oriental do mundo grego estava em contacto
com algumas civilizações brilhantes (Egipto, Mesopotâmia). A polis, por
14
sua vez, implicava uma mobilidade espiritual que a diferenciava do
estado oriental.
Sob o ponto de vista cultural, a trajectória seguida, implicava uma
discussão sobre temas cada vez mais amplos e complexos.
Segundo os Gregos nos finais do século VII e primeiras décadas do VI
surgiu uma plêiade de personalidades a quem chamaram os sete sábios
e cujos nomes variavam de lista para lista. Tales é um dos nomes
presentes em todas elas.
Os sete sábios, envolvidos em parte pela lenda, são figuras
diferenciadas: ao lado de legisladores e governantes surgem, também,
aqueles que têm poderes extraordinários.
Vejamos algumas das suas características:
Os sete sábios estão ligados à defesa da polis ou escrevendo os
códigos ou salvando-a de catástrofes por meios extraordinários;
O seu saber é condensado em máximas, os apotegmas;
Esse saber é público e algumas máximas são gravadas na pedra.
Quando chegamos a Tales de Mileto há na Grécia uma longa tradição
cultural. Encontramos a inovação que não corta abruptamente essa
mesma tradição. Não deve ser por acaso que Tales é um dos sete sábios
e o primeiro filósofo.
O filósofo surge como o herdeiro do chamane, do sacerdote, do poeta.
É detentor do saber como o eram os seus antepassados. Mas agora o
saber é oferecido a quem o quiser fruir. É um saber aberto que
contrasta, agora, com o círculo fechado do antigo corpo de saber.
Há uma dessacralização do saber? A resposta não é fácil. Há mitos e
narrativas que perdem velocidade, que se vão tornando mais
abstractos, ao longo dos tempos. Mas a religião não perde o seu
prestígio e acompanhara sempre o homem grego.
Pelo que dissemos, já anteriormente, a expressão passagem do mito ao
logos não é muito correcta.
15
O mito não desaparece com a filosofia, umas vezes enfrenta-a, outra
cruza-se com ela. Na longa caminhada não há cortes bruscos, há
transformações mais ou menos lentas. Nos finais do século VII havia
condições para o aparecimento da filosofia. Um quadro político aberto é
uma delas. Mas há também um conjunto de experiências culturais que
preparam o terreno para a "aurora da filosofia".
Conclusão
Nos finais do século VII e princípio do século VI, Existia um quadro
politico social e favorável ao aparecimento de um novo tipo de
concepção que se afastasse, pelo menos em parte da mítica e que tenta-
se abarcar todo o real e cujo instrumento predominante fosse a razão.
Das exposições que fizemos atem agora é importante salientar o
seguinte:
Não há um corte brusco com o passado; há uma determinada evolução
constituída por uma série de transformações e um condicionalismo
propício ao aparecimento da filosofia.
O filósofo vai surgir em determinadas condições históricas: abertura da
Grécia a outras civilizações, lugar proeminente de novas forças sociais:
determinada concepção de estado; e mudança de mentalidade que se
produziu ao longo dos séculos. A explicação mítica e substituída
pela explicação filosófica. Os primeiros pensadores debruçam -se
sobre as origens do universo e do homem, questões já albergadas
nos grandes mitos cosmológicos. Convém assinalar que a filosofia
surgida na Jónia no século VII E VI não irá constituir um corpo de
saber que aniquila-se por completo aquele que tinha vigorado mas
devido as transformações económicas, sociais e politicas permitem o
aparecimento de novas teorias, estas durante mais ou menos tempo
terão coexistido com as antigas, e por vezes surgir concepções híbridas.
O aparecimento da filosofia, que devemos saudar como um
acontecimento cultural de grande importância, não rompe totalmente
com as concepções do mundo e da vida que tinham atravessado muitos
e muitos séculos.
16
O Filósofos Pré – Socráticos
A passagem da consciência mítica e religiosa para a consciência
racional e filosófica não foi feita de um salto. Esses dois tipos de
consciência coexistiram na sociedade grega.
De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia
grega é conhecida como período pré-socrático. Esse período abrange o
conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto
(623-546 a.C.) até Sócrates (468-399 a.C.).
Os primeiros filósofos buscam a arché, o princípio absoluto (primeiro
e último) de tudo o que existe. A arché é o que vem e está antes de tudo,
no começo e no fim de tudo, o fundamento, o fundo imortal e imutável,
incorruptível de todas as coisas, que as faz surgir e as governa. É a
origem, mas não como algo que ficou no passado e sim como aquilo
que, aqui e agora, dá origem a tudo, perene e permanentemente.
No vasto mundo Grego, a filosofia teve como berço a cidade de
Mileto, situada na Jónia, litoral ocidental da Ásia Menor. Caracterizada
por múltiplas influências culturais e por um rico comércio, a cidade de
Mileto abrigou os três primeiros pensadores da história ocidental a
quem atribuímos a denominação de filósofos. São eles: Tales,
Anaximandro e Anaxímenes.
O objectivo dos primeiros filósofos era construir uma cosmologia
(explicação racional e sistemática das características do universo).
Em outras palavras, os primeiros filósofos queriam descobrir,
com base na razão e não na mitologia, o princípio substancial (a arché)
existente em todos os seres materiais.
Os pré-socráticos ocuparam-se em explicar o universo e
examinavam a procedência e o retorno das coisas. Os primeiros filósofos
gregos tentaram responder à pergunta: Como é possível que todas as
17
coisas mudem e desapareçam e a Natureza, apesar disto, continua
sempre a mesma?
Para tanto, procuraram um princípio a partir do qual se pudesse
extrair explicações para os fenómenos da natureza. Um princípio único
e fundamental que permanecesse estável junto ao sucessivo vir-a-ser.
Tales vai dizer que o princípio de tudo é a água; Anaximandro, o infinito
indeterminado, Anaxímenes, o ar; Heraclito, o fogo; Pitágoras, o
número; Empédocles, os quatro elementos: terra, água, ar, fogo, em vez
de uma substância única.
Os Milésios
Escola de Mileto ou Milesiana, é chamada a escola de pensamento
iniciada no Século VI a.C. na vila jónia de Mileto, na costa da Anatólia,
e representada, principalmente, pelos filósofos:
Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes. Convém distingui-la
da Escola Jónica, que inclui estes e outros jónios como Heraclito ( de
Éfeso), ou Diógenes de Apolônia (que viveu em Creta).
A escola de Mileto e situada na cidade de Mileto, na Jónia, litoral
ocidental da Ásia Menor. Os filósofos que fundaram a escola foram:
Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes. Tales era considerado "o
pai da filosofia" por ser o primeiro pensador grego. Tales queria
descobrir um elemento tísico que fosse constante em todas as coisas.
Algo que fosse o princípio unificador de todos os seres. Tales concluiu
que a água é a substância primordial, a origem única de todas as
coisas, para ele somente a água permanece basicamente a mesma, em
todas as transformações dos corpos, apesar de assumir diferentes
estados como: sólido, líquido e gasoso. O princípio primordial de todas
18
as coisas segundo Anaximandro era o "abeiro". Já para Anaxímenes era
o "ar".
Tales de Mileto
As 3 afirmações de Tales:
1- A água é a origem de todas as coisas.
2- A terra flutua na água.
3- Tudo está cheio de Deuses.
Thalès (grego θαλες Thalễs), chamado Tales de Mileto, é o primeiro
filósofo ocidental de que se tem notícia. Ele é o marco inicial da filosofia
ocidental. De ascendência fenícia, nasceu em Mileto, antiga colónia
grega, na Ásia menor, actual Turquia, por volta de 625 a.C. e faleceu
aproximadamente em 547 a.C. - segundo o historiador grego Diógenes
Laércio, morreu com 78 anos durante a 58ª Olimpíada.
Tales é apontado com um dos sete sábios da Grécia Antiga. Além disso,
foi o fundador da Escola Jónica. Considerado, também, o primeiro
filósofo da "physis" (natureza), porque outros, depois dele, seguiram seu
caminho buscando o princípio natural das coisas.
Tales considerava a água como sendo a origem de todas as coisas. E
seus seguidores, embora discordassem quanto à “substância primordial”
19
(que constituía a essência do universo), concordavam com ele no que
dizia respeito à existência de um ―princípio único" para essa natureza
primordial.
Entre os principais discípulos de Tales de Mileto, merecem destaque:
Anaxímenes que dizia ser o "ar" a substância primária; e
Anaximandro, para quem os mundos eram infinitos em sua
perpétua inter-relação.
Teorema de Tales - "Quando duas
rectas se cortam, são iguais os ângulos"
Tales observou que, num mesmo
instante, a razão entre a altura de um
objecto e o comprimento da sombra que
esse objecto projectava no chão era
sempre a mesma para quaisquer
objectos
"Este teorema certamente mostra, que de duas linhas rectas, que se
cortam, os ângulos contrários pelo vértice são iguais. Contudo a
questão se apresenta pouco clara, porque o teorema supõe também
outros conhecimentos mais simples, os quais possivelmente Tales não
tivesse. Por isso, melhor é supor que Tales se tenha valido de sua
experiência adquirida em cálculos práticos.
A Cosmologia de Tales
Na época de Tales, os gregos – através de sua mitologia – consideravam
os elementos da Natureza (o Sol, a Terra, o Céu, o Oceano, as
Montanhas, etc.) como forças autónomas, honrando-os como deuses,
elevados pela fantasia a seres activos, móveis, conscientes e dotados de
sentimentos, vontades e desejos. Estes deuses constituíam-se na fonte e
na essência de todas as coisas do universo.
Tales foi um dos primeiros pensadores a discordar dessa religião
vigente, cujos princípios eram ditados pela percepção que os
homens captavam através de seus sentidos.
O ponto de partida da teoria especulativa de Tales – como
20
também de todos os demais filósofos da escola Jónica – foi a
verificação da permanente transformação das coisas umas nas
outras e sua intuição básica é de que todas as coisas são uma só
coisa fundamental, ou um só princípio (arché).
Dos escritos de Tales, nenhum deles sobreviveu até nossos dias. Suas
ideias filosóficas são conhecidas graças aos trabalhos de Diógenes
Laércio, Simplício e principalmente Aristóteles.
Em sua obra - Metafísica, Aristóteles nos conta: ―Tales diz que o
princípio de todas as coisas é a água, sendo talvez levado a
formar essa opinião, por ter observado que o alimento de todas as
coisas é húmido e que o próprio calor é gerado e alimentado pela
humidade. Ora, aquilo de que se originam todas as coisas é o
princípio delas. Daí lhe veio essa opinião, e também a de que as
sementes de todas as coisas são naturalmente húmidas e de ter
origem na água a natureza das coisas húmidas”.
Em seu livro – Da Alma, Aristóteles escreve: ―E afirmam alguns que ela
(a alma) está misturada com o todo. É por isso que, talvez, Tales
pensou que todas as coisas estão cheias de deuses. Parece
também que Tales, pelo que se conta, supôs que a alma é algo que
se move, se é que disse que a pedra (imã) tem alma, porque move o
ferro‖.
Esse esforço de investigação de Tales no sentido de descobrir uma
unidade, que seria a causa de todas as coisas, representa uma
mudança de comportamento na atitude do homem perante o cosmos,
pois abandona as explicações religiosas até então vigentes e busca,
através da razão e da observação, um novo sentido para o universo.
Quando Tales disse que todas as coisas estão cheias de deuses, ou
que o magnetismo se deve à existência de “almas” dentro de
certos minerais, ele não estava invocando as palavras deus e
alma, no sentido religioso como as conhecemos actualmente, mas
sim adivinhando intuitivamente a presença de fenómenos
naturais inerentes à própria matéria.
Embora suas conclusões cosmológicas estivessem erradas podemos
21
dizer que a Filosofia começou então com Tales, que ao estabelecer a
proposição de que a água é o absoluto, provoca como consequência o
primeiro distanciamento entre o pensamento racional e as percepções
sensíveis.
Contos
Plutarco disse que Tales certa vez olhando para o céu, tropeçou e
caiu, sendo repreendido por alguém como lunático: analisava o
tempo para descobrir que haveria uma seca, com a qual ganhou
dinheiro.
Usando seu conhecimento astronómico e meteorológico
(provavelmente herdado dos babilónios), Tales previu uma
excelente colheita de azeitonas com um ano de antecedência.
Sendo um homem prático, conseguiu dinheiro para alugar todas
as prensas de azeite de oliva da região e, quando chegou o verão,
os produtores de azeite tiveram que pagar a ele pelo uso das
prensas, o que levou-o a ganhar uma grande fortuna com esse
negócio.
Quando perguntaram a Tales o que era difícil, ele respondeu:
―Conhecer a si próprio‖. Quando lhe perguntaram o que era fácil,
ele respondeu: ―Dar conselhos‖.
Terramotos - Foram explicados por Tales como flutuação pouco
firme da terra sobre a água que a sustenta nos fundamentos. Diz
um texto, cujo informe deriva da tradição de Teofrasto, através da
escola estóica de Possidónio: "Porque diz Tales, que o mundo está
apoiado sobre a água, e que ela viaja como navega ao modo de
navio, e que ela flutua movente". O terrífico fenómeno do
terramoto, que as narrativas míticas apresentavam como punição
divina, passa, a partir de Tales, a ter uma explicação racional,
ainda que com falta de acerto. A explicação de Tales significa ao
menos um bom começo. Estimulado certamente por esta teoria,
Anaximandro tentará outra melhor.
22
Principais Fragmentos
―... A água é o princípio de todas as coisas...‖. - ―... Todas as coisas estão cheias de
Deuses...‖. - ―... A pedra magnética possui uma alma porque move o ferro...". - “... A
alma é uma natureza sempre em movimento, ou que se move por si mesma...". - ―...
Deus é o mais antigo dos entes, porque ele é por si mesmo...‖. - ―...O mundo é isto,
que de mais belo existe, porque ele é a obra de Deus...‖. - ―... O espaço é aquilo, que de
maior existe, porque ele contém tudo...‖. - ―... A mente é isto, que de mais rápido
existe, porque ela corre através de tudo...‖. - ―... A necessidade é o que há de mais
forte, porque ela tudo rege...‖. - "... O mais sábio é o tempo, porque ele descobre
tudo...".
Conclusão:
Tales, natural de Mileto, nascido no século VII mas cuja actividade se
deve processar essencialmente no século VI, não deve ter deixado qualquer
obra escrita.
Assim não é para estranhar que pouco conheçamos da sua vida e
pensamento.
O tema da filosofia de Tales é a physis. A physis é a substância
primordial, a génese das coisas existentes.
O problema colocado por Tales não é novo: é a questão das origens. O
filósofo quer saber qual é a substância que vai originar o universo.
Tales vai responder que a origem das coisas é a água. Com isto quer
dizer que é a partir da água que o universo, com tudo o que ele encerra, se
vai formar.
É de presumir que Tales tivesse traçado a evolução do universo:
simplesmente não temos informação que a documente.
O que sabemos, ainda, é que Tales afirmou que a Terra é um disco
achatado que está a boiar na água.
Podemos destacar os seguintes pontos:
Tales preocupa-se com a forma da Terra;
A Terra tem um suporte, o que lembra as raízes que prendem a Terra
ao fundo, que podemos ver nas cosmogonias;
23
Quando a água, suporte da Terra, entra em agitação a Terra
estremece – é o terramoto.
O que podemos descortinar é que Tales se interessa com a forma da Terra
e pretende dar uma explicação de fenómenos que são importantes para a
Humanidade.
Outra tese de Tales diz que tudo está cheio de deuses. É uma
afirmação um pouco misteriosa para nós.
Sabemos que Tales fez pequenas experiências com o âmbar e o imane; viu
assim que havia corpos que atraíam outros corpos (é possível que estas
experiências sejam anteriores ao filósofo).
É provável que com estes dados Tales chegasse à seguinte conclusão: há
forças nos objectos e essas forças são deuses. Se assim é podemos concluir
o seguinte:
Os deuses estão à nossa volta, ou seja, estão em todo o lado;
Esta concepção insere-se no quadro do politeísmo grego mas há
inovação na medida em que os deuses estão mais próximos do
Homem.
Tales ficou famoso por outras actividades. Interessou-se pela matemática
mas não se conhecem os seus progressos.
Faz a previsão de um eclipse em 585 mas hoje pensa-se que Tales podia
prever a data mas não o lugar onde ele era visível. É muito provável que
Tales tivesse tido acesso às tábuas astronómicas dos babilónios, o que
demonstra a sua grande curiosidade.
Terminamos com a interessante explicação das cheias do Nilo. Tales
afirmou que os ventos etésios, em determinada altura do ano, sopram em
direcção à embocadura do Nilo dificultando a entrada das águas do rio no
Mediterrâneo: sendo assim o rio transbordaria para as suas margens,
provocando as inundações.
Hoje sabemos que a explicação de Tales não é exacta; o que é exacto é o
espírito da explicação dada pelo filósofo.
24
Anaximandro de Mileto
O Apeiron
Anaximandro ,segundo filosofo da escola jónica, natural de Mileto. Foi
geógrafo, matemático, astrónomo e político. Escreveu um livro, Sobre
a natureza, que se perdeu. Autor do primeiro mapa da história e
iniciador da astronomia. Afirmou que a origem de todas as coisas
seria o Apeiron, o infinito. O mundo se dissolveria nele também. É
apenas um mundo dentre muitos. Ao contrário de Tales não deu à
gênese um carácter material. O Apeiron é eterno e indivisível,
infinito e indestrutível. O princípio é o fundamento da geração de
todas as coisas, a ordem do mundo evoluiu do caos em virtude deste
princípio.
Supôs a geração espontânea dos seres vivos e a transformação dos
peixes em homens. Anaximandro imaginava a terra como um disco
suspenso no ar. Diz-se também, que preveniu o povo de Esparta de um
terramoto.
Vida - Filho de Praxíades e discípulo de
Tales, 14 ou 24 anos mais jovem que o
mestre, mas ambos morreram mais ou
menos no mesmo ano. Nasceu na Cidade
de Mileto em 610 a. c.. Segundo Diógenes
Laércio, Anaximandro tinha 64 anos por
ocasião da 58ª olimpíada (547 a..c.) e logo
depois morreu, é possível fixar, que
efectivamente faleceu cerca de 545 a..c.
Esta informação coincide com a de
25
Hipólito sobre o nascimento no terceiro ano da 42ª olimpíada (610
a.e.c.).
Diodoro de Éfeso, ao escrever a respeito de Anaximandro, diz que
[Empédocles] o imitava no gesto e no uso de vestes solenes"
1. Como se sabe, Empédocles de Agrigento, da escola jónica nova, fora
um filósofo festejado ao mesmo tempo como atleta olímpico. Sendo-lhe
uma geração posterior, a comparação deve ser apenas de fundo
histórico, por conta de quem a fez. Além disto, Anaximandro foi político,
professor, administrador e construtor de relógios solares, há que diga
que ele foi o inventor dos Gnômons (Relógios Solares), mas é uma teoria
bastante discutível uma vez que os gregos adoptaram essa tecnologia
além das doze horas do dia dos babilónicos. Mas de qualquer forma, foi
Anaximandro quem introduziu os Gnômons na Grécia.
Previsão de um Terramoto Fez a previsão de um terramoto.
Anaximandro foi até Lacedemonia e aconselhou o exército espartano a
abandonar a cidade, segundo
testemunho de Cícero a
cidade inteira foi destruída. A
previsão do terramoto de
Anaximandro deve ter
acontecido pela experiência a
respeito uma vez que Mileto
estava dentro de uma zona
sísmica.
Diógenes Laércio afirma que
Anaximandro foi o primeiro a
definir um perímetro da terra e
do mar. Além de construir um
mapa da terra habitada, que foi
aperfeiçoada posteriormente
por Hecateo de Mileto. Seu
mapa-múndi foi um desenho circular, em que as regiões conhecidas
(Ásia e Europa) formavam segmentos aproximadamente iguais e todo ele
rodeado pelo oceano.. Os conhecimentos geográficos de Anaximandro se
baseavam nas notícias de navegantes que seriam abundantes e
variadas em Mileto, centro comercial e de colonização.
A Tradição considera Anaximandro, antes de tudo, um filósofo,
sucessor e discípulo de Tales, cuja filosofia devemos interpretar
como um desenvolvimento interno do racionalismo de seu mestre.
Anaximandro desenvolveu, como crítica a filosofia de Tales, as ideias
filosóficas seguintes:
26
a) O Apeiron. Segundo as fontes procedentes de Teofrasto,
Anaximandro havia afirmado que o principio de todas as coisas
existentes não é nenhum de os denominados elementos (água, ar,
terra, fogo), se não alguma outra natureza Apeiron [indefinido o
infinito];
b) O cosmos. Do centro do Apeiron eterno se agrega espécies de
elementos, sem determinações, principalmente sem qualidades
contrárias Este cosmos é dinâmico e temporal que tem sua origem e
seu fim no Apeiron.
c) A diversidade de mundos. Todas as fontes procedentes de
Teofrasto (Simplício, Hipólito e Ps. Plutarco) atribuem a
Anaximandro ideia de mundos infinitos (simultâneos e
sucessivos).
