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Isabel Magalhães – Senhor Bastonário, antes de mais queria
agradecer-lhe por ter aderido a este convite, da Delegação de
Cascais da Ordem dos Advogados, de fazer uma entrevista para a
nossa newsletter. A primeira pergunta que eu gostaria de lhe colocar
tem a ver com a situação que nós todos estamos a viver, neste
mundo da Justiça até há mais tempo que esta determinada pela
situação anómala da pandemia, mas, segundo muitos, a Justiça
estará quase, tal como o Sistema Nacional de Saúde, à beira da
rotura. Qual é o seu diagnóstico da actual situação da Justiça em
Portugal?
Luís Menezes Leitão – Bom, nós, infelizmente, tivemos uma grande
afectação da Justiça em consequência do primeiro Estado de
Emergência, em que, de facto, a situação estava fora de controlo e
foi necessário encerrar os tribunais, porque não era possível mesmo
fazer-se deslocações e a única coisa que se conseguiu fazer foi, nos
processos urgentes, tentar realizar julgamentos à distância, que se
demonstraram serem completamente incorrectos de realizar, porque
no fundo o que se passava é que não havia garantias de
autenticidade, as testemunhas podiam estar a ser
instrumentalizadas houve casos em que lhes pediram que levassem
as testemunhas para serem atendidas à distância no seu próprio
escritório, uma coisa totalmente contrária às regras da advocacia, e
tudo isso levou a uma enorme perturbação nesse âmbito.
Deve dizer-se que, por intervenção da Ordem dos Advogados, foi
alterado o que era previsto pelo Governo quando em torno dos
Tribunais quis privilegiar a realização dos julgamentos à distância de
forma virtual. Portanto, nós evitámos que isso acontecesse e o
Parlamento alterou o que o Ministério tinha proposto e voltou a
estabelecer julgamentos presenciais, ainda com as dsitâncias de
segurança necessárias para esse efeito. Isto permitiu que, apesar de
tudo, conseguíssemos recuperar alguma coisa, embora não de forma
totalmente adequada, como seria de esperar no âmbito desta
pandemia.
Apesar disso, e deve-se dizer, eu tenho achado que os nossos
tribunais, e principalmente devido às tarefas de muitos colegas
nossos, têm estado a dar resposta a algumas situações de pandemia.
A princípio não houve nenhuma, mas agora estão a haver algumas;
deve dizer-se com o caso dos Açores, em que foi feita o habeas
corpus do nosso colega Pedro Gomes, que desencadeou, e as
pessoas não se aperceberam disso, ele conseguiu que o seu cliente
tivesse um habeas corpus, mas esse habeas corpus levou a que o
Governo Regional libertasse trezentas pessoas, ou seja, foi a
consequência da actuação de um nosso colega. E agora estamos a ter
já decisões dos tribunais, quer do Tribunal da Relação de Lisboa, que
já veio declarar que as medidas de confinamento fora do Estado de
Emergência têm que ser decretadas pela autoridade judicial, porque
equivalem a uma detenção, não podem as unidades de saúde
estabelecer detenções neste âmbito, e recentemente, no passado dia
9 (de Novembro), tomei conhecimento que o Tribunal da Relação de
Guimarães também já veio decretar que os decretos do Governo que
regulamentam o Estado de Emergência e que consagram o crime de
desobediência, não estão conformes à Constituição, porque a
tipificação de um crime tem de provir de lei do Parlamento. Portanto,
o que significa aqui é que, apesar de tudo, são os tribunais a única
coisa que pode permitir a tutela dos direitos dos cidadãos, é assim
muito importante para nós que os tribunais funcionem e que os
advogados estejam na primeira linha para defesa desses direitos,
porque estamos a ver há sempre uma grande tentação, no âmbito de
qualquer situação de calamidade pública, de pôr em causa os direitos
das pessoas e é isso que eu acho que os advogados não podem
permitir e têm de se apoiar nos tribunais para evitar que isso
aconteça.
IM – Gostaria também de saber, a que julga dever-se o descrédito em
que caíram na opinião pública os operadores da justiça em geral e os
advogados também.
