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Diogo José Morgado Rebelo
Dissertação de Teoria da Lei Penal
Melhoria
Faculdade de Direito- Universidade Nova
O Direito Penal como ramo de Direito Sancionatório Público
O Direito Penal é um ramo de Direito Público com expressão do “poder de punir”. Ao
Direito Penal cabe delimitar os fundamentos e as condições da intervenção estatal na
esfera dos particulares sobre a forma de ius puniendi. A violação pelos particulares de
deveres jurídico-penais, implicará a sujeição dos mesmos a sanções criminais, i.e., uma
responsabilização do agente perante a sociedade, mas única e simplesmente na medida
em que estejamos perante comportamentos dotados de gravidade ético, jurídico e moral
merecedora da intervenção, uma vez que até muitas vezes é o próprio interesse do
Estado que é colocado em causa.
Definição de conceito formal de crime
Corresponde a crime numa perspetiva formal “todo o comportamento humano, ativo
ou omissivo para o qual a lei comina uma sanção criminal”. O crime formal é todo o facto
típico, ilícito, culposo e punível. Contudo, este conceito não é suficiente para que
possamos aferir da legitimidade das decisões legais de punir. Não é por o legislador ter
qualificado em lei prévia um determinado comportamento como crime que o mesmo
deve ser acepcionado num sentido material.
Conceito material de crime e eficácia do Direito Penal
O conceito material de crime decorre da CRP, designadamente do preceituado
no artigo 18.º/2 que estabelece que:“ a restrição de direitos, liberdades e garantias deve-se limitar
ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou valores com dignidade constitucional.”
Kant afirmara em tempos que “a essência do direito se encontrava na articulação do livre arbítrio
das pessoas de entre si, segundo uma regra ou princípio geral de liberdade”. Veremos que
determinados comportamentos não podem ser criminalizados quando impliquem a
negação de alguém como pessoa. Daí que o conceito material de crime sirva como
padrão crítico das decisões legais de punir.
“O Direito Penal é tanto mais eficaz na prevenção da criminalidade quanto menos for
usado.” O uso abusivo de sanções criminais torna a prática de crimes corriqueira, i.e., o
excesso no fenómeno “criminalização” faz com que as finalidades da incriminação
configuradas pelo legislador no tipo não sejam cumpridas. Em suma, fenómenos de
Hiper-criminalização nem sempre são eficazes e correspondem aos objetivos
pretendidos pelo legislador democraticamente eleito. Porque é que estes fenómenos
ocorrem? Por pressão de Lobbies e da opinião pública ou porque os políticos procuram,
em análise um pouco demagógica, ganhar as próximas eleições. Costa Andrade
denomina este fenómeno por “legiferação à flor da pele”. “O Estado e o seu aparelho
formalizado de controlo do crime, i.e., as polícias, os tribunais e as prisões, devem intervir o menos
possível e apenas na estrita medida necessária ao asseguramento das condições necessárias e essenciais à
liberdade da pessoa e do funcionamento do Estado de Direito Democrático”.
Conceito Material de Crime – Maria Fernanda Palma
A expressão conceito material de crime é enformada pela ideia de que existem,
num Estado de Direito Democrático, limites constitucionais à eleição de certas
condutas como crimes que ultrapassam a vontade de maiorias conjunturais e do poder
político. O Direito Penal tem uma legitimidade aferida pela proteção de bens jurídicos
essenciais, constitutivos da razão de ser do próprio Estado – condições de liberdade –
na medida em que as suas sanções são, em si mesmas, graves restrições da liberdade ou
dos direitos fundamentais. “O Direito Penal só pode tirar a liberdade aos agentes do crime (…)
precisamente para criar liberdade para todas as potenciais vítimas”.
Cada vez mais se verifica uma expansão do Direito Penal para domínios
inovadores, abrangendo novas condutas, o que coloca em questão o saber qual é
verdadeiramente a relação de entre a definição de valores sociais e objetivos do Estado
para com o papel punitivo que ao próprio lhe é conferido. Muitas vezes, esta relação
baseia-se simplesmente em conceções políticas passageiras e conjunturais.
O primeiro exemplo diz respeito ao âmbito do lenocínio, em relação ao qual,
se discutiu, perante o Tribunal Constitucional, se a integração na previsão legal de
condutas de facilitação ou aproveitamento económico da prostituição era conforme à
norma normarum, como acontece por exemplo no caso de alguém arrendar habitação a
outrem que se dedique à prostituição. Violará esta incriminação o princípio da
necessidade da pena? As pessoas que se prostituem podem fazê-lo por sua livre decisão.
Colocou-se, assim, a questão de saber se deveria exigir-se à acusação prova concreta da
exploração das pessoas prostituídas por aquelas que lucram com a sua atividade. A
resposta do Tribunal Constitucional teve em consideração estudos empíricos que
demonstram à sociedade que, na generalidade dos casos, as pessoas que se prostituem
em Portugal fazem-no por razões de carência social e não por opção económica. A
professora Teresa Quintela assume neste âmbito uma perspetiva diferente. Assim., a
exigência de prova da exploração como condição da tipicidade, facilitaria a atividade
económica em redor das pessoas prostituídas e consolidaria o circuito da exploração e
fomentaria a prática desta mesma atividade. Por conseguinte, O Tribunal julgou não
inconstitucional no Acórdão TC n.º 144/2014, o lenocínio com essa dimensão
abrangente, admitindo apenas a possibilidade de contraprova, a cargo da defesa, da
inexistência de uma relação de aproveitamento ou exploração das vítimas pelo arguido.
O Professor Figueiredo Dias considera que a incriminação do artigo 170.º/1
CP pretende defender sentimentalismos transpessoais, não tendo, como deveria ter, em
primeira linha, a pretensão de defesa de bens de natureza pessoal. Para o professor, o
Direito Penal não devia ter por fim defender valores de ordem moral, mas sim, e
tratando-se de um crime contra as pessoas, defender interesses eminentemente
pessoais, tais como, a liberdade e autodeterminação sexual. O crime de Lenocínio, tal
como está previsto, é um crime sem vítima, uma vez que não protege ninguém em
concreto, mas sim interesses de cariz sentimentalista. Para este académico, com a
eliminação da exigência de que o favorecimento da prostituição se ligasse à exploração
de situações de abandono ou de necessidade económica, o legislador elimina, a jusante,
a referência do comportamento ao bem jurídico da liberdade e da autodeterminação
sexual, acabando por se tornar infiel ao princípio do direito penal do bem jurídico.
Lenocínio:
Acórdão TC n.º 396/2007
Declaração de Voto da Juíza Conselheira Maria João Antunes
O artigo 170.º CP é inconstitucional por violação do artigo 18.º/2 da CRP.
Eliminando a exigência típica de exploração de uma situação de abandono ou
necessidade, que se intromete num paradigma de intervenção mínima do Direito Penal
afeta o direito à liberdade – artigos 27.º/ 1 e 2 CRP. A intervenção jurídico-penal deve
ser apenas a necessária para a tutela de bens jurídicos, não da moral. Estes bens não
obterão uma proteção suficiente e adequada através de outros meios de política social.
Deste modo, o legislador incrimina comportamentos para além dos que
ofendem o bem jurídico da liberdade sexual, relativamente aos quais não pode ser
afirmada a restrição do direito à liberdade. Só a censurabilidade imanente de certas
condutas, i.e., prévia à normativização jurídica, é que as torna aptas a um juízo de
censura pessoal.
Acórdão TC n.º 144/2004
Defesa:
Não sendo a prostituição por si punível, incriminar-se a atividade comercial e lucrativa
que tem por base a prostituição ou atos similares corresponde a privar os cidadãos de
exercer uma atividade profissional por imposição de regras morais.
Decisão:
A intervenção do Direito Penal neste domínio tem um significado diferente de uma
mera tutela jurídica numa perspetiva moral, sem correspondência necessária com
valores essenciais do Direito e com as suas finalidades específicas num Estado de
Direito. Procura-se uma proteção da liberdade, autonomia e autodeterminação sexual
das mulheres. Considera o TC, neste acórdão, que não está em causa uma afetação da
liberdade das mulheres segundo os trâmites propugnados pelo artigo 41.º/1 CRP, uma
vez que a liberdade de consciência não integra uma dimensão da liberdade de se
aproveitar das carências ou de lucrar com a utilização da sexualidade alheias. Mas certo
é que o aproveitamento económico por terceiros não deixa de constituir uma
interferência, que comporta riscos intoleráveis, dados os contextos sociais da
prostituição, na autonomia e liberdade do agente que se prostitui na medida em que
corresponda à utilização de uma dimensão especificamente íntima do outro não para
fins próprios, mas para fins de terceiros. Sabemos também que a liberdade de exercício
de profissão ou de atividade económica tem como limites e enquadramento, valores e
direitos diretamente associados à proteção da autonomia e da dignidade de outro ser
humano. No fim das contas, devemos considerar que a opção por criminalização deste
tipo de comportamentos não é inadequada ou desproporcional ao fim de proteger os
bens jurídicos pessoais relacionados com a autonomia e liberdade. A opção legislativa
ancorou-se numa perceção do dano ou do perigo de certo dano associada à violação de
deveres para com outrem, deveres de não aproveitamento e exploração económica de
pessoas em estado de carência social.
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A propósito de uma incriminação mais recente, o enriquecimento injustificado.
A aprovação por parte do Parlamento desta incriminação levou a uma pronúncia do
Tribunal Constitucional. Entendeu este, a pedido do Presidente da República, em sede
de fiscalização preventiva da constitucionalidade, que um crime que abrangesse a posse
injustificada de bens seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade e por
ausência de um bem jurídico protegido. Para a Professora Maria Fernanda Palma, estava
em causa a falta de discrição do facto pela norma incriminadora, uma vez que só se
referia a um “estado de coisas”, abstraindo-se da conduta que lhe deu origem, o que
contraria, a ver da Professora, a ideia de um Direito Penal de facto e transfere para a
defesa o ónus da prova que, no processo penal, deve recair sobre a acusação. É claro
que o objetivo político inteiramente louvável seria o de prevenir a corrupção e facilitar
a investigação criminal, dadas as conhecidas dificuldades de prova quando existe um
certo pacto de silêncio de entre o corruptor e o corrompido. Mas poder-se-ia alcançar
o mesmo resultado preservando a Constituição, através da criação de normas
incriminadoras que obriguem à declaração de rendimentos com explicitação da
respetiva proveniência, centrando-se então o juízo de ilicitude penal nos atos e omissões
que violem tais deveres.
(-Continuação do conceito material. de crime-)
O recurso ao instrumento teórico do conceito material de crime está ao serviço
da fiscalização da constitucionalidade das normas incriminadoras e conduz-nos a uma
lógica de controlo das reformas penais quando pretendem inovar por razões meramente
políticas ou até ideológicas na definição de crimes se o conceito formal de crime, que o
identifica simplesmente com a conduta prevista e punível ao abrigo da lei prévia,
expressa e precisa, está associado ao princípio da legalidade e se opõe à
discricionariedade do julgador. Então, o conceito material de crime passa a ter um
cunho restritivo, impedindo o legislador de criar crimes arbitrariamente.
Na verdade, o conceito material de crime constitui uma expressão dos
princípios constitucionais de Direito Penal agrupadas, pois, as caraterísticas que uma
conduta tem de possuir, em nome desses princípios, para ser qualificada como
criminosa. Assim, a incriminação tem de ser indispensável para promover a defesa de
bens jurídicos essenciais – princípio da necessidade da pena – e a conduta incriminada
deve possuir uma ressonância ética negativa – princípio da culpa. Para além disto, a
criminalização, sempre resultante de lei formal deve reunir o consenso da comunidade
– decorrência do princípio da legalidade. Está em causa, neste plano, aquilo a que se
tem chamado de “dignidade punitiva da conduta”.
A questão da dignidade punitiva da conduta coloca-se numa dupla dimensão:
negativa e positiva. Negativamente, a incriminação não pode ser ela própria um coertar
de um direito fundamental como, por exemplo, a liberdade de consciência ou de
expressão, através de uma previsão que atinja os limites imanentes desse direito. Pela
positiva, a incriminação tem de se dirigir à proteção de bens jurídicos essenciais
respeitantes às condições de liberdade da pessoa e de funcionamento do Estado de
Direito Democrático, que legitimam o exercício do poder punitivo do Estado.
Uma nova incriminação tem de ser necessária, proporcional e adequada ao fim
que visa obter e à proteção dos bens jurídicos que a justificam. É necessário, pelo menos
um grau de probabilidade elevado de que se possa vir a produzir o efeito de proteção
do bem jurídico. Depois, não devem estar disponíveis meios menos gravosos do que as
penas públicas para assegurar essa proteção. Ademais, não deve haver efeitos colaterais
que neutralizem ou contrariem as vantagens da incriminação.
A aprovação de uma lei que despenalizou a interrupção voluntária da gravidez
ilustra bem o significado das condições em que muitos crimes podem passar a ser objeto
de uma censura penal. Para além de se debater, nesse caso, o valor da vida intrauterina
em confronto com a liberdade da mulher grávida, foi dado realce, na discussão pública,
à ineficácia da incriminação, à preferência por medidas positivas de produção da
maternidade e aos efeitos perversos da proibição, designadamente no âmbito do direito
das mulheres e da saúde pública.
Igualmente expressivo debate foi o da criminalização do consumo de
estupefacientes e de substâncias psicotrópicas. Este facto que era classificado como
crime até ao ano de 2000 passou a ser configurado como contra ordenação. Uma visão
liberal recusa a punição, afirmando que se trata de um fazer mal a si próprio, sendo que
a aplicação de penas de prisão é ineficaz ou até mesmo contraproducente. Quanto ao
tráfico, este foi alvo do campo mais repressivo de soluções, próprias de um “Direito
Penal de primeira velocidade”.
De todo o modo, a dignidade punitiva de uma conduta requer sempre a
demonstração empírica, a partir do funcionamento da sociedade, da necessidade da
incriminação para resolver um problema de desproteção de direitos ou bens essenciais.
Deve procurar-se evitar a politização excessiva da ciência penal, fazendo uso o mais
possível de um processo argumentativo que demonstre a pertinência de cada
incriminação aprovada na Assembleia da República.
É sabido que a necessidade de prevenir a lesão de bens jurídicos impõe a
criação de um ambiente de segurança que previna ofensas numa fase precoce,
antecipando a tutela penal. O problema de uma eventual base de incriminação surge
quando estilos de vida ou comportamentos sem apetência para lesar bens jurídicos são
configurados como crimes. Tem de existir uma estrutura comportamental objetiva
mínima, com alguma referência causal à lesão dos bens jurídicos, para que as pessoas
possam direcionar o seu comportamento no sentido de evitar essa lesão. Só assim a
norma incriminadora poderá cumprir a sua função preventiva de determinação das
condutas. O Direito Penal não pode intervir in dúbio contra libertatem, convertendo em
regra o que não pode passar por ser uma exceção da tutela, sempre num plano empírico.
A seleção de novas condutas a serem incriminadas é sempre um aspeto que
tem de ser jogado com o conceito material de crime na ponderação dos limites
constitucionais que condicionam a legitimidade de uma intervenção penal, em função
do equilíbrio entre a segurança e a liberdade.
O Direito Penal desempenha uma função de relevo no que à preservação do
núcleo de direitos fundamentais diz respeito. A intervenção do Direito Penal não pode
ter, contudo, um efeito meramente simbólico, devendo assumir, noutro prisma, antes
uma função preventiva e promocional de direitos.
Clarificação das ideias - Teresa Quintela de Brito
Para a resolução dos casos práticos, devemos começar por identificar o
objetivo que está subjacente à aprovação da norma. Em seguida, devemos averiguar se
a norma cumpre as exigências do conceito material de crime.
Sabemos que o conceito material de crime funciona como que um padrão
crítico das decisões legais de punir. A intervenção penal deve ser o último reduto de
uma política de intervenção do Estado: “anulando ou contrariando as vantagens do crime
cometido, a intervenção do Estado certamente contribuirá para uma redução da criminalidade nas mais
variadas formas”.
Como terceiro ponto de partida na análise do conceito material de crime,
devemos subsumir a conduta proibida ao comportamento do agente de acordo com a
previsão típica ou descrição da norma incriminadora.
Numa fase posterior, teremos de identificar os bens que a norma pretende
tutelar. Os bens jurídicos correspondem à “expressão do interesse, de uma pessoa ou de uma
comunidade, na manutenção de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo relevante e por isso
reconhecido como juridicamente valioso”. O conceito de bem jurídico é plástico e flexível e
dotado de um referente pessoal e concreto. É plástico e flexível na medida em que é
permeável a múltiplas ideologias. O seu referente pessoal e concreto tem que ver com
o facto de o bem jurídico nunca ser unicamente conferido pelo ordenamento jurídico à
comunidade. Mas, por outro lado, este também não é apenas um bem ou valor de uma
pessoa, sendo neste sentido um bem ou valor das pessoas em geral, mas não só de uma
pessoa em particular. Estaríamos perante uma situação discriminatória se tal
acontecesse. Portanto: “a tutela penal de bens jurídicos é feita coletivamente em função dos bens
individuais de cada um.” Os bens jurídicos podem ser individuais ou supraindividuais.
Pode existir uma situação de tensão de entre dois bens jurídicos num determinado caso.
Perante um conflito, temos de ponderar e, em face das caraterísticas do bem jurídico
afetado, ver qual deles deve prevalecer. Obviamente que os bens jurídicos pessoais
merecem uma maior proteção do que os bens jurídicos patrimoniais. Ademais, teremos
de averiguar do cumprimento ou não dos requisitos de proteção de um bem por parte
da norma penal.
Quais são os requisitos de validade de um bem jurídico? Ora, o bem jurídico
tem de ter um certo conteúdo material, i.e., tem de ser algo concreto, não podendo
designar um fim abstrato do Estado nem se pode confundir com a finalidade da
incriminação como elemento teleológico. Deve também ser transcendente ao sistema
jurídico positivo: “o bem jurídico tem de ser imanente ao sistema social e em especial ao sistema
jurídico-constitucional”. Haverá o mesmo de ser politicamente orientado para a
prossecução de determinados objetivos ou finalidades. Só cumpridos estes requisitos
estão reunidas as condições para que possamos afirmar que o bem jurídico tem
dignidade penal.
A intervenção penal conforme ao conceito material de crime exige uma
dignidade punitiva da conduta, i.e., uma prévia ressonância ética negativa merecedora
de um juízo de censura pessoal com caraterística da intervenção penal, tal como havia
afirmado anteriormente. Esta intervenção penal tem uma dimensão negativa e uma
dimensão positiva já explicadas. Os comportamentos que podem ser objeto de uma
censura jurídico-penal têm que ser: precisos, bem delineados e delimitados, não
podendo colocar em causa estados de coisas ou situações. O comportamento
censurável tem de ter uma apetência causal para lesar ou colocar em causa a estabilidade
do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. Mas isto não chega: “não basta a
essencialidade do bem jurídico, é preciso que este empiricamente esteja numa situação de desproteção”.
É do conhecimento geral dos estudantes de Direito que razões de prevenção geral
negativa nunca podem estar na base de uma intervenção por parte do Direito Penal.
A intervenção penal exige ainda uma danosidade social do comportamento –
princípio da fragmentariedade da intervenção penal. Ou seja, a conduta adotada pelo
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agente tem de violar ideais éticos, sociais e morais que justificam a sua censura, mas esta
tem também de materializar uma ofensa de valores e princípios de uma sociedade
plúrima onde a dignidade da pessoa humana é um dos valores fundamentais protegidos.
Esta necessidade e carência de pena só estão preenchidas se houver um respeito
para com os princípios: da subsidiariedade; adequação; proporcionalidade; e legalidade
em sentido formal.
O princípio da subsidiariedade ou última rario da intervenção penal determina
que esta só é legítima quando estritamente necessária, i.e., quando não existem, são
insuficientes, ineficazes ou inadequados outros mecanismos sociais de controlo e
prevenção de comportamentos criminosos. A prevenção da criminalidade deverá ser
feita através da realização de campanhas de sensibilização, da implementação de
códigos de conduta, ou até mesmo com a definição legislativa de comportamentos
contra ordenacionais. O princípio da adequação determina que a norma penal tem que
ser adequada a proteger o bem, valor ou interesse em causa. A inadequação pode
colocar em causa a sua legitimidade. O princípio da proporcionalidade, num Estado de
Direito Democrático, exige que as restrições aos direitos, liberdades e garantias devem
ser: em primeiro, proporcionais à gravidade do ilícito; e, em segundo, proporcionais em
relação aos efeitos dos factos cuja prática fundamentam. “Os meios nunca justificam os fins”-
nunca se deve instrumentalizar a pessoa do arguido para prosseguir quer finalidades de
prevenção geral negativa, ou até mesmo finalidades retributivas. “A intervenção penal não
pode gerar danos ou prejuízos mais graves do que aqueles que pretende tutelar”.
O artigo 165.º/1/alínea c) CRP consagra o princípio da reserva de lei em
sentido formal (“nullem crimen, nulla poena sine lege scripta”). Este pode determinar a
inconstitucionalidade orgânica da norma penal. Por outro lado, ainda dentro do campo
da legalidade, a norma penal tem que ser precisa, clara e determinada – “nullum crimen,
nulla poena sine lege certa”. Ou seja, uma incriminação deve determinar os pressupostos
mínimos de punibilidade, definir os destinatários, a posição em que estes se encontram
e a respetiva sanção associada e, para além disso, o legislador deve cumprir a sua função
de tutela dos bens jurídicos essenciais ao Estado de Direito Democrático.
Uma violação do princípio da legalidade representa necessariamente uma violação do
princípio da culpa. Esta é uma opinião partilhada pelos professores Taipa de Carvalho
e Figueiredo Dias. Ora, o princípio da culpa, em Direito Penal determina que: “não há
pena sem culpa” e que “a medida da pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa”. Todas estas
derivações do princípio da culpa têm que ver com razões de segurança jurídica: artigo
1.º e artigo 27.º/1 CRP. O agente, enquanto destinatário da norma penal “só pode orientar
convenientemente a sua conduta se souber o que lhe é permitido fazer, o que é proibido, ou ainda o que
lhe é imposto fazer”.
A intervenção penal tem que ser feita tendo em consideração a necessidade de
se fazer respeitar a esfera de liberdade e autonomia que o ordenamento jurídico concede
aos sujeitos enquanto destinatários de direitos, liberdades e garantias
constitucionalmente consagrados: “uma intervenção penal não pode representar uma excessiva
antecipação da tutela de bens jurídicos”. Se tal acontecer, estamos perante uma intromissão
inadmissível na esfera dos particulares. A Professora Teresa Quintela de Brito afirma
que esta ilegítima intromissão ocorre mais recorrentemente nos crimes de perigo
abstrato, sendo ilegítima porque contrária à liberdade e segurança dos sujeitos.
