2. Quer estudar um tema palpitante? Vivenciamos uma sociedade de feições pluralistas onde crescem
as aspirações de saúde integral e recrudescem os questionamentos sobre o sentido da vida, onde se
constata o interesse por respostas orientadoras para se manter o equilíbrio existencial, onde o fator
religioso volta a interagir com as descobertas científicas e as decisões políticas. Velhas e novas
espiritualidades entrecruzam-se como em um mercado para atender a essa demanda pelo sagrado.
As Ciências da Religião ajudam no discernimento dessas encruzilhadas: elas surgiram com a tarefa
de pesquisar historicamente, apresentar compreensivamente e investigar sistematicamente as
religiões e religiosidades que se formaram ao longo do tempo. Assim, podem ajudar a esclarecer as
experiências místicas e a traduzir os conhecimentos religiosos para o espaço público, possibilitando
diálogo e cooperação entre as pessoas e as culturas.
3. Max Muller (Introdução à Ciência da Religião 1873), Círculo de Eranos Suíça (1933), Faustino Teixeira (As Ciências da
Religião no Brasil 2000), Ken Wilber (Espiritualidade Integral 2006)
4. O QUE PESQUISAR...
A religião se estrutura formalmente em mitos/ritos/interditos/ministros,
conforme as matrizes originárias, orientais, do leste asiático, proféticas e
também em novos movimentos espirituais. Mas, em todos os casos, a
religiosidade é atravessada por uma experiência de sagrado.
A temática do sagrado é tão importante quanto polêmica nos estudos de
religião. Sagrado é todo objeto ou pessoa, tempo ou espaço, que ganha
caráter simbólico e abre um portal para a experiência do divino, da
transcendência, da santidade. Quem se inicia nos estudos de religião pode
encontrar títulos sugestivos como Mircea Eliade e a busca do
sagrado, Deixar-se tocar pelo sagrado ou O sagrado na história religiosa
da humanidade. Em nossas pesquisas sobre transdisciplinaridade e
diálogo, Luiz Eduardo Berni escreveu sobre O vortex sagrado-profano, e o
próprio Basarab Nicolescu tratou de Le tiers et le sacré, além de organizar
um livro sobre Le sacré aujourd’hui. Tem uma turma francesa que anda
revisitando o conceito de sagrado para aplicá-lo, qual substância
aglutinante e reveladora, em novas compreensões dos fenômenos
religiosos.
5. Camille Tarot escreveu um livro de 900 páginas, Le symbolique et le
sacré, théories de la religion (La Découverte, 2008;
veja aqui sumário e prefácio), onde confronta oito dos principais
autores franceses que se dividiram em duas correntes na
interpretação mais subjetiva/simbólica ou mais
coletiva/sacralizadora da religiosidade humana. Mas há toda uma
tradição francesa de perspectiva universalista na consideração (de
uma essência fenomenológica) das experiências religiosas: Roger
Caillois. L’homme et le sacré, réédition: Gallimard, 1990; Jacques
Ellul. Les nouveaux possédés, réédition: Les Mille et une nuits,
2003; Albert Assaraf. Le sacré, une force quantifiable? Médium, no 7,
2006; Fernand Schwarz. Le sacré camouflé: Éd. Cabedita, 2014; e o
próprio Jean-Jacques Wunenburger. Le sacré: Presses Universitaires
de France, 2019 (oitava edição!). Há também um livro interessante
de Hans Joas, que combina filosofia e sociologia em sua análise: Les
pouvoirs du sacré, une alternative au récit du désenchantement
(Seuil, 2020).
Emil Melmoth
6. Já a tradição alemã na área, mais contextualista, tem certas reservas com o conceito de sagrado e a sua
fenomenologia, como explica o nosso Frank Usarski neste vídeo e também se pode ver nestes artigos: Os
enganos sobre o sagrado; As ciências da religião numa perspectiva intercultural; e na resenha O sagrado como
problema. Talvez essas disputas entre os estudos de religião mais explicativos ou mais interpretativos, envolvendo
a questão da pertinência e sentido de sagrado, escondam uma discussão mais antiga, via Escola de Chicago,
entre Mircea Eliade e Joaquim Wach, na formação do nosso campo de estudos e pesquisas. Mas há abertura para
um pluralismo metodológico na área...
7. EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
• Antropologicamente:
Ser x Nada, Vida x Morte, Ordem x Caos, Força x Impotência, Conhecer x Ignorar
• Fenomenologicamente:
Humano > SAGRADO < Divino
Experiência hiero/cratofânica expressa por símbolos
• Teologicamente:
Fé > Transcêndência < Revelação
FORMA RELIGIOSA
• Sujeitos:
Universais ou Tribais
• Relações:
Cósmicas/telúricas, Místicas (de imanência ou de transcendência) e Proféticas/éticas
• Objetivos:
Ancestralidade, Reencarnação, Negação, Ressurreição ou Amortalidade
• Organizações:
Mitos, Ritos, Ministros, Interditos
DIVINDADES
• Geografia:
Urânicos, Telúricos, Oceânicos, Submundo
• Função:
Força, Natureza, Cultura, Proteção, Sacrifício
• Configuração:
Polidemonismo, Politeísmo, Monolatrismo/henoteísmo, Monoteísmo, Monismo/panteísmo
8.
9. Sobre a base da história geral das religiões as Ciências da Religião (MÜLLER) erguem um
estudo comparativo (ELIADE), que aborda as religiões com questionamentos sistemáticos
e interpretativos (ERANOS). Para saber mais sobre os desdobramentos da área, veja por
aqui a tese de Mailson Cabral.
O campo de conhecimento das Ciências da Religião organiza-se com uma epistemologia
(analética) das controvérsias (DASCAL) para esclarecer a busca por transcendência e as
experiências de sagrado, com aproximações fenomenológicas e hermenêuticas – ou
também autopoiéticas, ou ainda, se quisermos incluir metodologias mais externas,
agregando o estruturalismo, a etnometodologia, o empirismo e a teoria dos sistemas
(WILBER).
As Ciências da Religião recebem colaborações transdisciplinares de História e de
Hermenêutica, das disciplinas de Sociologia, Antropologia e Psicologia, bem como de
Filosofia, Linguística e Teologia – exigindo, contudo, que os seus aportes metodológicos
sejam redimensionados com base, ao menos, na comparação empírica dos fatos e na
busca hermenêutica de significados. E temos metodologias comuns ao campo das
Ciências da Religião...
10. COMO PESQUISAR
(STERN, F. E COSTA, M. METODOLOGIAS DESENVOLVIDAS PELA GENEALOGIA INTELECTUAL DA CIÊNCIA DA RELIGIÃO.
SACRILEGENS, JUIZ DE FORA, V. 14, N. 1).
- métodos empíricos: implementam abordagens mais experimentais e, inicialmente, privilegiavam o paradigma
metodológico textual, uma vez que os textos religiosos eram vistos como fontes empíricas seguras. Atualmente, o
horizonte da pesquisa empírica é mais amplo e se dirige aos estudos de pessoas e os significados que elas
desenvolvem culturalmente com os elementos religiosos;
- métodos comparativos: procuram identificar diferenças e semelhanças entre fenômenos religiosos com base em
diversas abordagens: fenomenologia como busca da essência das religiões ou comparação descritiva de religiões com
foco nos processos internos dos sistemas religiosos, e não em uma abordagem evolucionista ou essencialista, história
comparada das religiões ou neocomparativismo como retorno à busca iluminista por dados humanos universais
despido de categorias metafísicas descontextualizadas (como certas acepções de sagrado);
11. - métodos classificatórios: permitem identificar características compartilhadas como critério de organização em grupos
(monoteístas, politeístas), em tipos de análise (mística, ritual, oração), em distinções básicas de modo indutivo
(religiões naturais, éticas, nacionais, universais), mantendo-se em aberto a pluralidade de referências de acordo com os
resultados da pesquisa. A tendência de classificar pode ser verificada desde o início dos estudos de religião;
- atitude metodológica em face do objeto: pressupõe um comportamento no qual se privilegia a ideia de agnosticismo
metodológico, como postura "neutra", mediante a análise em perspectiva externa que garanta a postura de cientista
de conhecer sobre o fato da vida religiosa, sem incorrer no risco de legitimação de afirmações que não são acessíveis
no método científico, identificadas como criptoteologia.