LML – Bom, eu não faço esse juízo total relativamente aos
operadores judiciais e muito menos o faço relativamente aos
advogados, porque na opinião pública houve uma situação dramática
agora com o caso LEX e que, de facto, nós vimos chegar
efectivamente suspeitas de corrupção num dos nossos mais altos
tribunais. Não fazemos fazer juízo sobre essa situação, uma vez que
está a decorrer um processo e toda a gente beneficia da sua
presunção de inocência, em qualquer caso isso teve uma repercussão
muito grande no âmbito da opinião pública e na sua desconfiança
sobre o sistema da justiça. Eu assisti à tomada de posse da nova
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa e o Sr. Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça declarou na altura, no seu discurso, que
o Tribunal da Relação de Lisboa tinha atingido o seu ponto mais baixo
de toda a sua história e, portanto, que a Sra. Presidente iria ter
imenso trabalho em recuperar o prestígio do Tribunal da Relação de
Lisboa, que é muito importante porque se trata de um dos nossos
mais altos tribunais.
Por isso, neste momento a situação é muito complicada em termos,
uma vez que já estamos a verificar esse tipo de situações, mas eu
tenho procurado, e fiz um comunicado na altura aos colegas, em que
pedi que procurassem transmitir uma imagem de confiança no
funcionamento dos nossos tribunais, porque é fundamental para o
prestígio da nossa actividade e da nossa profissão, porque se não
tivermos confiança nos nossos tribunais, as pessoas perguntar-se-ão
qual é a utilidade de recorrer a um advogado.
Assim, tenho entendido sempre que, mesmo que hajam situações
que contribuem muito para a descredibilização dos tribunais, os
advogados devem lutar pela sua credibilização e precisamente
porque é essa a nossa base fundamental, a confiança na Justiça, e
estamos convictos de que as situações irão ser resolvidas, os casos
graves que aconteceram irão ser corrigidos, não sei de que maneira
porque devo dizer que me preocupa muito o facto de poder ver
condenações irregulares, isto é uma situação que acho e pronuncio-
me sobre isso para efeitos da credibilização da Justiça, deveria ser
feita uma sindicância relativamente a essas situações que existiram,
porque deve-se dizer noutros países, por exemplo, se um juíz é
submetido a um processo disciplinar, todas as decisões que proferiu
podem ser reavaliadas, isto é uma situação de confiança, em Portugal
não temos esse tipo de questão mas acho que era importante para
efeitos da recuperação da confiança na nossa Justiça.
Em qualquer caso, penso que isso terá sido um caso isolado e tenho
esperança que as coisas sejam resolvidas e que os tribunais possam
dar a margem necessária de julgamento com independência e
isenção, que é isso que é essencial sempre para a nossa actividade e
para os advogados naturalmente compete-lhes contribuir para que
haja credibilização da situação da Justiça e, por isso, também é
função da Ordem assegurar esse tipo de situação.
IM – Pensa que, relativamente à questão, por exemplo, da
descridibilização da Justiça por força da morosidade dos tribunais e
tudo o mais, portanto, independentemente da própria pandemia, o
que julga que se pode fazer para que as pessoas possam entender ou
que movimentos se podem criar no sentido de pugnarmos todos em
conjunto por uma Justiça mais célere?
LML – Grande parte desse problema, aliás, foram recentemente
publicados dados na última edição do jornal Expresso e que são muito
preocupantes relativamente ao estado dos nossos tribunais em termos
de lentidão. Em Portugal, nos tribunais judiciais está em décimo
primeiro lugar relativamente aos países com tribunais mais lentos.
Mas nos tribunais administrativos está no segundo lugar dos tribunais
mais lentos, só é ultrapassado por Malta, e temos em média um
tribunal administrativo a levar mais de 860 dias para ter uma decisão
em primeira instância. Eu acho que estes dados são absolutamente
dramáticos e, por isso, nós temos que sair da cauda da Europa
relativamente à nossa justiça administrativa. Acho que os nossos
cidadãos já não aceitam, porque são questões em que estão em causa
a protecção das pessoas contra os arbítrios do poder do Estado
nomeadamente, e já tivemos aqui casos, aquela questão quando as
câmaras começaram a lançar taxas de protecção civil que não
passavam de impostos encapotados; aqui em lisboa o que se passou
foi que muita gente impugnou nos tribunais administrativos e em três
anos não houve uma única decisão em primeira instância, por isso teve
de ser o provedor de justiça a ir para o tribunal constitucional para que
a questão fosse resolvida, porque nos tribunais administrativos não
havia decisões. Ora isso é algo que nos deve deixar a todos muito
preocupados e eu acho que nós temos que resolver rapidamente a
questão da nossa justiça administrativa porque isso contribui muito
para o descrédito dos cidadãos perante a justiça até porque recorrer à
justiça administrativa é o único tribunal que os pode proteger dos
arbítrios do poder do Estado e precisamente por isso acho que a
primeira tarefa e, devo dizer por vezes vejo um discurso político neste
sentido dizer, “está tudo muito bem, mas a justiça administrativa é um
caso à parte e nessa não mexemos”, portanto isto não pode ser
porque quando temos uma justiça administrativa numa situação tão
dramática temos que a corrigir e rapidamente.