Em Anaximandro encontramos um problema semelhante ao de Tales de
Mileto, pois em ambos pensadores as actividades científicas e filosóficas
recaem na mesma pessoa subjectiva. Anaximandro poderia ser
interpretado do ponto de vista científico como uma espécie de
cosmólogo, do mesmo modo que Tales poderia ser interpretado como
um fisiólogo ou biólogo. Mas a cosmologia de Anaximandro, é igual a
physis de Tales e está coberta por ideias filosóficas. As ideias de
Anaximandro (o Apeiron, o cosmos, a dinâmica e temporalidade do
mundo) só adquirem uma escala adequada ao compará-las como um
desenvolvimento interno dos problemas presentes no racionalismo de
Tales, de tal modo que se poderia afirmar que muitos de suas ideias
científicas estão cumprindo funções ontológicas, só podem ser
entendidas por meio de suas ideias filosóficas.
O Apeiron
O cosmos
A Multiplicidade dos mundos
O Apeiron - Segundo fontes de Teofrasto e os textos de Aécio e D.
Laércio, o Apeiron é o conteúdo da arché (origem de toda a
matéria). A ideia de Apeiron é crítica-negativa, que não pode ser
definida positivamente. Esta negação está contida em seu significado
etimológico. O termo Apeiron está composto da partícula privativa a e o
término péla (limite, borda). Etimologicamente Apeiron significa sem
limites.
A ideia de Apeiron
pode adquirir
27
diferentes sentidos negativos segundo os diferentes parâmetros que
fizermos para o limitado. Assim, se tomamos como parâmetros o
limitado dos objectos concretos do mundo das formas (exemplo, uma
lâmina metálica, uma cinta), Apeiron será o que não tem bordas ou
extremos, porque se uniu a um anel. Aristóteles e Aristófanes
apontaram a associação do Apeiron com algo circular ou esférico,
círculo pode ser tomado, por sua vez, como referencia do limitado
(exemplo: cosmos esférico limitado por uma superfície imersa em um
espaço vazio), e, então o Apeiron seria uma esfera de raio infinito, sem
limites. o Apeiron seria, pois, o circulo, o infinito em extensão espacial.
Se tomarmos como modelo de limitado a água de Tales em quanto
determinação do arché, então o Apeiron de Anaximandro será a
negação que, em seu uso filosófico, se exerce sobre a metafísica
de Tales. A água de Tales sim é algo determinado não pode ser
arché. O Apeiron aparece assim como uma alternativa ao
monismo da substância e, por onde, não pode ser nem água nem
nenhum dos denominados elementos (ar, terra, fogo).
No racionalismo de Tales o arché aparece sempre determinado nas
formas do mundo. A unidade destas formas é a unidade das
transformações mutuas unidade por identidade. O racionalismo de
Tales unido a redutibilidade de algumas formas a outras (o mesmo que
o bem e o mal, os gregos e bárbaros, os amos e os escravos, etc.). Agora
o projecto de Tales começaria a perder-se quando as formas do mundo
começam a mostrarem-se como irredutíveis: os opostos estão separados
por fronteiras intransponíveis, ao menos de um modo directo. Contudo,
Anaximandro conservaria o grupo de transformações de Tales, mas não
de um modo directo, porém imediato.
A transformação de coisas em outras está mediada pelo Apeiron.
O Apeiron nos apresenta assim como a fonte inesgotável de
energia que garante a transformação da unidade do cosmos. São
duas as características do Apeiron de Anaximandro: Infinito e
Indeterminado. Em quanto infinito o Apeiron é fonte de energia e
movimento para que no mundo não cesse a geração e declínio; Mas,
além disso, o Apeiron não é nenhum dos denominados elementos
(água, ar, fogo, terra), porém algo indeterminado. Esta
indeterminação é relativa ao mundo gerado em seu ventre como um
embrião na placenta. Anaxímenes, o discípulo de Anaximandro,
conservará de seu mestre a concepção do arché, mas já não será
indeterminado como em Anaximandro e sim algo determinado: o ar.
É de suma importância determinar as razões que levaram Anaximandro
a opor-se ao projecto racionalista de Tales, em termos de discussão
interna, própria da Escola. Quais são as razões que levaram
Anaximandro a estabelecer a tese de que o arché infinito não pode
ser algo determinado, não pode ser nenhum dos denominados
elementos? Segundo Gomperz, o grupo de transformações não pode
28
servir para explicar a transformação de algumas coisas em outras.
Assim, por exemplo, o ar para converter-se em fogo por rarefação
(aumento de volume), necessita esquentar-se; As nuvens ao condensar-
se se convertem em água, mas para elas necessitam esfriar-se, etc.
Mas o argumento decisivo é que a condensação e rarefação implicam na
limitação do mundo. E se o mundo é finito então nenhuma de suas
partes, nenhuma determinação, pode ser elevada a categoria de arché
infinito. Mas porque a condensação e rarefação implicam no limite do
mundo? Se partirmos da hipótese de que o mundo é infinito, e dizer,
que o mundo é composto de infinitas partes [A, B, C,........], então
cabem duas possibilidades:
1. Cada parte é algo determinado e finito; mas
neste caso a parte se desintegraria na
infinidade de transformações;
2. A parte ou determinação é algo infinito, mas
então nunca se transformaria em outra
parte, pois por mais que condensemos o fogo,
sempre obteremos fogo, etc.
Por reductio ad impossibilem se estabelece a tese de que o mundo das
formas é um mundo finito. Logo se é possível a transformação em
mundo das formas, Tanto que elas se absorvem em um Apeiron
indeterminado. A crítica directa a Tales leva a estabelecer como
primeiro principio o arché algo indeterminado.
A interpretação do arché como infinito e indeterminado, do Apeiron
como aquele em que todas as formas do mundo, e em particular os
opostos, se reabsorvem, como fonte inesgotável de energia que garante
a transformação e unidade do cosmos, indica o caminho feito pela
ontologia geral.
E, sem embargo, também é possível a interpretação do Apeiron nos
limites da ontologia especial. As fontes de Simplício, Ps. Plutarco,
Hipólito, Aécio, etc. Nos informam que o Apeiron não é nenhum dos
denominados elementos, mas ao mesmo tempo nos dizem que o Apeiron
é o princípio de todas as cosais existentes. Neste caso o Apeiron não é
nenhum elemento determinado mas indeterminado, em que as
determinações se apagam e desaparecem. Alguns textos de Aristóteles
nos apresentam o Apeiron como uma substancia intermediária, entre
todos os elementos, Uma mescla indiferenciada de todas as matérias
empíricas.
29
O Cosmos - A segunda ideia de Anaximandro, que chega aos nossos
dias é a ideia de cosmos. o termo kósmo se traduz geralmente por
―mundo‖ e por ‖natureza‖ (no contexto de ―mundo natural‖). Na
evolução semântica do termo kósmo pode-se distinguir os seguintes
estados:
a) Seu significado etimológico é ―ordem ou disposição‖ de certa coisa
(por exemplo, uma tropa de cavalos) e no de ―ornamento‖ (por exemplo,
o ornamento feminino, de onde provém cosmética). Segundo Heidegger,
este segundo significado deve interpretar-se como beleza, noção ligada
transcendentalmente a ideia de ser.
b) Ordem do mundo;
c) O Mundo como uma ordem;
d) O Mundo em geral sem especial referencia à estrutura ordenada 12.
Anaximandro havia efectuado o passo de (a) a (b) ou (c). Este passo só é
possível através da experiência ou representação de uma ordem
concreta no primeiro sentido de (a). Mas o que é ordenação concreta?
Este se refere ao problema dos modelos (sociais, políticos, militares, ou
tecnológicos) da ideia de cosmos. Para Paul Vernant, o cosmos de
Anaximandro seria o emblema da nova polis democrática em que o
príncipe o monarca havia sido substituído pelo equilíbrio de forças
democráticas que se contrapesam em torno a um centro: o àgora.
Mas, além dos modelos sociopolíticos de este tipo, existem também os
modelos tecnológicos que parecem gozar de una maior potência
explicativa. Esta interpretação foi sugerida por Gomperz. A experiência
tecnológica da roda seria a corrente de transmissão para construção da
ideia de cosmos. Assim, por exemplo, Anaximandro assina trajectórias
circulares aos astros, enquanto corpos isolados, mas enquanto
fragmentos de rodas de fogo envoltas em uma espécie de câmara de ar.
A roda nos apresenta assim como esquema inteligível de continuidade
ou conservação dos astros. Em todo caso o ágora pode ser considerado
como um reforço do conceito de roda.
Na geração deste cosmos, o gérmen do quente e frio foi segregado do
eterno . A geração do cosmos a partir do Apeiron se produz não por
alteração do elemento, mas ao separar os opostos: quente/frio,
seco/húmido. O essencial do Apeiron de Anaximandro não é que se
determine nos elementos e sim em uma ordem de elementos, formando
um cosmos, mas um cosmos enantiológico, um sistema de oposições. O
cosmos de Anaximandro é a unidade metafísica do mundo das formas,
mas esta unidade se realiza de um modo diferente como ocorria no
mundo de Tales. O monismo da substancia de Tales unidade do mundo
é a unidade própria das formas que desaparecem umas em outras. Em
troca, o monismo da ordem de Anaximandro, a unidade do cosmos é a
unidade das formas que aparecem: não de outras, mas do Apeiron. O
cosmos é, pois, a unidade que as formas devem manter para subsistir
30
como tais formas. Esta unidade é já um conceito M3, que no se absorve
em nenhum corpo (M1), nem em nenhuma mente (M2).
O cosmos enantiológico forma um sistema de relações, uma estrutura,
que se realiza em todos os campos, sobre todo o elo astronómico. Neste
sentido Anaximandro, antecipando-se aos pitagóricos, é o primeiro em
iniciar a análise matemática da natureza, estabelecendo relações
numéricas entre os corpos celestes e o raio da Terra tomado como
unidade:
 Relaciones do raio da Terra com sua altura (a
altura é igual a um terço do diâmetro);
 Relações da distância entre anéis com o raio
terrestre (o anel das estrelas e dos planetas
em 9 raios, da lua 18 raios, e o anel do sol
em 27 raios).
O cosmos de Anaximandro é um sistema de relação temporal, pois a
partir de onde há geração para as coisas, há ali também a produção da
destruição, segundo a necessidade de acordo com a disposição do
tempo. A dinâmica do cosmos se desenvolve conforme duas fases: a
primeira é a formação do cosmos a partir do Apeiron, a segunda fase é a
do retorno de todas as coisas ao Apeiron. O cosmos é um sistema de
relação temporal, pois seus términos não procedem de si mesmos (da
transformação de uns em outros), e sim do Apeiron. Anaximandro
explica a formação do cosmos a partir do Apeiron em duas etapas: Na
primeira etapa se explica a formação da Terra. Na segunda serão a da
formação das Esferas os anéis.
Do ventre do Apeiron eterno se segrega um gerador do calor e do frio.
Frio e calor são o primeiro par de opostos. O calor dá lugar ao fogo a
massa ígnea que rodeia totalmente o frio como casca e fruta. Esta
esfera ígnea tem um movimento circular. O frio por sua vez se
determina em outro par de opostos: o sólido e o húmido. O sólido dá
lugar a Terra. O húmido se determina em líquido (água) e gasoso (ar).
Os quatro elementos (fogo, terra, água e ar) que formam nosso cosmos
foram gerados — segundo a disposição do tempo — a partir das
qualidade opostas.
Formação da Terra. o movimento circular da esfera ígnea dá lugar a
um redemoinho que origina a Terra a partir do frio. A terra tem forma
cilíndrica, como uma coluna de pedra e o homem habita uma de suas
superfícies planas. A altura da Terra é um terço de seu diâmetro no
princípio, a Terra está rodeada de água (de humidade) por todas as
partes, mas o calor do fogo transforma parte da água em ar, e o resto se
converte em mar, caindo livre parte da terra que, sem embargo,
propende a secar-se completamente: o mar é um resíduo da humidade
primitiva. Depois uma parte da humidade se evaporou por causa do sol
e se converteu em ventos; enquanto a parte que cai nos lugares ocos da
31
terra, é mar. Que por ser secado pelo sol, diminui e acaba secando. A
Terra está no centro do universo, suspendida livremente, sem estar
sustentada por nada, movimentando-se em um espaço infinito, este
movimento acaba neutralizado, pois, por estar no centro, as forças de
atracão que actuam desde os distintos lugares da abóbada se
compensam entre si. Assim, pois, a Terra tem que permanecer em seu
lugar. Anaximandro parte da ideia de movimento e deduz dela o
repouso da Terra.
Formação das esferas. A cobertura ígnea rodeia e tudo mais se
desgarra para formar anéis separados. Este rompimento se produz por
causa do movimento da própria esfera ígnea ou, também, porque a
massa gasosa ao aquecer penetra na esfera ígnea. Estes anéis estão
envoltos por uma massa atmosférica opaca e obscura; mas apresentam
orifícios ou aberturas através dos quais brilha o fogo que aprisionam. O
que nós denominamos corpos celestes não são outra coisa que o fogo
que nós percebemos através destes orifícios. A obstrução destes orifícios
produziria segundo Anaximandro, os eclipses e as fases da lua. Existem
três classes de anéis: o do sol, o da lua, e dos planetas e estrelas fixas.
O sol é o maior (distante da Terra 27 raios), depois o da lua (18 raios)
seguido das estrelas fixas e dos planetas (9 raios).
Origem dos animais e do homem. Anaximandro enuncia uma tese
evolucionista, mediante generatio aequivoca, sobre a origem dos
animais. Os primeiros animais surgem da lama que se vai secando
mediante o calor do sol e estavam recobertos de uma pele ouriçada e
espinhosa para proteger-se do mundo circundante Com ele enuncia
uma tese lamarquista-darwinista da defesa das espécies frente a seu
meio ambiente e da troca da forma das espécies em virtude das
mudanças produzidas nesse meio. As mudanças das condições de vida
(a mudança fazia o elemento seco) ocasionam o desaparecimento da
casca que rodeava estes seres.
Por outra parte, os homens e mulheres primitivos nasceram já adultos.
Na lama esquentada pelo sol se originaram uns poucos peixes ou
animais semelhantes aos peixes em cujo interior se haviam
desenvolvido os homens que permaneceram ali até o amadurecimento.
Anaximandro fundamenta esta tese no seguinte: se o homem houvesse
chegado ao mundo na forma que chega actualmente, não haveria
sobrevivido. A argumentação de Anaximandro deveria ser a seguinte:
1) Todos os seres podem valer-se por si mesmos ao nascerem, excepto o
homem que necessita, ao crescimento, de um grande período de
cuidados maternos.
2) Os primeiros homens necessitariam de uma protecção especial
(biológica) que substituiria os cuidados maternos actuais.
32
3) Se houvessem tido essa protecção, a espécie humana não teria
resistido.
4) Mas a espécie humana resistiu.
5) Logo os homens primitivos não chegaram ao mundo na forma que
chegam actualmente.
A dinâmica do cosmos em sua segunda fase consiste no retorno de
todas as coisas ao Apeiron. O próprio sistema conduz a sua destruição e
absorção no
Apeiron.
Os anéis de
fogo, e do sol
particularmente
, enquanto gira
vão
determinando
uma evaporação
da água
terrestre, que
terminará por
secar a terra (sufocando a vida que há nela) e assim acabará com o
próprio ar que envolve os anéis. Produzir-se-ia assim uma espécie de
morte térmica do universo. Em termos mais modernos, se poderia dizer
que o cosmos de Anaximandro leva em seu ventre a morte entrópica,
seu desaparecimento pela conversão de todo o calor, em fogo.
O cosmos de Anaximandro é um equilíbrio — uma ordem, uma entropia
mínima, mas um equilíbrio instável, porque não há perfeita e constante
retribuição (segundo o critério do racionalismo de grupo) de uns
términos a outros. Por ele diz Anaximandro que o mundo é injusto e por
ele (segundo o texto de Simplício) as coisas voltam de novo ao Apeiron
segundo a ordem do tempo
A Multiplicidade dos Mundos - A dinâmica do cosmos de
Anaximandro nos mostra que este tem um começo e um fim. O Apeiron
apresenta dialecticamente no princípio e no fim do cosmos. Mas o
principio é diferente da ideia do Nada e de criação, e no fim significa
aniquilação. Por ele o Apeiron nos apresenta como a conjunção de duas
impossibilidades:
1. A impossibilidade de um cosmos eterno;
2. A impossibilidade da criação e aniquilação.
33
Se o cosmos não é eterno e a aniquilação desse cosmos não é possível,
então o fim do cosmos tem que dar origem a novos mundos.
Anaximandro concebe o Apeiron fora do tempo, mas integramente
orientado no cosmos. O cosmos em que estamos começa e acaba, e o
Apeiron dá lugar a novos mundos que começam e acabam. Mas a
multiplicidade dos mundos pode ser entendida como simultânea ou
como sucessiva. Defendem a pluralidade simultânea Santo Agostinho,
Burnet, W. Capelle, e outros, sobre tudo Kirk e Raven ao manifestar
que, em caso de atribuir a multiplicidade de mundos a Anaximandro,
observação de nosso mundo sugere mais a pluralidade simultânea (a
multiplicidade dos astros) que a sucessiva. Defendem a multiplicidade
sucessiva de mundos Zeller e Cornford (Principium Sapientiae) quem
demonstraram a falácia de muitos dos argumentos de Burnet e
conseguiram que a interpretação de Zeller desfrutasse do favor geral.
O principal problema que questiona a pluralidade dos mundos é sua
compatibilidade com o monismo, e Santo Agostinho não deixou de
contrapor o pluralismo de Anaximandro e o monismo de Tales, pois
acreditava (Anaximandro) que o princípio das coisas singulares era
infinito e dava origem a mundos inumeráveis. Efectivamente, se o
Apeiron dá origem a infinitos mundos coexistentes no tempo
(simultâneos), então não é possível incluir Anaximandro no monismo
milesiano. A unidade do Apeiron implica na unidade do cosmos, mas
esta unidade chocar-se-ia com a multiplicidade simultânea de mundos
singulares. Para tanto a pluralidade de mundos coexistentes romperia a
unidade do Apeiron em quanto esta se funda por referencia al cosmos.
Sem embargo a multiplicidade sucessiva de mundos se parece
compatível com o monismo, pois a unidade do Apeiron se mantém por
referência a singularidade de cada mundo. A sucessão infinita de
mundos pode ser entendida de duas maneiras:
1. Como continuidade cósmica. A sucessão
entre dois mundos é uma continuidade
cósmica. Mas se a sucessão entre dois
mundos se mantém no plano cósmico então
existe uma continuidade de cosmos. Isso
conduz à tese de que, em realidade, não
existe propriamente uma pluralidade nem
sucessiva nem simultânea de mundos (ideia
de continuo que havíamos atribuído a Tales
de Mileto).
2. Como hiatos acósmicos (metakósmia).
Entre mundo e mundo existiriam hiatos
extracósmicos (Apeiron). A ideia de inter-
mundia (metakósmia) é uma ideia limite de
cosmos, que não podemos conhecer em si e
por isso nos apresenta como indeterminado.
34
Mas a Ideia de metakósmia tampouco é incompatível com a de
simultaneidade, no caso de que a multiplicidade de mundos isolados
constitui um cosmos que tem como limite a ideia de meta cosmos.
O Fragmento de Anaximandro
"O ilimitado é a origem dos seres. E a fonte da geração das coisas existentes é
aquela na qual a destruição também acontece [segundo a necessidade
porquanto pagam castigo e retribuição uns aos outros, pela sua injustiça,
de acordo com o decreto do tempo] como ele se exprime, nestes termos um
tanto poéticos." (Trad. M. H. Rocha Pereira)
Conclusão:
Anaximandro, natural de Mileto, ficou famoso na Antiguidade por ter
desenhado um mapa. Foi um companheiro de Tales, mais jovem do que este.
Anaximandro escreveu um livro, em prosa e cujo título é Acerca da
Natureza. Tudo isto merece algumas considerações.
O título não é de completa confiança: é possível que o título original se
perdesse e mais tarde se atribuísse esta designação genérica às obras dos pré-
socráticos. Mas é interessante notar-se que, mesmo que o título seja
posterior, ele corresponde ao domínio tratado pelo filósofo.
É relevante o facto de Anaximandro ter escrito um livro em prosa.
Em primeiro lugar o pensamento de Anaximandro torna-se público, isto é,
pode ser abordado por quem tenha curiosidade para tal. É uma atitude que
acompanha, quase sempre, a Filosofia.
Em segundo o facto de o livro ser em prosa mostra uma audácia da parte de
Anaximandro. O universo cultural é dominado pela poesia no tempo do
filósofo.
Escrever em prosa era abandonar os padrões mais elevados e, em
contrapartida, Anaximandro conferia à prosa a dignidade de poder constituir o
veículo do saber.
35
Vejamos agora a doutrina de Anaximandro.
O filósofo debruçou-se sobre o mesmo problema do seu antecessor: o que é a
physis? E Anaximandro dá a resposta: a substância primordial é o apeiron.
O termo Apeiron aparece na linguagem vulgar grega: nela significa algo sem
limites, inacabado e por isso não é perfeito ou belo. Porém, para
Anaximandro o termo embora conserve o sentido de qualquer coisa sem
limites tem uma dignidade que não possui na linguagem vulgar.
A substância primordial para Anaximandro é algo sem limites e
indeterminada. Esta última característica é fundamental para se
compreender o que é o Apeiron. Este não é uma substância determinada
como a água, por exemplo, mas também não é uma mistura de substâncias. Se
fosse uma substância determinada destruiria todas as outras, na medida em
que a physis é infinita.
É importante assinalar que a substância primordial é increpada e
imperecível: temos aqui patente a importância e a dignidade do Apeiron que
existe desde sempre e existirá para sempre.