12. Campo epistemológico
das Ciências da Religião
Fenomenologia//
História-geografia
comparadas
//Hermenêutica
Antropologia
Lévi-Strauss –
Geertz
Ciência
Cognitiva -
Aslan
Sociologia
Durkheim – Berger
Teologia
Smith,
Wilfred –
Geffré
Linguística
Muller –
Dumézil
Filosofia
Hegel –
Ricoeur
Psicologia
Jung – Vergote
Ciência da
Computação -
Harari
13. A geografia das religiões investiga as relações entre religião
e espaço, sendo que este se entende não apenas em
sentido físico, mas também cultural, e une-se à história
comparada das religiões, conformando o núcleo onde se
processam as controvérsias sobre a construção e/ou
manifestação do(s) sagrado(s).
Assim, por exemplo, a sociologia da religião ocupa-se das
relações recíprocas entre religião e sociedade, incluindo
também a dimensão política. A psicologia da religião
dedica-se a processos religiosos que devem ser
compreendidos a partir da peculiaridade do elemento
psíquico.
14. E, na mesma linha, a teologia, desde que se redefina
metodologicamente como uma auto interpretação das tradições de fé
sobre as suas experiências de revelação e busca por transcendência e
não se limite a expor uma doutrina religiosa.
Assim também, a filosofia participa do campo epistemológico das
Ciências da Religião, desde que não reduza teoricamente o religioso a
mero epifenômeno e busque sistematizar os fatos religiosos com
maiores preocupações de objetividade.
As ciências da linguagem, junto com a antropologia, aportam
colaborações destacadas para a descrição e interpretação dos fatos
religiosos, como construtos humanos e códigos simbólicos.
16. PESQUISA EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
(GRESCHAT, H. O que é ciência da religião? São Paulo: Paulinas, 2005)
IDENTIFICAR PROBLEMAS
Pergunta relevante, que aceita a fé (e respeita a correlativa transcendência) dos sujeitos religiosos como
um fato, problematizando o seu conteúdo. Deve-se pensar se as questões formuladas dizem respeito ao
objeto religião, ou seja, à interpretação das causas das manifestações do fenômeno religioso, como atos,
ideias e sentimentos religiosos. Essas indagações devem ser respondidas com a perspectiva das Ciências
da Religião, cuidando-se para que a análise de uma religião esteja colaborando para seu correto
entendimento. É preciso levar em conta se o problema serve para esclarecer um evento para outrem
e/ou para as próprias lideranças e comunidades envolvidas, considerando-se os efeitos fenomênicos que
ele provoca na cultura e na sociedade.
ESCOLHER UM PROBLEMA
O que realmente me interessa? Qual o meu público e os seus condicionamentos? Como vou resolver tal
problema? Tenho condições? Após mapeamento da gama de questões relacionadas ao fenômeno
específico, deve-se refletir sobre qual das possibilidades de investigação realmente interessa ao
pesquisador e por que ela é relevante. Escolhida a linha a ser seguida, é preciso verificar sua viabilidade
como objeto a ser investigado, ou seja, como resolver o problema e quais as condições para isso (se há
e quais são as bibliotecas e/ou os acervos especializados disponíveis, quais são os principais autores,
que idiomas considerar e quais obras foram traduzidas). Se o tempo para essa pesquisa não for
suficiente, melhor mudar de problema.
17. COLETAR MATERIAL
Levantar textos, imagens e testemunhos adequados à solução do problema. Religião é algo que
humanos creem e fazem: quem, pois, serão os agentes, testemunhas e juízes que tomarei por fontes?