Normas penais em Branco
Tratando da temática das normas penais em branco (artigo 29.º/1 CRP e artigo
1.º/1 CP), podemos afirmar que esta é uma norma que estatui uma sanção para um ou
conjunto de pressupostos de punição que não se encontram expressos na lei, mas sim
em outras normas de categoria igual ou inferior à norma penal em branco –
regulamentos, portarias, editais, de entre outros atos administrativos. A norma penal
em branco remete para uma fonte normativa extra penal a definição de um elemento
fundador do ilícito típico: “o elemento essencial da proibição penal não resulta imediatamente da
norma incriminadora, sendo a respetiva definição deixada a uma outra fonte normativa que pode nem
sequer estar a cumprir as exigências de lei em sentido formal”, violando-se desta forma o
princípio da legalidade. A pura indeterminação normativa coloca problemas
nomeadamente ao nível das exigências de lege stricta, e requer, da parte do intérprete
aplicador, um subsequente esforço hermenêutico na aplicação das soluções. Deste
esforço poderá mesmo depender a justa resolução do caso. Aquela indeterminação
pode ocupar ainda um espaço no qual a utilização legiferante de termos abertos que,
não descritivos da conduta proibida, acabam por apelar ainda assim a um complemento
de um juízo meta-textual, servindo o propósito de promover uma necessária
consideração aplicativa da diversidade.
Para Cavaleiro Ferreira “norma penal em branco é aquela em que falta inicialmente o
preceito primário”. Comunica-se a sanção para uma infração cujos elementos constitutivos
só parcial e não totalmente estão definidos no preceito primário, sendo este mesmo
completado por remissão para outra norma. Figueiredo Dias afirma que “nada na
Constituição obriga à conexionação, na mesma lei ou no mesmo preceito legal, da conduta proibida com
a pena que lhe corresponde.” Segundo este autor, parece razoavelmente seguro que a
exigência de lei formal haja de radicar na norma penal sancionatória, mas não também
necessariamente no ato de fundamentação constitutiva da punibilidade. Quanto a este
último, bastará que ele seja válido por ter tido lugar em virtude de uma autorização legal.
Não raras são as vezes em que a norma penal em branco não assegura as
exigências de determinação e clareza que decorrem do princípio da legalidade. Quando
isto acontece, há uma verdadeira cisão de entre normas de ameaça e normas de
comportamento. Por vezes, verificamos também o uso de expressões genéricas ou
vagas neste tipo de normas – o que redobra os problemas quando encontramos numa
dada norma estes dois elementos tão temidos: cisão e vaguidade.
Conclusões
Devemos adotar um conceito abrangente de norma penal em branco, nele
abrangendo todos os casos de cisão entre a norma que contém a ameaça e a norma de
comportamento, ou seja, todos os casos em que a determinação dos pressupostos de
aplicação da norma sancionatória penal seja feita, total ou parcialmente por instância
normativa de hierarquia inferior. Para Luis Duarte d´Almeida, os conceitos de norma
penal em branco e de tipo aberto não são estranhos entre si, uma vez que a norma penal
em branco constitui um exemplo de tipo aberto, ou seja, um tipo que não descreve de
modo completo o comportamento proibido, transferindo para o intérprete o encargo
de o completar, dentro dos limites e das indicações nele próprio contidos. A meu
entender, a Constituição não obriga a que conste do mesmo preceito legal a definição
da conduta proibida e a pena correspondente, sendo que, nesta perspetiva, a norma
penal em branco não consubstanciará uma situação de inconstitucionalidade orgânica.
Todavia, já não será assim na medida em que chamemos à colação o princípio da
legalidade criminal, quer na vertente da reserva de lei, quer na vertente de lei certa.
Exigindo a legalidade a definição dos crimes e das penas por parte da AR, haverá casos
de normas penais em branco em que a definição do crime ou parte dele constará de
uma fonte normativa não sujeita a essa reserva. Isto imporá um esforço acrescido ao
interprete de , em casa caso, determinar com rigor os elementos essenciais constitutivos
do tipo de crime, para uma correta compreensão da conduta proibida ou imposta. Deve
ter-se em conta que muitas vezes a norma penal em branco não é suficientemente clara
e precisa nos termos em que a mesma possa prosseguir as exigências do princípio da
legalidade na vertente de lei certa. Bem vistas as coisas, isto pode também redundar em
um atentado ao princípio da culpa, pois, nesses casos, não encontramos orientação
suficiente dos destinatários da norma relativamente às condutas que são proibidas –
pelo menos nos caos em que o agente médio precise de conhecer a proibição legal para
aceder à consciência da ilicitude da sua conduta.
Necessidade da Pena e Função da norma penal
Dispõe o artigo 18.º CRP: “1. A lei (princípio da legalidade) só pode restringir
direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na constituição, devendo as restrições
limitar-se ao estritamente necessário (princípio da proporcionalidade ou subsidiariedade) para
salvaguardar outros direitos ou interesses com dignidade constitucional.” O n.º2 dita que: “As leis
restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir um caráter geral (princípio da igualdade)
e abstrato (legalidade) e não podem ter efeitos retroativo (retroatividade in pejus) nem diminuir a
extensão e o alcance do conteúdo dos preceitos constitucionais (sendo esta a dimensão negativa da
dignidade punitiva da conduta).
“Não é Direito, e muito menos Direito Penal, toda a incriminação que corresponde á vontade
de uma maioria e implica a negação de alguém como pessoa”. Numa democracia, determinados
tipos de comportamentos são insuscetíveis de serem criminalizados, ainda que
correspondam à vontade de uma maioria parlamentar histórica. Só pode ser
considerado como crime toda a conduta humana que afeta de modo particularmente
grave bens jurídicos essenciais à subsistência da comunidade.
A norma penal tem algumas funções. Numa perspetiva valorativa, esta é fulcral
quanto à aferição da essencialidade dos bens jurídicos protegidos pela norma, sendo
que o desempenho desta função ocorre antes da incriminação. Outra função
desempenhada pela norma penal tem que ver com o facto de a mesma operar na
definição de quais os comportamentos que devem ser criminalizados à luz do conceito
material de crime- perspetiva que opera antes da criminalização. Mas, a norma jurídico-
penal, tem ainda um papel determinante ao pretender motivar os seus destinatários a
não praticarem a conduta proibida ou a omitirem a conduta imposta. A norma penal
desempenha, neste seguimento, uma importante função de motivação de condutas,
sendo que esta já ocorre depois da incriminação.
Dignidade Penal segundo Manuel Costa Andrade
Para este autor, a dignidade penal é a “expressão de um juízo qualificado de
intolerabilidade social, assente na valoração ético-social de uma conduta, na perspetiva da sua
criminalização e punibilidade”. Costa Andrade afirma que é à dignidade penal que todos
devemos o assegurar da eficácia ao mandamento constitucional que dita que só os bens
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jurídicos de eminente dignidade de tutela devem gozar de proteção penal: “o conceito e o
princípio de dignidade de tutela dão guarida ao princípio constitucional de proporcionalidade”.
É o juízo de dignidade penal que privilegia os referentes materiais de dignidade
de tutela do bem jurídico e a potencial e gravosa danosidade social do comportamento,
enquanto lesão ou perigo para os bens jurídicos.
Diz este autor, de uma forma sucinta, que “nem toda a conduta antijurídica e
censurável é declarada punível pela comunidade. Isso só sucede quando tal conduta realiza ao mesmo
tempo uma agressão aos fundamentos da convivência salutar, i.e., quando este conteúdo de desvalor
complementar aprofunda de tal maneira o desvalor ético-social da conduta ilícita e culposa que ela se
torna intolerável para a comunidade”.
Princípios constitucionais conexos com o conceito
material de crime
 Princípio da dignidade da pessoa humana – artigo 1.º CRP;
 Princípio da igualdade – artigo 13.º CRP;
 Princípio da proibição da cominação da pena de morte – artigo 24./2 CRP;
 Proibição da cominação de penas cruéis, desumanas e degradantes – artigo
25.º/2 CRP;
 Proibição da aplicação de penas perpétuas, ilimitadas ou indefinidas – artigo
30.º/1 CRP;
Bens jurídicos suscetíveis de serem afetadas
num comportamento criminoso
 Vida – artigo 24.º CRP;
 Integridade física e moral – artigo 25.º CRP;
 Identidade pessoal, desenvolvimento da personalidade,
capacidade civil, cidadania, nome, reputação, imagem, palavra e
reserva à intimidade da vida privada – artigo 26.º/1 CRP;
 Identidade genética – artigo 26.º/2 CRP;
 Direito à liberdade e à segurança – artigo 27.º CRP;
 Inviolabilidade do domicílio – artigo 34.º CRP;
 Segurança social e solidariedade – artigo 63.º CRP;
 Saúde – artigo 64.º CRP;
 Ambiente e qualidade de vida – artigo 66.º CRP;
 Celeridade e boa administração da justiça – artigo 29.º, 30.º e 31.º
CRP;
 Administração pública / Prossecução do interesse público –
artigo 266.º/2 CRP.
Constituição Penal – Prof.ª Maria Fernanda Palma
A professora Maria Fernanda Palma designa os inúmeros princípios
constitucionais restritivos da possibilidade de incriminação de determinado tipo de
condutas como “Constituição Penal”. Para ela, estes princípios desempenham uma
“função limitativa ou restritiva da intervenção penal”. Isto acontece porque, num plano legal,
os princípios obstam à criminalização de certos comportamentos, ao passo que no
plano da aplicação da norma, funcionam estes mesmos como critérios fulcrais de
determinação da medida da pena por parte do julgador. São exemplos o consumo de
álcool, de estupefacientes, a prostituição e a pornografia. A prevenção e controlo deste
tipo de comportamentos não deverá de ser feita mediante intervenção do Direito Penal.
Esta intervenção seria desnecessária e desproporcional, bem como ineficaz. Como diz
Teresa Quintela de Brito: “geraria efeitos contrários àqueles que se pretendiam evitar, o que acabava
por provocar um aumento ou impulsão de outras formas de criminalidade”.
Tipo Legal de Crime
Costa Andrade e Maria Fernanda Palma definem, segundo Teresa Quintela de
Brito, o tipo legal de crime como: “aquilo que descreve o ilícito digno e necessitado de tutela
penal”. A dignidade punitiva da carência de intervenção penal converter-se-á em
critérios de interpretação do sentido da incriminação. Esta interpretação pode ser
utilizada também para operar numa redução teleológica das incriminações quando
subsumidas ao caso concreto. Em conclusão, “a dignidade e carência da intervenção penal não
são apenas exigências dirigidas ao legislador ordinário, mas também ao intérprete que pode assumir as
vestes de aplicador da norma”. Deste modo se operará a tão referida redução teleológica.
Contudo, tenhamos em atenção que não existe uma verdadeira necessidade de
intervenção do Direito Penal quando o próprio titular dos bens jurídicos não assegurou
a respetiva proteção.
Súmula
A Constituição funciona como um padrão crítico das decisões legais de punir.
Este padrão comporá a definição do comportamento que configura uma situação de
crime numa perspetiva material. O legislador, em matéria penal, deve ponderar sobre a
necessidade, adequação e eficácia da sua intervenção: tem de haver uma identificação
da conduta proibida para com a previsão e estatuição normativas. São requisitos
atinentes ao conceito material de crime: a dignidade punitiva da conduta; a danosidade
social do comportamento – fragmentariedade da intervenção penal; e a necessidade e
carência de tutela penal - esta última determinada nos termos do artigo 18.º/ 2 e 3 CRP.
Só assim se verifica uma dignidade penal da punição em relação ao bem jurídico que se
pretende tutelar.
Quais são os passos que temos de seguir? Primeiramente, devemos identificar
a função que presidiu à criação da norma, considerando os limites que são fixados pelo
conceito material de crime. Depois, vemos qual a conduta imposta ou proibida.
Seguidamente, qualificamos os bens jurídicos em confronto. Neste passo, há que
qualificar os bens jurídicos em tensão e averiguar se o bem jurídico é ou não
individualizável. Só depois de cumpridos todos estes passos podemos aferir ou não do
cumprimento dos pressupostos da responsabilidade jurídico-penal suscetível de ser
imputada a um agente. Não esquecer de qualificar o tipo de ilícito: os crimes podem ser
formais ou de mera atividade ou materiais e de resultado, mas quanto à lesão de bens
jurídicos estes podem ser de dano ou de perigo. Já Mannheim ditava que a incriminação
tem de estar associada a uma dignidade punitiva do comportamento. Este mesmo tem
de provocar alguma danosidade social, passando a estar ou não conforme à necessidade
da pena ínsita ao artigo 18.º/ 2 e 3 CRP. É de explicar, nesta fase de resolução,
contextualizando com o caso concreto, os princípios que a um conceito material de
crime podem estar conexionados: subsidiariedade; adequação; proporcionalidade;
reserva de lei em sentido formal; exigência de lei certa como decorrência do princípio
da legalidade; e, por último, determinar se a aplicação da pena ao caso concreto é
ilegítima e contrária aos princípios da liberdade e da segurança, materializando uma
excessiva antecipação da tutela penal. Esta análise do último aspeto, deve ser feita tendo
como ponto de referência o artigo 27.º CRP.
A subsidiariedade tem que ver com o facto de a intervenção penal dever
apontar soluções únicas, não alternativas, de última ratio. Um não respeito deste
princípio determina a existência de um Direito Penal Simbólico, cuja eficácia fica muito
aquém daquilo que é pretendido. A adequação exige a identificação dos bens jurídicos
em confronto, não podendo a incriminação ser inócua em relação a possíveis vítimas.
Os crimes sem vítimas devem ser evitáveis. Em termos de proporcionalidade, exige-se
que a incriminação seja proporcional à gravidade do ilícito, i.e., proporcional aos efeitos
dos factos cuja prática fundamenta, como bem dizia a professora Teresa Quintela de
Brito em aula. Isto exige uma ponderação de entre os ganhos e as perdas que resultam
da incriminação. A legalidade em sentido formal dita dois corolários: primeiro, o “nullum
crimen, nulla poena sine lege scripta”, consagrado nos termos do artigo 165.º/1/alínea c)
CRP, suscetível de determinar a inconstitucionalidade orgânica de um preceito
(compete à Assembleia da República a definição dos crimes, penas, medidas de
segurança e respetivos pressupostos, bem como do processo criminal); segundo, o
corolário do “nullum crimen, nulla poena sine lege certa”- a lei deve ser clara, precisa, certa e
bem delimitada, com intuito de desempenhar a função pretendida de motivação de
condutas. Só deste modo o agente pode orientar convenientemente o seu
comportamento. Mas não consideramos o princípio da culpa? Claro que sim. Este é um
dos corolários essenciais da ciência penal. Este dita que não há pena sem culpa, não
podendo a medida da pena nunca ultrapassar a medida da culpa (artigo 27.º/1 CRP e
artigo 40.º/2 CP). Dizer ainda que uma violação do princípio da legalidade acarreta
automaticamente uma violação do princípio da culpa. Esta é a posição dos professores
Taipa de Carvalho e Figueiredo Dias.
Classificação dos diferentes tipos de crime
O crime, numa perspetiva formal, corresponde a toda a ação típica, ilícita,
culposa e punível. Como elementos objetivos do crime temos: o agente, a ação típica,
o bem jurídico afetado, o objeto da ação e a necessidade de imputação objetiva do
resultado à conduta do agente, caso estejamos defronte a um crime material ou de
resultado.
O agente é o sujeito penalmente responsável pelo ilícito penal,
independentemente da forma da sua participação na conduta incriminada. Quando ao
agente os crimes podem ser: gerais ou comuns e específicos. São gerais ou comuns
aqueles que podem ser praticados por toda e qualquer pessoa que realize a conduta
descrita na norma. São específicos aqueles crimes que só podem ser realizados por
pessoas que estão investidas numa determinada posição ou relação jurídica, como são
exemplo o caso do médico, advogado, de funcionário ou agente do Estado. Estes
crimes específicos subdividem-se de entre próprios – que exigem que o agente acusado
seja portador de uma capacidade especial - ou impróprios - quando não exigem uma
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especial habilidade ou capacidade do agente que pratica a conduta que configura o ilícito
penal. Mais explicitamente, são impróprios aqueles que podem ser cometidos por
qualquer pessoa, mas que por terem sido cometidos por aquela pessoa em especial,
determinam a especial censura jurídico-penal.
Sabemos que a conduta por materializar-se em uma ação ou omissão.
Corresponde, genericamente, ao comportamento humano controlado ou controlável
pela vontade, i.e., a uma exteriorização da decisão do agente no sentido de se comportar
daquela maneira. O tipo omissivo consiste em nada fazer quando sob o próprio agente
havia o dever especial de agir – comissão por omissão nos termos do artigo 10.º/2 CP.
Em Direito Penal, o comportamento omissivo só assume relevância quando sobre o
omitente recair o dever jurídico que pessoal e voluntariamente o obrigue a evitar o
resultado previsto pelo tipo incriminador de uma determinada ação no caso das
omissões impuras. Nas omissões puras basta a simples não ação do agente para que o
mesmo possa ser suscetível de censura.
Como havia dito anteriormente, o bem jurídico corresponde a um interesse ou
valor, de uma pessoa ou comunidade, na manutenção da integridade de um certo
estado, objeto ou bem em si mesmo relevante e que por isso mesmo lhe é atribuída
uma certa valiosidade jurídica. São bens jurídicos individuais por exemplo: a vida, a
integridade física; liberdade; e autodeterminação sexual. São supraindividuais aqueles
bens que pertencem a um individuo que comunitariamente convive com outros em
prólogo do bem comum sem que este nunca perca o seu referente pessoal e concreto.
São exemplos: a saúde pública, o ambiente, a ordem pública, e o interesse público.
Como se classificam os crimes quanto à afetação dos bens jurídicos? Os crimes
podem ser de dano/lesão ou de perigo. Os crimes de dano ou lesão são aqueles crimes
cuja consumação depende da lesão efetiva do bem jurídico tutelado pela norma
incriminadora, como por exemplo: o crime de Homicídio (art. 131.º); o crime de ofensa
à integridade física simples (art. 143.º) ou até mesmo a violação de domicílio (art. 190.º).
Podemos ter ainda crimes de perigo abstrato, concreto ou abstrato-concreto. Os crimes
de perigo abstrato são aqueles crimes de perigo estatístico ou presumido porque se
baseiam num conjunto de estatísticas e estudos feitos pelos órgãos com legitimidade
democrática para a criminalização de determinados comportamentos. Normalmente
configuram crimes formais ou de mera atividade, cuja explicação será explicada a
posteriori. Nestes, o perigo está fora do tipo incriminador: o perigo é presumido por
lei, uma vez que é insuscetível de ser encontrado na descrição normativa da norma
incriminadora qualquer referência ao mesmo, ou seja, o perigo é um mero motivo
abstrato da incriminação. Aqui, é frequente não haver uma individualização do bem
jurídico protegido, i.e., pode estar em causa uma multiplicidade de bens jurídicos em
abstrato, embora no caso concreto somente haja perigo para um bem individualmente
concebido. Porque representam uma excessiva antecipação da tutela penal, estes crimes
configurados são fortemente criticados pela Doutrina que os considera
inconstitucionais, por violação do princípio da necessidade da pena, da adequação, da
proporcionalidade e subsidiariedade ou ultima ratio da intervenção penal. São crimes
de perigo concreto aqueles que só se consumam no momento em que é verificável
factualmente uma situação de perigo, não bastando a realização da conduta pelo agente.
O crime aqui é elemento de tipo objetivo no que à conduta incriminadora configura
respeita. Estes correspondem normalmente a crimes materiais ou de resultado. Há já
uma individualização do bem jurídico que em concreto configura o tipo delitual. Por
exemplo, o crime de exposição ao abandono, previsto no artigo 138.º CP: este só está
preenchido numa situação fáctica em que o bem jurídico vida de um sujeito é colocado
em causa. Se uma ama deixar a criança sair da janela de um prédio no sétimo andar,
assumindo esta deveres de custódia, poderá ser responsabilizada no caso de a criança
vir a estar mesmo numa situação de perigo. Mas, se nada acontece à criança e esta
continua a brincar, o tipo não está sequer preenchido por parte da ama. Passemos então
à análise do tipo de crime mais difícil em relação à possibilidade de lesão dos bens
jurídicos - o crime de perigo abstracto-concreto. Estes crimes têm uma perigosidade
inerente à própria conduta. Aproximam-se de certa forma dos crimes de perigo abstrato
na medida em que o tipo legal não faz qualquer referência ao perigo, mas também são
denotados pela proximidade que têm com os crimes de perigo concreto, porque as
condutas são particularmente aptas a produzir o perigo: “quem fizer x de forma a y, é punido
com pena de P ou M”. É exemplo o crime de ameaça do artigo 153.º CP - se A ameaça B
com uma arma e este último sabe que a arma está descarregada, ainda assim, o sujeito
continua a praticar o crime. A perigosidade não é referenciada formalmente no tipo
incriminador, mas substancialmente deverá ser apta para o seu preenchimento. Estes
crimes, por último, exigem a privação da idoneidade genérica da conduta no que
respeita à criação de um perigo para o bem jurídico protegido.
O objeto da ação é a pessoa ou coisa sobre a qual incide a atividade do agente
do facto típico.
Quanto ao resultado ou mera atividade há que destrinçar algumas diferenças,
porque isto relevará para efeitos de Teoria do Crime em sede de imputação objetiva do
resultado à conduta do agente. É crime formal ou de mera atividade todo aquele que se
consuma com a simples realização da conduta descrita na norma incriminadora. A
consumação deste tipo de crime ocorre com o comportamento do agente, não exigindo
o tipo legal qualquer evento material espácio temporalmente autonomizado da conduta
típica. É crime material ou de resultado aquele que só se consuma com a verificação de
um evento de lesão ou perigo concreto através de um evento espácio temporalmente
destacado da ação, mas à qual se liga por um nexo de causalidade, i.e., tem que haver
uma imputação objetiva do resultado à conduta do agente. Os critérios utilizados para
aferir da imputação objetiva do resultado à conduta do agente serão desenvolvidos em
Teoria do Crime, sendo de realçar que são: a teoria das condições equivalente, a teoria
da causalidade adequada e, por fim, a teoria do risco.
Fins das Penas
Dispõe o artigo 40.º CP que: “1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa
a proteção de bens jurídicos (Prevenção Geral Positiva) e a reintegração do agente na sociedade
(Prevenção Especial Positiva). 2. Em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida
da culpa” O consagrado no n.º2 deste preceito corresponde a uma exigência do princípio
da culpa. Já o n.º3 dita que “a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcional à
gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
A Doutrina Penalista desenvolveu várias teorias no que aos fins das penas diz
respeito: de um lado temos as teorias absolutas ou retributivas; de outro, há que
considerar as teorias relativas ou de prevenção. Estas últimas podem ser de prevenção
geral negativa, geral positiva ou especial positiva. De dizer que o denominador comum
a todas estas teorias têm que ver com a consideração da pena estatal como um
instrumento de política criminal destinado a atuar sobre a maioria das pessoas que estão
inseridas numa determinada comunidade política.