Indiquemos igualmente a identificação da Divindade com a substância
primordial; a este respeito façamos as seguintes observações:
As características do Apeiron são tão importantes que são dignas para
aplicar à Divindade;
Se a Divindade é a substância primordial não é antropomórfica o que
mostra a inovação introduzida por Anaximandro.
O filósofo está interessado na génese do Universo e sobre este tema temos
alguma documentação, embora escassa.
Para Anaximandro, em determinada altura, separou-se do apeiron uma
massa capaz de produzir o quente e o frio; em seguida a parte fria ocupa o
centro e a quente vai envolvê-la.
Ora, é esta situação que vai provocando a secagem, progressiva, da parte
fria e a evaporação vai ter como resultado a fragmentação da esfera de fogo.
A arquitectura do universo de Anaximandro é a seguinte:
36
A Terra tem uma forma cilíndrica;
A Terra está imóvel, no centro, sem necessitar de qualquer suporte
porque está equidistante de todos os outros pontos;
os astros são constituídos por rodas ou anéis (das estrelas, da Lua e do
Sol) cheias de fogo, envoltas por uma película opaca e com aberturas
pelas quais sai a luz.
A maior ou menor obstrução dos orifícios explica os eclipses e as fases da
Lua. Esta explicação é relevante pois mostra que Anaximandro dá resposta a
fenómenos particulares inserindo-os numa teoria geral.
No que diz respeito ao tema das origens façamos, ainda referência à dos
seres vivos. Segundo Anaximandro os seres vivos nasceram da lama e nos
primeiros tempos, devido à escassez de terra firme, eram peixes ou
semelhantes aos peixes.
O homem foi idêntico aos outros seres e em determinada altura veio para
terra firme e perdeu a sua carapaça espinhosa. Podemos fazer as seguintes
observações:
Os seres vivos não tiveram sempre o mesmo aspecto, atravessaram
uma certa evolução;
Há uma adequação entre os seres vivos e o ambiente.
Deixemos para o fim o fragmento de Anaximandro, as primeiras palavras de
um filósofo que chegaram até nós. Vamos transcrevê-lo no contexto do
comentador (Simplício) que o conservou:
"O ilimitado é a origem dos seres. E a fonte da geração das coisas
existentes é aquela na qual a destruição também acontece [segundo a
necessidade porquanto pagam castigo e retribuição uns aos
outros, pela sua injustiça, de acordo com o decreto do tempo]
como ele se exprime, nestes termos um tanto poéticos." (Trad. M. H.
Rocha Pereira).
37
As palavras de Anaximandro estão entre parênteses rectas.
Numa primeira leitura e seguindo a letra do fragmento podemos concluir que
se trata de um quadro ético-jurídico: termos tais como castigo, injustiça,
decreto do tempo parecem indiciar esta interpretação.
Todavia, podemos perguntar se fará sentido que coisas inanimadas, por
exemplo, cometam qualquer injustiça e por isso tenham de ser castigadas. É
provável que Anaximandro utilizasse termos poéticos, como diz Simplício,
para descrever um determinado quadro. O filósofo poderia querer dizer que a
noite para surgir necessitava que o dia desaparecesse assim como a uma
estação sucedia outra.
O que queremos afirmar é que as coisas actuais não permitem o
aparecimento de outras e é necessário que essas desapareçam para que
outras venham à existência. E é também muito possível que este universo,
segundo Anaximandro, um dia seja destruído para outro se formar.
Assinalemos, por fim, que para o milésio o universo é regido por normas (os
decretos do tempo); é um universo regido pela necessidade e não pelo acaso.
38
Anaxímenes de Mileto
O Ar
Anaxímenes de Mileto é o terceiro e último importante filósofo da escola
jónica antiga, no quadro ainda da fase Milesiana.
Embora pouco se saiba de sua vida, ele é contudo citado com
frequência para dizer que foi sua a proposição do ar como elemento
básico na formação de tudo.
Dedicou-se à meteorologia, foi o primeiro a considerar que a lua recebe
a luz do sol. Era companheiro de Anaximandro. Hegel diz que
Anaxímenes ensina que nossa alma é ar, e ele nos mantém unidos,
assim um espírito e o ar mantém unido o mundo inteiro. Espírito e ar
são a mesma coisa.
A substância Primordial volta a ser uma coisa determinada como em
Tales. Anaxímenes identificou o ar talvez porque tenha visto seu
movimento incessante, e que a vida e o ar andam juntos, na
maioria dos casos. A respiração é um processo vivificante,
dependemos dela durante toda a nossa vida. Ele via que no céu
existem nuvens, e que a matéria possui diferentes graus de
solidez.
Vida - Anaxímenes de Mileto, filho de Eurístrato, foi discípulo de
Anaximandro. Nasceu quando Anaximandro tinha 25 anos,
possivelmente no ano 585 a.C., no mesmo ano do eclipse predito por
Tales. Anaxímenes nasceu, quando Mileto ainda era florescente cidade
independente e liderava as cidades da confederação jónica. Sardes,
capital do reino Lídio, fora conquistada mais cedo pelos persas em 546
a.C. e também mais cedo foi destruída. Mileto, ainda por algum tempo,
continuou próspera, mesmo quando reduzida à parte da satrapia persa
instalada com domínio sobre toda a Jónia.
39
O verdadeiro significado de Anaxímenes está em haver dado
continuidade à ciência e à filosofia em curso. Por Anaxímenes se
constata que a ciência e a filosofia, já nascidas, prosperam
definitivamente por fora das tradições dogmáticas mitológicas.
A influência de Anaxímenes ocorreu sobre os mais diversos filósofos,
como por exemplo Pitágoras, Melisso, Anaxágoras, Demócrito, Diógenes
de Apolónia.
Nada mais se sabe sobre sua vida e profissão. Supõe-se que escreveu
um livro pois segundo as informações de Diógenes Laércio ―escreveu em
dialecto jónico em um estilo simples e conciso‖. Vale lembrar que
naquela época os autores se utilizavam de papiros, uma vez que não
existiam livros de facto.
Restam somente três reduzidos fragmentos dos escritos de Anaxímenes
de Mileto. Estes se devem às citações feitas por Plutarco e Aécio.
"Escreveu em língua jónica, com simplicidade e sobriedade". O idioma
grego se falava em 4 dialectos básicos, o acádico, de Atenas, se tornou o
principal, sendo que o jónico, muito próximo do acádico, foi também a
língua de importantes obras. Se Diógenes Laércio avaliou o estilo de
Anaxímenes, isto pode significar que o livro do filósofo Anaxímenes de
Mileto ainda se conservava ao seu tempo. Mais provável, entretanto, é
que a informação tenha vindo através de Teofrasto, que, por sua vez,
poderia ter conhecido a obra.
De outra parte, a observação sobre a simplicidade e sobriedade do estilo
de Anaxímenes pode indicar diferença com aquele de Anaximandro, ao
qual tinha como poético.
O ar como elemento
Cosmologia
Ar como primeiro elemento na composição da matéria - O ar como
primeiro e infinito elemento. Divergindo de Tales, proponente da água e
de Anaximandro do infinito, agora Anaxímenes propõe o ar como
elemento fundamental da natureza, a partir de cuja complexificação se
formam todas as coisas, e no qual elas todas se decompõem. A ideia
fundamental continua a mesma, de que tudo se forma a partir de um
elemento primeiro, o qual subsiste por si só e é consequentemente divino.
Anaxímenes propõe como arché o ar que é um principio infinito, como o
Apeiron de Anaximandro; mas determinado, como a água de Tales. Por
isso podemos interpretar a filosofia de Anaxímenes como uma espécie
de síntese entre Tales e Anaximandro. o racionalismo de Anaximandro é
um racionalismo aberto pois a transformação de umas coisas em outras
só é possível por meio do Apeiron. Em Anaxímenes assistimos
novamente o racionalismo cercado do grupo de transformações. O ar
40
como arché substitui a água de Tales, mas por sua vez incorpora
algumas das propriedades do Apeiron de Anaximandro.
Em Anaximandro o arché é infinito e indeterminado. Para Anaxímenes
o ar, como arché, é um Apeiron (infinito), mas determinado.
Anaxímenes encontrou no ar empírico uma série de propriedades que
desempenhariam melhor que os outros elementos as funções de arché.
Por esse motivo ele não escolheu o fogo, a terra ou a água. Em primeiro
lugar l invisibilidade do ar. Segundo Hipólito 4 o ar ―quando é perfeito é
imperceptível à visão‖. O ar é infinito, mas determinado. Mas a
determinação do ar é mais abstracta a os sentidos que a água: é
invisível como o Apeiron.
O ar é infinito e “envolve todo o cosmos” pois o ar empírico parece
não ter limites, ocupa uma vasta região do mundo já desenvolvido
e penetra todas as coisas: A omnipresença extensiva do ar
empírico é maior que a da água. O ar é, além disso, um princípio
activo e em movimento (empurra os barcos, movimenta as ondas,
etc.).
Em segundo lugar o ar tem carácter divino ―Anaxímenes diz que o ar
é Deus‖ e se compara com a alma. Melhor que a água o ar constitui a
matéria adequada para o racionalismo do grupo de transformações. A
condensação e a rarefação são atribuídas por Simplício tanto a Tales
como a Anaxímenes. Além disso, segundo informações de Hipólito o ar
se manifesta distintamente ao condensar-se, se fazendo mais subtil‖. O
ar ao rarefazer-se aumenta o volume e se converte em fogo.
Ao condensar-se diminui o volume e se transforma em água e em terra.
São por tanto as mudanças quantitativas (aumento o diminuição de
volume) que produzem as diferenças qualitativas. Anaxímenes introduz
um princípio gradualista ao passo da quantidade à qualidade: natura
non facit saltus. Além do mais os dois opostos (quente e frio) que
Anaximandro extraía do ápeiron, Anaxímenes os constroem por meio da
condensação e da rarefação: comprimido e condensado é frio e rarefeito
é quente.
A partir das notícias de Simplício (as demais coisas se produzem a
partir destas substâncias) e de Cícero (Anaxímenes disse que o ar é
infinito, mas as coisas dele nascem finitas: a terra, a água, o fogo e, a
partir destas, todas as demais), Anaxímenes para explicar a formação
dos corpos compostos não necessita remontar-se ao ar como princípio,
bastando fazê-lo a partir de substâncias básicas ou elementos simples
(fogo, ar, vento, nuvens, água, terra) que compõem os demais corpos. Se
isto for verdade, Anaxímenes seria o pioneiro da ideia de elemento, já
41
que esta ideia não foi anunciada formalmente até Empédocles: conhecer
racionalmente os fenómenos não significa explicar as coisas por seus
últimos princípios (por exemplo, a partir do ar) mas a partir dos
elementos.
Cosmologia
As informações que temos da cosmologia de Anaxímenes são escassas
e, por geral, manifestam opiniões bastante ingénuas. Assim, a terra, o
sol, a lua e os demais astros ígneos cavalgam sobre o ar e são planos.
Os astros não se movem de baixo da terra, mas ao redor dela ―como gira
um chapéu ao redor de nossa cabeça‖. O sol gira ao redor da terra em
um plano horizontal e se oculta porque o cobrem as partes mais
elevadas da terra e porque aumenta a distância em relação a nós.
Em outras ocasiões suas opiniões se acercam mais da verdade que as
de seu mestre Anaximandro. Assim mantém a tese de que a lua reflectia
a luz do sol, que os eclipses do sol e de lua acontecem quando estes
corpos são ocultados por outros corpos celestes.
42
Fragmentos
I ―...O sol é largo como uma folha...".
II ―... Do ar nascem todas as coisas existentes, as que foram e as que serão, os deuses e as
coisas divinas...‖.
III ―... O Ar é Deus...‖.
IV ―... O ar contraído e condensado da matéria é frio, e o ralo e frouxo é quente. Como nossa
alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim também todo o Cosmo, sopro e ar
mantém...''.
Conclusão:
O terceiro milésio, Anaxímenes, escreveu um livro em prosa, Acerca da
Natureza, num estilo simples, segundo testemunho que chegou até nós.
O tema principal para este pensador é o mesmo dos seus antecessores:
a physis. A substância primordial é a bruma para Anaxímenes.
O que se pode perguntar agora é o seguinte: conhecendo Anaxímenes
as críticas do seu antecessor às substâncias determinadas porque é que
o terceiro milésio escolheu a bruma? É aqui que entra uma explicação
francamente engenhosa.
Segundo Anaxímenes a substância primordial transforma-se nas
várias substâncias que vão formar as coisas através do processo de
rarefacção e de condensação. Assim, por exemplo, a bruma rarefazendo-
se ao máximo transforma-se em fogo e na condensação máxima dá
origem as pedras.
Estamos perante uma resposta subtil a um problema difícil, ou seja, a
passagem da substância primordial (neste caso determinada) às outras
substâncias.
Anotemos, ainda, que a bruma para Anaxímenes é infinita e é a
divindade suprema. São dois aspectos que vêm de Anaximandro;
acentuemos que a noção de infinito pertence ao património filosófico
milésio.
43
Segundo Anaxímenes o universo deve a sua génese ao processo de
rarefacção e condensação. Assim, surgiu a Terra, achatada, assente na
bruma, e os astros que circulam em redor da Terra são corpos ígneos.
O fragmento que chegou até nós, atribuído a Anaxímenes não merece
grande confiança devido às interpolações que sofreu. Desta forma será
mais prudente procurar o sentido geral da passagem preservada por
Écio:
A bruma é o lugar do nascimento e da destruição das coisas
existentes.
Quanto ao fragmento parece que alma de que nos fala o filosofo é vital
e sensitiva ou seja o que nós hoje chamamos vida. Desta forma parece
que a alma que o fragmento fala não é intelectual.
A bruma cerca e sustenta todo o universo, mas segundo pensamos,
Anaxímenes desejava reafirmar também o principio que a bruma é
estrutura de tudo quanto existe, é por assim dizer que a estrutura do
corpo e é ela que nos faz mover com que a actividade humana seja
possível.
A afirmação de que a alma é a bruma não nos deve espantar pois tal
ideia que nos parece constituir o sentido de todo o fragmento, é
coerente com a doutrina de Anaxímenes. De facto a substancia
primordial não é só a origem como a estrutura das coisas existentes, é
perfeitamente admissível que o milésio considerasse que a alma fosse
constituída por bruma já que o homem também sendo uma coisa
existente, deveria estar integrado na mesma substancia primordial. A
alma embora esta seja vital ou sensitiva, é algo extremamente
importante e tal como possui a dignidade de ser composta pela
substancia primordial.
Diremos apenas que há uma analogia entre a alma humana, que é
bruma, e a bruma que cerca (sustenta) o mundo. Não é para espantar
que a alma seja constituída por bruma (possivelmente no seu estado
puro) já que esta está presente em todas as coisas. A alma dá o
movimento ao corpo humano e a bruma sustenta o universo.
44
Xenófanes de Cólofon
Filósofo grego, que emigrou da Jónia para o Ocidente. Fixando-se
finalmente em Eleia, passou a ser considerado o fundador da escola do
mesmo nome. Esta se fez famosa por defender a unidade e
imutabilidade do ser, e pela reduzindo a diversidade e o
movimento às impressões subjectivas dos sentidos.
A curta biografia legada por Diógenes Laércio sobre Xenófanes é
praticamente só o que sabe a seu respeito. A partir de uma análise se
determinam mais alguns esclarecimentos.
"Xenófanes, filho de Déxio, ou de acordo com Apolodoro, de Ortomenes,
era de Colófon. Foi elogiado por Timon assim: Xenófanes, não altivo,
castigador com homéricos embustes.
Foi banido de sua cidade natal. Viveu em Zancle, e em Catânia.
Segundo alguns, não foi discípulo de ninguém; segundo outros foi
discípulo de Boton de Atenas, ou como dizem alguns, de Arquelao.
Socion o fez contemporâneo de Anaximandro. Seus escritos são em
metro épico, como elegias e Jambos, contra Hesíodo e Homero,
denunciando o que eles diziam sobre os deuses. Ele mesmo cantava
seus versos.
Diz-se ainda que se opôs às opiniões de Tales e Pitágoras, e atacou
também a Epimênides. Atingiu uma longa idade, como testemunhou
por suas próprias palavras: Sessenta e sete são agora os anos em que
me agito em cuidados pela terra grega; antes já eram passados outros
vinte e cinco anos, se ainda sei dizer a verdade a cerca disto" (D. L., IX,
18-19).
Depois de se referir às suas doutrinas, retoma Diógenes Laércio as
informações biográficas: "Xenófanes escreveu dois mil versos sobre a
fundação de Altabosco [Colófon] e a colonização de Elea na Itália.
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Floresceu na sexagésima olimpíada 540-537 a.e.c. Lê-se também em
Demétrio de Falera, no Tratado da velhice, e em Panécio o Estóico, Da
tranquilidade, que enterrou os filhos com as próprias mãos. Acredita-se
houvesse sido vendido como escravo e posto em liberdade pelos
pitagóricos Parmenisco e Orestades" (D., L., IX, 20). Pouquíssimo mais
se encontra em outros doxógrafos, que citaremos oportunamente.
Vida
Vida acidentada no Oriente - Infere-se dos dados conhecidos que
Xenófanes tenha nascido pela volta de 570 a.c Teria deixado a Ásia
Menor aos 25 anos quando já não era considerada terra grega, pois em
548 a.C. a conquistara o rei Ciro da Pérsia. Para ter sido discípulo de
Anaximandro, falecido por volta de 545 a.C., deveria também ter
nascido cerca do ano 470 a.C.
Creso, rei da Lídia [Ásia Menor], que sucedeu a Aliates em 571
conquistou a vizinha Éfeso, principal cidade a cujo grupo pertence
Colófon. A esta nova situação parece estar coerente uma referência de
uma elegia de Xenófanes aos seus compatriotas colofônios, quando diz
que: "Com os lídios aprenderam os modos relaxados, nocivos; e, antes
de experimentarem a odiosa tirania, dirigiam-se ao agorá, não menos de
mil cada vez, revestidos de púrpura, cheios de orgulho, envaidecidos de
seus bem amaneirados cabelos, gotejantes de artificiosos bálsamos"
(Frag. 3) (Atheneu XII, 526 A).
Uma longa vida no Ocidente - Depois de sua fase jovem de até 25
anos (e o poeta se revela sobretudo nesta idade), teria vivido mais 67
anos perambulando por terras gregas, como deixa calcular pelos seus
versos. Resulta ter alcançado 92 anos, e, por conseguinte o ano de 475
a.C. O clima em que tudo isto se dá, admite dizer que tenha sido
compelido a sair de sua pátria, por ocasião da conquista persa, quando,
em 548 a.C. o rei Ciro derrota a Creso da Lídia (capital Sardes), à qual
até ali estavam submetidos os efésios.
Xenófanes de Colófon, o cantor afoito, não teria sido bem visto pelos
novos senhores da Ásia Menor, os persas. Expulso, terá sido mandado
andar e cantar por outras terras. Agora o artista empobrecido, se
aprimora como pensador e crítico, radicando-se finalmente em Elea,
depois de passar por Zancle e Catânia cidades da Sicília.
O fato de haver enterrado seus próprios filhos outra vez confirma sua
longa idade, ao ponto de ter sobrevivido a estes. Os versos para Colófon
significa haver actuado em sua terra pelo tempo suficiente para formar
vivências, que teria depois transformado em poema de saudade. Por sua
vez os versos sobre Elea confirmam sua estadia significativa nesta.
Não tendo sido um homem rico e nem mestre de uma escola, o colofônio
exilado foi um pregador de civismo e de pensamentos filosóficos, morais
46
e religiosos, através de um importante instrumento de comunicação, o
do canto e da recitação. Desta sorte influenciou aos de sua época.
Receptivo, por causa de sua arte, ensinou um pensamento novo,
reagindo contra os aspectos mais ingénuos da religiosidade mítica.
Anterior a Parménides - Não é clara a posição de Xenófanes 570 - 475
a.C. como fundador da escola de Eleia, sendo todavia muito plausível,
que o tenha sido. Dado como mais antigo em relação a Parménides, a
atribuição de fundador da escola, se faz sem contradição. Apoia-se na
afirmativa de Aristóteles, feita século e meio depois: "Xenófanes, o mais
antigo partidário da unidade, pois Parménides foi, se diz, seu
discípulo…" (Metafísica 986 b 21-22).
As poucas informações colocam portanto a Xenófanes antes de
Parménides, e ainda como o mais antigo unicista, mas não o declara
directamente fundador da escola. Em Platão o texto também é fugidio:
"Lá a nossa gente de Elea, que vem de Xenófanes, e de mais além…
(Sofista, 242 d).
Diógenes Laércio, que se limitou a dizer que Parménides fora discípulo
de Xenófanes, não se refere a este como fundador da Escola de Elea. As
informações vagas se repetem nos doxógrafos, vindo finalmente a ser
expressamente afirmada a posição de Xenófanes como fundador da
escola de Elea: "Xenófanes, o fundador da escola eleata…" (Teodoreto
IV, 5, in Aécio).
Obras
Restaram apenas fragmentariamente, nas citações de outros autores,
representadas por meia dúzia de páginas de versos, com predominância
de elegias e sátiras.
Mas é sobretudo em informações doxográficas que encontramos suas
doutrinas tipicamente eleáticas; elas vêm de Platão, Aristóteles,
Simplício, Sexto, Hipólito, Aécio. Mas os versos fragmentários se
prestam para estabelecer o clima religioso e moral em que se situava.
Perderam-se, todavia, os versos referentes à fundação mesma de
Colófon e Elea.
