O documento discute a abordagem transdisciplinar no estudo das religiões, defendendo uma compreensão multidimensional que considere vários níveis de realidade. A transdisciplinaridade busca a unidade do conhecimento de forma a entender a complexidade dos fenômenos religiosos.
4. A transdisciplinaridade é uma abordagem científica e
cultural, uma nova forma de ver e entender a natureza, a
vida e a humanidade. Ela busca a unidade do
conhecimento para nos ajudar a encontrar sentido para a
existência.
A transdisciplinaridade reivindica a centralidade da vida
nas discussões sobre a realidade, propondo uma mudança
na compreensão do conhecimento, como relação.
A transdisciplinaridade se apoia em três pilares:
•considerar vários níveis de realidade;
•trabalhar com a lógica do Terceiro Termo Incluído; e
•abranger a visão da complexidade dos fenômenos.
5. Vários níveis de realidade. No estudo moderno do ser
humano, ele é dissecado no departamento de biologia,
como um ser anatômico-fisiológico, e também é estudado
nos diversos departamentos das ciências humanas e
sociais. Estuda-se o cérebro como órgão biológico e
estuda-se o espírito como função ou realidade psicológica.
Cada qual com um quadro conceitual específico e
diferenciado.
Mas o humano não é simplesmente a soma das partes
estudadas pelas disciplinas singulares. Na relação das
partes com o todo, a articulação é que faz a diferença e
isso inexiste como foco central na estrutura disciplinar. A
transdisciplinaridade é a tentativa de construção de uma
conceituação multidimensional, considerando vários níveis
de realidade: micro e macro, interior e exterior, natural e
social, histórico e interpessoal...
6. Lógica do Terceiro Termo Incluído. Os problemas
complexos não se resolvem com a lógica clássica do
“falso” e do “verdadeiro”. Exigem uma lógica da
complementariedade dos opostos. Por exemplo, no nível
do quantum, onda e corpúsculos formam uma unidade. A
unidade se dá pela tensão entre ambos e o que parecia
contraditório num determinado nível, noutro não é.
A e não-A são associados por T num outro nível de
realidade. E os opostos não são eliminados, eles
continuam existindo. Não se considera mais somente dois
termos e, sim, três. A lógica do Terceiro Termo Incluído
permite cruzamento de diferentes olhares, construindo-se
um sistema coerente e sempre aberto, o que nos permite
compreender, principalmente, os fenômenos culturais –
entre eles as experiências de religiosidade.
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8. Complexidade dos fenômenos. A vida se manifesta na
complexidade das relações, que são estudadas
separadamente pelas ciências: exatas, biológicas e
humanas. Mas a interdependência é um princípio que
sustenta a vida neste planeta.
Negar a interdependência entre ciência e cultura significa
negar o sujeito, desvanecendo o sentido da vida.
Precisamos associar as sabedorias das antigas tradições
simbólicas de interioridade aos princípios culturais e
científicos modernos e pós-modernos, que exploram o
mundo objetiva e intersubjetivamente.
9. A transdisciplinaridade está “entre”, “através” e “além” das
disciplinas. A transdisciplinaridade transgride as fronteiras
de cada ciência disciplinar e constrói um novo
conhecimento “através” das ciências, um conhecimento
integrado em função da humanidade, resgatando as
relações de interdependência...
Mas como educar a espiritualidade de um mundo
transcultural, em tempos transdisciplinares?!
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11. Sobre a base da história geral das religiões as Ciências da
Religião erguem um estudo comparativo, que aborda as
religiões com questionamentos sistemáticos e
interpretativos. O campo de conhecimento das Ciências da
Religião organiza-se com uma epistemologia das
controvérsias para esclarecer a busca por transcendência
e as experiências de sagrado, com aproximações
fenomenológicas e hermenêuticas.
As Ciências da Religião recebem colaborações
transdisciplinares de História e de Hermenêutica, das
disciplinas de Sociologia, Antropologia e Psicologia, bem
como de Filosofia, Linguística e Teologia – exigindo,
contudo, que os seus aportes metodológicos sejam
redimensionados com base na comparação empírica dos
fatos e na busca hermenêutica de significados.
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13. Assim, por exemplo, a sociologia da religião ocupa-se das
relações recíprocas entre religião e sociedade, incluindo
também a dimensão política. A psicologia da religião
dedica-se a processos religiosos que devem ser
compreendidos a partir da peculiaridade do elemento
psíquico. A geografia das religiões investiga as relações
entre religião e espaço, sendo que este se entende não
apenas em sentido físico, mas também cultural, e une-se à
história comparada das religiões, conformando o núcleo
onde se processam as controvérsias sobre a construção
e/ou manifestação do(s) sagrado(s).
14. As ciências da linguagem, junto com a antropologia,
aportam colaborações destacadas para a descrição e
interpretação dos fatos religiosos, como construtos
humanos e códigos simbólicos. Assim também, a filosofia
participa do campo epistemológico das Ciências da
Religião, desde que não reduza teoricamente o religioso a
mero epifenômeno e busque sistematizar os fatos
religiosos com maiores preocupações de objetividade; e a
teologia, desde que se redefina metodologicamente como
uma auto interpretação das tradições de fé sobre as suas
experiências de revelação e busca por transcendência e
não se limite a expor uma doutrina religiosa.