Comecemos pelas teorias absolutas ou retributivas. Estas não se ligam a
qualquer finalidade socialmente útil. A pena não é mais do que uma compensação do
mal do crime e uma retribuição da culpa do agente, sendo que a subsunção de uma
moldura penal ao caso concreto não está conexionada com qualquer fim pragmático,
centrando-se somente num facto passado cometido pelo agente. Para as teorias
retributivas devemos conceber as consequências jurídicas do crime como a “justa paga
do mal”, sendo que o ato de subsunção somente se foca no dano social e na culpa do
agente. Inicialmente, a pena retributiva estava relacionada com a Lei de Talião (olho
por olho, dente por dente). Segundo esta ótica, a subsunção da pena ao caso concreto
seria feita de acordo com uma igualação fáctica de entre o mal do crime e o mal que era
provocado pela pena. No entanto, com o passar do tempo, começou a perceber-se que
a aplicação da pena ao deveria passar por uma perspetiva fática, mas sim valorativa.
Neste âmbito, a ilicitude da conduta e a culpa do agente já eram consideradas como
categorias normativas de validação da punibilidade.
Estudemos agora Kant e o seu pensamento categórico de justiça. Para este
filósofo, a pena é um imperativo categórico estranho à própria ideia de Contrato Social.
Em Kant encontramos um pensamento transcendente de cariz ético-religioso,
incompatível com os valores de um Estado de Direito Democrático. Para ele: “ainda
que a sociedade e o Estado se resolvessem o último criminoso deveria de ser executado para que sinta o
mal que provocou e para que o sangue derramado não se espelhe pela comunidade em virtude de não
terem reclamado um castigo para o infrator”. Kant admite a ideia de responsabilidade coletiva
por factos ilícitos nos casos em que não é exigida a responsabilidade individual. Logo,
o Estado deve punir sempre que possível punir o criminoso pelo mal que provocou à
sociedade evitando a censura ou o sacrifício de pessoas inocentes.
Mais tarde, Hegel veio a introduzir um novo pensamento no plano de
racionalidade que ao Direito era já devida. Para este autor: “se o crime é a negação do
direito subjetivo de outrem, então a pena serve para reafirmação dialética do direito
violado”. Este autor criticava Beccaria que defendia que o Estado só deve aplicar a pena
necessária. Hegel defendia então uma conceção retributiva de pena. O crime é um
direito do criminoso que livremente optou por violar a ordem estabelecida. De
acrescentar que, para Hegel, no plano da racionalidade do Direito, tem que existir uma
certa instrumentalização da pessoa que pratica o crime à prossecução de finalidades
sociais. Existe, neste âmbito, uma certa associação da ideia de retribuição para com a
ideia de prevenção geral, na medida em que a pena passa a ser vista como uma “função
da existência do Estado”. A grande falha da racionalidade tem que ver com o facto de nem
sempre a prática de um crime implicar a aplicação de uma pena.
A Doutrina critica fortemente esta conceção absoluta dos fins das penas. Diz
que a pena tem como pressuposto a culpa ética, surgindo como uma consequência
necessária. Contudo, a intervenção penal num Estado de Direito Democrático não
pode servir para sancionar a imoralidade. Teresa Quintela de Brito afirma que: “não cabe
ao Estado tutelar a ética e a moral em si mesmas, mas única e simplesmente na medida necessária à
tutela de bens jurídicos essenciais por serem condições imprescindíveis do desenvolvimento da igual
personalidade e da igual liberdade de todos e de cada um dos cidadãos.” A teoria retributiva
pressupõe que onde existe culpa tem de haver forçosamente pena. No entanto, “aceitar
que não há pena sem censura pessoal, não significa que tenhamos que punir sempre
que há culpa e toda a medida da culpa”, ideia esta exposta por Figueiredo Dias no seu
manual. Tal materializar-se-ia numa violação do artigo 40.º/2 CP. Já Teresa Quintela
de Brito afirmava nas aulas: “Pode haver crime e culpa, mas não haver pena”. Devemos então
concluir que as teorias absolutas são inimigas de qualquer “esforço de socialização e de
restauração da paz jurídica da comunidade”. A única coisa que o absolutismo concetual dos
fins das penas procura é a satisfação de sentimentos de vingança: “pune-se o agente
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simplesmente porque praticou o crime.” Mas há algum mérito a ser reconhecido a estas teorias.
As teorias absolutas colocaram o princípio da culpa como uma máxima do Direito
Penal, compondo este ainda hoje uma exigência de segurança jurídica.
Estudemos então a teoria da prevenção geral negativa ou de intimidação. O
objetivo desta teoria é evitar que a generalidade dos destinatários das normas penais
pratiquem crimes, aplicando penas que impeçam outros de adotar condutas contrárias
ao ordenamento jurídico. Para Feuerbach, a aplicação das penas deve criar nos
potenciais criminosos contra motivos suficientemente fortes para os afastar da prática
de crimes. Desenvolveu deste modo a teoria da coação psicológica. São também
apresentadas críticas fortes à prevenção geral negativa. Em primeiro lugar, esta teoria
não tem qualquer comprovação empírica: por um lado, o caráter temporalmente
remoto de aplicação da pena não retira ao criminoso a satisfação dos seus interesses
pela adoção do comportamento desviante e punível. Numa análise custo-benefício, é
muito mais vantajoso para a pessoa delinquente cometer o crime do que atuar em
conformidade com os ditames legais de cariz penal. Por outro lado, o que diminui a
criminalidade não diz respeito à maior gravidade das penas, mas à necessidade,
prontidão, adequação e eficácia da própria intervenção penal. Em segundo lugar, esta
teoria não consegue limitar de maneira nenhuma a medida da pena. Com ela, delitos
leves podiam estar mais facilmente sujeitos a penas graves quando o intuito da aplicação
de uma sanção criminal fosse o da dissuasão da maioria no que concerne à prática de
crimes. A ideia propugnada por esta teoria tem que ver com o facto de quanto mais
grave for a sanção cominada para uma situação, maior será a eficácia do Direito Penal,
coisa que já vimos que não acontece. Para além de tudo isto, a prevenção geral de
intimidação é incompatível com a Constituição, na medida em que não se preocupa
minimamente com a pessoa do delinquente que importa ressocializar para que
globalmente sejam estabilizados os padrões sociais comportamentais desejáveis. Acaba
por ter o seu mérito. A prevenção geral negativa, embora não possa ser autonomamente
prosseguida, pode ser considerada como um efeito reflexo e colateral da aplicação das
penas e medidas de segurança ao caso concreto, i.e., as pessoas acabam por não cometer
crimes com receio que lhes seja aplicada uma sanção criminal, apesar de não ser esta a
única razão que as leva adotar comportamentos conformes aos ditames legais.
A prevenção geral positiva divide-se quanto ao seu funcionalismo e quanto à
tutela de bens jurídicos. Numa perspetiva funcionalista, a prevenção geral positiva
procura uma reafirmação da crença e da confiança dos indivíduos na validade e eficácia
do Direito. A ideia subjacente é a de que, mediante a aplicação de uma pena, as pessoas
não praticam crimes. Agindo corretamente, sentir-se-ão reconfortadas na sua posição
de ser normais e morais. Contudo, esta ideia é denunciada pela psicologia criminal: “a
aplicação de uma pena ou medida de segurança não deve ser somente vertida na maioria obediente à lei,
uma vez que a crença na validade e reforço da confiança com as normas que pré-existem ao sistema
jurídico não terá em consideração a pessoa do delinquente”. Como diz Teresa Quintela de Brito
efusivamente: “a intervenção penal não pode ser legitimada mediante efeitos sociopsicológicos”.
Portanto, esta tese de tipo funcionalista acaba por ser incompatível com a norma
normarum, designadamente em relação ao princípio da necessidade da pena vertido no
artigo 18.º/2 e 3. Já havíamos referido a ideia de que o Direito Penal não existe para
tutela da moral social – “só é legítima a intervenção penal quando estiver em perigo a
afetação de bens jurídicos essenciais pré-existentes ao sistema positivo, mas não
totalmente correspondentes às conceções sociais dominantes. Baseando-se a
intervenção penal numa tutela de interesses de tranquilidade e de segurança social,
haverá mais uma vez o uso da pessoa do delinquente como instrumento para a
concretização de finalidades sociais. A teoria geral positiva na vertente de tutela de bens
jurídicos já é aceitável, na medida em que contribui de forma acentuada para a
estabilização de padrões comportamentais desejáveis. As expetativas sociais de conduta
só são válidas quando colocadas ao serviço de bens jurídicos essenciais – vida,
integridade física, autodeterminação sexual, liberdade, etc. Isto tudo tem que ver com
o facto de a intervenção penal ser o último reduto de uma política social do Estado.
Não devem ser sentimentos de segurança e de alarme social a legitimar a intervenção
penal. Maria Fernanda Palma identifica falhas ao nível da prevenção geral positiva. Para
ela, esta tese não resolve todo o problema da legitimação e limitação da intervenção
penal. Não considera a dignidade da pessoa humana do criminoso nem a necessidade
de ressocialização ou reintegração do mesmo. Depois, não pondra as condições
pessoais de consciência e liberdade, bem como as motivações psicológicas da prática
do crime. Estas últimas, poder-nos-iam induzir a uma atenuação imediata da medida da
pena ou da medida de segurança.
Mas a Doutrina é muito divergente em matéria de fins das penas. Por exemplo,
o Juiz Conselheiro Sousa Brito liga o pensamento retributivo a finalidades de prevenção
especial positiva, dizendo que esta última é a melhor que serve aquelas que são as
exigências de ressocialização e da dignidade da pessoa humana à qual será imputada a
responsabilidade criminal: “a prevenção especial positiva dá conteúdo material à ideia de reparação
da culpa através da pena.” Para este Juiz Conselheiro: “a culpa não é só o pressuposto de aplicação
de uma pena, mas também o seu fundamento”. Sousa Brito procura que o juiz determine aquilo
que chama de “Moldura de culpa do agente”. Considera que o aplicador do Direito tem
de ter em consideração as condições pessoais, psicológicas e éticas que possam ter-se
constituído como motivadoras da conduta desviante. Dentro do limite máximo e do
limite mínimo deve prosseguir-se em toda a medida possível a prevenção especial
positiva. Mas considera como exceção as situações em que a prevenção especial se
revele totalmente incompatível com as exigências mínimas no que respeita à
necessidade de tutela dos bens jurídicos essenciais à estabilização dos padrões
comportamentais desejáveis. Nestes casos, reconhece a necessidade de primazia da
prevenção geral positiva. Sendo, para este Conselheiro do STJ, a culpa o fundamento e
o pressuposto da pena, esta mesma acabará por servir finalidades de prevenção geral –
uma vez que a aplicação da pena terá como objetivo principal a proteção de bens
jurídicos; e finalidades de prevenção especial – com um intuito de ressocialização do
agente.
Figueiredo Dias idealizou uma “Moldura da prevenção geral positiva”. Temos
no seu pensamento isquémico: um limite máximo correspondente ao ponto ótimo de
tutela dos bens jurídicos; o ponto mínimo de defesa da ordem jurídica é aquele de tipo
funcionalista que procura gerar sentimentos de confiança na comunidade e uma
reafirmação da crença da validade, eficácia e normalidade do Direito, impedindo-se
deste modo o alarme social. Abaixo do limiar mínimo de tipo funcionalista, segundo
Figueiredo Dias, não podemos sequer tecer considerações de prevenção especial
positiva. No seu modelo, a culpa vai determinar o limite da pena que não pode ser
ultrapassado. Contudo, este limite não tem nada que ver coma as condições de atuação
do agente do crime. Considera o Professor da Escola de Coimbra que as razões por ele
referidas em sede de culpa são suficientes para assegurar a proteção da pessoa do
delinquente. A culpa é então percecionada para este autor como a censurabilidade do
facto à luz das conceções sociais dominantes que não se distinguem da prevenção geral
positiva. A culpa não é, para ele, a essência nem o fundamento da aplicação da pena.
Esta, apenas releva num segundo momento de determinação da pena concretamente
aplicável. O elemento o tipo é o limite da pena, mas não tem de estar relacionado com
a sua finalidade porque a censura é sim uma exigência do princípio da culpa. Em suma,
partindo da pena legal, o juiz deve determinar a moldura de prevenção geral positiva
adequada ao caso. A prevenção especial só pode ser prosseguida dentro dos limiares e
sempre deverá assumir um cariz de prevenção positivo. Na perspetiva de Figueiredo
Dias, o Direito Penal materializa-se nas expetativas de confiança quanto à eficácia e
reafirmação da ordem violada.
A Professora Maria Fernanda Palma critica veementemente o Professor
Figueiredo Dias. Considera que os interesses de segurança de uma comunidade política
não podem ser prosseguidos através da objetificação da pessoa do delinquente. Para a
docente da FDL, a ideia de prevenção geral positiva concebida pelo Professor
Figueiredo Dias é incompatível com um Estado de Direito Democrático: em primeiro,
o Estado não tem legitimidade para “sancionar a culpa ética de ninguém”, apenas podendo
proteger os bens jurídicos na medida em que a dignidade da pessoa humana ou outros
bens jurídicos essenciais possam estar a ser colocados em causa. Diz Teresa Quintela
de Brito, discípulo de Fernanda Palma, que “o Estado não tutela sentimentos de alarma social
ou desconfiança”, ideia esta repetida em aula variadíssimas vezes. Como perspetiva então
Fernanda Palma a moldura da culpa no âmbito dos fins das penas? Partindo da pena
legal, o juiz deve determinar uma pena da culpa ajustada ao caso concreto, imputando
a responsabilidade jurídico-penal de uma maneira subjetiva e dessa forma mais
conforme aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa do delinquente ou
arguido neste caso. Considera: um limite máximo, da mesma maneira de Figueiredo
Dias; mas perspetiva a culpa e a mobilidade dos limites mínimos de proteção da ordem
jurídica. Para Fernanda Palma, a culpa – que determina a responsabilidade subjetivo do
agente – tem que ser o fundamento da pena, mas a pena da culpa acaba por ser limitada
pela prevenção especial positiva: “não se pune toda a culpa, mas apenas a que for preventiva e
necessária”. Falta ainda o grande choque da sua teoria. Considera esta Professora
Académica que podemos descer abaixo dos limiares mínimos de proteção do
ordenamento jurídico por causa de considerações de prevenção especial positiva ou
prevenção geral. Na prática, antes de aplicarmos o artigo 40.º CP, recorremos ao artigo
50.º CP que dispõe que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão (…) atendendo à
personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às
circunstâncias deste”. O tribunal pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça
de prisão não realizam de forma adequada e suficiente a punição, e neste seguimento,
subordina a suspensão da execução da pena de prisão, “ao cumprimento de deveres ou à
observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.”
– Artigo 50.º/2 CP. Nos termos do n.º3, é ainda de considerar que os deveres e as
regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
Apesar destas críticas, e sendo Figueiredo Dias o responsável por grande parte
dos preceitos do CP, a tese dele é que vigora de acordo com a lei penal atualmente
vigente. Consideremos um exemplo reflexivo para que possamos tomar uma posição
enquanto juristas não práticos. Um agente da PSP que conduzia com 2,2 gr/l de álcool
no sangue e atropela dois peões, levando à morte imediata e causando lesões graves
noutro, que veio a morrer no Hospital, mas em virtude da pneumonia lá contraída.
Tendo sido condenado por Homicídio, este arguido veio invocar a possibilidade de
suspensão da execução da pena de prisão. De notar que a admissibilidade desta
suspensão consta do artigo 74.º CP, i.e., ocorre quando a ilicitude do facto e a culpa do
agente forem diminutas, quando o dano tiver sido reparado, o que não podia acontecer
de qualquer forma no caso concreto e, sobretudo, quando à dispensa de pena não se
opuserem razões de prevenção.
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Em sede de Teoria do crime, há imputação objetiva do resultado à conduta do
agente. Ao nível do tipo subjetivo de ilícito o agente atua com dolo eventual “aconteça
o que acontecer eu atuo” – ainda que esteja incapacitado, no momento da prática do
facto, de entender e querer as consequências nefastas que do seu comportamentos
podiam advir, ele atua em sede de atione libera in causa (ação livre na causa). Não há
qualquer causa de justificação do facto e de desculpação que pudesse ser subsumida na
hipótese. Logo, em sede de Teoria do Crime, era óbvio que o agente seria imputável e
suscetível de censura jurídico-penal.
Mas as coisas passam-se de maneira diferente em Lei Penal, tendo em
consideração o pensamento de Maria Fernanda Palma. Para esta, como vimos, é
preferível o não cumprimento da pena privativa da liberdade por parte do agente se tal
se dever a razões de necessidade de “ressocialização do delinquente”. A concordância
com a teoria da professora implicaria que, no caso sub judice: em primeiro, o juiz nunca
aplicasse uma pena de prisão superior a 5 anos; e em segundo, pressuponha o
cumprimento de uma série de deveres e condições por parte do agente. No caso do
agente da PSP, havia um prognóstico favorável de reintegração do mesmo em liberdade,
uma vez que era um agente profissional e socialmente respeitado. Contudo, o STJ
recusou a aplicação da pena pois considerou que havia um grau de culpa elevada e
incompatível com a suspensão e com as exigências de prevenção geral positiva. Mas
Fernanda Palma teima em discordar: “é mais socializador que o agente cumpra uma pena em
liberdade do que enviá-lo para a prisão”. Diz Teresa Quintela, que evidentemente não podia
deixar de discordar com Maria Fernanda Palma, que “a prisão é a Escola do Crime”.
Mas façamos uma análise mais objetiva. Pegando em Sousa Brito e Maria
Fernanda Palma, é de considerar que o cumprimento da pena privativa da liberdade
teria custos sociais superiores quando comparados com aqueles custos que a suspensão
da pena acarretaria. Consideram estes que, quando uma pena tem efeitos
dessocializadores, isso tem custos sociais, já que alguém que está perfeitamente inserido
na sociedade deixa de estar. Muitas vezes, a eficácia do Direito Penal, para estes autores,
está “nas mãos” das penas alternativas ou substitutivas da pena de prisão. Seguindo a
conceção do Professor Figueiredo Dias, será sempre impensável conceber a suspensão
da execução da pena de prisão. As exigências mínimas de prevenção geral positiva
nunca seriam compatíveis com tal suspensão, pelo que aquele polícia teria de cumprir
efetivamente a pena. Perguntemo-nos em jeito final: o que é estar socializado e
perfeitamente integrado numa sociedade? Gozará um pedreiro ou jardineiro dos
mesmos critérios de aplicação do Direito para que haja uma suspensão da execução da
pena de prisão? Não nos parece que a descida dos limiares mínimos da ordem jurídica
pode originar situações de confronto jurisprudencial? Quanto a mim, este critério dos
fins das penas pode originar situações onde o tratamento do indivíduo seja desigual. A
teoria de Fernanda Palma, ainda que protegendo o ser humano, pode originar situações
desigualitárias e por isso desconformes ao próprio texto constitucional.
Consequências Jurídicas do crime
São consequências jurídicas do crime: as penas - artigos 41 e ss. CP- e as
medidas de segurança.
A cominação de penas ao caso concreto pressupõe sempre a tipicidade,
ilicitude e culpa do agente para que o mesmo seja suscetível de responsabilidade
jurídico-penal. As penas podem ser principais ou acessórias. São principais a pena de
prisão/privativa da liberdade (artigo 41.º CP) ou as penas pecuniárias/ multas (artigo
47.º CP). Neste âmbito, existem ainda as penas substitutivas que são aquelas que
pressupõem a condenação do agente em sentença com o decretamento da pena
privativa da liberdade, sendo que essa pena acaba por ser substituída por uma outra
pena. É exemplo paradigmático a prestação de trabalho a favor a comunidade nos
termos do artigo 48.º CP. No caso de a pena substitutiva não ser cumprida nos trâmites
definidos, terá que ser cumprida forçosamente a pena principal. Existem ainda as penas
acessórias. Estas são aquelas que só podem ser cominadas em sentença condenatória
em que tenha sido simultaneamente aplicada a pena criminal – sendo que a subsunção
destas penas acessórias ao caso concreto depende de dolo ou negligência consciente do
agente. É exemplo paradigmático de uma pena acessória a interdição ou inibição da
condução durante um determinado período de tempo, segundo o disposto no artigo
69.º CP:
As medidas de segurança são a consequência jurídica da prática de um facto
típico e ilícito por um agente considerado como inimputável. Quem pode ser
considerado como inimputável? Pode ser considerado como inimputável todo o agente
que não tem capacidade para avaliar a ilicitude e a suscetível censura penal do seu
comportamento, sendo este juízo formulado com base em uma conveniente avaliação
psiquiátrica. São dois os motivos da inimputabilidade: a anomalia psíquica – artigo 20.º
CP – e a menoridade – artigo 19.º CP, embora saibamos que existe um regime penal
específico para os jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos instituído
pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro. As medidas de segurança podem ser
privativas ou não privativas da liberdade. É privativa da liberdade por exemplo o
internamento de inimputáveis (artigos 91.º e ss. CP) e não privativas da liberdade
podem ser: a interdição do exercício da profissão – artigo 66.º CP; a interdição de
atividades – artigo 100.º CP; e a cassação do título ou da condução de veículo com
motor – artigo 101.ºCP. As medidas de segurança não privativas da liberdade podem
ser aplicadas a agentes imputáveis, em face da especial perigosidade que evidenciaram
na prática do facto típico e ilícito pelo qual foram condenados e até submetidos a uma
pena.
Princípio da Legalidade
A ideia central do princípio da legalidade é a de que a segurança dos indivíduos
frente ao estado só se realiza através do controlo da própria criação e aplicação do
Direito Penal. Ou seja, tem de haver um controlo democrático dos limites de
interpretação do direito penal, sendo por exemplo a proibida a retroatividade e analogia
desfavoráveis.
Figueiredo Dias e Taipa de Carvalho expõem quais os fundamentos que estão
na base da preponderância que o princípio da legalidade tem em matéria jurídico-penal.
Existem: fundamentos externos ou jurídico-políticos e fundamentos internos ou
jurídico-penais. Consideram estes autores que estão na base dos fundamentos externos
o princípio liberal, a democracia e tudo aquilo que à separação de poderes diz respeito.
Num ponto contrário, estão na base interna do princípio da legalidade a necessidade de
haver, segundo estes, a prevenção geral negativa de comportamentos nocivos para a
sociedade (matéria dos fins das penas), considerando-se neste prisma tudo aquilo que
ao princípio da culpa está associado. Portanto, para estes autores, só é possível censurar
um agente pela prática de certo facto se no momento da sua ocorrência uma lei já
qualificar o comportamento adotado como crime. Daí estes fundamentos estarem
relacionados com o princípio da culpa e com a função de orientação e motivação de
condutas que ao Direito Penal é confiada. Sousa Brito e a Maria Fernanda Palma
consideram, contrariamente a Figueiredo Dias e a Taipa de Carvalho, que a culpa e a
ideia de retribuição não fundamentam o princípio da legalidade e os seus corolários.