47
Doutrinas:
A terra como elemento | Metafísica é a Glória de Xenófanes | Unidade
do Ser | Subjectivismo e Relativismo | Ser Uno | Antropomorfismo |
Entidades Divinas Secundárias | Ética | Entidades Divinas
Secundárias | Cosmogonia | Meteorologia
A terra como elemento - Tal como os primeiros jónicos, a investigação
de Xenófanes foi primeiramente à busca de uma natureza elementar a
partir da qual se formariam todas as coisas. Tales propusera como
primeiro elemento a água, Anaximandro o infinito, Anaxímenes o ar,
Heráclito o fogo. Xenófanes propõe a terra. "Pois tudo vem da terra e na
terra tudo finda" [Frag. 27] (Aécio IV, 5). Todavia, não há rigidez na
proposição de Xenófanes.
Também diz: "Terra e água é tudo quanto vem a ser e cresce" [Frag. 29]
(Simplício, Física 188, 32).
"Pois todos nascemos da terra e da água" [Frag. 33] (Sexto, Contra os
matemáticos X, 314).
"Porfírio afirma que Xenófanes considera princípios o seco e o húmido;
eu digo que ele considera a terra e a água" (Filopono, Física 125, 27).
A metafísica é a glória de Xenófanes - Partindo para uma nova
interpretação da diversidade múltipla da natureza, dizendo que esta
multiplicidade é apenas o efeito aparente dos sentidos, estabeleceu a
unidade em si mesma da coisa que existe. O ser é uno e imutável, não
se dividindo e não se multiplicando, nem se transformando e nem se
movendo. A base desta afirmação a estabeleceu Xenófanes mediante
considerações metafísicas. Seus sucessores avançarão as especulações,
mas é com o velho rapsodo que tiveram início. As relações entre o uno e
o múltiplo são diferentes das que se supunham até então: "Opõe-se às
opiniões de Tales e Pitágoras, e também de Epimênides" (D. Laércio, IX,
18), – eis como se pode entender o texto já citado anteriormente.
Unidade do ser - Percebendo a unidade da natureza – à que chama
terra, a intuiu já não somente como sendo esta matéria sensível, mas
simplesmente como um todo entitativo, assim apreendido pela
inteligência. As coisas são simplesmente ser, instituído como resultado
de uma especulação abstracta, alteado este ser acima do meramente
sensível. O ser é indicado por qualificativos como uno, eterno, imutável,
infinito, divino.
Num diálogo de Platão se exprime pitorescamente o Estrangeiro de
Eleia: "Cada qual parece que nos conta um conto, como se fossemos
crianças. Diz um que são três os seres que ora se combatem, ora se
48
convertem em amigos, dos quais assistimos as bodas, os partos e a
criação dos filhos. Outro, dizendo que são apenas dois, o húmido e o
seco, ou quente e o frio, junta-se e os casa. Mas, lá a nossa gente de
Eleia, que vem de Xenófanes, e de mais além, admite em suas doutrinas
que um único é o ser, designando tudo" (Platão, Sofista 242 c-d).
Adverte Aristóteles contudo que Xenófanes não aprofundou a doutrina
da unidade do ente. Concluída a exposição das doutrinas pluralistas do
ente, continua o Mestre do Liceu, comentando as da unidade. "O
pensamento dos velhos filósofos, que admitiram a pluralidade dos
elementos da natureza, está suficientemente conhecida pelo que
precedeu. Há ainda outros que professaram que o todo é uma só
realidade, mas a excelência da exposição não alcança o mesmo nível
junto de todos, nem a conformidade com os fatos" (Aristóteles,
Metafísica, 986, b, 10).
Esclarece que não se trata de um princípio primordial, a partir do qual
as coisas derivam. "A discussão de suas doutrinas não entra no quadro
do presente exame de causas. Eles não procedem à maneira de certos
fisiólogos; estabelecendo o ser como um, não engendra todas as coisas a
partir do Uno considerado como matéria. Suas doutrinas são outras.
Enquanto os fisiólogos admitem o movimento no todo, os filósofos de
que falamos pretendem, pelo contrário, que o todo é imóvel" (Metafísica,
986b 13).
Prossegue Aristóteles distinguindo entre unidade material (aquela
adquirida por um elemento de determinada espécie, por exemplo, a
água) e a unidade formal (por definição), adquirida pela unidade
simplesmente do ente. Pretende, então, dizer que Parménides alcança a
unidade formal do ser, ao passo que não Melisso. Quanto a Xenófanes
não teria alcançado precisão de conceitos sobre o assunto. Na verdade,
Xenófanes tem a visão da unidade, através da unidade da natureza, de
suas leis, de suas transformações cíclicas. Transcende à unidade
material, sem maiores esclarecimentos, sobre monismo fundamental.
"Parménides concebeu a unidade quanto à definição e Melisso a
unidade material; ela é finita, para o primeiro, infinita, para o segundo.
Quanto a Xenófanes, o mais antigo adepto da unidade (pois se diz que
Parménides foi seu discípulo), não há nada claro, visto que não parece
ter entendido a natureza de uma e de outra destas causas. Mas,
observando o universo material em conjunto, asseverou que o Uno é
Deus. Estes filósofos, como dissemos, deverão ser postos à margem da
presente investigação, e completamente dois deles, cujas concepções
são, em verdade, muito grosseiras, a saber, Xenófanes e Melisso. Pelo
contrário, Parménides parece raciocinar aqui com mais penetração"
(Metafísica, 986b 20-25).
49
Subjectivismo e relativismo - O unicíssimo de Xenófanes, - qualquer
seja a avaliação de sua profundidade, - tem implicações gnosiológicas, -
o carácter subjectivo e relativo do conhecimento. Conscientizou-se
Xenófanes sobre a dificuldade do problema levantado. E isto é
importante anotar. Parece haver estado próximo do vago cepticismo
depois praticado por outros: "Não há homem algum que claramente
visse, e nenhum haverá jamais que claramente tivesse visto, e saiba dos
deuses e de tudo quanto eu falo; pois ainda que alguém viesse a
pronunciar o melhor possível a lavra definitiva, nem esse saberia: sobre
tudo recai a opinião" (Sexto, Contra os matemáticos, VII 49, 110; Plut.
Aud. Poet. 2 p.17 E).
Sobre a relatividade advertiu Xenófanes que: "Se Deus não tivesse
feito o dourado mel, muito mais doces diriam [os homens] são os
figos" (Frag. 38, em Herodiano Gramático, Sobre particularidades da
linguagem, 41,5).
Diante da diversidade oferecida pelos sentidos, os eleatas advertem que
é preciso ficar com a razão, que oferece a unidade e a imobilidade do
ser. Sobre esta ponderação dos eleatas informou genericamente
Aristóteles: " Achavam, com efeito, alguns dos antigos, que o ser é um e
imóvel. Alegando, que o vazio é um não -, não podendo haver nele
movimento, porquanto não há vazio separado" (Da geração e corrupção,
I, 8. 825a 2).
O ser uno é caracterizado como divino – a tudo superior - Repete
aqui Xenófanes o pensamento dos Milésios, que faziam do elemento
primordial um ser divino. Trata-se, pois um panteísmo monista, ou
simplesmente de um monismo materialista.
"Teofrasto assevera que Xenófanes admite um só princípio,
considerando o ser como um e tudo (nem finito, nem infinito, nem
móvel, nem imóvel). Concorda, Teofrasto, que a menção desta doutrina
mais convém a outro domínio, que ao da história natural. Porque, na
verdade, no dizer de Xenófanes, este um e tudo é Deus.
Declara que é um, por ser o mais poderoso de todos; se vários entes
houvesse, estaria repartido em igualdade o poder entre todos; ora Deus
é o que há de mais sublime e a tudo superior quanto ao poder. É
ingénito; o que nasce, haveria de nascer, ou do semelhante, ou do
dissemelhante. Ora, o semelhante, diz ele, não pode exercer este efeito
(de gerador) sobre o semelhante, porquanto não convém mais a um que
a outro o gerar e o ser gerado. De outra parte, se nascesse do
dissemelhante, nasceria do que não é. Assim demonstra a
ingenerabilidade e a eternidade.
Não é infinito; porque o infinito é o não ser, pois não tem início, nem
meio, nem fim e porque (só) os múltiplos seres se limitam
reciprocamente. Do mesmo modo elimina o movimento e o repouso;
50
porque o imóvel é o não ser, que em outro não se torna, nem outro nele
se torna; o movimento convém mais ao múltiplo, que o uno, pois neste
caso podem um em outro se transmutar. Por conseguinte, quando se
diz – E sempre se mantém no mesmo lugar, sem mover-se, nem convém
à sua natureza que se mova para cá e para lá [Frag. 24], entenda-se não
a imobilidade que se opõe à mobilidade, mas sim a estabilidade sem
movimento e sem repouso.
Nicolau Damasceno, em seu tratado A cerca de Deus, atribui a ele
[Xenófanes] a declaração de que o princípio é infinito e imóvel.
Conforme Alexandre (de Afrodísio), seria limitado e esférico. Claramente
sua doutrina é a que ele é infinito e ilimitado; demonstra a limitação e a
forma esférica dizendo que semelhante é o ente por todos os lados.
Também afirma que ele pensa todas as coisas, dizendo – e sem custo
tudo move por força do próprio pensamento (Simplício, Física, 22,22ss).
A mais antiga advertência contra o antropomorfismo teológico -
Destacou-se Xenófanes pelo seu combate aos conceitos antropomórficos
da divindade, ocorridas sobretudo na religião tradicional. Ainda que se
pudesse pôr restrições a tudo o que houvera o mesmo Xenófanes dito
sobre a natureza divina, encontrava-se no recto caminho, o de uma
análise ontológica a partir do ser. Até seu tempo, foi Xenófanes o
melhor dos profetas, no sentido de haver melhor falado sobre Deus.
Nenhuma teologia é boa, sem uma correcta noção filosófica de
divindade.
Aqui importa relembrar o texto de Platão em que o Estrangeiro
ridiculariza o que se diz dos deuses e adverte para a doutrina do ser:
"Mas lá a nossa gente de Eleia, que vem de Xenófanes, e de mais além,
admite em suas doutrinas que um único ser é o que designa tudo"
(Sofista 242 d).
O mérito teológico de Xenófanes também foi reconhecido por Aristóteles:
"Os poetas representam a opinião dos homens, como as histórias
que se contam dos deuses. Essas narrativas talvez não sejam
verdadeiras, nem melhores; talvez as coisas sejam como pareciam a
Xenófanes; no entretanto, assim as dizem os homens" (Poética, 25
p.1460 b 35).
Em outro passo: "… dizia Xenófanes que tantos são ímpios os que
afirmam que os deuses nasceram, como os que asseveram que eles
morreram. De ambos os modos se diz que em determinado tempo
não existiram" (Retórica, II, 23 p. 1399 b 5).
"Perguntaram os cidadãos de Eleia a Xenófanes se deviam, ou não,
oferecer sacrifícios a Leucotéia, e lamentá-la como uma defunta.
Aconselhou-os a que não lamentassem, se como deusa a veneravam;
mas se a consideravam como um ser humano, não lhe deveriam
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Apontamentos filosofia antiga

  • 2. 2 As Origens da Filosofia Do Mito á Filosofia a) Conceito do mito No limiar da Filosofia grega há algo em si de não-filosófico, o mito. É a fé da comunidade nas grandes questões do mundo e da vida, dos deuses e homens, que dá ao povo a matéria do seu pensamento e do seu agir. Recebem-na da tradição popular, irreflectida, crente e cegamente. Consoante o nota Aristóteles, o amigo do mito é, apesar disso e a certa luz, também filósofo; por isso que, no mito, preocupa-se ele com problemas que vão ser, por sua vez, objecto da Filosofia. Donde vem o mencionar Aristóteles, de bom grado, quando refere os pressupostos de uma questão filosófica e a busca da sua solução, também as opiniões dos "primitivos", que foram os primeiros a "teologizar" (οι πρωτοι νεολογηαντεζ). b) Mitologia de Homero e de Hesíodo Vêm aqui logo à tona Homero e Hesíodo, com os seus ensinamentos sobre a origem dos deuses (teogonias) e a produção do mundo (cosmogonias). Assim, conforme a mitologia de Homero, devemos procurar a causa primeira de todo devir nas divindades do mar, Oceano e Tetis, e também na água, pela qual os deuses costumam jurar, e que o poeta denomina Estígío. Em Hesíodo aparecem o Caos, o Éter e o Eros como os princípios primeiros de tudo. Mas, ainda outros problemas são abordados: a transitoriedade da vida, a origem do mal, a questão da responsabilidade e da culpa, do destino e da‘ necessidade, da vida e da morte, e semelhantes. Sempre se manifesta aí um pensamento total e completamente imaginoso, visionado pelos claros olhos do poeta, em caso particular e concreto, intuitivamente, para depois universalizar a intuição, e transportá-la para a vida e o mundo em geral, explicando assim a totalidade do ser e do devir. c) Orfismo O Orfismo era uma religião de mistérios no antigo mundo grego, difundido a partir dos séculos VII e VI a.C. Seu fundador teria sido o poeta Orfeu, que desceu ao Hades e retornou. Os órficos também reverenciam Perséfone (que descia ao Hades a cada inverno e voltava a cada primavera) e Dionísio ou Baco (que também desceu e voltou do Hades). Como os mistérios de Elêusis, os mistérios órficos prometiam vantagens no além-vida. Esses cultos de mistérios, que prometiam uma vida melhor após a morte, parecem ter influenciado o início do cristianismo.
  • 3. 3 Peculiaridades O Orfismo diferia da religião grega popular das seguintes maneiras: Caracterizava as almas humanas como divinas e imortais, mas condenadas a viver (por um período) em um círculo penoso de sucessivas encarnações através da metempsicose ou transmigração de almas; Prescrevia uma forma ascética de vida, ou vida órfica, a qual, junto com ritos iniciáticos secretos, deveria garantir não apenas o desprendimento do tal círculo penoso mas também uma comunhão com deus(es); Advertia sobre uma punição pós-morte por certas transgressões cometidas durante a vida; Era fundamentada sobre escritos sagrados com relação à origem dos deuses e seres humanos. Evidências As visões e práticas órficas foram testemunhadas por Heródoto, Eurípides e Platão. A maioria das fontes de ensinamentos e práticas órficas é atrasada e ambígua, e alguns estudiosos afirmam que o Orfismo tenha sido na verdade uma construção de uma data mais recente do que se acredita. Porém, os papiros Derveni, descobertos há poucos anos, permitem datar a mitologia órfica em quatro séculos AEC ou até uma data mais antiga que essa. Outras inscrições encontradas testificam a antiga existência de um movimento com as mesmas crenças centrais que foi mais tarde associado com o nome do Orfismo. Mitologia As teogonias órficas são trabalhos genealógicos como a Teogonia de Hesíodo, mas os detalhes são diferentes. O relato principal é: Dionísio (na sua encarnação de Zagreus) é o filho de Zeus e Perséfone; ele foi assassinado e fervido pelos Titãs. Zeus lançou um raio nestes e Hermes salvou o coração de Zagreu. As cinzas resultantes geraram a humanidade pecaminosa, composta dos corpos dos Titãs e de Dionísio. A alma do homem (factor dionisíaco) é portanto divina, enquanto o corpo (factor titânico) aprisiona a alma. Declarava-se que a alma retornaria repetidamente à vida, atada à roda do renascimento. O coração de Dionísio é implantado na coxa de Zeus, e este então engravida a mortal Semele com o renascido Dionísio. A Teogonia
  • 4. 4 Protogonos, perdida, composta cerca de 500 AEC, só é conhecida através de comentários encontrados em papiros e de referências nos autores clássicos, como Empédocles e Píndaro. A "Teogonia Eudemiana ", também perdida, foi composta no século V AEC, e teria sido o produto de um culto sincrético Baco-Curético. A Teogonia Rapsódica, também perdida, composta na idade helenística, incorporava os trabalhos anteriores, e ficou conhecida através de sumários nos escritos de autores neo-platonistas. Já os Hinos Órficos, 87 poemas hexamétricos de extensão mais curta, foram compostos no final da era helenística ou início da era imperial romana. Mito de Orfeu Orfeu, o mais conhecido dos músicos lendários da Grécia Antiga, é objecto de grande número de mitos um tanto divergentes. Filho da musa Calíope e de Eagros, rei da Trácia, vivia perto do Monte Olimpo, na Tessália, e aprendeu a arte com o próprio Apolo. Tornou-se um cantor maravilhoso e tocava divinamente a lira e a cítara, instrumento este cuja invenção lhe é atribuída. Ao ouvi-lo cantar as feras o seguiam, as árvores se inclinavam em sua direcção e até os homens mais irascíveis se acalmavam. Orfeu participou da famosa expedição dos Argonautas. Durante a viagem, apaziguava as ondas com sua música e, com ela, conseguiu até anular o efeito do hipnótico canto das sereias e salvar o navio. A mais famosa lenda de que participa é a da descida ao Hades à procura de sua esposa Eurídice, que havia morrido acidentalmente, picada por uma serpente. Com sua arte, Orfeu encantou monstros, as sombras dos mortos, o barqueiro Caronte e até os deuses infernais, Hades e Perséfone. Eles aceitaram devolver Eurídice aos vivos desde que
  • 5. 5 o poeta deixasse o Hades, seguido por ela, sem olhar para trás uma única vez. Atormentado pela dúvida, porém, Orfeu não resistiu e pouco antes de sair olhou para trás. Eurídice teve que retornar e o desolado músico, por sua vez, voltou ao mundo dos vivos. Algum tempo depois, por razões mal esclarecidas pelas diversas lendas, morreu esquartejado por um grupo de mulheres enfurecidas, as mênades. A cabeça de Orfeu caiu no mar e chegou até a ilha de Lesbos, onde os habitantes ergueram-lhe um túmulo de onde, dizia-se, era possível ouvir com frequência o som de uma lira... Orfeu foi levado aos Campos Elísiose lá entretinham os bem- aventurados com sua música. Sua lira foi transformada pelos deuses em constelação Iconografia e culto de Orfeu Durante o século -VI, Orfeu foi associado a um culto de mistérios muito popular que preconizava a origem divina da alma e a reincarnação, conceito mencionado igualmente pelos pitagóricos e, mais tarde, por Platão. Segundo a tradição, foi ele quem fez as revelações místicas fundamentais aos iniciados, que aprendera durante sua descida ao Hades. Uma literatura esotérica, baseada nos preceitos órficos, floresceu durante o Período Helenístico. Na iconografia grega antiga, Orfeu era mostrado cantando com uma lira ou uma cítara, em geral no momento de sua morte às mãos das bacantes (vasos de figuras vermelhas posteriores a -500). Os mosaicos romanos mostravam-no com frequência ao lado de animais selvagens, embevecidos com sua música. α) Fuga do mundo — A dogmática dos órficos era contudo coisa totalmente diferente de uma afirmação vital. Devemos, antes, considerá- la como uma vaga miscelânea de ascese e mística, culto das almas e esperanças no além, coisas todas muito estranhas ao povo homérico. Agora, já a alma não é sangue, mas espírito; oriunda de um outro mundo; exilada nesta terra, como castigo por uma culpa original; encadeada ao corpo, deve passar por uma larga peregrinação até libertar-se dos sentidos. Via para a colimada purificação do sensível era uma série de proibições de alimentos, como a carne e as favas. Laminazinhas de ouro, enterradas com os mortos, testemunhavam que a sua alma provinha "pura de puros" e "libertou-se do penoso ciclo das reencarnações". A doutrina dos órficos sobre o destino das almas, depois da morte, espelha-se nos grandes mitos escatológicos, nos diálogos platónicos Górgias, Fédon e República. A dogmática órfica já possuía, também, uma bem elaborada teologia e cosmogonia.