O material é responsável por alimentar a busca de soluções para problemas científicos. Por isso,
deve-se diferenciar entre a existência do material (ou não, no caso de ser um objeto inédito) e a
forma de sua aquisição. A análise da forma de aquisição implica no planejamento de viagens para
levantar o material ou para realizar pesquisa de campo a fim de estudar seguidores de uma religião
em seu ambiente de origem, de modo a entender a relação entre suas culturas e as respectivas
tradições.
SUBSTÂNCIA AGLUTINANTE
Qual é o barbante teórico que me ajuda a amarrar os dados coletados? Dentro do campo
epistemológico das ciências da religião, quem pode apadrinhar teoricamente a minha metodologia
de pesquisa? Que conceitos aplicar e/ou revisar para explicar o fenômeno religioso estudado? É
necessário encontrar princípios de sistematização que estão presentes nas próprias religiões. Com
isso, tenta-se identificar a história dogmática de uma religião e relacioná-la a outras sistematizações,
quando é o caso de um objeto já estudado.
18. ACHAR A SOLUÇÃO
Muitas vezes, o material modifica a pergunta. A solução vem de perguntas rotineiras ou
cautelosas, sobre o sentido dos textos em seus contextos, como também pode vir de um insight.
A solução de um problema científico surge como última de várias respostas a diversas perguntas...
PROVAR O RESULTADO
Prova exterior: o dado empírico, o texto, é autenticado e está no contexto adequado? Prova
interior: a interpretação é abrangente e articulada com lógica? Ao descrever determinada
religiosidade ou religião, é necessário confirmar se os aderentes reconhecem sua crença no texto.
COMUNICAR RESULTADOS
Respeito pelo objeto: citação com citação leva a tal interpretação, com estilo. Respeito pelo leitor:
“É preciso falar sobre objetos extraordinários em palavras ordinárias”. Trata-se de resolver um
problema complexo e expressá-lo em linguagem comum, compartilhando-o com uma
comunidade acadêmica que o legitima ou não. “O cientista da religião é apenas um especialista
capaz de associar suas investigações especiais à religião como totalidade”.
19. SUBÁREAS E PERFIS
Mística é respeito ao mistério, ao ilimitado em todo
conhecimento. Espiritualidade é religação com esse
outro lado, profundo, de toda a realidade: em nosso
interior, na natureza e na história, na face do outro.
As Ciências da Religião estudam as espiritualidades
religiosas e não ou pós-religiosas...
20. O estudioso das religiões (cientista da religião) pesquisa, pois (DOCUMENTO DA
ÁREA CAPES), o fato religioso, a experiência religiosa, os conteúdos, as expressões,
os textos, as tradições, as linguagens, as culturas religiosas e as tradições de
sabedoria, considerados em perspectiva externa, em diálogo com outros saberes
acadêmico-científicos, com ênfase em investigações de natureza qualitativa e
quantitativa, podendo também ser de natureza teórica ou aplicada, a partir de
abordagens teórico-metodológicas próprias das escolas que constituem o campo
de estudos, suas disciplinas e subáreas:
Epistemologia das Ciências da Religião;
Ciências da Linguagem Religiosa;
Ciências Empíricas da Religião;
Ciência da Religião Aplicada;
Teologia fundamental-sistemática;
História das teologias e religiões;
Tradições e escrituras sagradas;
Teologia prática
21. O egresso de cursos de Ciência (s) da (s) Religião (ões) deve considerar a formação
de habilidades para que o/a concluinte seja capaz de, enquanto pesquisador/a e/ou
docente, analisar os fenômenos religiosos e/ou as linguagens religiosas,
desenvolvendo aproximações históricas e comparativas, sistemáticas e
hermenêuticas das práticas e experiências religiosas humanas e das suas instituições
sociais.
O/A pós-graduado/a em Ciência (s) da (s) Religião (ões) deve estar preparado para
atuar como pesquisador/a, como docente e/ou como analista dos saberes e
conhecimentos sobre/das práticas religiosas de uma ou de várias tradições, atuar na
formação de docentes para a educação básica e/ou de nível superior, além de ser
capaz de atuar como profissional especializado, consultor/a, assessor/a e/ou
mediador/a em questões relacionadas à religião no espaço público.