Denominador comum a toda a Doutrina está a ideia de que toda a restrição de direitos,
liberdades e garantias deve também ligar-se à existência de uma lei anterior à prática do
facto, atendo esta mesma ter que assumir um caráter geral e abstrato.
Aplicamos que preceito do Código Penal para averiguar do cumprimento dos
pressupostos que lhe estão associados? Remetemos o caso prático para o artigo 1.º CP:
“1. Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao
momento da sua prática. A medida de segurança só pode ser aplicada a estados de perigosidade cujos
pressupostos estejam fixados em lei anterior ao seu preenchimento. 3. Não é permitido o recurso à
analogia para qualificar um facto como criem definir um estado de perigosidade ou determinar a pena
ou medida de segurança que lhes corresponde.”
Quais são afinal os corolários do princípio da legalidade? São eles: a reserva de
lei em sentido formal; a tipicidade; a proibição de analogia incriminatória ou agravante
da responsabilidade; e a proibição da retroatividade desfavorável.
Comecemos por destrinçar um pouco de cada um. A reserva de lei em sentido
formal (nullum crimen nulla poena sine lege scripta), encontra-se consagrado no artigo
165.º/1/alínea c). Segundo este: só a AR, ou o Governo, mediante Decreto-Lei
Autorizado podem legislar e definir quais os comportamentos que são crime, as penas
e as medidas de segurança que lhes estão associadas, bem como os respetivos
pressupostos da sua aplicação. A inobservância da reserva de lei pode determinar a
inconstitucionalidade orgânica de um diploma que estatui uma determinada sanção
criminal.
Qual o âmbito da reserva de lei enquanto corolário do princípio da legalidade?
A Jurisprudência do TC tem vindo a sustentar a ideia de que a reserva de lei tanto inclui
a criminalização como a descriminalização ou menor criminalização. Contudo, na
Doutrina esta ideia tem vindo a ser contestada. Para o Juiz Conselheiro Sousa Brito “a
função de garantis dos direitos fundamentais contra o arbítrio do Estado impõe que só sejam submetidas
à reserva de lei em sentido formal as normas que fundamentam ou agravam a responsabilidade penal,
não aquelas que excluem a responsabilidade penal nem sequer aquelas que preveem causas de exclusão
da ilicitude do facto”. Segundo Figueiredo Dias o governo não pode por si só atenuar a
responsabilidade penal, pelo que também as normas atenuantes ou de exclusão da
responsabilidade fazem parte do âmbito da reserva relativa da AR. Para Faria Costa não
se justifica exigir lei formal para descriminalizar ou despenalizar, mas uma interpretação
constitucional fundada impõe uma identidade do modo de legislar em relação a
criminalizações, descriminalizações ou despenalizações. Já Jorge Miranda defende, tal
como Rui Medeiros que na verdade, só quem pode criar tipos de crime pode suprimi-
los. Em contrapartida as causas atenuantes e de exclusão da culpa não têm de se
submeter à reserva de lei em sentido formal. Aquilo que se discute é se as normas penais
negativas estão abrangidas pela competência relativa da AR.
Mas o que são efetivamente normas penais negativas? São as causas de exclusão
da ilicitude e as causas de desculpação ou de exclusão da culpa. Devemos concluir que
as causas de exclusão da culpa não estão submetidas à reserva de lei em sentido formal,
em consonância com o disposto nos artigos 71.º/2 e 72.º/2 CP. Já as normas relativas
à exclusão da ilicitude devem estar cobertas pela reserva de lei, como decorrência do
princípio da legalidade, uma vez que a exclusão da ilicitude pode repercutir-se na
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limitação de direitos subjetivos de entre sujeitos conflituantes e pode constituir-se, em
alguns casos, numa intromissão inadmissível na esfera de liberdade e autonomia dos
particulares. Exceciona-se da competência relativa as causas de exclusão da ilicitude que
resultem de uma liberdade geral, não pessoal ou relativa. Será então possível uma
aplicação analógica das causas de exclusão da ilicitude? Em regra as causas de exclusão
da ilicitude não estão sujeitas à proibição de analogia desfavorável – artigo 1.º/3 CP,
mas que fazer uma distinção de entre Causas de justificação gerais e especiais. Em
relação às primeiras: porque são válidas para todo e qualquer crime e desde que se
verifiquem os respetivos pressupostos, a sua aplicação analógica não é proibida. Toda
a pessoa pode atuar em legítima defesa ou estado de necessidade. Em relação às
segundas, porque normalmente estão inclusas em crimes que implicam uma
compreensão excecional dos direitos e liberdades fundamentais, a sua aplicação
analógica é vedada muitas vezes, como acontece por exemplo com a realização de
escutas telefónicas ou até mesmo com a instalação de dispositivos elétricos em torno
de uma propriedade.
A tipicidade, enquanto corolário da legalidade, determina a conexão de entre o
facto típico para com a sanação respetiva – nullum crimen nulla poena sine lege certa – artigos
24.º/1 e 3 CRP e artigo 1.ºCP. A lei penal tem que ser determinada. A descrição da
conduta proibida e de todos os outros requisitos da concreta punibilidade devem
constar da norma penal. Só com um juízo de determinação quanto à essencialidade de
determinados bens jurídicos e quanto à ofensividade de determinadas condutas é que a
norma penal constrói um comando dirigido ao destinatário. Daí a norma penal em
branco violar ou poder violar a tipicidade enquanto corolário da legalidade, na medida
em que não defina a conduta proibida. Portanto, só pode ser dirigido um juízo de
censura ao agente por este ter realizado um facto ilícito típico que à partida podia
conhecer. Mas o que acontece nas situações em que o legislador utiliza numa
incriminação conceitos indeterminados e cláusulas gerais? Só quando a indeterminação
e uso das cláusulas gerais impedem a determinação do comportamento punível é que
podemos considerar que as normas são: por um lado, organicamente inconstitucionais
por violação do princípio da reserva de lei; mas também são materialmente
desconformes para com o texto constitucional, ao violarem o princípio da legalidade na
vertente de lege certa.
Mas passemos a coisas mais empolgantes: poderá haver analogia e
retroatividade desfavorável em Direito Penal? Estes segmentos da questão serão
desenvolvidos de uma maneira mais pormenorizada no que concerne às matérias de
interpretação da lei penal e sua aplicação no tempo. Mas vejamos umas preliminares.
Quanto à proibição de analogia desfavorável ao arguido, há a considerar o artigo 29.º/1
e 3 CRP, bem como o artigo 1.º/3 CP. Só é permitida, em sede interpretativa, a analogia
favorável quando benéfica ao arguido porque despenaliza ou descriminaliza o
comportamento que pelo próprio foi adotado. A proibição de analogia enforma o
ditado latim de “nullum crimen, nulla poena sine lege stricta”. Mas haverá retroatividade
desfavorável? Não – “nullum crimen, nulla poena sine lege praevia”. Encontramos esta
solução no artigo 29.º/1 e 4 CRP; no artigo 1.º/1 e 2.º/2 CP.
Medidas de Segurança e Princípio da Legalidade
Para a Professora Teresa Quintela de Brito, e em conformidade com a opinião
da Professora Maria Fernanda Palma, o princípio da legalidade e os seus corolários
valem também, em igual medida, para as medidas de segurança. Dizem estas autoras
que a CRP é das poucas que submete as medidas de segurança ao princípio da legalidade
– artigo 29.º/1, 3 e 4 CRP. No CP, valem relativamente às medidas de segurança as
mesmas exigências de proteção dos direitos, liberdades e garantias que se reivindicam
em relação às penas. Temos de ter em atenção, no entanto, que a aplicação de uma
medida de segurança no caso concreto tem na sua base como pressuposto a
perigosidade do agente. Determina o artigo 1.º/2 CP que também temos de considerar
a irretroatividade das medidas de segurança e o n.º3 a proibição da analogia
desfavorável. Já o artigo 2.º/1 abre portas a mais uma querela doutrinária. Para Maria
Fernanda Palma e Teresa Quintela de Brito, releva sempre, quer em relação às penas,
quer no que à aplicação das medidas de segurança diz respeito, a lei em vigor no
momento da prática do facto. Para estas autoras, a perigosidade do agente deverá de
ser considerada no momento da prática do facto, sendo que a proibição de
retroatividade desfavorável tanto valerá da mesma forma para agentes imputáveis e
inimputáveis. Surgiu no entanto uma Teoria Diferenciadora defendida pela Juíza
Conselheira Maria João Antunes, que, concordando com Figueiredo Dias, afirma que a
lei aplicável no caso das medidas de segurança deve ser aquela em vigor no momento
do julgamento. Para estes, a verificação dos pressupostos da perigosidade criminal do
agente dá-se no momento do julgamento. Admitem, no entanto, que no momento da
decisão se possa aplicar uma medida de segurança não prevista no momento da prática
do facto ilícito e típico. Teresa Quintela de Brito veio refutar a ideia propugnada por
este segundo segmento da Doutrina afirmando que o facto de o juízo de perigosidade
ser formulado no momento do julgamento não inviabiliza uma aplicação da medida de
segurança, em função da verificação dos respetivos pressupostos, e de acordo com a lei
vigente no momento da prática do facto.
Interpretação da Lei Penal
Inicialmente, a interpretação era feita de acordo com o modelo tradicional ou
clássico. Este modelo determinava uma mera subsunção dos factos ao direito. Sendo
metodologicamente ingénuo, acabou por ser abandonado porque operava com
conteúdos semânticos pré-determinados em relação aos quais os factos podiam ou não
ser reconduzidos. Mas tal não significa que não seja possível traçar uma fronteira da
significação textual para lá da qual os resultados interpretativos se possam considerar
secundum legem, obviamente que desconsiderando a proibição da violação do princípio
da reserva de lei em sentido formal (artigo 165.º/1/alínea c) CRP) e a não violação do
princípio da analogia desfavorável, segundo o artigo 1.º/3 CP e artigo 29.º/3 CRP.
Sabemos que a letra da lei inviabiliza metodologicamente a aplicação pretendida
e mais correta da norma penal ao caso concreto. Este é o lema de um segmento da
Doutrina. Segundo esta corrente, deve-se relevar a teleologia da norma, sendo que o
sentido prático-normativo do preceito só pode ser obtido com recurso à ratio da norma.
Acham os apologistas da interpretação teleológica que a ratio não se constitui como
uma violação do princípio da proibição da aplicação analógica da lei penal, em
conformidade com o disposto no artigo 1.º/3 CP. Maria Fernanda Palma e Teresa
Quintela de Brito não aceitam um total despreendimento para com a letra da lei.
Concordo com este segmento da Doutrina. O ter-se em conta a ratio legis
consubstanciaria uma violação do princípio da legalidade na vertente da proibição da
analogia desfavorável. Casos que de acordo com a letra da lei não configuram
comportamentos criminosos podiam ser punidos tendo em consideração a eventual
ratio da norma penal. Para Maria Fernanda Palma, o agente deve ser punido não tanto
pelo sentido de cada palavra em si, mas sobretudo pela referência ao texto globalmente
considerado e atendendo ao significado que as palavras adquirem com o uso da
linguagem social. Deste modo, uma conduta pode inserir-se num núcleo de tipo de
condutas que se quer proibir: “não se pode escapar à essência da punição”. Em suma, a
interpretação deve ser por nós assumida como o resultado de um conjunto de
significações possíveis suscetíveis de serem apreendidas pelo texto legal de acordo com
a linguagem comum.
Mas como resolver situações lacunosas em termos de punibilidade? Estes são
casos omissos de disciplina jurídico-penal que deviam ser regulados. Para se chegar à
situação de identificação de uma lacuna na disciplina de penal, temos de fazer ab initio
uma interpretação. Se a situação fática couber no plano de descrição de uma norma
interpretada de acordo com o sentido do texto legal, não haverá então qualquer lacuna
a integrar.
Quando se verifica uma situação lacunosa, como deve o aplicador da norma
resolver a situação? Para Castanheira Neves, devemos recorrer ao argumento da maioria
de razão: apesar de um comportamento não poder caber dentro do quadro de
significações possíveis do texto legal apreendidas de acordo com a linguagem comum,
uma lacuna de punibilidade pode sempre ser suprida com recurso à maioria de razão,
enquanto técnica geral de integração de lacunas. Ou seja: “se se pune o menos, também se
pode punir o mais ”. A punição de uma situação lacunosa derivaria da ratio da norma e de
um recurso ao espírito do sistema (integração intra-sistemática).Diz este autor que não
há expetativas legítimas a serem tuteladas pois o agente sabe que a sua conduta pode
afetar um bem jurídico dotado de referente constitucional. Para Castanheira Neves, esta
forma de suprimento de uma situação lacunosa em nada coloca em causa o princípio
da legalidade na vertente da proibição da analogia desfavorável. Diz ele, que o próprio
princípio da igualdade aponta para uma solução idêntica a esta.
Contrariamente, para a generalidade da Doutrina a lacuna de punibilidade não
pode ser preenchida sob pena de: violação dos princípios da legalidade e da igualdade.
No que concerne ao princípio da legalidade há que dizer que o suprimento de lacunas
legislativas poderia determinar que condutas, ainda que perigosas para os bens jurídicos
protegidos, acabassem por não ser abrangidas pela letra da lei, não sendo suscetíveis de
serem punidas. Se tal acontecesse, o Direito Penal acabaria por não cumprir os desígnios
de proteção dos bens jurídicos que lhe haviam sido conferidos. Na maior parte dos
casos, condutas perigosas de bens jurídicos devem ser incluídas dentro do grupo de
significações possíveis tendo em consideração o texto global como um todo (artigo 29.º
CRP e artigo 1.º CP). Colocar-se-ia também em causa o princípio da igualdade
consagrado no artigo 13.º CRP, uma vez que deixaria de ser justo e equitativo que casos
menos graves fossem punidos e casos mais graves que colocam em causa a segurança
dos bens jurídicos não o fossem. Neste âmbito, a intervenção penal acabaria por não
ser proporcional nem conforme ao princípio do contraditório. Ademais, materializar-
se-ia em uma violação do princípio da necessidade da pena, por mim referido inúmeras
vezes – artigo 18.º/ 2 e 3 CRP.
Resolução de casos práticos de interpretação das normas jurídicas e
princípio da legalidade
Numa primeira fase, devemos qualificar o crime. Depois verificar do
cumprimento das exigências de determinabilidade decorrentes do princípio da
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legalidade, designadamente no que respeita corolário do nullum crimen, nulla poena sine lege
certa. Temos de identificar a conduta proibida, sendo que esta conduta pode ser objeto
de censura penal quando cometida quer por ação, quer por omissão. Segundo a
professora Bárbara Sousa de Brito, quer a ação, quer a omissão fazem parte do género
comum comportamento humano. Mas sigamos para o processo interpretativo que é o
que nos interessa por agora.
Temos de compreender que a norma penal desempenha uma função de
determinação das condutas puníveis e de motivação do agente para que em momento
ulterior à sua vigência este possa orientar convenientemente o seu comportamento.
Devemos, mais uma vez, verificar quais os bens jurídicos afetados, caraterizá-los e fazer
uma ponderação sobre qual deles deve prevalecer no caso de estarmos perante uma
tensão eminente de entre eles. A posteriori, averiguamos do respeito pelo princípio da
necessidade da pena nos termos do artigo 18.º/ 2 e 3 CRP. De notar que repetimos
vários passos na resolução das várias problemáticas que nos são colocadas.
A interpretação não pode ser feita de acordo com o modelo tradicional e
metodologicamente ingénuo de pura subsunção da norma ao caso. Em Direito Penal,
o resultado da interpretação só é admissível quando feito dentro do quadro das
significações possíveis e suscetíveis e serem apreendidas à luz da linguagem comum e
racionalidade comunicativa inerente ao Direito (Maria Fernanda Palma). Portanto, a
interpretação tem que ser feita em termos conformes à letra da lei, sendo que nunca é
de esquecer que a analogia em Direito Penal é proibida. Com base neste raciocínio
evolutivo, chegamos à conclusão de que o agente pode ser alvo ou não legitimamente
de sanções criminais.
Depois, averiguamos do cumprimento de todos os corolários do princípio da
legalidade: reserva relativa da AR; tipicidade ou determinabilidade da norma penal;
proibição da analogia desfavorável (artigo 1.º/3 CP) e proibição da retroatividade in
pejus – artigo 1.º e 2.º/1 CP e artigo 29.º/2 e 3 CP. De realçar que a violação do princípio
da legalidade traduz-se automaticamente, na opinião de Figueiredo Dias, numa violação
do princípio da culpa importantíssimo em matéria penal – artigo 1.º e 27.º CP. Para que
o agente possa orientar corretamente o seu comportamento, tem de saber o que lhe é
imposto fazer, o que é proibido, bem como quais são as condições especiais que devem
caraterizar a sua atuação.
Ainda em sede interpretativa, temos de dividir as normas penais em dois
grupos: normas penais positivas e negativas. Positivas são aquelas que criam ou agravam
a responsabilidade jurídico-penal do agente. São aquelas normas que de alguma forma
contêm a criação de cromes, agravando a pena cominada. Em relação às normas penais
incriminadoras, temos de fazer uma interpretação restritiva, e considerar que estas são
insuscetíveis de serem aplicadas analogicamente. Normas penais negativas são aquelas
que visam diminuir a responsabilidade jurídico-penal do agente ou atenuá-la, tornando
mais suaves os pressupostos para que possa haver uma imputação objetiva do resultado
à conduta do agente. Porque favoráveis ao arguido, podem ser aplicadas
analogicamente. Esta é a solução conforme ao princípio do in dúbio pro reu.
Aplicação da Lei Penal no Tempo
Incriminar vs. Descriminalizar
Incriminar significa atribuir um crime a determinada pessoa. Criminalizar significa
atribuir a um facto qualidade criminal. I.e., incriminar tem necessariamente por objeto
uma pessoa, criminalizar tem por objeto uma conduta, sendo as entidades competentes
para incriminar distintas, como é evidente, das entidades com competência para
criminalizar. Nas primeiras a aplicação pertence ao julgador, enquanto nas segundas a
sua definição pertence ao julgador democraticamente eleito para tal.
Comecemos pela retroatividade. O que é a retroatividade? A retroatividade é
uma caraterística de um facto jurídico que produz efeitos quanto ao passado.
Numa análise de um problema de aplicação da lei penal no tempo, devemos
sempre começar por aplicar o artigo 3.º CP que regula o Tempus Delicti. Quando é que
o facto se tem por verificado? “O facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou
ou, no caso de omissão, no momento em que deveria ter atuado, independentemente do momento em que
o resultado típico se tenha produzido”. O momento relevante é momento da ação, não o
momento do resultado. Neste âmbito, é de tecer duas importantes considerações: em
primeiro, nem todos os crimes são materiais ou de resultado; e segundo, o agente só
tem controlo pleno sobre o momento da ação, não possuindo o comando exata sobre
a verificação do resultado. Por exemplo, A dispara sobre B. Fere-o gravemente e este é
transportado para o Hospital e morre passa um mês. Ora, a lei penal aplicável é aquela
que estava em vigor no momento da prática do facto. A norma penal só motiva e
determina a conduta do agente se já estiver em vigor no momento em que o mesmo
concebeu a ação. Se considerássemos como relevante o momento do resultado,
estaríamos perante uma norma materialmente inconstitucional por violação do
princípio da necessidade e subsidiariedade da intervenção penal.
Determina o artigo 2.º/1 CP que “as penas e as medidas de segurança são determinadas
pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem”.
Neste campo, entramos no âmbito da matéria de sucessão de leis penais no tempo. Ora,
a aplicação de uma lei posterior depende do comportamento anteriormente
contemplado para implicar, necessariamente, a verificação da conduta prevista em lei
posterior, havendo assim, pelo menos, uma revogação tácita. Esta sucessão pode ser:
bonam partem ou malum partem. Não se verifica uma verdadeira situação de sucessão
de leis penais no tempo: quando a lex posterior visa a proteção de bens jurídicos
diferentes dos tutelados pela lex anterior; quando a lex posterior acrescenta pelo menos
um elemento novo ao facto típico, ainda que não se alterando a essência d conduta
referente. Esta última situação é alvo de alguma discussão e controvérsia ao nível da
doutrina. Portanto, a sucessão de leis penais no tempo não mais é do que um fenómeno
que sucede quando a cessão da vigência de uma norma incriminadora advém de uma
outra que atenua (despenalização) ou agrava (penalização) os seus efeitos.
“Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem
diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostre
mais favorável ao agente. Se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessão a
execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite
máximo da pena prevista na lei posterior” – artigo 2.º/4 CP. Criminalização ou
descriminalização da conduta típica? Estes são fenómenos jurídico-penal que ocorrem
quando uma conduta deixa ou passa a ser considerada como criminosa. As leis
incriminatórias ou descriminalizadoras regem apenas para o futuro, não abrangendo
factos praticados antes da sua vigência. São leis que protegem outros bens jurídicos e
que materializam uma alteração genérica dos pressupostos de punibilidade. O facto
punível segundo a lei vigente deixa de o ser se uma nova lei o eliminar do elenco ou n.º
de infrações. Havendo condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução
e os seus efeitos penais.
Analisemos a temática da retroatividade desfavorável em Direito Penal. Esta é
denominada por Retroatividade in pejus. Em penal vigora o princípio da proibição da
retroatividade desfavorável ao arguido, i.e., da retroatividade das normas penais que
criem ou agravem a responsabilidade penal a que o sujeito pode estar adstrito. São
fundamentos desta proibição: o princípio da culpa; e o princípio do Estado de Direito.
Ao nível da culpa, a retroatividade desfavorável contrariaria uma responsabilidade penal
fundada na livre determinação do agente pela norma jurídica. Esta violação encontraria
a sua base nos princípios da dignidade da pessoa humana – artigo 1.º CRP – na
igualdade – artigo 13.º CRP – e na integridade do agente – artigo 25.º CRP. No que à
afetação da dinâmica basilar de um Estado de Direito, a retroatividade, se desfavorável,
destruiria a garantia da expetativa dos cidadãos quanto ao que era efetivamente
proibido. O princípio da proibição da retroatividade in pejus funciona como uma
garantia e segurança do individuo quanto ao poder punitivo do Estado. Há razões de
segurança e certezas jurídicas que têm de ser consideradas no campo de aplicação da lei
penal no tempo. Em jeito de suma, a proibição de retroatividade in pejus corresponde
a uma garantia de que o exercício do poder punitivo (ius puniendi) do Estado seja feito
de acordo com critérios e princípios, bem como em conformidade com limites
conhecidos antecipadamente e não alteráveis por força de um interesse particular ou
para resolver um caso concreto antes não previsto.