  • 6. 6 β) Cosmogonia — Ensinava que no princípio existiu o Caos e a Noite. O ―Chãos‖ deve compreendê-lo literalmente como o vácuo abissal ou o precipício. A Noite gerou um ovo, o ovo cósmico, donde nasceu o amor (Eros) alado. "E este, consorciado com o abismo hiante, alado e nocturno, no vasto Tártaro, deu origem ao nosso género e o trouxe fora, para a luz. Não havia o género dos mortais, antes de ser reduzido à unidade pelo amor; quando, porém, ele uniu uma parte com outra, surgiu o Céu, e o Oceano, e a Terra, e o género imortal de todos os deuses". Segundo uma fonte mais recente, a origem primitiva do Cosmos foi um dragão com cabeça de touro e de leão: no meio, porém, tinha o rosto de um deus, e nos ombros, asas. 3Ê conhecido como o deus do Tempo eternamente jovem. O dragão produziu uma tríplice seminação: o Éter húmido, o Abismo ilimitado e hiante e a nebulosa Escuridão; e além disso, de novo, um ovo cósmico. Tudo isto é intuição de todo fantasiosa e poética. Tem-se visto na mitologia órfica uma "palmar" tradição oriental. Em particular o dualismo de corpo e alma, do aquém e do além, e, em geral, uma forma de vida em fuga do terreno, "uma gota de sangue estrangeiro" na Grécia. A terra original destas corrupções pode, na realidade, ter sido a índia, onde tais ideias apareceram cerca de 800 a.C., nos Upanishads, escritos teológicos exige ticos dos Vedas. Também se encontram na religião de Zoroastro, no planalto do Irã, como resulta dos antigos Gâthas do Zendavesta. Estas ideias teriam sido, então, sempre um património espiritual ariano. d) O mito e o Logos Muito mais importante, porém, que a questão da origem é a sobrevivência dessas concepções. Aristóteles disse, com razão, (Met. B. 4), a propósito do mito, que ele não constituía ciência, porquê esses "teólogos" arcaicos apenas reproduziam as doutrinas tradicionais sem apresentarem nenhumas provas. Opõe-lhes aqueles "que falam aduzindo provas (οι διαποδειξεΩζ λεγοντεζ), dos quais, por isso, podemos esperar uma verdadeira "convicção". Com isso quer referir-se aos filósofos. Por estes metódicos momentos da dúvida, da prova e da fundamentação, distingue ele o mito, da Filosofia, embora há pouco tivesse concedido que o amigo do mito, a certa luz, também era filósofo. A Filosofia é, ao lado do mito, realmente algo de novo. Já não se vive numa crença cega, do património espiritual do vulgo, mas o indivíduo volta-se todo para si mesmo e deve agora, livre e sem tutela, elaborar por si, examinando e provando, o que pensa e quer considerar verdadeiro. Ê uma posição espiritual diferente da do mito. Contudo, não devemos perder de vista que as questões formuladas pelo mito, como suas intuições conceptuais, elaboradas nos obscuros e não-críticos tempos anteriores, ainda sobreviveram na linguagem conceptual filosófica. À crítica do conhecimento filosófico impõe-se aqui a tarefa de
  • 7. 7 examinar se os presumidos instrumentos racionais‘ ‗de pensamento filosófico também estão, na realidade, todos racionalmente fundados. Talvez não o sejam. E isto não somente por uma recusa, mas porque o espírito ultrapassa o "saber" e abrange o mito, num sentido positivo, como um caminho apropriado para a sabedoria. De maneira que somente o crente na ciência iluminada é que pretende libertar-se do mito, ao passo que Aristóteles diz, com razão, que também o mito, a seu modo, filosofa. As Origens da Filosofia Quadro Político da Grécia Antiga até ao século VII A questão das origens da Filosofia é hoje uma questão clássica mas ainda controvertida. Para a tentarmos compreender vamos recuar até ao momento no qual surgiram os primeiros Gregos. Aproximadamente no ano 2000 a.C. estabeleceram-se na Grécia povos indo-europeus que nela se fixaram, os quais já falavam o grego. Quanto à origem e características dos indo-europeus ainda hoje subsistem dúvidas. Poder-se-á dizer que são povos continentais, ligados à pastorícia e com uma religião ligada aos fenómenos atmosféricos. Detecta-se no século XVI uma civilização que vai ser brilhante, a civilização dos Aqueus. Vários são os problemas que se colocam ao seu estudo e para uma parte dos quais só há conjecturas. O que podemos dizer, com alguma segurança, é o seguinte: Os Aqueus são essencialmente guerreiros e encetam uma expansão pelo Mediterrâneo Oriental; Constituem uma série de estados entre os quais existe, ao que parece, a hegemonia de Micenas; o estado aqueu é fortemente burocratizado; O linear B é a escrita dos Aqueus, a qual é silábica e não se adapta à palavra oral.
  • 8. 8 Não se conhece bem a organização política e social dos Aqueus. Sob o ponto de vista político o poder está concentrado nas mãos do soberano; é muito provável que haja traços orientalizantes no estado aqueu. O soberano vive num palácio que é uma autêntica cidadela que se ergue na parte alta da cidade. Ele governa auxiliado por altos funcionários e uma burocracia controla tudo o que se passa no estado. Sob o ponto de vista social deve existir uma hierarquia rígida na qual a classe dos guerreiros é a mais importante. Vejamos, agora, outros aspectos. Os Aqueus entraram em contacto com outros povos e entre estes, deve destacar-se o cretense. Um povo rude como o aqueu, pouco a pouco, em contacto com outras civilizações, vai-se interessando pelos aspectos artísticos; é provável que artistas cretenses tivessem trabalhado nalguns estados Aqueus. A civilização aqueia mostrou uma abertura ao exterior que é notável e neste aspecto prefigura a Grécia a partir dos finais do século IX. É estas aberturas que encontramos em relação à religião. As religiões que vamos encontrar na Grécia arcaica, em boa parte, estão formadas no tempo dos Aqueus. Os principais deuses encontram- se já na civilização aqueia e há divindades que vêm de outras regiões, em especial de Creta. É interessante notar-se que a religião dos Aqueus, nos tempos mais recuados, privilegiava as divindades masculinas mas, sobretudo, em contacto com Creta o panteão vai ser enriquecido com divindades femininas. Os contornos da religião grega são nítidos, portanto, antes dos poemas homéricos. Para terminarmos a parte referente aos Aqueus façamos referência a dois problemas: O primeiro diz respeito à Guerra de Tróia. Como é sabido a Guerra de Tróia foi encarada, na Antiguidade, como um conflito de
  • 9. 9 grandes proporções. Todavia, para alguns historiadores, entre os quais citemos Finley e Claude Mossé, a importância da expedição a Tróia foi diminuta. O segundo problema refere-se ao fim da civilização dos Aqueus. Não deve ter sido um final rápido: é possível que a destruição durasse cerca de um século (do século XII ao século XI). Apontam- se hoje várias hipóteses parecendo que se está longe de uma certeza. Só podemos dizer que a destruição foi brutal. No século XI um monte de ruínas era o que restaria do mundo aqueu. Pouco se sabe da Grécia entre os séculos XI e IX, o linear B desapareceu e a arqueologia não tem trazido muitas informações sobre este período. O que se poderá dizer é o seguinte: A Grécia fecha-se sobre si própria. Se os contactos com o exterior não terminam, são todavia menos frequentes; A actividade económica é diminuta; As concentrações urbanas praticamente não existem; A escrita, que agora é alfabética, deve ter surgido nos meados do século X. A introdução da escrita é um momento alto da civilização grega. A base da escrita é o alfabeto fenício. É clara portanto a influência deste povo. Mas o que é interessante notar-se é o facto dos Gregos não se terem limitado a importar o alfabeto fenício: para que a escrita correspondesse à linguagem oral os Gregos fizeram as adaptações necessárias. A escrita antecede o aparecimento da polis. Esta, segundo Lévêque, teria surgido cerca de 800. As poleis espalharam-se por todo esse vasto território que constitui a Hélade. Mas vejamos o que é a polis. Devido à escassez de informações não conhecemos as raízes, ou seja, as razões do aparecimento da cidade-estado. O que sabemos é que de
  • 10. 10 uma forma geral a polis, tem um pequeno território o que a leva a possuir, igualmente, quase sempre, uma pequena população. Há diferenças entre o estado aqueu e a polis no tocante ao desenho urbanístico: enquanto no primeiro a cidadela, que é a residência do rei, é o lugar central, na polis surge a àgora que, nos seus primeiros tempos, é uma praça pública. Na ágora os habitantes podiam encontrar-se, conviver e trocar ideias. Há, assim, uma maior abertura, o sinal de uma mentalidade na qual a curiosidade sobre as concepções e a vida pública devem ter, já, um lugar de destaque. O que vai acontecer ao longo dos tempos é o que se tem chamado a fragmentação do poder político. A tendência é para o poder político se dividir por vários magistrados, colégios e assembleias. E também vários são os regimes políticos que os Gregos vão conhecer, entre os quais o democrático que atinge a sua forma mais avançada na Atenas do século V. Ora, entre o aparecimento da polis e o final do século VII podemos encontrar, entre outros, os seguintes aspectos: A Grécia está francamente aberta ao exterior; A actividade económica é intensa; Há grupos sociais em ascensão: comerciantes, navegadores, proprietários de oficinas; Surge a moeda, cujo significado inicial, ainda hoje não é consensual; Aparecem os códigos escritos, com grande repercussão na mentalidade grega. No final do século VII encontramos a Hélade estendendo-se da extremidade do Mar Negro ao extremo ocidental do Mediterrâneo. A Hélade é, assim, um espaço descontínuo onde a unidade é constituída por laços espirituais: a língua, a religião, os festivais pan-helénicos, entre outros. Mas a Hélade é o espaço das poleis e no período que estamos a considerar mencionemos duas faixas de colonização
  • 11. 11 extremamente importantes: o litoral da Ásia Menor e aquela constituída pelo Sul de Itália e a Sicília. Quadro cultural da Grécia Antiga até ao século VII É frequente ao descrever-se as origens da filosofia falar-se de passagem do mito ao logos. Tentaremos mostrar que a expressão passagem do mito ao logos é ambígua e pode deturpar o que historicamente se teria passado. Comecemos pela questão do mito. O mito é uma história real, ou seja, o que para nós é uma fábula, uma história maravilhosa, era nas sociedades arcaicas uma narrativa verdadeira. Mas digamos, ainda, que o mito pode ter como personagens não só os deuses como os próprios homens (Cfr. M.H.R. Pereira). A importância do mito é praticamente indesmentível. Funciona como algo exemplar: o acto de semear ou de erguer uma casa é imitações de gestos contidos nos mitos. Um dos mais importantes é o cosmogónico, ou seja, aquele que trata das origens. Este mito narra a forma como o mundo veio à existência e qual o papel que os deuses desempenharam nesse acto. A origem do homem era contemplada nesta exposição que era transmitida de geração em geração: o mundo assim como o homem era obra dos deuses. Para além da dimensão do mito como modelo devemos falar da sabedoria que a ele está ligado. O mais antigo corpo de saber que encontramos na Grécia está ligado aos sacerdotes e aos homens divinos. Os homens divinos constituem uma expressão usada pelos gregos. Com ela queriam significar aquelas personalidades que continuando a ser humanas possuíam um dom dado pelos deuses, o que fazia que estivessem mais perto da divindade. Estes homens tinham poderes extraordinários como por exemplo: conhecer o passado e o futuro; separar o espírito do corpo e viajar, por
  • 12. 12 vezes por longos anos, com o espírito deixando de lado o corpo; descida ao Hades; poderes para deter cataclismos naturais. Para se compreender um pouco melhor uma questão tão delicada convirá mencionar a posição de E. Morin (O Método, III?). O filósofo francês considera que na época em que o mito é relevante as técnicas já existiam, isto é, há uma coexistência de actividades bem diferenciadas. Tal significa que é próprio do espírito humano este duplo enfoque, o que leva o homem a viver não só com a razão mas também com o mito. No caso da Grécia Antiga podemos ver a força do mito mas também manifestações culturais, ligadas essencialmente à literatura, que ampliam e diversificam o campo do Homem. Façamos assim uma referência à cultura Grega desde os poemas homéricos até aos finais do séc. VII. Em primeiro lugar acentuemos a importância da Ilíada e da Odisseia. Nestes poemas viram os Gregos os seus antepassados: os Gregos são os descendentes dos heróis da Guerra de Tróia. Há assim uma dimensão histórica, sempre considerada ao longo dos séculos na Grécia Antiga. Nos poemas homéricos o aspecto religioso é relevante: os episódios relativos aos deuses são numerosos e assim não é para admirar que a sua influência seja grande neste campo. As qualidades ostentadas pelos heróis irão servir de modelo aos Gregos. Assim não é para admirar que Homero fosse considerado o educador da Grécia e os poemas constituíssem a base da paidéia grega. Convirá reflectir um pouco sobre este ponto. Homero será acusado por vários pensadores de contar histórias vergonhosas acerca dos deuses. O ataque de Xenófanes a Homero inicia a querela entre os defensores da paidéia tradicional e os filósofos. Mais tarde, vemos Platão, na República, criticar longamente a paideia tradicional. Se os poemas homéricos são fundamentais todavia não fazem esquecer a Teogonia e os Trabalhos e os Dias de Hesíodo (meados do século VIII).
  • 13. 13 Os poemas de Hesíodo constituem um marco na História da Cultura Grega – vejamos alguns aspectos. Será interessante ver que o poeta fala de si próprio na sua obra (o poeta ou poetas dos poemas homéricos não têm uma atitude pessoal). As obras de Hesíodo apresentam outra inovação: o aspecto ético é frisado e assim a justiça é algo de agradável aos deuses. A Teogonia é importante não só porque é um tratado sobre a religião grega mas também pela questão cosmogónica. Há um esforço por parte de Hesíodo em colocar uma certa ordem na religião grega: ao que nos parece tudo indica que o quadro religioso grego era confuso, que as contradições eram abundantes nas biografias dos deuses. Surge, assim, um traço de um novo espírito: há a preocupação em arrumar a matéria religiosa, há uma certa racionalização na tarefa levada a cabo por Hesíodo. Com isto não queremos dizer que se perca o sentido religioso mas sim, que começa a surgir um novo estilo. A narrativa cosmogónica na Teogonia segue o estilo a que fizemos referência. A génese do Universo é relativamente simples e há uma certa aproximação à noção de Natureza sem implicar a perda do estatuto de importância que as divindades possuíam. Mencionemos outro acontecimento da História da Cultura Grega: o aparecimento, nos princípios do século VII, da poesia lírica. O poeta lírico fala de si, descreve os seus sentimentos, torna - - os públicos. É este, sem dúvida, um fenómeno relevante na Cultura Grega. Os quadros que traçamos não nos mostram toda a riqueza da Cultura Grega desde os fins do século IX até aos finais do século VII. Mas parece-nos suficiente para compreender a passagem do século VII para o VI. Relembremos que a parte oriental do mundo grego estava em contacto com algumas civilizações brilhantes (Egipto, Mesopotâmia). A polis, por
  • 14. 14 sua vez, implicava uma mobilidade espiritual que a diferenciava do estado oriental. Sob o ponto de vista cultural, a trajectória seguida, implicava uma discussão sobre temas cada vez mais amplos e complexos. Segundo os Gregos nos finais do século VII e primeiras décadas do VI surgiu uma plêiade de personalidades a quem chamaram os sete sábios e cujos nomes variavam de lista para lista. Tales é um dos nomes presentes em todas elas. Os sete sábios, envolvidos em parte pela lenda, são figuras diferenciadas: ao lado de legisladores e governantes surgem, também, aqueles que têm poderes extraordinários. Vejamos algumas das suas características: Os sete sábios estão ligados à defesa da polis ou escrevendo os códigos ou salvando-a de catástrofes por meios extraordinários; O seu saber é condensado em máximas, os apotegmas; Esse saber é público e algumas máximas são gravadas na pedra. Quando chegamos a Tales de Mileto há na Grécia uma longa tradição cultural. Encontramos a inovação que não corta abruptamente essa mesma tradição. Não deve ser por acaso que Tales é um dos sete sábios e o primeiro filósofo. O filósofo surge como o herdeiro do chamane, do sacerdote, do poeta. É detentor do saber como o eram os seus antepassados. Mas agora o saber é oferecido a quem o quiser fruir. É um saber aberto que contrasta, agora, com o círculo fechado do antigo corpo de saber. Há uma dessacralização do saber? A resposta não é fácil. Há mitos e narrativas que perdem velocidade, que se vão tornando mais abstractos, ao longo dos tempos. Mas a religião não perde o seu prestígio e acompanhara sempre o homem grego. Pelo que dissemos, já anteriormente, a expressão passagem do mito ao logos não é muito correcta.
  • 15. 15 O mito não desaparece com a filosofia, umas vezes enfrenta-a, outra cruza-se com ela. Na longa caminhada não há cortes bruscos, há transformações mais ou menos lentas. Nos finais do século VII havia condições para o aparecimento da filosofia. Um quadro político aberto é uma delas. Mas há também um conjunto de experiências culturais que preparam o terreno para a "aurora da filosofia". Conclusão Nos finais do século VII e princípio do século VI, Existia um quadro politico social e favorável ao aparecimento de um novo tipo de concepção que se afastasse, pelo menos em parte da mítica e que tenta- se abarcar todo o real e cujo instrumento predominante fosse a razão. Das exposições que fizemos atem agora é importante salientar o seguinte: Não há um corte brusco com o passado; há uma determinada evolução constituída por uma série de transformações e um condicionalismo propício ao aparecimento da filosofia. O filósofo vai surgir em determinadas condições históricas: abertura da Grécia a outras civilizações, lugar proeminente de novas forças sociais: determinada concepção de estado; e mudança de mentalidade que se produziu ao longo dos séculos. A explicação mítica e substituída pela explicação filosófica. Os primeiros pensadores debruçam -se sobre as origens do universo e do homem, questões já albergadas nos grandes mitos cosmológicos. Convém assinalar que a filosofia surgida na Jónia no século VII E VI não irá constituir um corpo de saber que aniquila-se por completo aquele que tinha vigorado mas devido as transformações económicas, sociais e politicas permitem o aparecimento de novas teorias, estas durante mais ou menos tempo terão coexistido com as antigas, e por vezes surgir concepções híbridas. O aparecimento da filosofia, que devemos saudar como um acontecimento cultural de grande importância, não rompe totalmente com as concepções do mundo e da vida que tinham atravessado muitos e muitos séculos.
  • 16. 16 O Filósofos Pré – Socráticos A passagem da consciência mítica e religiosa para a consciência racional e filosófica não foi feita de um salto. Esses dois tipos de consciência coexistiram na sociedade grega. De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como período pré-socrático. Esse período abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto (623-546 a.C.) até Sócrates (468-399 a.C.). Os primeiros filósofos buscam a arché, o princípio absoluto (primeiro e último) de tudo o que existe. A arché é o que vem e está antes de tudo, no começo e no fim de tudo, o fundamento, o fundo imortal e imutável, incorruptível de todas as coisas, que as faz surgir e as governa. É a origem, mas não como algo que ficou no passado e sim como aquilo que, aqui e agora, dá origem a tudo, perene e permanentemente. No vasto mundo Grego, a filosofia teve como berço a cidade de Mileto, situada na Jónia, litoral ocidental da Ásia Menor. Caracterizada por múltiplas influências culturais e por um rico comércio, a cidade de Mileto abrigou os três primeiros pensadores da história ocidental a quem atribuímos a denominação de filósofos. São eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. O objectivo dos primeiros filósofos era construir uma cosmologia (explicação racional e sistemática das características do universo). Em outras palavras, os primeiros filósofos queriam descobrir, com base na razão e não na mitologia, o princípio substancial (a arché) existente em todos os seres materiais. Os pré-socráticos ocuparam-se em explicar o universo e examinavam a procedência e o retorno das coisas. Os primeiros filósofos gregos tentaram responder à pergunta: Como é possível que todas as
  • 17. 17 coisas mudem e desapareçam e a Natureza, apesar disto, continua sempre a mesma? Para tanto, procuraram um princípio a partir do qual se pudesse extrair explicações para os fenómenos da natureza. Um princípio único e fundamental que permanecesse estável junto ao sucessivo vir-a-ser. Tales vai dizer que o princípio de tudo é a água; Anaximandro, o infinito indeterminado, Anaxímenes, o ar; Heraclito, o fogo; Pitágoras, o número; Empédocles, os quatro elementos: terra, água, ar, fogo, em vez de uma substância única. Os Milésios Escola de Mileto ou Milesiana, é chamada a escola de pensamento iniciada no Século VI a.C. na vila jónia de Mileto, na costa da Anatólia, e representada, principalmente, pelos filósofos: Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes. Convém distingui-la da Escola Jónica, que inclui estes e outros jónios como Heraclito ( de Éfeso), ou Diógenes de Apolônia (que viveu em Creta). A escola de Mileto e situada na cidade de Mileto, na Jónia, litoral ocidental da Ásia Menor. Os filósofos que fundaram a escola foram: Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes. Tales era considerado "o pai da filosofia" por ser o primeiro pensador grego. Tales queria descobrir um elemento tísico que fosse constante em todas as coisas. Algo que fosse o princípio unificador de todos os seres. Tales concluiu que a água é a substância primordial, a origem única de todas as coisas, para ele somente a água permanece basicamente a mesma, em todas as transformações dos corpos, apesar de assumir diferentes estados como: sólido, líquido e gasoso. O princípio primordial de todas
  • 18. 18 as coisas segundo Anaximandro era o "abeiro". Já para Anaxímenes era o "ar". Tales de Mileto As 3 afirmações de Tales: 1- A água é a origem de todas as coisas. 2- A terra flutua na água. 3- Tudo está cheio de Deuses. Thalès (grego θαλες Thalễs), chamado Tales de Mileto, é o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia. Ele é o marco inicial da filosofia ocidental. De ascendência fenícia, nasceu em Mileto, antiga colónia grega, na Ásia menor, actual Turquia, por volta de 625 a.C. e faleceu aproximadamente em 547 a.C. - segundo o historiador grego Diógenes Laércio, morreu com 78 anos durante a 58ª Olimpíada. Tales é apontado com um dos sete sábios da Grécia Antiga. Além disso, foi o fundador da Escola Jónica. Considerado, também, o primeiro filósofo da "physis" (natureza), porque outros, depois dele, seguiram seu caminho buscando o princípio natural das coisas. Tales considerava a água como sendo a origem de todas as coisas. E seus seguidores, embora discordassem quanto à “substância primordial”
  • 19. 19 (que constituía a essência do universo), concordavam com ele no que dizia respeito à existência de um ―princípio único" para essa natureza primordial. Entre os principais discípulos de Tales de Mileto, merecem destaque: Anaxímenes que dizia ser o "ar" a substância primária; e Anaximandro, para quem os mundos eram infinitos em sua perpétua inter-relação. Teorema de Tales - "Quando duas rectas se cortam, são iguais os ângulos" Tales observou que, num mesmo instante, a razão entre a altura de um objecto e o comprimento da sombra que esse objecto projectava no chão era sempre a mesma para quaisquer objectos "Este teorema certamente mostra, que de duas linhas rectas, que se cortam, os ângulos contrários pelo vértice são iguais. Contudo a questão se apresenta pouco clara, porque o teorema supõe também outros conhecimentos mais simples, os quais possivelmente Tales não tivesse. Por isso, melhor é supor que Tales se tenha valido de sua experiência adquirida em cálculos práticos. A Cosmologia de Tales Na época de Tales, os gregos – através de sua mitologia – consideravam os elementos da Natureza (o Sol, a Terra, o Céu, o Oceano, as Montanhas, etc.) como forças autónomas, honrando-os como deuses, elevados pela fantasia a seres activos, móveis, conscientes e dotados de sentimentos, vontades e desejos. Estes deuses constituíam-se na fonte e na essência de todas as coisas do universo. Tales foi um dos primeiros pensadores a discordar dessa religião vigente, cujos princípios eram ditados pela percepção que os homens captavam através de seus sentidos. O ponto de partida da teoria especulativa de Tales – como
  • 20. 20 também de todos os demais filósofos da escola Jónica – foi a verificação da permanente transformação das coisas umas nas outras e sua intuição básica é de que todas as coisas são uma só coisa fundamental, ou um só princípio (arché). Dos escritos de Tales, nenhum deles sobreviveu até nossos dias. Suas ideias filosóficas são conhecidas graças aos trabalhos de Diógenes Laércio, Simplício e principalmente Aristóteles. Em sua obra - Metafísica, Aristóteles nos conta: ―Tales diz que o princípio de todas as coisas é a água, sendo talvez levado a formar essa opinião, por ter observado que o alimento de todas as coisas é húmido e que o próprio calor é gerado e alimentado pela humidade. Ora, aquilo de que se originam todas as coisas é o princípio delas. Daí lhe veio essa opinião, e também a de que as sementes de todas as coisas são naturalmente húmidas e de ter origem na água a natureza das coisas húmidas”. Em seu livro – Da Alma, Aristóteles escreve: ―E afirmam alguns que ela (a alma) está misturada com o todo. É por isso que, talvez, Tales pensou que todas as coisas estão cheias de deuses. Parece também que Tales, pelo que se conta, supôs que a alma é algo que se move, se é que disse que a pedra (imã) tem alma, porque move o ferro‖. Esse esforço de investigação de Tales no sentido de descobrir uma unidade, que seria a causa de todas as coisas, representa uma mudança de comportamento na atitude do homem perante o cosmos, pois abandona as explicações religiosas até então vigentes e busca, através da razão e da observação, um novo sentido para o universo. Quando Tales disse que todas as coisas estão cheias de deuses, ou que o magnetismo se deve à existência de “almas” dentro de certos minerais, ele não estava invocando as palavras deus e alma, no sentido religioso como as conhecemos actualmente, mas sim adivinhando intuitivamente a presença de fenómenos naturais inerentes à própria matéria. Embora suas conclusões cosmológicas estivessem erradas podemos
  • 21. 21 dizer que a Filosofia começou então com Tales, que ao estabelecer a proposição de que a água é o absoluto, provoca como consequência o primeiro distanciamento entre o pensamento racional e as percepções sensíveis. Contos Plutarco disse que Tales certa vez olhando para o céu, tropeçou e caiu, sendo repreendido por alguém como lunático: analisava o tempo para descobrir que haveria uma seca, com a qual ganhou dinheiro. Usando seu conhecimento astronómico e meteorológico (provavelmente herdado dos babilónios), Tales previu uma excelente colheita de azeitonas com um ano de antecedência. Sendo um homem prático, conseguiu dinheiro para alugar todas as prensas de azeite de oliva da região e, quando chegou o verão, os produtores de azeite tiveram que pagar a ele pelo uso das prensas, o que levou-o a ganhar uma grande fortuna com esse negócio. Quando perguntaram a Tales o que era difícil, ele respondeu: ―Conhecer a si próprio‖. Quando lhe perguntaram o que era fácil, ele respondeu: ―Dar conselhos‖. Terramotos - Foram explicados por Tales como flutuação pouco firme da terra sobre a água que a sustenta nos fundamentos. Diz um texto, cujo informe deriva da tradição de Teofrasto, através da escola estóica de Possidónio: "Porque diz Tales, que o mundo está apoiado sobre a água, e que ela viaja como navega ao modo de navio, e que ela flutua movente". O terrífico fenómeno do terramoto, que as narrativas míticas apresentavam como punição divina, passa, a partir de Tales, a ter uma explicação racional, ainda que com falta de acerto. A explicação de Tales significa ao menos um bom começo. Estimulado certamente por esta teoria, Anaximandro tentará outra melhor.