15. Se o que caracteriza as Ciências da Religião é esse voltar
à natureza e aos fenômenos, porque muitos discursos
filosóficos e teológicos e até mesmo ditos científicos pela
psicossociologia, tornaram-se por demais teóricos e auto
referenciados, compreendemos que a temática do
pluralismo religioso e a pre-ocupação político-cultural com
o diálogo inter-religioso constituem hoje um dinamismo que
exige e permite que se circunscreva o campo das
pesquisas sobre religiões pelos balizadores da
comparação fenomenológica e da interpretação
hermenêutica – haja vista que as religiões estão se
reconfigurando em nossa era de mudanças e precisam ser
re-descritas, e necessitam também de mútuas traduções
em nosso tempo de intolerâncias e de diálogos.
16. A transdisciplinaridade colabora nesse processo, pois
engendra uma atitude transcultural e trans-religiosa. A
atitude transcultural designa a abertura de todas as
culturas para aquilo que as atravessa e as ultrapassa,
indicando que nenhuma cultura se constitui em um lugar
privilegiado a partir do qual podemos julgar universalmente
as outras, como nenhuma religião pode ser a única
verdadeira – mesmo que cada uma possa se experimentar
como absolutamente verdadeira e universal.
Em um mesmo nível de realidade elas seriam
possivelmente antagônicas e excludentes, mas se
considerarmos um outro nível ao menos, surge um
“terceiro” que, incluído, as pode reconciliar. Trata-se da
base antropológica que nos constitui a todos e exige uma
atitude ética, ou da altitude mística para cujo silêncio e
sonho comum colaboram os sons de todas as tradições.
17. MODELOS CATEQUÉTICO TEOLÓGICO CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO
COSMOVISÃO Unirreligiosa Plurirreligiosa Transreligiosa
CONTEXTO Aliança Igreja-
Estado
Sociedade
secularizada
Sociedade
globalizada
FONTE Conteúdos
doutrinais
Antropologia,
teologia do
pluralismo
Ciências da religião
MÉTODO Doutrinação Indução Transdução
AFINIDADE Escola tradicional Escola nova Epistemologia da
Complexidade
OBJETIVO Expansão das
Igrejas
Formação religiosa
dos cidadãos
Educação do
cidadão
RESPONSABILIDADE Confissões
religiosas
Confissões
religiosas
Comunidade
científica e do
Estado
RISCOS Proselitismo e
intolerância
Catequese
disfarçada
Neutralidade
científica
18. O Ensino Religioso, compreendido como área de aplicação
pedagógica do campo de conhecimento das Ciências da
Religião, numa visão transdisciplinar, não objetiva a
transposição de conteúdos enciclopédicos e muito menos
doutrinais, mas o desenvolvimento de processos de
aprendizagem participativos, de construção de
conhecimentos através de projetos de pesquisa, em
conexão com as pautas de estudo e engajamento dos
cientistas da religião.
O jeito transdisciplinar de pesquisar lança uma nova luz
sobre o sentido do sagrado. Uma zona de absoluta
resistência liga o sujeito e o objeto, os níveis de realidade e
os níveis de percepção. Mística deriva desse mistério, do
respeito a esse ilimitado em todo conhecimento.
Espiritualidade é religação com esse outro lado, profundo,
de toda a realidade: em nosso interior, na natureza e na
história, na face do outro.
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20. O Ensino Religioso deve tratar das dimensões
pedagógicas que existem entre e para além de todas as
tradições religiosas, deve resgatar os valores humanos que
as espiritualidades podem trazer para a educação dos
nossos filhos. Trata-se, então, de comparar criticamente e
interpretar os fatos – também religiosos – nos seus
contextos históricos. Para que as novas gerações possam
optar com mais liberdade sobre essa dimensão de
transcendência na vida.
Porque religião não se ensina propriamente na escola,
mas se pode e deve refletir aí sobre esse fenômeno
humano, em busca de significados mais profundos do que
é experimentado como sagrado em cada cultura. Todas as
pessoas têm direito ao esclarecimento das crenças da
humanidade. O Ensino Religioso deve avaliar as notícias
religiosas em seus contextos, estudar as religiões como
problema e não como dado.
21. O Ensino Religioso traduz pedagogicamente os
conhecimentos transversais das Ciências da Religião,
articulados em eixos curriculares: culturas e tradições,
textos sagrados e teologias, ritos e ética.
Mas o professor precisa compreender a situação social e
religiosa dos/as educandos/as a fim de construir com eles
conteúdos programáticos contextuais para o Ensino
Religioso.
O docente precisa interagir criticamente com o contexto
concreto das religiões na vida dos/das educandos/as em
seus aspectos desumanizadores e opressivos,
promovendo uma tomada de consciência desmistificadora
das religiões.
O Ensino Religioso deve promover uma ação educativa
esperançosa, em que o anúncio e a utopia desempenham
um papel reconstrutivo e transformador das religiões.
22. Hoje, para além da redução binária da matemática, com as
novas descobertas da física, a ciência desvela uma lógica
da complexidade que envolve o Universo em diversos
níveis e o abre para o mistério da realidade e da sua
polissêmica compreensão. A religiosidade está voltando a
ser buscada e respeitada, seu simbolismo tem uma
verdade a comunicar sobre o sentido de todas as coisas,
desde o começo.
Mas a experiência religiosa tem algo a aprender com a
relatividade da nova ciência, no que respeita à
consideração de outras camadas de vivência, de outras
possibilidades de acesso à transcendência. “Deus é a
harmonia dos contrários”. Quem sabe não é hora do
Ensino Religioso como uma sinfonia capaz de harmonizar
e esclarecer o que se manifesta/e se esconde entre e para
além das religiões e das suas contradições...
23. Pra continuar a conversa:
gilbraz@unicap.br
www.unicap.br/observatorio2