E quando a lex posterior é favorável ao arguido? Nesse caso, haverá uma
imposição de retroatividade in melius porque favorável ao arguido. Esta é uma solução
jurídica conforme ao artigo 29.º/4/2.ª parte CRP. São fundamentos mais uma vez: o
princípio da igualdade – artigo 13.º CRP – e a necessidade ou máxima restrição da
intervenção penal – artigo 18.º/2 e 3 CRP. Tal solução é assumida porque por um lado,
seria injusto e inútil que agentes de factos idênticos recebam tratamento radicalmente
diferente conforme tais factos sejam perpetrados antes ou depois da revogação da
norma, ou seja, no caso em que há uma despenalização do facto punível – nenhuma
necessidade de prevenção quer geral quer especial far-se-ia sentir; por outro lado,
também seria injusto e inútil estar a punir num momento posterior factos que, depois
de uma nova ponderação das coisas, deixaram de configurar criminalmente um ilícito.
Retroatividade e Medidas de Segurança
Tendo em consideração o disposto no artigo 2.º/1 CP, Teresa Quintela de
Brito e Maria Fernanda Palma, consideram que quer a alteração agravante, quer a
criação da responsabilidade penal depois da prática do facto afetam em larga medida o
princípio da segurança jurídica, na medida em que permitem uma intervenção sem
controlo por parte do poder punitivo do Estado no que respeita ao âmbito de liberdade
que o ordenamento jurídico confere a cada sujeito. Por isso: “as medidas de segurança, quer
em relação a imputáveis, quer em relação a inimputáveis, implicam a consideração das mesmas
exigências relativas às penas”. Figueiredo Dias e a Juíza Conselheira Maria João Antunes
consideram que “como as medidas de segurança se fundam na perigosidade do agente, a medida de
segurança a aplicar, no concreto, determina-se pela lei vigente, no momento da decisão ou do julgamento”.
O conceito material de crime e os limites da intervenção penal
O conceito material de crime e os limites da intervenção penal
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O conceito material de crime e os limites da intervenção penal

  • 1. 1 Diogo José Morgado Rebelo Dissertação de Teoria da Lei Penal Melhoria Faculdade de Direito- Universidade Nova O Direito Penal como ramo de Direito Sancionatório Público O Direito Penal é um ramo de Direito Público com expressão do “poder de punir”. Ao Direito Penal cabe delimitar os fundamentos e as condições da intervenção estatal na esfera dos particulares sobre a forma de ius puniendi. A violação pelos particulares de deveres jurídico-penais, implicará a sujeição dos mesmos a sanções criminais, i.e., uma responsabilização do agente perante a sociedade, mas única e simplesmente na medida em que estejamos perante comportamentos dotados de gravidade ético, jurídico e moral merecedora da intervenção, uma vez que até muitas vezes é o próprio interesse do Estado que é colocado em causa. Definição de conceito formal de crime Corresponde a crime numa perspetiva formal “todo o comportamento humano, ativo ou omissivo para o qual a lei comina uma sanção criminal”. O crime formal é todo o facto típico, ilícito, culposo e punível. Contudo, este conceito não é suficiente para que possamos aferir da legitimidade das decisões legais de punir. Não é por o legislador ter qualificado em lei prévia um determinado comportamento como crime que o mesmo deve ser acepcionado num sentido material. Conceito material de crime e eficácia do Direito Penal O conceito material de crime decorre da CRP, designadamente do preceituado no artigo 18.º/2 que estabelece que:“ a restrição de direitos, liberdades e garantias deve-se limitar ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou valores com dignidade constitucional.” Kant afirmara em tempos que “a essência do direito se encontrava na articulação do livre arbítrio das pessoas de entre si, segundo uma regra ou princípio geral de liberdade”. Veremos que determinados comportamentos não podem ser criminalizados quando impliquem a negação de alguém como pessoa. Daí que o conceito material de crime sirva como padrão crítico das decisões legais de punir. “O Direito Penal é tanto mais eficaz na prevenção da criminalidade quanto menos for usado.” O uso abusivo de sanções criminais torna a prática de crimes corriqueira, i.e., o excesso no fenómeno “criminalização” faz com que as finalidades da incriminação configuradas pelo legislador no tipo não sejam cumpridas. Em suma, fenómenos de Hiper-criminalização nem sempre são eficazes e correspondem aos objetivos pretendidos pelo legislador democraticamente eleito. Porque é que estes fenómenos ocorrem? Por pressão de Lobbies e da opinião pública ou porque os políticos procuram, em análise um pouco demagógica, ganhar as próximas eleições. Costa Andrade denomina este fenómeno por “legiferação à flor da pele”. “O Estado e o seu aparelho formalizado de controlo do crime, i.e., as polícias, os tribunais e as prisões, devem intervir o menos possível e apenas na estrita medida necessária ao asseguramento das condições necessárias e essenciais à liberdade da pessoa e do funcionamento do Estado de Direito Democrático”. Conceito Material de Crime – Maria Fernanda Palma A expressão conceito material de crime é enformada pela ideia de que existem, num Estado de Direito Democrático, limites constitucionais à eleição de certas condutas como crimes que ultrapassam a vontade de maiorias conjunturais e do poder político. O Direito Penal tem uma legitimidade aferida pela proteção de bens jurídicos essenciais, constitutivos da razão de ser do próprio Estado – condições de liberdade – na medida em que as suas sanções são, em si mesmas, graves restrições da liberdade ou dos direitos fundamentais. “O Direito Penal só pode tirar a liberdade aos agentes do crime (…) precisamente para criar liberdade para todas as potenciais vítimas”. Cada vez mais se verifica uma expansão do Direito Penal para domínios inovadores, abrangendo novas condutas, o que coloca em questão o saber qual é verdadeiramente a relação de entre a definição de valores sociais e objetivos do Estado para com o papel punitivo que ao próprio lhe é conferido. Muitas vezes, esta relação baseia-se simplesmente em conceções políticas passageiras e conjunturais. O primeiro exemplo diz respeito ao âmbito do lenocínio, em relação ao qual, se discutiu, perante o Tribunal Constitucional, se a integração na previsão legal de condutas de facilitação ou aproveitamento económico da prostituição era conforme à norma normarum, como acontece por exemplo no caso de alguém arrendar habitação a outrem que se dedique à prostituição. Violará esta incriminação o princípio da necessidade da pena? As pessoas que se prostituem podem fazê-lo por sua livre decisão. Colocou-se, assim, a questão de saber se deveria exigir-se à acusação prova concreta da exploração das pessoas prostituídas por aquelas que lucram com a sua atividade. A resposta do Tribunal Constitucional teve em consideração estudos empíricos que demonstram à sociedade que, na generalidade dos casos, as pessoas que se prostituem em Portugal fazem-no por razões de carência social e não por opção económica. A professora Teresa Quintela assume neste âmbito uma perspetiva diferente. Assim., a exigência de prova da exploração como condição da tipicidade, facilitaria a atividade económica em redor das pessoas prostituídas e consolidaria o circuito da exploração e fomentaria a prática desta mesma atividade. Por conseguinte, O Tribunal julgou não inconstitucional no Acórdão TC n.º 144/2014, o lenocínio com essa dimensão abrangente, admitindo apenas a possibilidade de contraprova, a cargo da defesa, da inexistência de uma relação de aproveitamento ou exploração das vítimas pelo arguido. O Professor Figueiredo Dias considera que a incriminação do artigo 170.º/1 CP pretende defender sentimentalismos transpessoais, não tendo, como deveria ter, em primeira linha, a pretensão de defesa de bens de natureza pessoal. Para o professor, o Direito Penal não devia ter por fim defender valores de ordem moral, mas sim, e tratando-se de um crime contra as pessoas, defender interesses eminentemente pessoais, tais como, a liberdade e autodeterminação sexual. O crime de Lenocínio, tal como está previsto, é um crime sem vítima, uma vez que não protege ninguém em concreto, mas sim interesses de cariz sentimentalista. Para este académico, com a eliminação da exigência de que o favorecimento da prostituição se ligasse à exploração de situações de abandono ou de necessidade económica, o legislador elimina, a jusante, a referência do comportamento ao bem jurídico da liberdade e da autodeterminação sexual, acabando por se tornar infiel ao princípio do direito penal do bem jurídico. Lenocínio: Acórdão TC n.º 396/2007 Declaração de Voto da Juíza Conselheira Maria João Antunes O artigo 170.º CP é inconstitucional por violação do artigo 18.º/2 da CRP. Eliminando a exigência típica de exploração de uma situação de abandono ou necessidade, que se intromete num paradigma de intervenção mínima do Direito Penal afeta o direito à liberdade – artigos 27.º/ 1 e 2 CRP. A intervenção jurídico-penal deve ser apenas a necessária para a tutela de bens jurídicos, não da moral. Estes bens não obterão uma proteção suficiente e adequada através de outros meios de política social. Deste modo, o legislador incrimina comportamentos para além dos que ofendem o bem jurídico da liberdade sexual, relativamente aos quais não pode ser afirmada a restrição do direito à liberdade. Só a censurabilidade imanente de certas condutas, i.e., prévia à normativização jurídica, é que as torna aptas a um juízo de censura pessoal. Acórdão TC n.º 144/2004 Defesa: Não sendo a prostituição por si punível, incriminar-se a atividade comercial e lucrativa que tem por base a prostituição ou atos similares corresponde a privar os cidadãos de exercer uma atividade profissional por imposição de regras morais. Decisão: A intervenção do Direito Penal neste domínio tem um significado diferente de uma mera tutela jurídica numa perspetiva moral, sem correspondência necessária com valores essenciais do Direito e com as suas finalidades específicas num Estado de Direito. Procura-se uma proteção da liberdade, autonomia e autodeterminação sexual das mulheres. Considera o TC, neste acórdão, que não está em causa uma afetação da liberdade das mulheres segundo os trâmites propugnados pelo artigo 41.º/1 CRP, uma vez que a liberdade de consciência não integra uma dimensão da liberdade de se aproveitar das carências ou de lucrar com a utilização da sexualidade alheias. Mas certo é que o aproveitamento económico por terceiros não deixa de constituir uma interferência, que comporta riscos intoleráveis, dados os contextos sociais da prostituição, na autonomia e liberdade do agente que se prostitui na medida em que corresponda à utilização de uma dimensão especificamente íntima do outro não para fins próprios, mas para fins de terceiros. Sabemos também que a liberdade de exercício de profissão ou de atividade económica tem como limites e enquadramento, valores e direitos diretamente associados à proteção da autonomia e da dignidade de outro ser humano. No fim das contas, devemos considerar que a opção por criminalização deste tipo de comportamentos não é inadequada ou desproporcional ao fim de proteger os bens jurídicos pessoais relacionados com a autonomia e liberdade. A opção legislativa ancorou-se numa perceção do dano ou do perigo de certo dano associada à violação de deveres para com outrem, deveres de não aproveitamento e exploração económica de pessoas em estado de carência social.
  • 2. 2 A propósito de uma incriminação mais recente, o enriquecimento injustificado. A aprovação por parte do Parlamento desta incriminação levou a uma pronúncia do Tribunal Constitucional. Entendeu este, a pedido do Presidente da República, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, que um crime que abrangesse a posse injustificada de bens seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade e por ausência de um bem jurídico protegido. Para a Professora Maria Fernanda Palma, estava em causa a falta de discrição do facto pela norma incriminadora, uma vez que só se referia a um “estado de coisas”, abstraindo-se da conduta que lhe deu origem, o que contraria, a ver da Professora, a ideia de um Direito Penal de facto e transfere para a defesa o ónus da prova que, no processo penal, deve recair sobre a acusação. É claro que o objetivo político inteiramente louvável seria o de prevenir a corrupção e facilitar a investigação criminal, dadas as conhecidas dificuldades de prova quando existe um certo pacto de silêncio de entre o corruptor e o corrompido. Mas poder-se-ia alcançar o mesmo resultado preservando a Constituição, através da criação de normas incriminadoras que obriguem à declaração de rendimentos com explicitação da respetiva proveniência, centrando-se então o juízo de ilicitude penal nos atos e omissões que violem tais deveres. (-Continuação do conceito material. de crime-) O recurso ao instrumento teórico do conceito material de crime está ao serviço da fiscalização da constitucionalidade das normas incriminadoras e conduz-nos a uma lógica de controlo das reformas penais quando pretendem inovar por razões meramente políticas ou até ideológicas na definição de crimes se o conceito formal de crime, que o identifica simplesmente com a conduta prevista e punível ao abrigo da lei prévia, expressa e precisa, está associado ao princípio da legalidade e se opõe à discricionariedade do julgador. Então, o conceito material de crime passa a ter um cunho restritivo, impedindo o legislador de criar crimes arbitrariamente. Na verdade, o conceito material de crime constitui uma expressão dos princípios constitucionais de Direito Penal agrupadas, pois, as caraterísticas que uma conduta tem de possuir, em nome desses princípios, para ser qualificada como criminosa. Assim, a incriminação tem de ser indispensável para promover a defesa de bens jurídicos essenciais – princípio da necessidade da pena – e a conduta incriminada deve possuir uma ressonância ética negativa – princípio da culpa. Para além disto, a criminalização, sempre resultante de lei formal deve reunir o consenso da comunidade – decorrência do princípio da legalidade. Está em causa, neste plano, aquilo a que se tem chamado de “dignidade punitiva da conduta”. A questão da dignidade punitiva da conduta coloca-se numa dupla dimensão: negativa e positiva. Negativamente, a incriminação não pode ser ela própria um coertar de um direito fundamental como, por exemplo, a liberdade de consciência ou de expressão, através de uma previsão que atinja os limites imanentes desse direito. Pela positiva, a incriminação tem de se dirigir à proteção de bens jurídicos essenciais respeitantes às condições de liberdade da pessoa e de funcionamento do Estado de Direito Democrático, que legitimam o exercício do poder punitivo do Estado. Uma nova incriminação tem de ser necessária, proporcional e adequada ao fim que visa obter e à proteção dos bens jurídicos que a justificam. É necessário, pelo menos um grau de probabilidade elevado de que se possa vir a produzir o efeito de proteção do bem jurídico. Depois, não devem estar disponíveis meios menos gravosos do que as penas públicas para assegurar essa proteção. Ademais, não deve haver efeitos colaterais que neutralizem ou contrariem as vantagens da incriminação. A aprovação de uma lei que despenalizou a interrupção voluntária da gravidez ilustra bem o significado das condições em que muitos crimes podem passar a ser objeto de uma censura penal. Para além de se debater, nesse caso, o valor da vida intrauterina em confronto com a liberdade da mulher grávida, foi dado realce, na discussão pública, à ineficácia da incriminação, à preferência por medidas positivas de produção da maternidade e aos efeitos perversos da proibição, designadamente no âmbito do direito das mulheres e da saúde pública. Igualmente expressivo debate foi o da criminalização do consumo de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas. Este facto que era classificado como crime até ao ano de 2000 passou a ser configurado como contra ordenação. Uma visão liberal recusa a punição, afirmando que se trata de um fazer mal a si próprio, sendo que a aplicação de penas de prisão é ineficaz ou até mesmo contraproducente. Quanto ao tráfico, este foi alvo do campo mais repressivo de soluções, próprias de um “Direito Penal de primeira velocidade”. De todo o modo, a dignidade punitiva de uma conduta requer sempre a demonstração empírica, a partir do funcionamento da sociedade, da necessidade da incriminação para resolver um problema de desproteção de direitos ou bens essenciais. Deve procurar-se evitar a politização excessiva da ciência penal, fazendo uso o mais possível de um processo argumentativo que demonstre a pertinência de cada incriminação aprovada na Assembleia da República. É sabido que a necessidade de prevenir a lesão de bens jurídicos impõe a criação de um ambiente de segurança que previna ofensas numa fase precoce, antecipando a tutela penal. O problema de uma eventual base de incriminação surge quando estilos de vida ou comportamentos sem apetência para lesar bens jurídicos são configurados como crimes. Tem de existir uma estrutura comportamental objetiva mínima, com alguma referência causal à lesão dos bens jurídicos, para que as pessoas possam direcionar o seu comportamento no sentido de evitar essa lesão. Só assim a norma incriminadora poderá cumprir a sua função preventiva de determinação das condutas. O Direito Penal não pode intervir in dúbio contra libertatem, convertendo em regra o que não pode passar por ser uma exceção da tutela, sempre num plano empírico. A seleção de novas condutas a serem incriminadas é sempre um aspeto que tem de ser jogado com o conceito material de crime na ponderação dos limites constitucionais que condicionam a legitimidade de uma intervenção penal, em função do equilíbrio entre a segurança e a liberdade. O Direito Penal desempenha uma função de relevo no que à preservação do núcleo de direitos fundamentais diz respeito. A intervenção do Direito Penal não pode ter, contudo, um efeito meramente simbólico, devendo assumir, noutro prisma, antes uma função preventiva e promocional de direitos. Clarificação das ideias - Teresa Quintela de Brito Para a resolução dos casos práticos, devemos começar por identificar o objetivo que está subjacente à aprovação da norma. Em seguida, devemos averiguar se a norma cumpre as exigências do conceito material de crime. Sabemos que o conceito material de crime funciona como que um padrão crítico das decisões legais de punir. A intervenção penal deve ser o último reduto de uma política de intervenção do Estado: “anulando ou contrariando as vantagens do crime cometido, a intervenção do Estado certamente contribuirá para uma redução da criminalidade nas mais variadas formas”. Como terceiro ponto de partida na análise do conceito material de crime, devemos subsumir a conduta proibida ao comportamento do agente de acordo com a previsão típica ou descrição da norma incriminadora. Numa fase posterior, teremos de identificar os bens que a norma pretende tutelar. Os bens jurídicos correspondem à “expressão do interesse, de uma pessoa ou de uma comunidade, na manutenção de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo relevante e por isso reconhecido como juridicamente valioso”. O conceito de bem jurídico é plástico e flexível e dotado de um referente pessoal e concreto. É plástico e flexível na medida em que é permeável a múltiplas ideologias. O seu referente pessoal e concreto tem que ver com o facto de o bem jurídico nunca ser unicamente conferido pelo ordenamento jurídico à comunidade. Mas, por outro lado, este também não é apenas um bem ou valor de uma pessoa, sendo neste sentido um bem ou valor das pessoas em geral, mas não só de uma pessoa em particular. Estaríamos perante uma situação discriminatória se tal acontecesse. Portanto: “a tutela penal de bens jurídicos é feita coletivamente em função dos bens individuais de cada um.” Os bens jurídicos podem ser individuais ou supraindividuais. Pode existir uma situação de tensão de entre dois bens jurídicos num determinado caso. Perante um conflito, temos de ponderar e, em face das caraterísticas do bem jurídico afetado, ver qual deles deve prevalecer. Obviamente que os bens jurídicos pessoais merecem uma maior proteção do que os bens jurídicos patrimoniais. Ademais, teremos de averiguar do cumprimento ou não dos requisitos de proteção de um bem por parte da norma penal. Quais são os requisitos de validade de um bem jurídico? Ora, o bem jurídico tem de ter um certo conteúdo material, i.e., tem de ser algo concreto, não podendo designar um fim abstrato do Estado nem se pode confundir com a finalidade da incriminação como elemento teleológico. Deve também ser transcendente ao sistema jurídico positivo: “o bem jurídico tem de ser imanente ao sistema social e em especial ao sistema jurídico-constitucional”. Haverá o mesmo de ser politicamente orientado para a prossecução de determinados objetivos ou finalidades. Só cumpridos estes requisitos estão reunidas as condições para que possamos afirmar que o bem jurídico tem dignidade penal. A intervenção penal conforme ao conceito material de crime exige uma dignidade punitiva da conduta, i.e., uma prévia ressonância ética negativa merecedora de um juízo de censura pessoal com caraterística da intervenção penal, tal como havia afirmado anteriormente. Esta intervenção penal tem uma dimensão negativa e uma dimensão positiva já explicadas. Os comportamentos que podem ser objeto de uma censura jurídico-penal têm que ser: precisos, bem delineados e delimitados, não podendo colocar em causa estados de coisas ou situações. O comportamento censurável tem de ter uma apetência causal para lesar ou colocar em causa a estabilidade do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. Mas isto não chega: “não basta a essencialidade do bem jurídico, é preciso que este empiricamente esteja numa situação de desproteção”. É do conhecimento geral dos estudantes de Direito que razões de prevenção geral negativa nunca podem estar na base de uma intervenção por parte do Direito Penal. A intervenção penal exige ainda uma danosidade social do comportamento – princípio da fragmentariedade da intervenção penal. Ou seja, a conduta adotada pelo