  • 22. 22 Principais Fragmentos ―... A água é o princípio de todas as coisas...‖. - ―... Todas as coisas estão cheias de Deuses...‖. - ―... A pedra magnética possui uma alma porque move o ferro...". - “... A alma é uma natureza sempre em movimento, ou que se move por si mesma...". - ―... Deus é o mais antigo dos entes, porque ele é por si mesmo...‖. - ―...O mundo é isto, que de mais belo existe, porque ele é a obra de Deus...‖. - ―... O espaço é aquilo, que de maior existe, porque ele contém tudo...‖. - ―... A mente é isto, que de mais rápido existe, porque ela corre através de tudo...‖. - ―... A necessidade é o que há de mais forte, porque ela tudo rege...‖. - "... O mais sábio é o tempo, porque ele descobre tudo...". Conclusão: Tales, natural de Mileto, nascido no século VII mas cuja actividade se deve processar essencialmente no século VI, não deve ter deixado qualquer obra escrita. Assim não é para estranhar que pouco conheçamos da sua vida e pensamento. O tema da filosofia de Tales é a physis. A physis é a substância primordial, a génese das coisas existentes. O problema colocado por Tales não é novo: é a questão das origens. O filósofo quer saber qual é a substância que vai originar o universo. Tales vai responder que a origem das coisas é a água. Com isto quer dizer que é a partir da água que o universo, com tudo o que ele encerra, se vai formar. É de presumir que Tales tivesse traçado a evolução do universo: simplesmente não temos informação que a documente. O que sabemos, ainda, é que Tales afirmou que a Terra é um disco achatado que está a boiar na água. Podemos destacar os seguintes pontos: Tales preocupa-se com a forma da Terra; A Terra tem um suporte, o que lembra as raízes que prendem a Terra ao fundo, que podemos ver nas cosmogonias;
  • 23. 23 Quando a água, suporte da Terra, entra em agitação a Terra estremece – é o terramoto. O que podemos descortinar é que Tales se interessa com a forma da Terra e pretende dar uma explicação de fenómenos que são importantes para a Humanidade. Outra tese de Tales diz que tudo está cheio de deuses. É uma afirmação um pouco misteriosa para nós. Sabemos que Tales fez pequenas experiências com o âmbar e o imane; viu assim que havia corpos que atraíam outros corpos (é possível que estas experiências sejam anteriores ao filósofo). É provável que com estes dados Tales chegasse à seguinte conclusão: há forças nos objectos e essas forças são deuses. Se assim é podemos concluir o seguinte: Os deuses estão à nossa volta, ou seja, estão em todo o lado; Esta concepção insere-se no quadro do politeísmo grego mas há inovação na medida em que os deuses estão mais próximos do Homem. Tales ficou famoso por outras actividades. Interessou-se pela matemática mas não se conhecem os seus progressos. Faz a previsão de um eclipse em 585 mas hoje pensa-se que Tales podia prever a data mas não o lugar onde ele era visível. É muito provável que Tales tivesse tido acesso às tábuas astronómicas dos babilónios, o que demonstra a sua grande curiosidade. Terminamos com a interessante explicação das cheias do Nilo. Tales afirmou que os ventos etésios, em determinada altura do ano, sopram em direcção à embocadura do Nilo dificultando a entrada das águas do rio no Mediterrâneo: sendo assim o rio transbordaria para as suas margens, provocando as inundações. Hoje sabemos que a explicação de Tales não é exacta; o que é exacto é o espírito da explicação dada pelo filósofo.
  • 24. 24 Anaximandro de Mileto O Apeiron Anaximandro ,segundo filosofo da escola jónica, natural de Mileto. Foi geógrafo, matemático, astrónomo e político. Escreveu um livro, Sobre a natureza, que se perdeu. Autor do primeiro mapa da história e iniciador da astronomia. Afirmou que a origem de todas as coisas seria o Apeiron, o infinito. O mundo se dissolveria nele também. É apenas um mundo dentre muitos. Ao contrário de Tales não deu à gênese um carácter material. O Apeiron é eterno e indivisível, infinito e indestrutível. O princípio é o fundamento da geração de todas as coisas, a ordem do mundo evoluiu do caos em virtude deste princípio. Supôs a geração espontânea dos seres vivos e a transformação dos peixes em homens. Anaximandro imaginava a terra como um disco suspenso no ar. Diz-se também, que preveniu o povo de Esparta de um terramoto. Vida - Filho de Praxíades e discípulo de Tales, 14 ou 24 anos mais jovem que o mestre, mas ambos morreram mais ou menos no mesmo ano. Nasceu na Cidade de Mileto em 610 a. c.. Segundo Diógenes Laércio, Anaximandro tinha 64 anos por ocasião da 58ª olimpíada (547 a..c.) e logo depois morreu, é possível fixar, que efectivamente faleceu cerca de 545 a..c. Esta informação coincide com a de
  • 25. 25 Hipólito sobre o nascimento no terceiro ano da 42ª olimpíada (610 a.e.c.). Diodoro de Éfeso, ao escrever a respeito de Anaximandro, diz que [Empédocles] o imitava no gesto e no uso de vestes solenes" 1. Como se sabe, Empédocles de Agrigento, da escola jónica nova, fora um filósofo festejado ao mesmo tempo como atleta olímpico. Sendo-lhe uma geração posterior, a comparação deve ser apenas de fundo histórico, por conta de quem a fez. Além disto, Anaximandro foi político, professor, administrador e construtor de relógios solares, há que diga que ele foi o inventor dos Gnômons (Relógios Solares), mas é uma teoria bastante discutível uma vez que os gregos adoptaram essa tecnologia além das doze horas do dia dos babilónicos. Mas de qualquer forma, foi Anaximandro quem introduziu os Gnômons na Grécia. Previsão de um Terramoto Fez a previsão de um terramoto. Anaximandro foi até Lacedemonia e aconselhou o exército espartano a abandonar a cidade, segundo testemunho de Cícero a cidade inteira foi destruída. A previsão do terramoto de Anaximandro deve ter acontecido pela experiência a respeito uma vez que Mileto estava dentro de uma zona sísmica. Diógenes Laércio afirma que Anaximandro foi o primeiro a definir um perímetro da terra e do mar. Além de construir um mapa da terra habitada, que foi aperfeiçoada posteriormente por Hecateo de Mileto. Seu mapa-múndi foi um desenho circular, em que as regiões conhecidas (Ásia e Europa) formavam segmentos aproximadamente iguais e todo ele rodeado pelo oceano.. Os conhecimentos geográficos de Anaximandro se baseavam nas notícias de navegantes que seriam abundantes e variadas em Mileto, centro comercial e de colonização. A Tradição considera Anaximandro, antes de tudo, um filósofo, sucessor e discípulo de Tales, cuja filosofia devemos interpretar como um desenvolvimento interno do racionalismo de seu mestre. Anaximandro desenvolveu, como crítica a filosofia de Tales, as ideias filosóficas seguintes:
  • 26. 26 a) O Apeiron. Segundo as fontes procedentes de Teofrasto, Anaximandro havia afirmado que o principio de todas as coisas existentes não é nenhum de os denominados elementos (água, ar, terra, fogo), se não alguma outra natureza Apeiron [indefinido o infinito]; b) O cosmos. Do centro do Apeiron eterno se agrega espécies de elementos, sem determinações, principalmente sem qualidades contrárias Este cosmos é dinâmico e temporal que tem sua origem e seu fim no Apeiron. c) A diversidade de mundos. Todas as fontes procedentes de Teofrasto (Simplício, Hipólito e Ps. Plutarco) atribuem a Anaximandro ideia de mundos infinitos (simultâneos e sucessivos). Em Anaximandro encontramos um problema semelhante ao de Tales de Mileto, pois em ambos pensadores as actividades científicas e filosóficas recaem na mesma pessoa subjectiva. Anaximandro poderia ser interpretado do ponto de vista científico como uma espécie de cosmólogo, do mesmo modo que Tales poderia ser interpretado como um fisiólogo ou biólogo. Mas a cosmologia de Anaximandro, é igual a physis de Tales e está coberta por ideias filosóficas. As ideias de Anaximandro (o Apeiron, o cosmos, a dinâmica e temporalidade do mundo) só adquirem uma escala adequada ao compará-las como um desenvolvimento interno dos problemas presentes no racionalismo de Tales, de tal modo que se poderia afirmar que muitos de suas ideias científicas estão cumprindo funções ontológicas, só podem ser entendidas por meio de suas ideias filosóficas. O Apeiron O cosmos A Multiplicidade dos mundos O Apeiron - Segundo fontes de Teofrasto e os textos de Aécio e D. Laércio, o Apeiron é o conteúdo da arché (origem de toda a matéria). A ideia de Apeiron é crítica-negativa, que não pode ser definida positivamente. Esta negação está contida em seu significado etimológico. O termo Apeiron está composto da partícula privativa a e o término péla (limite, borda). Etimologicamente Apeiron significa sem limites. A ideia de Apeiron pode adquirir
  • 27. 27 diferentes sentidos negativos segundo os diferentes parâmetros que fizermos para o limitado. Assim, se tomamos como parâmetros o limitado dos objectos concretos do mundo das formas (exemplo, uma lâmina metálica, uma cinta), Apeiron será o que não tem bordas ou extremos, porque se uniu a um anel. Aristóteles e Aristófanes apontaram a associação do Apeiron com algo circular ou esférico, círculo pode ser tomado, por sua vez, como referencia do limitado (exemplo: cosmos esférico limitado por uma superfície imersa em um espaço vazio), e, então o Apeiron seria uma esfera de raio infinito, sem limites. o Apeiron seria, pois, o circulo, o infinito em extensão espacial. Se tomarmos como modelo de limitado a água de Tales em quanto determinação do arché, então o Apeiron de Anaximandro será a negação que, em seu uso filosófico, se exerce sobre a metafísica de Tales. A água de Tales sim é algo determinado não pode ser arché. O Apeiron aparece assim como uma alternativa ao monismo da substância e, por onde, não pode ser nem água nem nenhum dos denominados elementos (ar, terra, fogo). No racionalismo de Tales o arché aparece sempre determinado nas formas do mundo. A unidade destas formas é a unidade das transformações mutuas unidade por identidade. O racionalismo de Tales unido a redutibilidade de algumas formas a outras (o mesmo que o bem e o mal, os gregos e bárbaros, os amos e os escravos, etc.). Agora o projecto de Tales começaria a perder-se quando as formas do mundo começam a mostrarem-se como irredutíveis: os opostos estão separados por fronteiras intransponíveis, ao menos de um modo directo. Contudo, Anaximandro conservaria o grupo de transformações de Tales, mas não de um modo directo, porém imediato. A transformação de coisas em outras está mediada pelo Apeiron. O Apeiron nos apresenta assim como a fonte inesgotável de energia que garante a transformação da unidade do cosmos. São duas as características do Apeiron de Anaximandro: Infinito e Indeterminado. Em quanto infinito o Apeiron é fonte de energia e movimento para que no mundo não cesse a geração e declínio; Mas, além disso, o Apeiron não é nenhum dos denominados elementos (água, ar, fogo, terra), porém algo indeterminado. Esta indeterminação é relativa ao mundo gerado em seu ventre como um embrião na placenta. Anaxímenes, o discípulo de Anaximandro, conservará de seu mestre a concepção do arché, mas já não será indeterminado como em Anaximandro e sim algo determinado: o ar. É de suma importância determinar as razões que levaram Anaximandro a opor-se ao projecto racionalista de Tales, em termos de discussão interna, própria da Escola. Quais são as razões que levaram Anaximandro a estabelecer a tese de que o arché infinito não pode ser algo determinado, não pode ser nenhum dos denominados elementos? Segundo Gomperz, o grupo de transformações não pode
  • 28. 28 servir para explicar a transformação de algumas coisas em outras. Assim, por exemplo, o ar para converter-se em fogo por rarefação (aumento de volume), necessita esquentar-se; As nuvens ao condensar- se se convertem em água, mas para elas necessitam esfriar-se, etc. Mas o argumento decisivo é que a condensação e rarefação implicam na limitação do mundo. E se o mundo é finito então nenhuma de suas partes, nenhuma determinação, pode ser elevada a categoria de arché infinito. Mas porque a condensação e rarefação implicam no limite do mundo? Se partirmos da hipótese de que o mundo é infinito, e dizer, que o mundo é composto de infinitas partes [A, B, C,........], então cabem duas possibilidades: 1. Cada parte é algo determinado e finito; mas neste caso a parte se desintegraria na infinidade de transformações; 2. A parte ou determinação é algo infinito, mas então nunca se transformaria em outra parte, pois por mais que condensemos o fogo, sempre obteremos fogo, etc. Por reductio ad impossibilem se estabelece a tese de que o mundo das formas é um mundo finito. Logo se é possível a transformação em mundo das formas, Tanto que elas se absorvem em um Apeiron indeterminado. A crítica directa a Tales leva a estabelecer como primeiro principio o arché algo indeterminado. A interpretação do arché como infinito e indeterminado, do Apeiron como aquele em que todas as formas do mundo, e em particular os opostos, se reabsorvem, como fonte inesgotável de energia que garante a transformação e unidade do cosmos, indica o caminho feito pela ontologia geral. E, sem embargo, também é possível a interpretação do Apeiron nos limites da ontologia especial. As fontes de Simplício, Ps. Plutarco, Hipólito, Aécio, etc. Nos informam que o Apeiron não é nenhum dos denominados elementos, mas ao mesmo tempo nos dizem que o Apeiron é o princípio de todas as cosais existentes. Neste caso o Apeiron não é nenhum elemento determinado mas indeterminado, em que as determinações se apagam e desaparecem. Alguns textos de Aristóteles nos apresentam o Apeiron como uma substancia intermediária, entre todos os elementos, Uma mescla indiferenciada de todas as matérias empíricas.