  • 3. 3 agente tem de violar ideais éticos, sociais e morais que justificam a sua censura, mas esta tem também de materializar uma ofensa de valores e princípios de uma sociedade plúrima onde a dignidade da pessoa humana é um dos valores fundamentais protegidos. Esta necessidade e carência de pena só estão preenchidas se houver um respeito para com os princípios: da subsidiariedade; adequação; proporcionalidade; e legalidade em sentido formal. O princípio da subsidiariedade ou última rario da intervenção penal determina que esta só é legítima quando estritamente necessária, i.e., quando não existem, são insuficientes, ineficazes ou inadequados outros mecanismos sociais de controlo e prevenção de comportamentos criminosos. A prevenção da criminalidade deverá ser feita através da realização de campanhas de sensibilização, da implementação de códigos de conduta, ou até mesmo com a definição legislativa de comportamentos contra ordenacionais. O princípio da adequação determina que a norma penal tem que ser adequada a proteger o bem, valor ou interesse em causa. A inadequação pode colocar em causa a sua legitimidade. O princípio da proporcionalidade, num Estado de Direito Democrático, exige que as restrições aos direitos, liberdades e garantias devem ser: em primeiro, proporcionais à gravidade do ilícito; e, em segundo, proporcionais em relação aos efeitos dos factos cuja prática fundamentam. “Os meios nunca justificam os fins”- nunca se deve instrumentalizar a pessoa do arguido para prosseguir quer finalidades de prevenção geral negativa, ou até mesmo finalidades retributivas. “A intervenção penal não pode gerar danos ou prejuízos mais graves do que aqueles que pretende tutelar”. O artigo 165.º/1/alínea c) CRP consagra o princípio da reserva de lei em sentido formal (“nullem crimen, nulla poena sine lege scripta”). Este pode determinar a inconstitucionalidade orgânica da norma penal. Por outro lado, ainda dentro do campo da legalidade, a norma penal tem que ser precisa, clara e determinada – “nullum crimen, nulla poena sine lege certa”. Ou seja, uma incriminação deve determinar os pressupostos mínimos de punibilidade, definir os destinatários, a posição em que estes se encontram e a respetiva sanção associada e, para além disso, o legislador deve cumprir a sua função de tutela dos bens jurídicos essenciais ao Estado de Direito Democrático. Uma violação do princípio da legalidade representa necessariamente uma violação do princípio da culpa. Esta é uma opinião partilhada pelos professores Taipa de Carvalho e Figueiredo Dias. Ora, o princípio da culpa, em Direito Penal determina que: “não há pena sem culpa” e que “a medida da pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa”. Todas estas derivações do princípio da culpa têm que ver com razões de segurança jurídica: artigo 1.º e artigo 27.º/1 CRP. O agente, enquanto destinatário da norma penal “só pode orientar convenientemente a sua conduta se souber o que lhe é permitido fazer, o que é proibido, ou ainda o que lhe é imposto fazer”. A intervenção penal tem que ser feita tendo em consideração a necessidade de se fazer respeitar a esfera de liberdade e autonomia que o ordenamento jurídico concede aos sujeitos enquanto destinatários de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados: “uma intervenção penal não pode representar uma excessiva antecipação da tutela de bens jurídicos”. Se tal acontecer, estamos perante uma intromissão inadmissível na esfera dos particulares. A Professora Teresa Quintela de Brito afirma que esta ilegítima intromissão ocorre mais recorrentemente nos crimes de perigo abstrato, sendo ilegítima porque contrária à liberdade e segurança dos sujeitos. Normas penais em Branco Tratando da temática das normas penais em branco (artigo 29.º/1 CRP e artigo 1.º/1 CP), podemos afirmar que esta é uma norma que estatui uma sanção para um ou conjunto de pressupostos de punição que não se encontram expressos na lei, mas sim em outras normas de categoria igual ou inferior à norma penal em branco – regulamentos, portarias, editais, de entre outros atos administrativos. A norma penal em branco remete para uma fonte normativa extra penal a definição de um elemento fundador do ilícito típico: “o elemento essencial da proibição penal não resulta imediatamente da norma incriminadora, sendo a respetiva definição deixada a uma outra fonte normativa que pode nem sequer estar a cumprir as exigências de lei em sentido formal”, violando-se desta forma o princípio da legalidade. A pura indeterminação normativa coloca problemas nomeadamente ao nível das exigências de lege stricta, e requer, da parte do intérprete aplicador, um subsequente esforço hermenêutico na aplicação das soluções. Deste esforço poderá mesmo depender a justa resolução do caso. Aquela indeterminação pode ocupar ainda um espaço no qual a utilização legiferante de termos abertos que, não descritivos da conduta proibida, acabam por apelar ainda assim a um complemento de um juízo meta-textual, servindo o propósito de promover uma necessária consideração aplicativa da diversidade. Para Cavaleiro Ferreira “norma penal em branco é aquela em que falta inicialmente o preceito primário”. Comunica-se a sanção para uma infração cujos elementos constitutivos só parcial e não totalmente estão definidos no preceito primário, sendo este mesmo completado por remissão para outra norma. Figueiredo Dias afirma que “nada na Constituição obriga à conexionação, na mesma lei ou no mesmo preceito legal, da conduta proibida com a pena que lhe corresponde.” Segundo este autor, parece razoavelmente seguro que a exigência de lei formal haja de radicar na norma penal sancionatória, mas não também necessariamente no ato de fundamentação constitutiva da punibilidade. Quanto a este último, bastará que ele seja válido por ter tido lugar em virtude de uma autorização legal. Não raras são as vezes em que a norma penal em branco não assegura as exigências de determinação e clareza que decorrem do princípio da legalidade. Quando isto acontece, há uma verdadeira cisão de entre normas de ameaça e normas de comportamento. Por vezes, verificamos também o uso de expressões genéricas ou vagas neste tipo de normas – o que redobra os problemas quando encontramos numa dada norma estes dois elementos tão temidos: cisão e vaguidade. Conclusões Devemos adotar um conceito abrangente de norma penal em branco, nele abrangendo todos os casos de cisão entre a norma que contém a ameaça e a norma de comportamento, ou seja, todos os casos em que a determinação dos pressupostos de aplicação da norma sancionatória penal seja feita, total ou parcialmente por instância normativa de hierarquia inferior. Para Luis Duarte d´Almeida, os conceitos de norma penal em branco e de tipo aberto não são estranhos entre si, uma vez que a norma penal em branco constitui um exemplo de tipo aberto, ou seja, um tipo que não descreve de modo completo o comportamento proibido, transferindo para o intérprete o encargo de o completar, dentro dos limites e das indicações nele próprio contidos. A meu entender, a Constituição não obriga a que conste do mesmo preceito legal a definição da conduta proibida e a pena correspondente, sendo que, nesta perspetiva, a norma penal em branco não consubstanciará uma situação de inconstitucionalidade orgânica. Todavia, já não será assim na medida em que chamemos à colação o princípio da legalidade criminal, quer na vertente da reserva de lei, quer na vertente de lei certa. Exigindo a legalidade a definição dos crimes e das penas por parte da AR, haverá casos de normas penais em branco em que a definição do crime ou parte dele constará de uma fonte normativa não sujeita a essa reserva. Isto imporá um esforço acrescido ao interprete de , em casa caso, determinar com rigor os elementos essenciais constitutivos do tipo de crime, para uma correta compreensão da conduta proibida ou imposta. Deve ter-se em conta que muitas vezes a norma penal em branco não é suficientemente clara e precisa nos termos em que a mesma possa prosseguir as exigências do princípio da legalidade na vertente de lei certa. Bem vistas as coisas, isto pode também redundar em um atentado ao princípio da culpa, pois, nesses casos, não encontramos orientação suficiente dos destinatários da norma relativamente às condutas que são proibidas – pelo menos nos caos em que o agente médio precise de conhecer a proibição legal para aceder à consciência da ilicitude da sua conduta. Necessidade da Pena e Função da norma penal Dispõe o artigo 18.º CRP: “1. A lei (princípio da legalidade) só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na constituição, devendo as restrições limitar-se ao estritamente necessário (princípio da proporcionalidade ou subsidiariedade) para salvaguardar outros direitos ou interesses com dignidade constitucional.” O n.º2 dita que: “As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir um caráter geral (princípio da igualdade) e abstrato (legalidade) e não podem ter efeitos retroativo (retroatividade in pejus) nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo dos preceitos constitucionais (sendo esta a dimensão negativa da dignidade punitiva da conduta). “Não é Direito, e muito menos Direito Penal, toda a incriminação que corresponde á vontade de uma maioria e implica a negação de alguém como pessoa”. Numa democracia, determinados tipos de comportamentos são insuscetíveis de serem criminalizados, ainda que correspondam à vontade de uma maioria parlamentar histórica. Só pode ser considerado como crime toda a conduta humana que afeta de modo particularmente grave bens jurídicos essenciais à subsistência da comunidade. A norma penal tem algumas funções. Numa perspetiva valorativa, esta é fulcral quanto à aferição da essencialidade dos bens jurídicos protegidos pela norma, sendo que o desempenho desta função ocorre antes da incriminação. Outra função desempenhada pela norma penal tem que ver com o facto de a mesma operar na definição de quais os comportamentos que devem ser criminalizados à luz do conceito material de crime- perspetiva que opera antes da criminalização. Mas, a norma jurídico- penal, tem ainda um papel determinante ao pretender motivar os seus destinatários a não praticarem a conduta proibida ou a omitirem a conduta imposta. A norma penal desempenha, neste seguimento, uma importante função de motivação de condutas, sendo que esta já ocorre depois da incriminação. Dignidade Penal segundo Manuel Costa Andrade Para este autor, a dignidade penal é a “expressão de um juízo qualificado de intolerabilidade social, assente na valoração ético-social de uma conduta, na perspetiva da sua criminalização e punibilidade”. Costa Andrade afirma que é à dignidade penal que todos devemos o assegurar da eficácia ao mandamento constitucional que dita que só os bens
  • 4. 4 jurídicos de eminente dignidade de tutela devem gozar de proteção penal: “o conceito e o princípio de dignidade de tutela dão guarida ao princípio constitucional de proporcionalidade”. É o juízo de dignidade penal que privilegia os referentes materiais de dignidade de tutela do bem jurídico e a potencial e gravosa danosidade social do comportamento, enquanto lesão ou perigo para os bens jurídicos. Diz este autor, de uma forma sucinta, que “nem toda a conduta antijurídica e censurável é declarada punível pela comunidade. Isso só sucede quando tal conduta realiza ao mesmo tempo uma agressão aos fundamentos da convivência salutar, i.e., quando este conteúdo de desvalor complementar aprofunda de tal maneira o desvalor ético-social da conduta ilícita e culposa que ela se torna intolerável para a comunidade”. Princípios constitucionais conexos com o conceito material de crime  Princípio da dignidade da pessoa humana – artigo 1.º CRP;  Princípio da igualdade – artigo 13.º CRP;  Princípio da proibição da cominação da pena de morte – artigo 24./2 CRP;  Proibição da cominação de penas cruéis, desumanas e degradantes – artigo 25.º/2 CRP;  Proibição da aplicação de penas perpétuas, ilimitadas ou indefinidas – artigo 30.º/1 CRP; Bens jurídicos suscetíveis de serem afetadas num comportamento criminoso  Vida – artigo 24.º CRP;  Integridade física e moral – artigo 25.º CRP;  Identidade pessoal, desenvolvimento da personalidade, capacidade civil, cidadania, nome, reputação, imagem, palavra e reserva à intimidade da vida privada – artigo 26.º/1 CRP;  Identidade genética – artigo 26.º/2 CRP;  Direito à liberdade e à segurança – artigo 27.º CRP;  Inviolabilidade do domicílio – artigo 34.º CRP;  Segurança social e solidariedade – artigo 63.º CRP;  Saúde – artigo 64.º CRP;  Ambiente e qualidade de vida – artigo 66.º CRP;  Celeridade e boa administração da justiça – artigo 29.º, 30.º e 31.º CRP;  Administração pública / Prossecução do interesse público – artigo 266.º/2 CRP. Constituição Penal – Prof.ª Maria Fernanda Palma A professora Maria Fernanda Palma designa os inúmeros princípios constitucionais restritivos da possibilidade de incriminação de determinado tipo de condutas como “Constituição Penal”. Para ela, estes princípios desempenham uma “função limitativa ou restritiva da intervenção penal”. Isto acontece porque, num plano legal, os princípios obstam à criminalização de certos comportamentos, ao passo que no plano da aplicação da norma, funcionam estes mesmos como critérios fulcrais de determinação da medida da pena por parte do julgador. São exemplos o consumo de álcool, de estupefacientes, a prostituição e a pornografia. A prevenção e controlo deste tipo de comportamentos não deverá de ser feita mediante intervenção do Direito Penal. Esta intervenção seria desnecessária e desproporcional, bem como ineficaz. Como diz Teresa Quintela de Brito: “geraria efeitos contrários àqueles que se pretendiam evitar, o que acabava por provocar um aumento ou impulsão de outras formas de criminalidade”. Tipo Legal de Crime Costa Andrade e Maria Fernanda Palma definem, segundo Teresa Quintela de Brito, o tipo legal de crime como: “aquilo que descreve o ilícito digno e necessitado de tutela penal”. A dignidade punitiva da carência de intervenção penal converter-se-á em critérios de interpretação do sentido da incriminação. Esta interpretação pode ser utilizada também para operar numa redução teleológica das incriminações quando subsumidas ao caso concreto. Em conclusão, “a dignidade e carência da intervenção penal não são apenas exigências dirigidas ao legislador ordinário, mas também ao intérprete que pode assumir as vestes de aplicador da norma”. Deste modo se operará a tão referida redução teleológica. Contudo, tenhamos em atenção que não existe uma verdadeira necessidade de intervenção do Direito Penal quando o próprio titular dos bens jurídicos não assegurou a respetiva proteção. Súmula A Constituição funciona como um padrão crítico das decisões legais de punir. Este padrão comporá a definição do comportamento que configura uma situação de crime numa perspetiva material. O legislador, em matéria penal, deve ponderar sobre a necessidade, adequação e eficácia da sua intervenção: tem de haver uma identificação da conduta proibida para com a previsão e estatuição normativas. São requisitos atinentes ao conceito material de crime: a dignidade punitiva da conduta; a danosidade social do comportamento – fragmentariedade da intervenção penal; e a necessidade e carência de tutela penal - esta última determinada nos termos do artigo 18.º/ 2 e 3 CRP. Só assim se verifica uma dignidade penal da punição em relação ao bem jurídico que se pretende tutelar. Quais são os passos que temos de seguir? Primeiramente, devemos identificar a função que presidiu à criação da norma, considerando os limites que são fixados pelo conceito material de crime. Depois, vemos qual a conduta imposta ou proibida. Seguidamente, qualificamos os bens jurídicos em confronto. Neste passo, há que qualificar os bens jurídicos em tensão e averiguar se o bem jurídico é ou não individualizável. Só depois de cumpridos todos estes passos podemos aferir ou não do cumprimento dos pressupostos da responsabilidade jurídico-penal suscetível de ser imputada a um agente. Não esquecer de qualificar o tipo de ilícito: os crimes podem ser formais ou de mera atividade ou materiais e de resultado, mas quanto à lesão de bens jurídicos estes podem ser de dano ou de perigo. Já Mannheim ditava que a incriminação tem de estar associada a uma dignidade punitiva do comportamento. Este mesmo tem de provocar alguma danosidade social, passando a estar ou não conforme à necessidade da pena ínsita ao artigo 18.º/ 2 e 3 CRP. É de explicar, nesta fase de resolução, contextualizando com o caso concreto, os princípios que a um conceito material de crime podem estar conexionados: subsidiariedade; adequação; proporcionalidade; reserva de lei em sentido formal; exigência de lei certa como decorrência do princípio da legalidade; e, por último, determinar se a aplicação da pena ao caso concreto é ilegítima e contrária aos princípios da liberdade e da segurança, materializando uma excessiva antecipação da tutela penal. Esta análise do último aspeto, deve ser feita tendo como ponto de referência o artigo 27.º CRP. A subsidiariedade tem que ver com o facto de a intervenção penal dever apontar soluções únicas, não alternativas, de última ratio. Um não respeito deste princípio determina a existência de um Direito Penal Simbólico, cuja eficácia fica muito aquém daquilo que é pretendido. A adequação exige a identificação dos bens jurídicos em confronto, não podendo a incriminação ser inócua em relação a possíveis vítimas. Os crimes sem vítimas devem ser evitáveis. Em termos de proporcionalidade, exige-se que a incriminação seja proporcional à gravidade do ilícito, i.e., proporcional aos efeitos dos factos cuja prática fundamenta, como bem dizia a professora Teresa Quintela de Brito em aula. Isto exige uma ponderação de entre os ganhos e as perdas que resultam da incriminação. A legalidade em sentido formal dita dois corolários: primeiro, o “nullum crimen, nulla poena sine lege scripta”, consagrado nos termos do artigo 165.º/1/alínea c) CRP, suscetível de determinar a inconstitucionalidade orgânica de um preceito (compete à Assembleia da República a definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como do processo criminal); segundo, o corolário do “nullum crimen, nulla poena sine lege certa”- a lei deve ser clara, precisa, certa e bem delimitada, com intuito de desempenhar a função pretendida de motivação de condutas. Só deste modo o agente pode orientar convenientemente o seu comportamento. Mas não consideramos o princípio da culpa? Claro que sim. Este é um dos corolários essenciais da ciência penal. Este dita que não há pena sem culpa, não podendo a medida da pena nunca ultrapassar a medida da culpa (artigo 27.º/1 CRP e artigo 40.º/2 CP). Dizer ainda que uma violação do princípio da legalidade acarreta automaticamente uma violação do princípio da culpa. Esta é a posição dos professores Taipa de Carvalho e Figueiredo Dias. Classificação dos diferentes tipos de crime O crime, numa perspetiva formal, corresponde a toda a ação típica, ilícita, culposa e punível. Como elementos objetivos do crime temos: o agente, a ação típica, o bem jurídico afetado, o objeto da ação e a necessidade de imputação objetiva do resultado à conduta do agente, caso estejamos defronte a um crime material ou de resultado. O agente é o sujeito penalmente responsável pelo ilícito penal, independentemente da forma da sua participação na conduta incriminada. Quando ao agente os crimes podem ser: gerais ou comuns e específicos. São gerais ou comuns aqueles que podem ser praticados por toda e qualquer pessoa que realize a conduta descrita na norma. São específicos aqueles crimes que só podem ser realizados por pessoas que estão investidas numa determinada posição ou relação jurídica, como são exemplo o caso do médico, advogado, de funcionário ou agente do Estado. Estes crimes específicos subdividem-se de entre próprios – que exigem que o agente acusado seja portador de uma capacidade especial - ou impróprios - quando não exigem uma
  • 5. 5 especial habilidade ou capacidade do agente que pratica a conduta que configura o ilícito penal. Mais explicitamente, são impróprios aqueles que podem ser cometidos por qualquer pessoa, mas que por terem sido cometidos por aquela pessoa em especial, determinam a especial censura jurídico-penal. Sabemos que a conduta por materializar-se em uma ação ou omissão. Corresponde, genericamente, ao comportamento humano controlado ou controlável pela vontade, i.e., a uma exteriorização da decisão do agente no sentido de se comportar daquela maneira. O tipo omissivo consiste em nada fazer quando sob o próprio agente havia o dever especial de agir – comissão por omissão nos termos do artigo 10.º/2 CP. Em Direito Penal, o comportamento omissivo só assume relevância quando sobre o omitente recair o dever jurídico que pessoal e voluntariamente o obrigue a evitar o resultado previsto pelo tipo incriminador de uma determinada ação no caso das omissões impuras. Nas omissões puras basta a simples não ação do agente para que o mesmo possa ser suscetível de censura. Como havia dito anteriormente, o bem jurídico corresponde a um interesse ou valor, de uma pessoa ou comunidade, na manutenção da integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo relevante e que por isso mesmo lhe é atribuída uma certa valiosidade jurídica. São bens jurídicos individuais por exemplo: a vida, a integridade física; liberdade; e autodeterminação sexual. São supraindividuais aqueles bens que pertencem a um individuo que comunitariamente convive com outros em prólogo do bem comum sem que este nunca perca o seu referente pessoal e concreto. São exemplos: a saúde pública, o ambiente, a ordem pública, e o interesse público. Como se classificam os crimes quanto à afetação dos bens jurídicos? Os crimes podem ser de dano/lesão ou de perigo. Os crimes de dano ou lesão são aqueles crimes cuja consumação depende da lesão efetiva do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, como por exemplo: o crime de Homicídio (art. 131.º); o crime de ofensa à integridade física simples (art. 143.º) ou até mesmo a violação de domicílio (art. 190.º). Podemos ter ainda crimes de perigo abstrato, concreto ou abstrato-concreto. Os crimes de perigo abstrato são aqueles crimes de perigo estatístico ou presumido porque se baseiam num conjunto de estatísticas e estudos feitos pelos órgãos com legitimidade democrática para a criminalização de determinados comportamentos. Normalmente configuram crimes formais ou de mera atividade, cuja explicação será explicada a posteriori. Nestes, o perigo está fora do tipo incriminador: o perigo é presumido por lei, uma vez que é insuscetível de ser encontrado na descrição normativa da norma incriminadora qualquer referência ao mesmo, ou seja, o perigo é um mero motivo abstrato da incriminação. Aqui, é frequente não haver uma individualização do bem jurídico protegido, i.e., pode estar em causa uma multiplicidade de bens jurídicos em abstrato, embora no caso concreto somente haja perigo para um bem individualmente concebido. Porque representam uma excessiva antecipação da tutela penal, estes crimes configurados são fortemente criticados pela Doutrina que os considera inconstitucionais, por violação do princípio da necessidade da pena, da adequação, da proporcionalidade e subsidiariedade ou ultima ratio da intervenção penal. São crimes de perigo concreto aqueles que só se consumam no momento em que é verificável factualmente uma situação de perigo, não bastando a realização da conduta pelo agente. O crime aqui é elemento de tipo objetivo no que à conduta incriminadora configura respeita. Estes correspondem normalmente a crimes materiais ou de resultado. Há já uma individualização do bem jurídico que em concreto configura o tipo delitual. Por exemplo, o crime de exposição ao abandono, previsto no artigo 138.º CP: este só está preenchido numa situação fáctica em que o bem jurídico vida de um sujeito é colocado em causa. Se uma ama deixar a criança sair da janela de um prédio no sétimo andar, assumindo esta deveres de custódia, poderá ser responsabilizada no caso de a criança vir a estar mesmo numa situação de perigo. Mas, se nada acontece à criança e esta continua a brincar, o tipo não está sequer preenchido por parte da ama. Passemos então à análise do tipo de crime mais difícil em relação à possibilidade de lesão dos bens jurídicos - o crime de perigo abstracto-concreto. Estes crimes têm uma perigosidade inerente à própria conduta. Aproximam-se de certa forma dos crimes de perigo abstrato na medida em que o tipo legal não faz qualquer referência ao perigo, mas também são denotados pela proximidade que têm com os crimes de perigo concreto, porque as condutas são particularmente aptas a produzir o perigo: “quem fizer x de forma a y, é punido com pena de P ou M”. É exemplo o crime de ameaça do artigo 153.º CP - se A ameaça B com uma arma e este último sabe que a arma está descarregada, ainda assim, o sujeito continua a praticar o crime. A perigosidade não é referenciada formalmente no tipo incriminador, mas substancialmente deverá ser apta para o seu preenchimento. Estes crimes, por último, exigem a privação da idoneidade genérica da conduta no que respeita à criação de um perigo para o bem jurídico protegido. O objeto da ação é a pessoa ou coisa sobre a qual incide a atividade do agente do facto típico. Quanto ao resultado ou mera atividade há que destrinçar algumas diferenças, porque isto relevará para efeitos de Teoria do Crime em sede de imputação objetiva do resultado à conduta do agente. É crime formal ou de mera atividade todo aquele que se consuma com a simples realização da conduta descrita na norma incriminadora. A consumação deste tipo de crime ocorre com o comportamento do agente, não exigindo o tipo legal qualquer evento material espácio temporalmente autonomizado da conduta típica. É crime material ou de resultado aquele que só se consuma com a verificação de um evento de lesão ou perigo concreto através de um evento espácio temporalmente destacado da ação, mas à qual se liga por um nexo de causalidade, i.e., tem que haver uma imputação objetiva do resultado à conduta do agente. Os critérios utilizados para aferir da imputação objetiva do resultado à conduta do agente serão desenvolvidos em Teoria do Crime, sendo de realçar que são: a teoria das condições equivalente, a teoria da causalidade adequada e, por fim, a teoria do risco. Fins das Penas Dispõe o artigo 40.º CP que: “1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos (Prevenção Geral Positiva) e a reintegração do agente na sociedade (Prevenção Especial Positiva). 2. Em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa” O consagrado no n.º2 deste preceito corresponde a uma exigência do princípio da culpa. Já o n.º3 dita que “a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcional à gravidade do facto e à perigosidade do agente”. A Doutrina Penalista desenvolveu várias teorias no que aos fins das penas diz respeito: de um lado temos as teorias absolutas ou retributivas; de outro, há que considerar as teorias relativas ou de prevenção. Estas últimas podem ser de prevenção geral negativa, geral positiva ou especial positiva. De dizer que o denominador comum a todas estas teorias têm que ver com a consideração da pena estatal como um instrumento de política criminal destinado a atuar sobre a maioria das pessoas que estão inseridas numa determinada comunidade política. Comecemos pelas teorias absolutas ou retributivas. Estas não se ligam a qualquer finalidade socialmente útil. A pena não é mais do que uma compensação do mal do crime e uma retribuição da culpa do agente, sendo que a subsunção de uma moldura penal ao caso concreto não está conexionada com qualquer fim pragmático, centrando-se somente num facto passado cometido pelo agente. Para as teorias retributivas devemos conceber as consequências jurídicas do crime como a “justa paga do mal”, sendo que o ato de subsunção somente se foca no dano social e na culpa do agente. Inicialmente, a pena retributiva estava relacionada com a Lei de Talião (olho por olho, dente por dente). Segundo esta ótica, a subsunção da pena ao caso concreto seria feita de acordo com uma igualação fáctica de entre o mal do crime e o mal que era provocado pela pena. No entanto, com o passar do tempo, começou a perceber-se que a aplicação da pena ao deveria passar por uma perspetiva fática, mas sim valorativa. Neste âmbito, a ilicitude da conduta e a culpa do agente já eram consideradas como categorias normativas de validação da punibilidade. Estudemos agora Kant e o seu pensamento categórico de justiça. Para este filósofo, a pena é um imperativo categórico estranho à própria ideia de Contrato Social. Em Kant encontramos um pensamento transcendente de cariz ético-religioso, incompatível com os valores de um Estado de Direito Democrático. Para ele: “ainda que a sociedade e o Estado se resolvessem o último criminoso deveria de ser executado para que sinta o mal que provocou e para que o sangue derramado não se espelhe pela comunidade em virtude de não terem reclamado um castigo para o infrator”. Kant admite a ideia de responsabilidade coletiva por factos ilícitos nos casos em que não é exigida a responsabilidade individual. Logo, o Estado deve punir sempre que possível punir o criminoso pelo mal que provocou à sociedade evitando a censura ou o sacrifício de pessoas inocentes. Mais tarde, Hegel veio a introduzir um novo pensamento no plano de racionalidade que ao Direito era já devida. Para este autor: “se o crime é a negação do direito subjetivo de outrem, então a pena serve para reafirmação dialética do direito violado”. Este autor criticava Beccaria que defendia que o Estado só deve aplicar a pena necessária. Hegel defendia então uma conceção retributiva de pena. O crime é um direito do criminoso que livremente optou por violar a ordem estabelecida. De acrescentar que, para Hegel, no plano da racionalidade do Direito, tem que existir uma certa instrumentalização da pessoa que pratica o crime à prossecução de finalidades sociais. Existe, neste âmbito, uma certa associação da ideia de retribuição para com a ideia de prevenção geral, na medida em que a pena passa a ser vista como uma “função da existência do Estado”. A grande falha da racionalidade tem que ver com o facto de nem sempre a prática de um crime implicar a aplicação de uma pena. A Doutrina critica fortemente esta conceção absoluta dos fins das penas. Diz que a pena tem como pressuposto a culpa ética, surgindo como uma consequência necessária. Contudo, a intervenção penal num Estado de Direito Democrático não pode servir para sancionar a imoralidade. Teresa Quintela de Brito afirma que: “não cabe ao Estado tutelar a ética e a moral em si mesmas, mas única e simplesmente na medida necessária à tutela de bens jurídicos essenciais por serem condições imprescindíveis do desenvolvimento da igual personalidade e da igual liberdade de todos e de cada um dos cidadãos.” A teoria retributiva pressupõe que onde existe culpa tem de haver forçosamente pena. No entanto, “aceitar que não há pena sem censura pessoal, não significa que tenhamos que punir sempre que há culpa e toda a medida da culpa”, ideia esta exposta por Figueiredo Dias no seu manual. Tal materializar-se-ia numa violação do artigo 40.º/2 CP. Já Teresa Quintela de Brito afirmava nas aulas: “Pode haver crime e culpa, mas não haver pena”. Devemos então concluir que as teorias absolutas são inimigas de qualquer “esforço de socialização e de restauração da paz jurídica da comunidade”. A única coisa que o absolutismo concetual dos fins das penas procura é a satisfação de sentimentos de vingança: “pune-se o agente
  • 6. 6 simplesmente porque praticou o crime.” Mas há algum mérito a ser reconhecido a estas teorias. As teorias absolutas colocaram o princípio da culpa como uma máxima do Direito Penal, compondo este ainda hoje uma exigência de segurança jurídica. Estudemos então a teoria da prevenção geral negativa ou de intimidação. O objetivo desta teoria é evitar que a generalidade dos destinatários das normas penais pratiquem crimes, aplicando penas que impeçam outros de adotar condutas contrárias ao ordenamento jurídico. Para Feuerbach, a aplicação das penas deve criar nos potenciais criminosos contra motivos suficientemente fortes para os afastar da prática de crimes. Desenvolveu deste modo a teoria da coação psicológica. São também apresentadas críticas fortes à prevenção geral negativa. Em primeiro lugar, esta teoria não tem qualquer comprovação empírica: por um lado, o caráter temporalmente remoto de aplicação da pena não retira ao criminoso a satisfação dos seus interesses pela adoção do comportamento desviante e punível. Numa análise custo-benefício, é muito mais vantajoso para a pessoa delinquente cometer o crime do que atuar em conformidade com os ditames legais de cariz penal. Por outro lado, o que diminui a criminalidade não diz respeito à maior gravidade das penas, mas à necessidade, prontidão, adequação e eficácia da própria intervenção penal. Em segundo lugar, esta teoria não consegue limitar de maneira nenhuma a medida da pena. Com ela, delitos leves podiam estar mais facilmente sujeitos a penas graves quando o intuito da aplicação de uma sanção criminal fosse o da dissuasão da maioria no que concerne à prática de crimes. A ideia propugnada por esta teoria tem que ver com o facto de quanto mais grave for a sanção cominada para uma situação, maior será a eficácia do Direito Penal, coisa que já vimos que não acontece. Para além de tudo isto, a prevenção geral de intimidação é incompatível com a Constituição, na medida em que não se preocupa minimamente com a pessoa do delinquente que importa ressocializar para que globalmente sejam estabilizados os padrões sociais comportamentais desejáveis. Acaba por ter o seu mérito. A prevenção geral negativa, embora não possa ser autonomamente prosseguida, pode ser considerada como um efeito reflexo e colateral da aplicação das penas e medidas de segurança ao caso concreto, i.e., as pessoas acabam por não cometer crimes com receio que lhes seja aplicada uma sanção criminal, apesar de não ser esta a única razão que as leva adotar comportamentos conformes aos ditames legais. A prevenção geral positiva divide-se quanto ao seu funcionalismo e quanto à tutela de bens jurídicos. Numa perspetiva funcionalista, a prevenção geral positiva procura uma reafirmação da crença e da confiança dos indivíduos na validade e eficácia do Direito. A ideia subjacente é a de que, mediante a aplicação de uma pena, as pessoas não praticam crimes. Agindo corretamente, sentir-se-ão reconfortadas na sua posição de ser normais e morais. Contudo, esta ideia é denunciada pela psicologia criminal: “a aplicação de uma pena ou medida de segurança não deve ser somente vertida na maioria obediente à lei, uma vez que a crença na validade e reforço da confiança com as normas que pré-existem ao sistema jurídico não terá em consideração a pessoa do delinquente”. Como diz Teresa Quintela de Brito efusivamente: “a intervenção penal não pode ser legitimada mediante efeitos sociopsicológicos”. Portanto, esta tese de tipo funcionalista acaba por ser incompatível com a norma normarum, designadamente em relação ao princípio da necessidade da pena vertido no artigo 18.º/2 e 3. Já havíamos referido a ideia de que o Direito Penal não existe para tutela da moral social – “só é legítima a intervenção penal quando estiver em perigo a afetação de bens jurídicos essenciais pré-existentes ao sistema positivo, mas não totalmente correspondentes às conceções sociais dominantes. Baseando-se a intervenção penal numa tutela de interesses de tranquilidade e de segurança social, haverá mais uma vez o uso da pessoa do delinquente como instrumento para a concretização de finalidades sociais. A teoria geral positiva na vertente de tutela de bens jurídicos já é aceitável, na medida em que contribui de forma acentuada para a estabilização de padrões comportamentais desejáveis. As expetativas sociais de conduta só são válidas quando colocadas ao serviço de bens jurídicos essenciais – vida, integridade física, autodeterminação sexual, liberdade, etc. Isto tudo tem que ver com o facto de a intervenção penal ser o último reduto de uma política social do Estado. Não devem ser sentimentos de segurança e de alarme social a legitimar a intervenção penal. Maria Fernanda Palma identifica falhas ao nível da prevenção geral positiva. Para ela, esta tese não resolve todo o problema da legitimação e limitação da intervenção penal. Não considera a dignidade da pessoa humana do criminoso nem a necessidade de ressocialização ou reintegração do mesmo. Depois, não pondra as condições pessoais de consciência e liberdade, bem como as motivações psicológicas da prática do crime. Estas últimas, poder-nos-iam induzir a uma atenuação imediata da medida da pena ou da medida de segurança. Mas a Doutrina é muito divergente em matéria de fins das penas. Por exemplo, o Juiz Conselheiro Sousa Brito liga o pensamento retributivo a finalidades de prevenção especial positiva, dizendo que esta última é a melhor que serve aquelas que são as exigências de ressocialização e da dignidade da pessoa humana à qual será imputada a responsabilidade criminal: “a prevenção especial positiva dá conteúdo material à ideia de reparação da culpa através da pena.” Para este Juiz Conselheiro: “a culpa não é só o pressuposto de aplicação de uma pena, mas também o seu fundamento”. Sousa Brito procura que o juiz determine aquilo que chama de “Moldura de culpa do agente”. Considera que o aplicador do Direito tem de ter em consideração as condições pessoais, psicológicas e éticas que possam ter-se constituído como motivadoras da conduta desviante. Dentro do limite máximo e do limite mínimo deve prosseguir-se em toda a medida possível a prevenção especial positiva. Mas considera como exceção as situações em que a prevenção especial se revele totalmente incompatível com as exigências mínimas no que respeita à necessidade de tutela dos bens jurídicos essenciais à estabilização dos padrões comportamentais desejáveis. Nestes casos, reconhece a necessidade de primazia da prevenção geral positiva. Sendo, para este Conselheiro do STJ, a culpa o fundamento e o pressuposto da pena, esta mesma acabará por servir finalidades de prevenção geral – uma vez que a aplicação da pena terá como objetivo principal a proteção de bens jurídicos; e finalidades de prevenção especial – com um intuito de ressocialização do agente. Figueiredo Dias idealizou uma “Moldura da prevenção geral positiva”. Temos no seu pensamento isquémico: um limite máximo correspondente ao ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos; o ponto mínimo de defesa da ordem jurídica é aquele de tipo funcionalista que procura gerar sentimentos de confiança na comunidade e uma reafirmação da crença da validade, eficácia e normalidade do Direito, impedindo-se deste modo o alarme social. Abaixo do limiar mínimo de tipo funcionalista, segundo Figueiredo Dias, não podemos sequer tecer considerações de prevenção especial positiva. No seu modelo, a culpa vai determinar o limite da pena que não pode ser ultrapassado. Contudo, este limite não tem nada que ver coma as condições de atuação do agente do crime. Considera o Professor da Escola de Coimbra que as razões por ele referidas em sede de culpa são suficientes para assegurar a proteção da pessoa do delinquente. A culpa é então percecionada para este autor como a censurabilidade do facto à luz das conceções sociais dominantes que não se distinguem da prevenção geral positiva. A culpa não é, para ele, a essência nem o fundamento da aplicação da pena. Esta, apenas releva num segundo momento de determinação da pena concretamente aplicável. O elemento o tipo é o limite da pena, mas não tem de estar relacionado com a sua finalidade porque a censura é sim uma exigência do princípio da culpa. Em suma, partindo da pena legal, o juiz deve determinar a moldura de prevenção geral positiva adequada ao caso. A prevenção especial só pode ser prosseguida dentro dos limiares e sempre deverá assumir um cariz de prevenção positivo. Na perspetiva de Figueiredo Dias, o Direito Penal materializa-se nas expetativas de confiança quanto à eficácia e reafirmação da ordem violada. A Professora Maria Fernanda Palma critica veementemente o Professor Figueiredo Dias. Considera que os interesses de segurança de uma comunidade política não podem ser prosseguidos através da objetificação da pessoa do delinquente. Para a docente da FDL, a ideia de prevenção geral positiva concebida pelo Professor Figueiredo Dias é incompatível com um Estado de Direito Democrático: em primeiro, o Estado não tem legitimidade para “sancionar a culpa ética de ninguém”, apenas podendo proteger os bens jurídicos na medida em que a dignidade da pessoa humana ou outros bens jurídicos essenciais possam estar a ser colocados em causa. Diz Teresa Quintela de Brito, discípulo de Fernanda Palma, que “o Estado não tutela sentimentos de alarma social ou desconfiança”, ideia esta repetida em aula variadíssimas vezes. Como perspetiva então Fernanda Palma a moldura da culpa no âmbito dos fins das penas? Partindo da pena legal, o juiz deve determinar uma pena da culpa ajustada ao caso concreto, imputando a responsabilidade jurídico-penal de uma maneira subjetiva e dessa forma mais conforme aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa do delinquente ou arguido neste caso. Considera: um limite máximo, da mesma maneira de Figueiredo Dias; mas perspetiva a culpa e a mobilidade dos limites mínimos de proteção da ordem jurídica. Para Fernanda Palma, a culpa – que determina a responsabilidade subjetivo do agente – tem que ser o fundamento da pena, mas a pena da culpa acaba por ser limitada pela prevenção especial positiva: “não se pune toda a culpa, mas apenas a que for preventiva e necessária”. Falta ainda o grande choque da sua teoria. Considera esta Professora Académica que podemos descer abaixo dos limiares mínimos de proteção do ordenamento jurídico por causa de considerações de prevenção especial positiva ou prevenção geral. Na prática, antes de aplicarmos o artigo 40.º CP, recorremos ao artigo 50.º CP que dispõe que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão (…) atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste”. O tribunal pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizam de forma adequada e suficiente a punição, e neste seguimento, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, “ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.” – Artigo 50.º/2 CP. Nos termos do n.º3, é ainda de considerar que os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente. Apesar destas críticas, e sendo Figueiredo Dias o responsável por grande parte dos preceitos do CP, a tese dele é que vigora de acordo com a lei penal atualmente vigente. Consideremos um exemplo reflexivo para que possamos tomar uma posição enquanto juristas não práticos. Um agente da PSP que conduzia com 2,2 gr/l de álcool no sangue e atropela dois peões, levando à morte imediata e causando lesões graves noutro, que veio a morrer no Hospital, mas em virtude da pneumonia lá contraída. Tendo sido condenado por Homicídio, este arguido veio invocar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão. De notar que a admissibilidade desta suspensão consta do artigo 74.º CP, i.e., ocorre quando a ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas, quando o dano tiver sido reparado, o que não podia acontecer de qualquer forma no caso concreto e, sobretudo, quando à dispensa de pena não se opuserem razões de prevenção.
  • 7. 7 Em sede de Teoria do crime, há imputação objetiva do resultado à conduta do agente. Ao nível do tipo subjetivo de ilícito o agente atua com dolo eventual “aconteça o que acontecer eu atuo” – ainda que esteja incapacitado, no momento da prática do facto, de entender e querer as consequências nefastas que do seu comportamentos podiam advir, ele atua em sede de atione libera in causa (ação livre na causa). Não há qualquer causa de justificação do facto e de desculpação que pudesse ser subsumida na hipótese. Logo, em sede de Teoria do Crime, era óbvio que o agente seria imputável e suscetível de censura jurídico-penal. Mas as coisas passam-se de maneira diferente em Lei Penal, tendo em consideração o pensamento de Maria Fernanda Palma. Para esta, como vimos, é preferível o não cumprimento da pena privativa da liberdade por parte do agente se tal se dever a razões de necessidade de “ressocialização do delinquente”. A concordância com a teoria da professora implicaria que, no caso sub judice: em primeiro, o juiz nunca aplicasse uma pena de prisão superior a 5 anos; e em segundo, pressuponha o cumprimento de uma série de deveres e condições por parte do agente. No caso do agente da PSP, havia um prognóstico favorável de reintegração do mesmo em liberdade, uma vez que era um agente profissional e socialmente respeitado. Contudo, o STJ recusou a aplicação da pena pois considerou que havia um grau de culpa elevada e incompatível com a suspensão e com as exigências de prevenção geral positiva. Mas Fernanda Palma teima em discordar: “é mais socializador que o agente cumpra uma pena em liberdade do que enviá-lo para a prisão”. Diz Teresa Quintela, que evidentemente não podia deixar de discordar com Maria Fernanda Palma, que “a prisão é a Escola do Crime”. Mas façamos uma análise mais objetiva. Pegando em Sousa Brito e Maria Fernanda Palma, é de considerar que o cumprimento da pena privativa da liberdade teria custos sociais superiores quando comparados com aqueles custos que a suspensão da pena acarretaria. Consideram estes que, quando uma pena tem efeitos dessocializadores, isso tem custos sociais, já que alguém que está perfeitamente inserido na sociedade deixa de estar. Muitas vezes, a eficácia do Direito Penal, para estes autores, está “nas mãos” das penas alternativas ou substitutivas da pena de prisão. Seguindo a conceção do Professor Figueiredo Dias, será sempre impensável conceber a suspensão da execução da pena de prisão. As exigências mínimas de prevenção geral positiva nunca seriam compatíveis com tal suspensão, pelo que aquele polícia teria de cumprir efetivamente a pena. Perguntemo-nos em jeito final: o que é estar socializado e perfeitamente integrado numa sociedade? Gozará um pedreiro ou jardineiro dos mesmos critérios de aplicação do Direito para que haja uma suspensão da execução da pena de prisão? Não nos parece que a descida dos limiares mínimos da ordem jurídica pode originar situações de confronto jurisprudencial? Quanto a mim, este critério dos fins das penas pode originar situações onde o tratamento do indivíduo seja desigual. A teoria de Fernanda Palma, ainda que protegendo o ser humano, pode originar situações desigualitárias e por isso desconformes ao próprio texto constitucional. Consequências Jurídicas do crime São consequências jurídicas do crime: as penas - artigos 41 e ss. CP- e as medidas de segurança. A cominação de penas ao caso concreto pressupõe sempre a tipicidade, ilicitude e culpa do agente para que o mesmo seja suscetível de responsabilidade jurídico-penal. As penas podem ser principais ou acessórias. São principais a pena de prisão/privativa da liberdade (artigo 41.º CP) ou as penas pecuniárias/ multas (artigo 47.º CP). Neste âmbito, existem ainda as penas substitutivas que são aquelas que pressupõem a condenação do agente em sentença com o decretamento da pena privativa da liberdade, sendo que essa pena acaba por ser substituída por uma outra pena. É exemplo paradigmático a prestação de trabalho a favor a comunidade nos termos do artigo 48.º CP. No caso de a pena substitutiva não ser cumprida nos trâmites definidos, terá que ser cumprida forçosamente a pena principal. Existem ainda as penas acessórias. Estas são aquelas que só podem ser cominadas em sentença condenatória em que tenha sido simultaneamente aplicada a pena criminal – sendo que a subsunção destas penas acessórias ao caso concreto depende de dolo ou negligência consciente do agente. É exemplo paradigmático de uma pena acessória a interdição ou inibição da condução durante um determinado período de tempo, segundo o disposto no artigo 69.º CP: As medidas de segurança são a consequência jurídica da prática de um facto típico e ilícito por um agente considerado como inimputável. Quem pode ser considerado como inimputável? Pode ser considerado como inimputável todo o agente que não tem capacidade para avaliar a ilicitude e a suscetível censura penal do seu comportamento, sendo este juízo formulado com base em uma conveniente avaliação psiquiátrica. São dois os motivos da inimputabilidade: a anomalia psíquica – artigo 20.º CP – e a menoridade – artigo 19.º CP, embora saibamos que existe um regime penal específico para os jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos instituído pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro. As medidas de segurança podem ser privativas ou não privativas da liberdade. É privativa da liberdade por exemplo o internamento de inimputáveis (artigos 91.º e ss. CP) e não privativas da liberdade podem ser: a interdição do exercício da profissão – artigo 66.º CP; a interdição de atividades – artigo 100.º CP; e a cassação do título ou da condução de veículo com motor – artigo 101.ºCP. As medidas de segurança não privativas da liberdade podem ser aplicadas a agentes imputáveis, em face da especial perigosidade que evidenciaram na prática do facto típico e ilícito pelo qual foram condenados e até submetidos a uma pena. Princípio da Legalidade A ideia central do princípio da legalidade é a de que a segurança dos indivíduos frente ao estado só se realiza através do controlo da própria criação e aplicação do Direito Penal. Ou seja, tem de haver um controlo democrático dos limites de interpretação do direito penal, sendo por exemplo a proibida a retroatividade e analogia desfavoráveis. Figueiredo Dias e Taipa de Carvalho expõem quais os fundamentos que estão na base da preponderância que o princípio da legalidade tem em matéria jurídico-penal. Existem: fundamentos externos ou jurídico-políticos e fundamentos internos ou jurídico-penais. Consideram estes autores que estão na base dos fundamentos externos o princípio liberal, a democracia e tudo aquilo que à separação de poderes diz respeito. Num ponto contrário, estão na base interna do princípio da legalidade a necessidade de haver, segundo estes, a prevenção geral negativa de comportamentos nocivos para a sociedade (matéria dos fins das penas), considerando-se neste prisma tudo aquilo que ao princípio da culpa está associado. Portanto, para estes autores, só é possível censurar um agente pela prática de certo facto se no momento da sua ocorrência uma lei já qualificar o comportamento adotado como crime. Daí estes fundamentos estarem relacionados com o princípio da culpa e com a função de orientação e motivação de condutas que ao Direito Penal é confiada. Sousa Brito e a Maria Fernanda Palma consideram, contrariamente a Figueiredo Dias e a Taipa de Carvalho, que a culpa e a ideia de retribuição não fundamentam o princípio da legalidade e os seus corolários. Denominador comum a toda a Doutrina está a ideia de que toda a restrição de direitos, liberdades e garantias deve também ligar-se à existência de uma lei anterior à prática do facto, atendo esta mesma ter que assumir um caráter geral e abstrato. Aplicamos que preceito do Código Penal para averiguar do cumprimento dos pressupostos que lhe estão associados? Remetemos o caso prático para o artigo 1.º CP: “1. Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática. A medida de segurança só pode ser aplicada a estados de perigosidade cujos pressupostos estejam fixados em lei anterior ao seu preenchimento. 3. Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como criem definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde.” Quais são afinal os corolários do princípio da legalidade? São eles: a reserva de lei em sentido formal; a tipicidade; a proibição de analogia incriminatória ou agravante da responsabilidade; e a proibição da retroatividade desfavorável. Comecemos por destrinçar um pouco de cada um. A reserva de lei em sentido formal (nullum crimen nulla poena sine lege scripta), encontra-se consagrado no artigo 165.º/1/alínea c). Segundo este: só a AR, ou o Governo, mediante Decreto-Lei Autorizado podem legislar e definir quais os comportamentos que são crime, as penas e as medidas de segurança que lhes estão associadas, bem como os respetivos pressupostos da sua aplicação. A inobservância da reserva de lei pode determinar a inconstitucionalidade orgânica de um diploma que estatui uma determinada sanção criminal. Qual o âmbito da reserva de lei enquanto corolário do princípio da legalidade? A Jurisprudência do TC tem vindo a sustentar a ideia de que a reserva de lei tanto inclui a criminalização como a descriminalização ou menor criminalização. Contudo, na Doutrina esta ideia tem vindo a ser contestada. Para o Juiz Conselheiro Sousa Brito “a função de garantis dos direitos fundamentais contra o arbítrio do Estado impõe que só sejam submetidas à reserva de lei em sentido formal as normas que fundamentam ou agravam a responsabilidade penal, não aquelas que excluem a responsabilidade penal nem sequer aquelas que preveem causas de exclusão da ilicitude do facto”. Segundo Figueiredo Dias o governo não pode por si só atenuar a responsabilidade penal, pelo que também as normas atenuantes ou de exclusão da responsabilidade fazem parte do âmbito da reserva relativa da AR. Para Faria Costa não se justifica exigir lei formal para descriminalizar ou despenalizar, mas uma interpretação constitucional fundada impõe uma identidade do modo de legislar em relação a criminalizações, descriminalizações ou despenalizações. Já Jorge Miranda defende, tal como Rui Medeiros que na verdade, só quem pode criar tipos de crime pode suprimi- los. Em contrapartida as causas atenuantes e de exclusão da culpa não têm de se submeter à reserva de lei em sentido formal. Aquilo que se discute é se as normas penais negativas estão abrangidas pela competência relativa da AR. Mas o que são efetivamente normas penais negativas? São as causas de exclusão da ilicitude e as causas de desculpação ou de exclusão da culpa. Devemos concluir que as causas de exclusão da culpa não estão submetidas à reserva de lei em sentido formal, em consonância com o disposto nos artigos 71.º/2 e 72.º/2 CP. Já as normas relativas à exclusão da ilicitude devem estar cobertas pela reserva de lei, como decorrência do princípio da legalidade, uma vez que a exclusão da ilicitude pode repercutir-se na