  • 29. 29 O Cosmos - A segunda ideia de Anaximandro, que chega aos nossos dias é a ideia de cosmos. o termo kósmo se traduz geralmente por ―mundo‖ e por ‖natureza‖ (no contexto de ―mundo natural‖). Na evolução semântica do termo kósmo pode-se distinguir os seguintes estados: a) Seu significado etimológico é ―ordem ou disposição‖ de certa coisa (por exemplo, uma tropa de cavalos) e no de ―ornamento‖ (por exemplo, o ornamento feminino, de onde provém cosmética). Segundo Heidegger, este segundo significado deve interpretar-se como beleza, noção ligada transcendentalmente a ideia de ser. b) Ordem do mundo; c) O Mundo como uma ordem; d) O Mundo em geral sem especial referencia à estrutura ordenada 12. Anaximandro havia efectuado o passo de (a) a (b) ou (c). Este passo só é possível através da experiência ou representação de uma ordem concreta no primeiro sentido de (a). Mas o que é ordenação concreta? Este se refere ao problema dos modelos (sociais, políticos, militares, ou tecnológicos) da ideia de cosmos. Para Paul Vernant, o cosmos de Anaximandro seria o emblema da nova polis democrática em que o príncipe o monarca havia sido substituído pelo equilíbrio de forças democráticas que se contrapesam em torno a um centro: o àgora. Mas, além dos modelos sociopolíticos de este tipo, existem também os modelos tecnológicos que parecem gozar de una maior potência explicativa. Esta interpretação foi sugerida por Gomperz. A experiência tecnológica da roda seria a corrente de transmissão para construção da ideia de cosmos. Assim, por exemplo, Anaximandro assina trajectórias circulares aos astros, enquanto corpos isolados, mas enquanto fragmentos de rodas de fogo envoltas em uma espécie de câmara de ar. A roda nos apresenta assim como esquema inteligível de continuidade ou conservação dos astros. Em todo caso o ágora pode ser considerado como um reforço do conceito de roda. Na geração deste cosmos, o gérmen do quente e frio foi segregado do eterno . A geração do cosmos a partir do Apeiron se produz não por alteração do elemento, mas ao separar os opostos: quente/frio, seco/húmido. O essencial do Apeiron de Anaximandro não é que se determine nos elementos e sim em uma ordem de elementos, formando um cosmos, mas um cosmos enantiológico, um sistema de oposições. O cosmos de Anaximandro é a unidade metafísica do mundo das formas, mas esta unidade se realiza de um modo diferente como ocorria no mundo de Tales. O monismo da substancia de Tales unidade do mundo é a unidade própria das formas que desaparecem umas em outras. Em troca, o monismo da ordem de Anaximandro, a unidade do cosmos é a unidade das formas que aparecem: não de outras, mas do Apeiron. O cosmos é, pois, a unidade que as formas devem manter para subsistir
  • 30. 30 como tais formas. Esta unidade é já um conceito M3, que no se absorve em nenhum corpo (M1), nem em nenhuma mente (M2). O cosmos enantiológico forma um sistema de relações, uma estrutura, que se realiza em todos os campos, sobre todo o elo astronómico. Neste sentido Anaximandro, antecipando-se aos pitagóricos, é o primeiro em iniciar a análise matemática da natureza, estabelecendo relações numéricas entre os corpos celestes e o raio da Terra tomado como unidade:  Relaciones do raio da Terra com sua altura (a altura é igual a um terço do diâmetro);  Relações da distância entre anéis com o raio terrestre (o anel das estrelas e dos planetas em 9 raios, da lua 18 raios, e o anel do sol em 27 raios). O cosmos de Anaximandro é um sistema de relação temporal, pois a partir de onde há geração para as coisas, há ali também a produção da destruição, segundo a necessidade de acordo com a disposição do tempo. A dinâmica do cosmos se desenvolve conforme duas fases: a primeira é a formação do cosmos a partir do Apeiron, a segunda fase é a do retorno de todas as coisas ao Apeiron. O cosmos é um sistema de relação temporal, pois seus términos não procedem de si mesmos (da transformação de uns em outros), e sim do Apeiron. Anaximandro explica a formação do cosmos a partir do Apeiron em duas etapas: Na primeira etapa se explica a formação da Terra. Na segunda serão a da formação das Esferas os anéis. Do ventre do Apeiron eterno se segrega um gerador do calor e do frio. Frio e calor são o primeiro par de opostos. O calor dá lugar ao fogo a massa ígnea que rodeia totalmente o frio como casca e fruta. Esta esfera ígnea tem um movimento circular. O frio por sua vez se determina em outro par de opostos: o sólido e o húmido. O sólido dá lugar a Terra. O húmido se determina em líquido (água) e gasoso (ar). Os quatro elementos (fogo, terra, água e ar) que formam nosso cosmos foram gerados — segundo a disposição do tempo — a partir das qualidade opostas. Formação da Terra. o movimento circular da esfera ígnea dá lugar a um redemoinho que origina a Terra a partir do frio. A terra tem forma cilíndrica, como uma coluna de pedra e o homem habita uma de suas superfícies planas. A altura da Terra é um terço de seu diâmetro no princípio, a Terra está rodeada de água (de humidade) por todas as partes, mas o calor do fogo transforma parte da água em ar, e o resto se converte em mar, caindo livre parte da terra que, sem embargo, propende a secar-se completamente: o mar é um resíduo da humidade primitiva. Depois uma parte da humidade se evaporou por causa do sol e se converteu em ventos; enquanto a parte que cai nos lugares ocos da
  • 31. 31 terra, é mar. Que por ser secado pelo sol, diminui e acaba secando. A Terra está no centro do universo, suspendida livremente, sem estar sustentada por nada, movimentando-se em um espaço infinito, este movimento acaba neutralizado, pois, por estar no centro, as forças de atracão que actuam desde os distintos lugares da abóbada se compensam entre si. Assim, pois, a Terra tem que permanecer em seu lugar. Anaximandro parte da ideia de movimento e deduz dela o repouso da Terra. Formação das esferas. A cobertura ígnea rodeia e tudo mais se desgarra para formar anéis separados. Este rompimento se produz por causa do movimento da própria esfera ígnea ou, também, porque a massa gasosa ao aquecer penetra na esfera ígnea. Estes anéis estão envoltos por uma massa atmosférica opaca e obscura; mas apresentam orifícios ou aberturas através dos quais brilha o fogo que aprisionam. O que nós denominamos corpos celestes não são outra coisa que o fogo que nós percebemos através destes orifícios. A obstrução destes orifícios produziria segundo Anaximandro, os eclipses e as fases da lua. Existem três classes de anéis: o do sol, o da lua, e dos planetas e estrelas fixas. O sol é o maior (distante da Terra 27 raios), depois o da lua (18 raios) seguido das estrelas fixas e dos planetas (9 raios). Origem dos animais e do homem. Anaximandro enuncia uma tese evolucionista, mediante generatio aequivoca, sobre a origem dos animais. Os primeiros animais surgem da lama que se vai secando mediante o calor do sol e estavam recobertos de uma pele ouriçada e espinhosa para proteger-se do mundo circundante Com ele enuncia uma tese lamarquista-darwinista da defesa das espécies frente a seu meio ambiente e da troca da forma das espécies em virtude das mudanças produzidas nesse meio. As mudanças das condições de vida (a mudança fazia o elemento seco) ocasionam o desaparecimento da casca que rodeava estes seres. Por outra parte, os homens e mulheres primitivos nasceram já adultos. Na lama esquentada pelo sol se originaram uns poucos peixes ou animais semelhantes aos peixes em cujo interior se haviam desenvolvido os homens que permaneceram ali até o amadurecimento. Anaximandro fundamenta esta tese no seguinte: se o homem houvesse chegado ao mundo na forma que chega actualmente, não haveria sobrevivido. A argumentação de Anaximandro deveria ser a seguinte: 1) Todos os seres podem valer-se por si mesmos ao nascerem, excepto o homem que necessita, ao crescimento, de um grande período de cuidados maternos. 2) Os primeiros homens necessitariam de uma protecção especial (biológica) que substituiria os cuidados maternos actuais.
  • 32. 32 3) Se houvessem tido essa protecção, a espécie humana não teria resistido. 4) Mas a espécie humana resistiu. 5) Logo os homens primitivos não chegaram ao mundo na forma que chegam actualmente. A dinâmica do cosmos em sua segunda fase consiste no retorno de todas as coisas ao Apeiron. O próprio sistema conduz a sua destruição e absorção no Apeiron. Os anéis de fogo, e do sol particularmente , enquanto gira vão determinando uma evaporação da água terrestre, que terminará por secar a terra (sufocando a vida que há nela) e assim acabará com o próprio ar que envolve os anéis. Produzir-se-ia assim uma espécie de morte térmica do universo. Em termos mais modernos, se poderia dizer que o cosmos de Anaximandro leva em seu ventre a morte entrópica, seu desaparecimento pela conversão de todo o calor, em fogo. O cosmos de Anaximandro é um equilíbrio — uma ordem, uma entropia mínima, mas um equilíbrio instável, porque não há perfeita e constante retribuição (segundo o critério do racionalismo de grupo) de uns términos a outros. Por ele diz Anaximandro que o mundo é injusto e por ele (segundo o texto de Simplício) as coisas voltam de novo ao Apeiron segundo a ordem do tempo A Multiplicidade dos Mundos - A dinâmica do cosmos de Anaximandro nos mostra que este tem um começo e um fim. O Apeiron apresenta dialecticamente no princípio e no fim do cosmos. Mas o principio é diferente da ideia do Nada e de criação, e no fim significa aniquilação. Por ele o Apeiron nos apresenta como a conjunção de duas impossibilidades: 1. A impossibilidade de um cosmos eterno; 2. A impossibilidade da criação e aniquilação.
  • 33. 33 Se o cosmos não é eterno e a aniquilação desse cosmos não é possível, então o fim do cosmos tem que dar origem a novos mundos. Anaximandro concebe o Apeiron fora do tempo, mas integramente orientado no cosmos. O cosmos em que estamos começa e acaba, e o Apeiron dá lugar a novos mundos que começam e acabam. Mas a multiplicidade dos mundos pode ser entendida como simultânea ou como sucessiva. Defendem a pluralidade simultânea Santo Agostinho, Burnet, W. Capelle, e outros, sobre tudo Kirk e Raven ao manifestar que, em caso de atribuir a multiplicidade de mundos a Anaximandro, observação de nosso mundo sugere mais a pluralidade simultânea (a multiplicidade dos astros) que a sucessiva. Defendem a multiplicidade sucessiva de mundos Zeller e Cornford (Principium Sapientiae) quem demonstraram a falácia de muitos dos argumentos de Burnet e conseguiram que a interpretação de Zeller desfrutasse do favor geral. O principal problema que questiona a pluralidade dos mundos é sua compatibilidade com o monismo, e Santo Agostinho não deixou de contrapor o pluralismo de Anaximandro e o monismo de Tales, pois acreditava (Anaximandro) que o princípio das coisas singulares era infinito e dava origem a mundos inumeráveis. Efectivamente, se o Apeiron dá origem a infinitos mundos coexistentes no tempo (simultâneos), então não é possível incluir Anaximandro no monismo milesiano. A unidade do Apeiron implica na unidade do cosmos, mas esta unidade chocar-se-ia com a multiplicidade simultânea de mundos singulares. Para tanto a pluralidade de mundos coexistentes romperia a unidade do Apeiron em quanto esta se funda por referencia al cosmos. Sem embargo a multiplicidade sucessiva de mundos se parece compatível com o monismo, pois a unidade do Apeiron se mantém por referência a singularidade de cada mundo. A sucessão infinita de mundos pode ser entendida de duas maneiras: 1. Como continuidade cósmica. A sucessão entre dois mundos é uma continuidade cósmica. Mas se a sucessão entre dois mundos se mantém no plano cósmico então existe uma continuidade de cosmos. Isso conduz à tese de que, em realidade, não existe propriamente uma pluralidade nem sucessiva nem simultânea de mundos (ideia de continuo que havíamos atribuído a Tales de Mileto). 2. Como hiatos acósmicos (metakósmia). Entre mundo e mundo existiriam hiatos extracósmicos (Apeiron). A ideia de inter- mundia (metakósmia) é uma ideia limite de cosmos, que não podemos conhecer em si e por isso nos apresenta como indeterminado.
  • 34. 34 Mas a Ideia de metakósmia tampouco é incompatível com a de simultaneidade, no caso de que a multiplicidade de mundos isolados constitui um cosmos que tem como limite a ideia de meta cosmos. O Fragmento de Anaximandro "O ilimitado é a origem dos seres. E a fonte da geração das coisas existentes é aquela na qual a destruição também acontece [segundo a necessidade porquanto pagam castigo e retribuição uns aos outros, pela sua injustiça, de acordo com o decreto do tempo] como ele se exprime, nestes termos um tanto poéticos." (Trad. M. H. Rocha Pereira) Conclusão: Anaximandro, natural de Mileto, ficou famoso na Antiguidade por ter desenhado um mapa. Foi um companheiro de Tales, mais jovem do que este. Anaximandro escreveu um livro, em prosa e cujo título é Acerca da Natureza. Tudo isto merece algumas considerações. O título não é de completa confiança: é possível que o título original se perdesse e mais tarde se atribuísse esta designação genérica às obras dos pré- socráticos. Mas é interessante notar-se que, mesmo que o título seja posterior, ele corresponde ao domínio tratado pelo filósofo. É relevante o facto de Anaximandro ter escrito um livro em prosa. Em primeiro lugar o pensamento de Anaximandro torna-se público, isto é, pode ser abordado por quem tenha curiosidade para tal. É uma atitude que acompanha, quase sempre, a Filosofia. Em segundo o facto de o livro ser em prosa mostra uma audácia da parte de Anaximandro. O universo cultural é dominado pela poesia no tempo do filósofo. Escrever em prosa era abandonar os padrões mais elevados e, em contrapartida, Anaximandro conferia à prosa a dignidade de poder constituir o veículo do saber.
  • 35. 35 Vejamos agora a doutrina de Anaximandro. O filósofo debruçou-se sobre o mesmo problema do seu antecessor: o que é a physis? E Anaximandro dá a resposta: a substância primordial é o apeiron. O termo Apeiron aparece na linguagem vulgar grega: nela significa algo sem limites, inacabado e por isso não é perfeito ou belo. Porém, para Anaximandro o termo embora conserve o sentido de qualquer coisa sem limites tem uma dignidade que não possui na linguagem vulgar. A substância primordial para Anaximandro é algo sem limites e indeterminada. Esta última característica é fundamental para se compreender o que é o Apeiron. Este não é uma substância determinada como a água, por exemplo, mas também não é uma mistura de substâncias. Se fosse uma substância determinada destruiria todas as outras, na medida em que a physis é infinita. É importante assinalar que a substância primordial é increpada e imperecível: temos aqui patente a importância e a dignidade do Apeiron que existe desde sempre e existirá para sempre. Indiquemos igualmente a identificação da Divindade com a substância primordial; a este respeito façamos as seguintes observações: As características do Apeiron são tão importantes que são dignas para aplicar à Divindade; Se a Divindade é a substância primordial não é antropomórfica o que mostra a inovação introduzida por Anaximandro. O filósofo está interessado na génese do Universo e sobre este tema temos alguma documentação, embora escassa. Para Anaximandro, em determinada altura, separou-se do apeiron uma massa capaz de produzir o quente e o frio; em seguida a parte fria ocupa o centro e a quente vai envolvê-la. Ora, é esta situação que vai provocando a secagem, progressiva, da parte fria e a evaporação vai ter como resultado a fragmentação da esfera de fogo. A arquitectura do universo de Anaximandro é a seguinte:
  • 36. 36 A Terra tem uma forma cilíndrica; A Terra está imóvel, no centro, sem necessitar de qualquer suporte porque está equidistante de todos os outros pontos; os astros são constituídos por rodas ou anéis (das estrelas, da Lua e do Sol) cheias de fogo, envoltas por uma película opaca e com aberturas pelas quais sai a luz. A maior ou menor obstrução dos orifícios explica os eclipses e as fases da Lua. Esta explicação é relevante pois mostra que Anaximandro dá resposta a fenómenos particulares inserindo-os numa teoria geral. No que diz respeito ao tema das origens façamos, ainda referência à dos seres vivos. Segundo Anaximandro os seres vivos nasceram da lama e nos primeiros tempos, devido à escassez de terra firme, eram peixes ou semelhantes aos peixes. O homem foi idêntico aos outros seres e em determinada altura veio para terra firme e perdeu a sua carapaça espinhosa. Podemos fazer as seguintes observações: Os seres vivos não tiveram sempre o mesmo aspecto, atravessaram uma certa evolução; Há uma adequação entre os seres vivos e o ambiente. Deixemos para o fim o fragmento de Anaximandro, as primeiras palavras de um filósofo que chegaram até nós. Vamos transcrevê-lo no contexto do comentador (Simplício) que o conservou: "O ilimitado é a origem dos seres. E a fonte da geração das coisas existentes é aquela na qual a destruição também acontece [segundo a necessidade porquanto pagam castigo e retribuição uns aos outros, pela sua injustiça, de acordo com o decreto do tempo] como ele se exprime, nestes termos um tanto poéticos." (Trad. M. H. Rocha Pereira).
  • 37. 37 As palavras de Anaximandro estão entre parênteses rectas. Numa primeira leitura e seguindo a letra do fragmento podemos concluir que se trata de um quadro ético-jurídico: termos tais como castigo, injustiça, decreto do tempo parecem indiciar esta interpretação. Todavia, podemos perguntar se fará sentido que coisas inanimadas, por exemplo, cometam qualquer injustiça e por isso tenham de ser castigadas. É provável que Anaximandro utilizasse termos poéticos, como diz Simplício, para descrever um determinado quadro. O filósofo poderia querer dizer que a noite para surgir necessitava que o dia desaparecesse assim como a uma estação sucedia outra. O que queremos afirmar é que as coisas actuais não permitem o aparecimento de outras e é necessário que essas desapareçam para que outras venham à existência. E é também muito possível que este universo, segundo Anaximandro, um dia seja destruído para outro se formar. Assinalemos, por fim, que para o milésio o universo é regido por normas (os decretos do tempo); é um universo regido pela necessidade e não pelo acaso.
  • 38. 38 Anaxímenes de Mileto O Ar Anaxímenes de Mileto é o terceiro e último importante filósofo da escola jónica antiga, no quadro ainda da fase Milesiana. Embora pouco se saiba de sua vida, ele é contudo citado com frequência para dizer que foi sua a proposição do ar como elemento básico na formação de tudo. Dedicou-se à meteorologia, foi o primeiro a considerar que a lua recebe a luz do sol. Era companheiro de Anaximandro. Hegel diz que Anaxímenes ensina que nossa alma é ar, e ele nos mantém unidos, assim um espírito e o ar mantém unido o mundo inteiro. Espírito e ar são a mesma coisa. A substância Primordial volta a ser uma coisa determinada como em Tales. Anaxímenes identificou o ar talvez porque tenha visto seu movimento incessante, e que a vida e o ar andam juntos, na maioria dos casos. A respiração é um processo vivificante, dependemos dela durante toda a nossa vida. Ele via que no céu existem nuvens, e que a matéria possui diferentes graus de solidez. Vida - Anaxímenes de Mileto, filho de Eurístrato, foi discípulo de Anaximandro. Nasceu quando Anaximandro tinha 25 anos, possivelmente no ano 585 a.C., no mesmo ano do eclipse predito por Tales. Anaxímenes nasceu, quando Mileto ainda era florescente cidade independente e liderava as cidades da confederação jónica. Sardes, capital do reino Lídio, fora conquistada mais cedo pelos persas em 546 a.C. e também mais cedo foi destruída. Mileto, ainda por algum tempo, continuou próspera, mesmo quando reduzida à parte da satrapia persa instalada com domínio sobre toda a Jónia.
  • 39. 39 O verdadeiro significado de Anaxímenes está em haver dado continuidade à ciência e à filosofia em curso. Por Anaxímenes se constata que a ciência e a filosofia, já nascidas, prosperam definitivamente por fora das tradições dogmáticas mitológicas. A influência de Anaxímenes ocorreu sobre os mais diversos filósofos, como por exemplo Pitágoras, Melisso, Anaxágoras, Demócrito, Diógenes de Apolónia. Nada mais se sabe sobre sua vida e profissão. Supõe-se que escreveu um livro pois segundo as informações de Diógenes Laércio ―escreveu em dialecto jónico em um estilo simples e conciso‖. Vale lembrar que naquela época os autores se utilizavam de papiros, uma vez que não existiam livros de facto. Restam somente três reduzidos fragmentos dos escritos de Anaxímenes de Mileto. Estes se devem às citações feitas por Plutarco e Aécio. "Escreveu em língua jónica, com simplicidade e sobriedade". O idioma grego se falava em 4 dialectos básicos, o acádico, de Atenas, se tornou o principal, sendo que o jónico, muito próximo do acádico, foi também a língua de importantes obras. Se Diógenes Laércio avaliou o estilo de Anaxímenes, isto pode significar que o livro do filósofo Anaxímenes de Mileto ainda se conservava ao seu tempo. Mais provável, entretanto, é que a informação tenha vindo através de Teofrasto, que, por sua vez, poderia ter conhecido a obra. De outra parte, a observação sobre a simplicidade e sobriedade do estilo de Anaxímenes pode indicar diferença com aquele de Anaximandro, ao qual tinha como poético. O ar como elemento Cosmologia Ar como primeiro elemento na composição da matéria - O ar como primeiro e infinito elemento. Divergindo de Tales, proponente da água e de Anaximandro do infinito, agora Anaxímenes propõe o ar como elemento fundamental da natureza, a partir de cuja complexificação se formam todas as coisas, e no qual elas todas se decompõem. A ideia fundamental continua a mesma, de que tudo se forma a partir de um elemento primeiro, o qual subsiste por si só e é consequentemente divino. Anaxímenes propõe como arché o ar que é um principio infinito, como o Apeiron de Anaximandro; mas determinado, como a água de Tales. Por isso podemos interpretar a filosofia de Anaxímenes como uma espécie de síntese entre Tales e Anaximandro. o racionalismo de Anaximandro é um racionalismo aberto pois a transformação de umas coisas em outras só é possível por meio do Apeiron. Em Anaxímenes assistimos novamente o racionalismo cercado do grupo de transformações. O ar
  • 40. 40 como arché substitui a água de Tales, mas por sua vez incorpora algumas das propriedades do Apeiron de Anaximandro. Em Anaximandro o arché é infinito e indeterminado. Para Anaxímenes o ar, como arché, é um Apeiron (infinito), mas determinado. Anaxímenes encontrou no ar empírico uma série de propriedades que desempenhariam melhor que os outros elementos as funções de arché. Por esse motivo ele não escolheu o fogo, a terra ou a água. Em primeiro lugar l invisibilidade do ar. Segundo Hipólito 4 o ar ―quando é perfeito é imperceptível à visão‖. O ar é infinito, mas determinado. Mas a determinação do ar é mais abstracta a os sentidos que a água: é invisível como o Apeiron. O ar é infinito e “envolve todo o cosmos” pois o ar empírico parece não ter limites, ocupa uma vasta região do mundo já desenvolvido e penetra todas as coisas: A omnipresença extensiva do ar empírico é maior que a da água. O ar é, além disso, um princípio activo e em movimento (empurra os barcos, movimenta as ondas, etc.). Em segundo lugar o ar tem carácter divino ―Anaxímenes diz que o ar é Deus‖ e se compara com a alma. Melhor que a água o ar constitui a matéria adequada para o racionalismo do grupo de transformações. A condensação e a rarefação são atribuídas por Simplício tanto a Tales como a Anaxímenes. Além disso, segundo informações de Hipólito o ar se manifesta distintamente ao condensar-se, se fazendo mais subtil‖. O ar ao rarefazer-se aumenta o volume e se converte em fogo. Ao condensar-se diminui o volume e se transforma em água e em terra. São por tanto as mudanças quantitativas (aumento o diminuição de volume) que produzem as diferenças qualitativas. Anaxímenes introduz um princípio gradualista ao passo da quantidade à qualidade: natura non facit saltus. Além do mais os dois opostos (quente e frio) que Anaximandro extraía do ápeiron, Anaxímenes os constroem por meio da condensação e da rarefação: comprimido e condensado é frio e rarefeito é quente. A partir das notícias de Simplício (as demais coisas se produzem a partir destas substâncias) e de Cícero (Anaxímenes disse que o ar é infinito, mas as coisas dele nascem finitas: a terra, a água, o fogo e, a partir destas, todas as demais), Anaxímenes para explicar a formação dos corpos compostos não necessita remontar-se ao ar como princípio, bastando fazê-lo a partir de substâncias básicas ou elementos simples (fogo, ar, vento, nuvens, água, terra) que compõem os demais corpos. Se isto for verdade, Anaxímenes seria o pioneiro da ideia de elemento, já
  • 41. 41 que esta ideia não foi anunciada formalmente até Empédocles: conhecer racionalmente os fenómenos não significa explicar as coisas por seus últimos princípios (por exemplo, a partir do ar) mas a partir dos elementos. Cosmologia As informações que temos da cosmologia de Anaxímenes são escassas e, por geral, manifestam opiniões bastante ingénuas. Assim, a terra, o sol, a lua e os demais astros ígneos cavalgam sobre o ar e são planos. Os astros não se movem de baixo da terra, mas ao redor dela ―como gira um chapéu ao redor de nossa cabeça‖. O sol gira ao redor da terra em um plano horizontal e se oculta porque o cobrem as partes mais elevadas da terra e porque aumenta a distância em relação a nós. Em outras ocasiões suas opiniões se acercam mais da verdade que as de seu mestre Anaximandro. Assim mantém a tese de que a lua reflectia a luz do sol, que os eclipses do sol e de lua acontecem quando estes corpos são ocultados por outros corpos celestes.