  • 8. 8 limitação de direitos subjetivos de entre sujeitos conflituantes e pode constituir-se, em alguns casos, numa intromissão inadmissível na esfera de liberdade e autonomia dos particulares. Exceciona-se da competência relativa as causas de exclusão da ilicitude que resultem de uma liberdade geral, não pessoal ou relativa. Será então possível uma aplicação analógica das causas de exclusão da ilicitude? Em regra as causas de exclusão da ilicitude não estão sujeitas à proibição de analogia desfavorável – artigo 1.º/3 CP, mas que fazer uma distinção de entre Causas de justificação gerais e especiais. Em relação às primeiras: porque são válidas para todo e qualquer crime e desde que se verifiquem os respetivos pressupostos, a sua aplicação analógica não é proibida. Toda a pessoa pode atuar em legítima defesa ou estado de necessidade. Em relação às segundas, porque normalmente estão inclusas em crimes que implicam uma compreensão excecional dos direitos e liberdades fundamentais, a sua aplicação analógica é vedada muitas vezes, como acontece por exemplo com a realização de escutas telefónicas ou até mesmo com a instalação de dispositivos elétricos em torno de uma propriedade. A tipicidade, enquanto corolário da legalidade, determina a conexão de entre o facto típico para com a sanação respetiva – nullum crimen nulla poena sine lege certa – artigos 24.º/1 e 3 CRP e artigo 1.ºCP. A lei penal tem que ser determinada. A descrição da conduta proibida e de todos os outros requisitos da concreta punibilidade devem constar da norma penal. Só com um juízo de determinação quanto à essencialidade de determinados bens jurídicos e quanto à ofensividade de determinadas condutas é que a norma penal constrói um comando dirigido ao destinatário. Daí a norma penal em branco violar ou poder violar a tipicidade enquanto corolário da legalidade, na medida em que não defina a conduta proibida. Portanto, só pode ser dirigido um juízo de censura ao agente por este ter realizado um facto ilícito típico que à partida podia conhecer. Mas o que acontece nas situações em que o legislador utiliza numa incriminação conceitos indeterminados e cláusulas gerais? Só quando a indeterminação e uso das cláusulas gerais impedem a determinação do comportamento punível é que podemos considerar que as normas são: por um lado, organicamente inconstitucionais por violação do princípio da reserva de lei; mas também são materialmente desconformes para com o texto constitucional, ao violarem o princípio da legalidade na vertente de lege certa. Mas passemos a coisas mais empolgantes: poderá haver analogia e retroatividade desfavorável em Direito Penal? Estes segmentos da questão serão desenvolvidos de uma maneira mais pormenorizada no que concerne às matérias de interpretação da lei penal e sua aplicação no tempo. Mas vejamos umas preliminares. Quanto à proibição de analogia desfavorável ao arguido, há a considerar o artigo 29.º/1 e 3 CRP, bem como o artigo 1.º/3 CP. Só é permitida, em sede interpretativa, a analogia favorável quando benéfica ao arguido porque despenaliza ou descriminaliza o comportamento que pelo próprio foi adotado. A proibição de analogia enforma o ditado latim de “nullum crimen, nulla poena sine lege stricta”. Mas haverá retroatividade desfavorável? Não – “nullum crimen, nulla poena sine lege praevia”. Encontramos esta solução no artigo 29.º/1 e 4 CRP; no artigo 1.º/1 e 2.º/2 CP. Medidas de Segurança e Princípio da Legalidade Para a Professora Teresa Quintela de Brito, e em conformidade com a opinião da Professora Maria Fernanda Palma, o princípio da legalidade e os seus corolários valem também, em igual medida, para as medidas de segurança. Dizem estas autoras que a CRP é das poucas que submete as medidas de segurança ao princípio da legalidade – artigo 29.º/1, 3 e 4 CRP. No CP, valem relativamente às medidas de segurança as mesmas exigências de proteção dos direitos, liberdades e garantias que se reivindicam em relação às penas. Temos de ter em atenção, no entanto, que a aplicação de uma medida de segurança no caso concreto tem na sua base como pressuposto a perigosidade do agente. Determina o artigo 1.º/2 CP que também temos de considerar a irretroatividade das medidas de segurança e o n.º3 a proibição da analogia desfavorável. Já o artigo 2.º/1 abre portas a mais uma querela doutrinária. Para Maria Fernanda Palma e Teresa Quintela de Brito, releva sempre, quer em relação às penas, quer no que à aplicação das medidas de segurança diz respeito, a lei em vigor no momento da prática do facto. Para estas autoras, a perigosidade do agente deverá de ser considerada no momento da prática do facto, sendo que a proibição de retroatividade desfavorável tanto valerá da mesma forma para agentes imputáveis e inimputáveis. Surgiu no entanto uma Teoria Diferenciadora defendida pela Juíza Conselheira Maria João Antunes, que, concordando com Figueiredo Dias, afirma que a lei aplicável no caso das medidas de segurança deve ser aquela em vigor no momento do julgamento. Para estes, a verificação dos pressupostos da perigosidade criminal do agente dá-se no momento do julgamento. Admitem, no entanto, que no momento da decisão se possa aplicar uma medida de segurança não prevista no momento da prática do facto ilícito e típico. Teresa Quintela de Brito veio refutar a ideia propugnada por este segundo segmento da Doutrina afirmando que o facto de o juízo de perigosidade ser formulado no momento do julgamento não inviabiliza uma aplicação da medida de segurança, em função da verificação dos respetivos pressupostos, e de acordo com a lei vigente no momento da prática do facto. Interpretação da Lei Penal Inicialmente, a interpretação era feita de acordo com o modelo tradicional ou clássico. Este modelo determinava uma mera subsunção dos factos ao direito. Sendo metodologicamente ingénuo, acabou por ser abandonado porque operava com conteúdos semânticos pré-determinados em relação aos quais os factos podiam ou não ser reconduzidos. Mas tal não significa que não seja possível traçar uma fronteira da significação textual para lá da qual os resultados interpretativos se possam considerar secundum legem, obviamente que desconsiderando a proibição da violação do princípio da reserva de lei em sentido formal (artigo 165.º/1/alínea c) CRP) e a não violação do princípio da analogia desfavorável, segundo o artigo 1.º/3 CP e artigo 29.º/3 CRP. Sabemos que a letra da lei inviabiliza metodologicamente a aplicação pretendida e mais correta da norma penal ao caso concreto. Este é o lema de um segmento da Doutrina. Segundo esta corrente, deve-se relevar a teleologia da norma, sendo que o sentido prático-normativo do preceito só pode ser obtido com recurso à ratio da norma. Acham os apologistas da interpretação teleológica que a ratio não se constitui como uma violação do princípio da proibição da aplicação analógica da lei penal, em conformidade com o disposto no artigo 1.º/3 CP. Maria Fernanda Palma e Teresa Quintela de Brito não aceitam um total despreendimento para com a letra da lei. Concordo com este segmento da Doutrina. O ter-se em conta a ratio legis consubstanciaria uma violação do princípio da legalidade na vertente da proibição da analogia desfavorável. Casos que de acordo com a letra da lei não configuram comportamentos criminosos podiam ser punidos tendo em consideração a eventual ratio da norma penal. Para Maria Fernanda Palma, o agente deve ser punido não tanto pelo sentido de cada palavra em si, mas sobretudo pela referência ao texto globalmente considerado e atendendo ao significado que as palavras adquirem com o uso da linguagem social. Deste modo, uma conduta pode inserir-se num núcleo de tipo de condutas que se quer proibir: “não se pode escapar à essência da punição”. Em suma, a interpretação deve ser por nós assumida como o resultado de um conjunto de significações possíveis suscetíveis de serem apreendidas pelo texto legal de acordo com a linguagem comum. Mas como resolver situações lacunosas em termos de punibilidade? Estes são casos omissos de disciplina jurídico-penal que deviam ser regulados. Para se chegar à situação de identificação de uma lacuna na disciplina de penal, temos de fazer ab initio uma interpretação. Se a situação fática couber no plano de descrição de uma norma interpretada de acordo com o sentido do texto legal, não haverá então qualquer lacuna a integrar. Quando se verifica uma situação lacunosa, como deve o aplicador da norma resolver a situação? Para Castanheira Neves, devemos recorrer ao argumento da maioria de razão: apesar de um comportamento não poder caber dentro do quadro de significações possíveis do texto legal apreendidas de acordo com a linguagem comum, uma lacuna de punibilidade pode sempre ser suprida com recurso à maioria de razão, enquanto técnica geral de integração de lacunas. Ou seja: “se se pune o menos, também se pode punir o mais ”. A punição de uma situação lacunosa derivaria da ratio da norma e de um recurso ao espírito do sistema (integração intra-sistemática).Diz este autor que não há expetativas legítimas a serem tuteladas pois o agente sabe que a sua conduta pode afetar um bem jurídico dotado de referente constitucional. Para Castanheira Neves, esta forma de suprimento de uma situação lacunosa em nada coloca em causa o princípio da legalidade na vertente da proibição da analogia desfavorável. Diz ele, que o próprio princípio da igualdade aponta para uma solução idêntica a esta. Contrariamente, para a generalidade da Doutrina a lacuna de punibilidade não pode ser preenchida sob pena de: violação dos princípios da legalidade e da igualdade. No que concerne ao princípio da legalidade há que dizer que o suprimento de lacunas legislativas poderia determinar que condutas, ainda que perigosas para os bens jurídicos protegidos, acabassem por não ser abrangidas pela letra da lei, não sendo suscetíveis de serem punidas. Se tal acontecesse, o Direito Penal acabaria por não cumprir os desígnios de proteção dos bens jurídicos que lhe haviam sido conferidos. Na maior parte dos casos, condutas perigosas de bens jurídicos devem ser incluídas dentro do grupo de significações possíveis tendo em consideração o texto global como um todo (artigo 29.º CRP e artigo 1.º CP). Colocar-se-ia também em causa o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º CRP, uma vez que deixaria de ser justo e equitativo que casos menos graves fossem punidos e casos mais graves que colocam em causa a segurança dos bens jurídicos não o fossem. Neste âmbito, a intervenção penal acabaria por não ser proporcional nem conforme ao princípio do contraditório. Ademais, materializar- se-ia em uma violação do princípio da necessidade da pena, por mim referido inúmeras vezes – artigo 18.º/ 2 e 3 CRP. Resolução de casos práticos de interpretação das normas jurídicas e princípio da legalidade Numa primeira fase, devemos qualificar o crime. Depois verificar do cumprimento das exigências de determinabilidade decorrentes do princípio da
  • 9. 9 legalidade, designadamente no que respeita corolário do nullum crimen, nulla poena sine lege certa. Temos de identificar a conduta proibida, sendo que esta conduta pode ser objeto de censura penal quando cometida quer por ação, quer por omissão. Segundo a professora Bárbara Sousa de Brito, quer a ação, quer a omissão fazem parte do género comum comportamento humano. Mas sigamos para o processo interpretativo que é o que nos interessa por agora. Temos de compreender que a norma penal desempenha uma função de determinação das condutas puníveis e de motivação do agente para que em momento ulterior à sua vigência este possa orientar convenientemente o seu comportamento. Devemos, mais uma vez, verificar quais os bens jurídicos afetados, caraterizá-los e fazer uma ponderação sobre qual deles deve prevalecer no caso de estarmos perante uma tensão eminente de entre eles. A posteriori, averiguamos do respeito pelo princípio da necessidade da pena nos termos do artigo 18.º/ 2 e 3 CRP. De notar que repetimos vários passos na resolução das várias problemáticas que nos são colocadas. A interpretação não pode ser feita de acordo com o modelo tradicional e metodologicamente ingénuo de pura subsunção da norma ao caso. Em Direito Penal, o resultado da interpretação só é admissível quando feito dentro do quadro das significações possíveis e suscetíveis e serem apreendidas à luz da linguagem comum e racionalidade comunicativa inerente ao Direito (Maria Fernanda Palma). Portanto, a interpretação tem que ser feita em termos conformes à letra da lei, sendo que nunca é de esquecer que a analogia em Direito Penal é proibida. Com base neste raciocínio evolutivo, chegamos à conclusão de que o agente pode ser alvo ou não legitimamente de sanções criminais. Depois, averiguamos do cumprimento de todos os corolários do princípio da legalidade: reserva relativa da AR; tipicidade ou determinabilidade da norma penal; proibição da analogia desfavorável (artigo 1.º/3 CP) e proibição da retroatividade in pejus – artigo 1.º e 2.º/1 CP e artigo 29.º/2 e 3 CP. De realçar que a violação do princípio da legalidade traduz-se automaticamente, na opinião de Figueiredo Dias, numa violação do princípio da culpa importantíssimo em matéria penal – artigo 1.º e 27.º CP. Para que o agente possa orientar corretamente o seu comportamento, tem de saber o que lhe é imposto fazer, o que é proibido, bem como quais são as condições especiais que devem caraterizar a sua atuação. Ainda em sede interpretativa, temos de dividir as normas penais em dois grupos: normas penais positivas e negativas. Positivas são aquelas que criam ou agravam a responsabilidade jurídico-penal do agente. São aquelas normas que de alguma forma contêm a criação de cromes, agravando a pena cominada. Em relação às normas penais incriminadoras, temos de fazer uma interpretação restritiva, e considerar que estas são insuscetíveis de serem aplicadas analogicamente. Normas penais negativas são aquelas que visam diminuir a responsabilidade jurídico-penal do agente ou atenuá-la, tornando mais suaves os pressupostos para que possa haver uma imputação objetiva do resultado à conduta do agente. Porque favoráveis ao arguido, podem ser aplicadas analogicamente. Esta é a solução conforme ao princípio do in dúbio pro reu. Aplicação da Lei Penal no Tempo Incriminar vs. Descriminalizar Incriminar significa atribuir um crime a determinada pessoa. Criminalizar significa atribuir a um facto qualidade criminal. I.e., incriminar tem necessariamente por objeto uma pessoa, criminalizar tem por objeto uma conduta, sendo as entidades competentes para incriminar distintas, como é evidente, das entidades com competência para criminalizar. Nas primeiras a aplicação pertence ao julgador, enquanto nas segundas a sua definição pertence ao julgador democraticamente eleito para tal. Comecemos pela retroatividade. O que é a retroatividade? A retroatividade é uma caraterística de um facto jurídico que produz efeitos quanto ao passado. Numa análise de um problema de aplicação da lei penal no tempo, devemos sempre começar por aplicar o artigo 3.º CP que regula o Tempus Delicti. Quando é que o facto se tem por verificado? “O facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de omissão, no momento em que deveria ter atuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido”. O momento relevante é momento da ação, não o momento do resultado. Neste âmbito, é de tecer duas importantes considerações: em primeiro, nem todos os crimes são materiais ou de resultado; e segundo, o agente só tem controlo pleno sobre o momento da ação, não possuindo o comando exata sobre a verificação do resultado. Por exemplo, A dispara sobre B. Fere-o gravemente e este é transportado para o Hospital e morre passa um mês. Ora, a lei penal aplicável é aquela que estava em vigor no momento da prática do facto. A norma penal só motiva e determina a conduta do agente se já estiver em vigor no momento em que o mesmo concebeu a ação. Se considerássemos como relevante o momento do resultado, estaríamos perante uma norma materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade e subsidiariedade da intervenção penal. Determina o artigo 2.º/1 CP que “as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem”. Neste campo, entramos no âmbito da matéria de sucessão de leis penais no tempo. Ora, a aplicação de uma lei posterior depende do comportamento anteriormente contemplado para implicar, necessariamente, a verificação da conduta prevista em lei posterior, havendo assim, pelo menos, uma revogação tácita. Esta sucessão pode ser: bonam partem ou malum partem. Não se verifica uma verdadeira situação de sucessão de leis penais no tempo: quando a lex posterior visa a proteção de bens jurídicos diferentes dos tutelados pela lex anterior; quando a lex posterior acrescenta pelo menos um elemento novo ao facto típico, ainda que não se alterando a essência d conduta referente. Esta última situação é alvo de alguma discussão e controvérsia ao nível da doutrina. Portanto, a sucessão de leis penais no tempo não mais é do que um fenómeno que sucede quando a cessão da vigência de uma norma incriminadora advém de uma outra que atenua (despenalização) ou agrava (penalização) os seus efeitos. “Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente. Se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessão a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior” – artigo 2.º/4 CP. Criminalização ou descriminalização da conduta típica? Estes são fenómenos jurídico-penal que ocorrem quando uma conduta deixa ou passa a ser considerada como criminosa. As leis incriminatórias ou descriminalizadoras regem apenas para o futuro, não abrangendo factos praticados antes da sua vigência. São leis que protegem outros bens jurídicos e que materializam uma alteração genérica dos pressupostos de punibilidade. O facto punível segundo a lei vigente deixa de o ser se uma nova lei o eliminar do elenco ou n.º de infrações. Havendo condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais. Analisemos a temática da retroatividade desfavorável em Direito Penal. Esta é denominada por Retroatividade in pejus. Em penal vigora o princípio da proibição da retroatividade desfavorável ao arguido, i.e., da retroatividade das normas penais que criem ou agravem a responsabilidade penal a que o sujeito pode estar adstrito. São fundamentos desta proibição: o princípio da culpa; e o princípio do Estado de Direito. Ao nível da culpa, a retroatividade desfavorável contrariaria uma responsabilidade penal fundada na livre determinação do agente pela norma jurídica. Esta violação encontraria a sua base nos princípios da dignidade da pessoa humana – artigo 1.º CRP – na igualdade – artigo 13.º CRP – e na integridade do agente – artigo 25.º CRP. No que à afetação da dinâmica basilar de um Estado de Direito, a retroatividade, se desfavorável, destruiria a garantia da expetativa dos cidadãos quanto ao que era efetivamente proibido. O princípio da proibição da retroatividade in pejus funciona como uma garantia e segurança do individuo quanto ao poder punitivo do Estado. Há razões de segurança e certezas jurídicas que têm de ser consideradas no campo de aplicação da lei penal no tempo. Em jeito de suma, a proibição de retroatividade in pejus corresponde a uma garantia de que o exercício do poder punitivo (ius puniendi) do Estado seja feito de acordo com critérios e princípios, bem como em conformidade com limites conhecidos antecipadamente e não alteráveis por força de um interesse particular ou para resolver um caso concreto antes não previsto. E quando a lex posterior é favorável ao arguido? Nesse caso, haverá uma imposição de retroatividade in melius porque favorável ao arguido. Esta é uma solução jurídica conforme ao artigo 29.º/4/2.ª parte CRP. São fundamentos mais uma vez: o princípio da igualdade – artigo 13.º CRP – e a necessidade ou máxima restrição da intervenção penal – artigo 18.º/2 e 3 CRP. Tal solução é assumida porque por um lado, seria injusto e inútil que agentes de factos idênticos recebam tratamento radicalmente diferente conforme tais factos sejam perpetrados antes ou depois da revogação da norma, ou seja, no caso em que há uma despenalização do facto punível – nenhuma necessidade de prevenção quer geral quer especial far-se-ia sentir; por outro lado, também seria injusto e inútil estar a punir num momento posterior factos que, depois de uma nova ponderação das coisas, deixaram de configurar criminalmente um ilícito. Retroatividade e Medidas de Segurança Tendo em consideração o disposto no artigo 2.º/1 CP, Teresa Quintela de Brito e Maria Fernanda Palma, consideram que quer a alteração agravante, quer a criação da responsabilidade penal depois da prática do facto afetam em larga medida o princípio da segurança jurídica, na medida em que permitem uma intervenção sem controlo por parte do poder punitivo do Estado no que respeita ao âmbito de liberdade que o ordenamento jurídico confere a cada sujeito. Por isso: “as medidas de segurança, quer em relação a imputáveis, quer em relação a inimputáveis, implicam a consideração das mesmas exigências relativas às penas”. Figueiredo Dias e a Juíza Conselheira Maria João Antunes consideram que “como as medidas de segurança se fundam na perigosidade do agente, a medida de segurança a aplicar, no concreto, determina-se pela lei vigente, no momento da decisão ou do julgamento”.