  • 42. 42 Fragmentos I ―...O sol é largo como uma folha...". II ―... Do ar nascem todas as coisas existentes, as que foram e as que serão, os deuses e as coisas divinas...‖. III ―... O Ar é Deus...‖. IV ―... O ar contraído e condensado da matéria é frio, e o ralo e frouxo é quente. Como nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim também todo o Cosmo, sopro e ar mantém...''. Conclusão: O terceiro milésio, Anaxímenes, escreveu um livro em prosa, Acerca da Natureza, num estilo simples, segundo testemunho que chegou até nós. O tema principal para este pensador é o mesmo dos seus antecessores: a physis. A substância primordial é a bruma para Anaxímenes. O que se pode perguntar agora é o seguinte: conhecendo Anaxímenes as críticas do seu antecessor às substâncias determinadas porque é que o terceiro milésio escolheu a bruma? É aqui que entra uma explicação francamente engenhosa. Segundo Anaxímenes a substância primordial transforma-se nas várias substâncias que vão formar as coisas através do processo de rarefacção e de condensação. Assim, por exemplo, a bruma rarefazendo- se ao máximo transforma-se em fogo e na condensação máxima dá origem as pedras. Estamos perante uma resposta subtil a um problema difícil, ou seja, a passagem da substância primordial (neste caso determinada) às outras substâncias. Anotemos, ainda, que a bruma para Anaxímenes é infinita e é a divindade suprema. São dois aspectos que vêm de Anaximandro; acentuemos que a noção de infinito pertence ao património filosófico milésio.
  • 43. 43 Segundo Anaxímenes o universo deve a sua génese ao processo de rarefacção e condensação. Assim, surgiu a Terra, achatada, assente na bruma, e os astros que circulam em redor da Terra são corpos ígneos. O fragmento que chegou até nós, atribuído a Anaxímenes não merece grande confiança devido às interpolações que sofreu. Desta forma será mais prudente procurar o sentido geral da passagem preservada por Écio: A bruma é o lugar do nascimento e da destruição das coisas existentes. Quanto ao fragmento parece que alma de que nos fala o filosofo é vital e sensitiva ou seja o que nós hoje chamamos vida. Desta forma parece que a alma que o fragmento fala não é intelectual. A bruma cerca e sustenta todo o universo, mas segundo pensamos, Anaxímenes desejava reafirmar também o principio que a bruma é estrutura de tudo quanto existe, é por assim dizer que a estrutura do corpo e é ela que nos faz mover com que a actividade humana seja possível. A afirmação de que a alma é a bruma não nos deve espantar pois tal ideia que nos parece constituir o sentido de todo o fragmento, é coerente com a doutrina de Anaxímenes. De facto a substancia primordial não é só a origem como a estrutura das coisas existentes, é perfeitamente admissível que o milésio considerasse que a alma fosse constituída por bruma já que o homem também sendo uma coisa existente, deveria estar integrado na mesma substancia primordial. A alma embora esta seja vital ou sensitiva, é algo extremamente importante e tal como possui a dignidade de ser composta pela substancia primordial. Diremos apenas que há uma analogia entre a alma humana, que é bruma, e a bruma que cerca (sustenta) o mundo. Não é para espantar que a alma seja constituída por bruma (possivelmente no seu estado puro) já que esta está presente em todas as coisas. A alma dá o movimento ao corpo humano e a bruma sustenta o universo.
  • 44. 44 Xenófanes de Cólofon Filósofo grego, que emigrou da Jónia para o Ocidente. Fixando-se finalmente em Eleia, passou a ser considerado o fundador da escola do mesmo nome. Esta se fez famosa por defender a unidade e imutabilidade do ser, e pela reduzindo a diversidade e o movimento às impressões subjectivas dos sentidos. A curta biografia legada por Diógenes Laércio sobre Xenófanes é praticamente só o que sabe a seu respeito. A partir de uma análise se determinam mais alguns esclarecimentos. "Xenófanes, filho de Déxio, ou de acordo com Apolodoro, de Ortomenes, era de Colófon. Foi elogiado por Timon assim: Xenófanes, não altivo, castigador com homéricos embustes. Foi banido de sua cidade natal. Viveu em Zancle, e em Catânia. Segundo alguns, não foi discípulo de ninguém; segundo outros foi discípulo de Boton de Atenas, ou como dizem alguns, de Arquelao. Socion o fez contemporâneo de Anaximandro. Seus escritos são em metro épico, como elegias e Jambos, contra Hesíodo e Homero, denunciando o que eles diziam sobre os deuses. Ele mesmo cantava seus versos. Diz-se ainda que se opôs às opiniões de Tales e Pitágoras, e atacou também a Epimênides. Atingiu uma longa idade, como testemunhou por suas próprias palavras: Sessenta e sete são agora os anos em que me agito em cuidados pela terra grega; antes já eram passados outros vinte e cinco anos, se ainda sei dizer a verdade a cerca disto" (D. L., IX, 18-19). Depois de se referir às suas doutrinas, retoma Diógenes Laércio as informações biográficas: "Xenófanes escreveu dois mil versos sobre a fundação de Altabosco [Colófon] e a colonização de Elea na Itália.
  • 45. 45 Floresceu na sexagésima olimpíada 540-537 a.e.c. Lê-se também em Demétrio de Falera, no Tratado da velhice, e em Panécio o Estóico, Da tranquilidade, que enterrou os filhos com as próprias mãos. Acredita-se houvesse sido vendido como escravo e posto em liberdade pelos pitagóricos Parmenisco e Orestades" (D., L., IX, 20). Pouquíssimo mais se encontra em outros doxógrafos, que citaremos oportunamente. Vida Vida acidentada no Oriente - Infere-se dos dados conhecidos que Xenófanes tenha nascido pela volta de 570 a.c Teria deixado a Ásia Menor aos 25 anos quando já não era considerada terra grega, pois em 548 a.C. a conquistara o rei Ciro da Pérsia. Para ter sido discípulo de Anaximandro, falecido por volta de 545 a.C., deveria também ter nascido cerca do ano 470 a.C. Creso, rei da Lídia [Ásia Menor], que sucedeu a Aliates em 571 conquistou a vizinha Éfeso, principal cidade a cujo grupo pertence Colófon. A esta nova situação parece estar coerente uma referência de uma elegia de Xenófanes aos seus compatriotas colofônios, quando diz que: "Com os lídios aprenderam os modos relaxados, nocivos; e, antes de experimentarem a odiosa tirania, dirigiam-se ao agorá, não menos de mil cada vez, revestidos de púrpura, cheios de orgulho, envaidecidos de seus bem amaneirados cabelos, gotejantes de artificiosos bálsamos" (Frag. 3) (Atheneu XII, 526 A). Uma longa vida no Ocidente - Depois de sua fase jovem de até 25 anos (e o poeta se revela sobretudo nesta idade), teria vivido mais 67 anos perambulando por terras gregas, como deixa calcular pelos seus versos. Resulta ter alcançado 92 anos, e, por conseguinte o ano de 475 a.C. O clima em que tudo isto se dá, admite dizer que tenha sido compelido a sair de sua pátria, por ocasião da conquista persa, quando, em 548 a.C. o rei Ciro derrota a Creso da Lídia (capital Sardes), à qual até ali estavam submetidos os efésios. Xenófanes de Colófon, o cantor afoito, não teria sido bem visto pelos novos senhores da Ásia Menor, os persas. Expulso, terá sido mandado andar e cantar por outras terras. Agora o artista empobrecido, se aprimora como pensador e crítico, radicando-se finalmente em Elea, depois de passar por Zancle e Catânia cidades da Sicília. O fato de haver enterrado seus próprios filhos outra vez confirma sua longa idade, ao ponto de ter sobrevivido a estes. Os versos para Colófon significa haver actuado em sua terra pelo tempo suficiente para formar vivências, que teria depois transformado em poema de saudade. Por sua vez os versos sobre Elea confirmam sua estadia significativa nesta. Não tendo sido um homem rico e nem mestre de uma escola, o colofônio exilado foi um pregador de civismo e de pensamentos filosóficos, morais
  • 46. 46 e religiosos, através de um importante instrumento de comunicação, o do canto e da recitação. Desta sorte influenciou aos de sua época. Receptivo, por causa de sua arte, ensinou um pensamento novo, reagindo contra os aspectos mais ingénuos da religiosidade mítica. Anterior a Parménides - Não é clara a posição de Xenófanes 570 - 475 a.C. como fundador da escola de Eleia, sendo todavia muito plausível, que o tenha sido. Dado como mais antigo em relação a Parménides, a atribuição de fundador da escola, se faz sem contradição. Apoia-se na afirmativa de Aristóteles, feita século e meio depois: "Xenófanes, o mais antigo partidário da unidade, pois Parménides foi, se diz, seu discípulo…" (Metafísica 986 b 21-22). As poucas informações colocam portanto a Xenófanes antes de Parménides, e ainda como o mais antigo unicista, mas não o declara directamente fundador da escola. Em Platão o texto também é fugidio: "Lá a nossa gente de Elea, que vem de Xenófanes, e de mais além… (Sofista, 242 d). Diógenes Laércio, que se limitou a dizer que Parménides fora discípulo de Xenófanes, não se refere a este como fundador da Escola de Elea. As informações vagas se repetem nos doxógrafos, vindo finalmente a ser expressamente afirmada a posição de Xenófanes como fundador da escola de Elea: "Xenófanes, o fundador da escola eleata…" (Teodoreto IV, 5, in Aécio). Obras Restaram apenas fragmentariamente, nas citações de outros autores, representadas por meia dúzia de páginas de versos, com predominância de elegias e sátiras. Mas é sobretudo em informações doxográficas que encontramos suas doutrinas tipicamente eleáticas; elas vêm de Platão, Aristóteles, Simplício, Sexto, Hipólito, Aécio. Mas os versos fragmentários se prestam para estabelecer o clima religioso e moral em que se situava. Perderam-se, todavia, os versos referentes à fundação mesma de Colófon e Elea.
  • 47. 47 Doutrinas: A terra como elemento | Metafísica é a Glória de Xenófanes | Unidade do Ser | Subjectivismo e Relativismo | Ser Uno | Antropomorfismo | Entidades Divinas Secundárias | Ética | Entidades Divinas Secundárias | Cosmogonia | Meteorologia A terra como elemento - Tal como os primeiros jónicos, a investigação de Xenófanes foi primeiramente à busca de uma natureza elementar a partir da qual se formariam todas as coisas. Tales propusera como primeiro elemento a água, Anaximandro o infinito, Anaxímenes o ar, Heráclito o fogo. Xenófanes propõe a terra. "Pois tudo vem da terra e na terra tudo finda" [Frag. 27] (Aécio IV, 5). Todavia, não há rigidez na proposição de Xenófanes. Também diz: "Terra e água é tudo quanto vem a ser e cresce" [Frag. 29] (Simplício, Física 188, 32). "Pois todos nascemos da terra e da água" [Frag. 33] (Sexto, Contra os matemáticos X, 314). "Porfírio afirma que Xenófanes considera princípios o seco e o húmido; eu digo que ele considera a terra e a água" (Filopono, Física 125, 27). A metafísica é a glória de Xenófanes - Partindo para uma nova interpretação da diversidade múltipla da natureza, dizendo que esta multiplicidade é apenas o efeito aparente dos sentidos, estabeleceu a unidade em si mesma da coisa que existe. O ser é uno e imutável, não se dividindo e não se multiplicando, nem se transformando e nem se movendo. A base desta afirmação a estabeleceu Xenófanes mediante considerações metafísicas. Seus sucessores avançarão as especulações, mas é com o velho rapsodo que tiveram início. As relações entre o uno e o múltiplo são diferentes das que se supunham até então: "Opõe-se às opiniões de Tales e Pitágoras, e também de Epimênides" (D. Laércio, IX, 18), – eis como se pode entender o texto já citado anteriormente. Unidade do ser - Percebendo a unidade da natureza – à que chama terra, a intuiu já não somente como sendo esta matéria sensível, mas simplesmente como um todo entitativo, assim apreendido pela inteligência. As coisas são simplesmente ser, instituído como resultado de uma especulação abstracta, alteado este ser acima do meramente sensível. O ser é indicado por qualificativos como uno, eterno, imutável, infinito, divino. Num diálogo de Platão se exprime pitorescamente o Estrangeiro de Eleia: "Cada qual parece que nos conta um conto, como se fossemos crianças. Diz um que são três os seres que ora se combatem, ora se
  • 48. 48 convertem em amigos, dos quais assistimos as bodas, os partos e a criação dos filhos. Outro, dizendo que são apenas dois, o húmido e o seco, ou quente e o frio, junta-se e os casa. Mas, lá a nossa gente de Eleia, que vem de Xenófanes, e de mais além, admite em suas doutrinas que um único é o ser, designando tudo" (Platão, Sofista 242 c-d). Adverte Aristóteles contudo que Xenófanes não aprofundou a doutrina da unidade do ente. Concluída a exposição das doutrinas pluralistas do ente, continua o Mestre do Liceu, comentando as da unidade. "O pensamento dos velhos filósofos, que admitiram a pluralidade dos elementos da natureza, está suficientemente conhecida pelo que precedeu. Há ainda outros que professaram que o todo é uma só realidade, mas a excelência da exposição não alcança o mesmo nível junto de todos, nem a conformidade com os fatos" (Aristóteles, Metafísica, 986, b, 10). Esclarece que não se trata de um princípio primordial, a partir do qual as coisas derivam. "A discussão de suas doutrinas não entra no quadro do presente exame de causas. Eles não procedem à maneira de certos fisiólogos; estabelecendo o ser como um, não engendra todas as coisas a partir do Uno considerado como matéria. Suas doutrinas são outras. Enquanto os fisiólogos admitem o movimento no todo, os filósofos de que falamos pretendem, pelo contrário, que o todo é imóvel" (Metafísica, 986b 13). Prossegue Aristóteles distinguindo entre unidade material (aquela adquirida por um elemento de determinada espécie, por exemplo, a água) e a unidade formal (por definição), adquirida pela unidade simplesmente do ente. Pretende, então, dizer que Parménides alcança a unidade formal do ser, ao passo que não Melisso. Quanto a Xenófanes não teria alcançado precisão de conceitos sobre o assunto. Na verdade, Xenófanes tem a visão da unidade, através da unidade da natureza, de suas leis, de suas transformações cíclicas. Transcende à unidade material, sem maiores esclarecimentos, sobre monismo fundamental. "Parménides concebeu a unidade quanto à definição e Melisso a unidade material; ela é finita, para o primeiro, infinita, para o segundo. Quanto a Xenófanes, o mais antigo adepto da unidade (pois se diz que Parménides foi seu discípulo), não há nada claro, visto que não parece ter entendido a natureza de uma e de outra destas causas. Mas, observando o universo material em conjunto, asseverou que o Uno é Deus. Estes filósofos, como dissemos, deverão ser postos à margem da presente investigação, e completamente dois deles, cujas concepções são, em verdade, muito grosseiras, a saber, Xenófanes e Melisso. Pelo contrário, Parménides parece raciocinar aqui com mais penetração" (Metafísica, 986b 20-25).
  • 49. 49 Subjectivismo e relativismo - O unicíssimo de Xenófanes, - qualquer seja a avaliação de sua profundidade, - tem implicações gnosiológicas, - o carácter subjectivo e relativo do conhecimento. Conscientizou-se Xenófanes sobre a dificuldade do problema levantado. E isto é importante anotar. Parece haver estado próximo do vago cepticismo depois praticado por outros: "Não há homem algum que claramente visse, e nenhum haverá jamais que claramente tivesse visto, e saiba dos deuses e de tudo quanto eu falo; pois ainda que alguém viesse a pronunciar o melhor possível a lavra definitiva, nem esse saberia: sobre tudo recai a opinião" (Sexto, Contra os matemáticos, VII 49, 110; Plut. Aud. Poet. 2 p.17 E). Sobre a relatividade advertiu Xenófanes que: "Se Deus não tivesse feito o dourado mel, muito mais doces diriam [os homens] são os figos" (Frag. 38, em Herodiano Gramático, Sobre particularidades da linguagem, 41,5). Diante da diversidade oferecida pelos sentidos, os eleatas advertem que é preciso ficar com a razão, que oferece a unidade e a imobilidade do ser. Sobre esta ponderação dos eleatas informou genericamente Aristóteles: " Achavam, com efeito, alguns dos antigos, que o ser é um e imóvel. Alegando, que o vazio é um não -, não podendo haver nele movimento, porquanto não há vazio separado" (Da geração e corrupção, I, 8. 825a 2). O ser uno é caracterizado como divino – a tudo superior - Repete aqui Xenófanes o pensamento dos Milésios, que faziam do elemento primordial um ser divino. Trata-se, pois um panteísmo monista, ou simplesmente de um monismo materialista. "Teofrasto assevera que Xenófanes admite um só princípio, considerando o ser como um e tudo (nem finito, nem infinito, nem móvel, nem imóvel). Concorda, Teofrasto, que a menção desta doutrina mais convém a outro domínio, que ao da história natural. Porque, na verdade, no dizer de Xenófanes, este um e tudo é Deus. Declara que é um, por ser o mais poderoso de todos; se vários entes houvesse, estaria repartido em igualdade o poder entre todos; ora Deus é o que há de mais sublime e a tudo superior quanto ao poder. É ingénito; o que nasce, haveria de nascer, ou do semelhante, ou do dissemelhante. Ora, o semelhante, diz ele, não pode exercer este efeito (de gerador) sobre o semelhante, porquanto não convém mais a um que a outro o gerar e o ser gerado. De outra parte, se nascesse do dissemelhante, nasceria do que não é. Assim demonstra a ingenerabilidade e a eternidade. Não é infinito; porque o infinito é o não ser, pois não tem início, nem meio, nem fim e porque (só) os múltiplos seres se limitam reciprocamente. Do mesmo modo elimina o movimento e o repouso;
  • 50. 50 porque o imóvel é o não ser, que em outro não se torna, nem outro nele se torna; o movimento convém mais ao múltiplo, que o uno, pois neste caso podem um em outro se transmutar. Por conseguinte, quando se diz – E sempre se mantém no mesmo lugar, sem mover-se, nem convém à sua natureza que se mova para cá e para lá [Frag. 24], entenda-se não a imobilidade que se opõe à mobilidade, mas sim a estabilidade sem movimento e sem repouso. Nicolau Damasceno, em seu tratado A cerca de Deus, atribui a ele [Xenófanes] a declaração de que o princípio é infinito e imóvel. Conforme Alexandre (de Afrodísio), seria limitado e esférico. Claramente sua doutrina é a que ele é infinito e ilimitado; demonstra a limitação e a forma esférica dizendo que semelhante é o ente por todos os lados. Também afirma que ele pensa todas as coisas, dizendo – e sem custo tudo move por força do próprio pensamento (Simplício, Física, 22,22ss). A mais antiga advertência contra o antropomorfismo teológico - Destacou-se Xenófanes pelo seu combate aos conceitos antropomórficos da divindade, ocorridas sobretudo na religião tradicional. Ainda que se pudesse pôr restrições a tudo o que houvera o mesmo Xenófanes dito sobre a natureza divina, encontrava-se no recto caminho, o de uma análise ontológica a partir do ser. Até seu tempo, foi Xenófanes o melhor dos profetas, no sentido de haver melhor falado sobre Deus. Nenhuma teologia é boa, sem uma correcta noção filosófica de divindade. Aqui importa relembrar o texto de Platão em que o Estrangeiro ridiculariza o que se diz dos deuses e adverte para a doutrina do ser: "Mas lá a nossa gente de Eleia, que vem de Xenófanes, e de mais além, admite em suas doutrinas que um único ser é o que designa tudo" (Sofista 242 d). O mérito teológico de Xenófanes também foi reconhecido por Aristóteles: "Os poetas representam a opinião dos homens, como as histórias que se contam dos deuses. Essas narrativas talvez não sejam verdadeiras, nem melhores; talvez as coisas sejam como pareciam a Xenófanes; no entretanto, assim as dizem os homens" (Poética, 25 p.1460 b 35). Em outro passo: "… dizia Xenófanes que tantos são ímpios os que afirmam que os deuses nasceram, como os que asseveram que eles morreram. De ambos os modos se diz que em determinado tempo não existiram" (Retórica, II, 23 p. 1399 b 5). "Perguntaram os cidadãos de Eleia a Xenófanes se deviam, ou não, oferecer sacrifícios a Leucotéia, e lamentá-la como uma defunta. Aconselhou-os a que não lamentassem, se como deusa a veneravam; mas se a consideravam como um ser humano, não lhe deveriam