IM – E porque razão neste momento foi retirada a prioridade de
atendimento aos advogados?
LML – Não está a ser retirada a prioridade de atendimento aos
advogados, isso é uma informação que está a passar que é incorrecta,
a prioridade mantém-se. O que se está a verificar é que as marcações,
e eu já falei sobre isso com a Ministra da Justiça, têm de ser feitas por
atendimento prévio devido à situação de pandemia que não permite
que as pessoas se aglomerem, portanto antigamente tínhamos filas e
as pessoas podiam passar à frente da fila. Hoje em dia o que estamos a
ter é a necessidade de haver atendimento prévio e a impossibilidade,
que é assumida mesmo pela Ministra da Justiça, de conseguir fazer
marcações, porque os “call-centers”, como me disseram dos serviços
do Ministério da Justiça, só estão a tender 30% das chamadas, o que
leva a que as pessoas liguem e não conseguem marcações, isto é algo
que demonstra um bloqueio enorme, mas já tive a promessa da Sra.
Ministra da Justiça de que, rapidamente, irão estabelecer novos
serviçoes de “call-center” e permitirão atender outra vez 100% das
chamadas, sendo isso deverá ser respeitada a preferência dos
advogados que é essencial à sua profissão; nós não podemos ter
advogados à espera que qualquer pessoa se dirige sem ter o
atendimento adequado, isso é algo que nos preocupa como também
nos tem preocupado o facto de em alguns serviços estar a dizer-se
que só pode entrar uma pessoa, advogado ou cliente, em vez de ir o
cliente acompanhado com o advogado; isso é para nós uma situação
insustentável, a explicação que a Ministra da Justiça me deu é que
isso ocorria em casos excepcionais por razão de espaço, mas que iria
ser alterado com a colocação de barreiras que permitem que estejam
lá as duas pessoas ao mesmo tempo para que a situação possa ser
resolvida. Espero que seja de facto resolvida rapidamente porque
não podemos ter os serviçoes públicos a funcionar assim , isso seria
uma questão de muita deficiência de funcionamento no âmbito do
Ministério da Justiça e é sua responsabilidade corrigi-la.
IM – Face aos novos meios de procuradoria ilícita que atualmente
pululam, designadamente nas redes, que atuações defende para
salvaguarda dos Atos próprios dos Advogados?
LML – Como sabe a procuradoria ilícita é da competência dos
conselhos regionais e portanto são eles que têm a tarefa, em termos
do nosso estatuto...
IM – E têm feito um bom trabalho!
LML – E têm feito um bom trabalho neste âmbito. O que nós temos
feito sempre é criarmos e já existia, mas nomeámos a comissão para
a defesa dos Actos próprios dos advogados, que funciona junto do
Conselho Geral da Ordem e que procura articular com os Conselhos
Regionais as situações respectivas de procuradoria ilícita, porque
muitas vezes acontecem questões que não são à escala regional e
que pode, portanto, justificar uma intervenção mais coordenada ou
até mesmo uma intervenção a nível de todos os Conselhos Regionais,
e por isso o que nós temos feito e tem sido essa uma das nossas
batalhas é fazer com que a Comissão de defesa dos Actos próprios
dos advogados possa estar apetrechada para, em articulação com os
conselhos regionais, reagir contra todas as situações de procuradoria
ilícita, é isso que tem vindo a ocorrer neste âmbito, não sendo
competência do Conselho Geral, temos a Comissão que está de facto
a fazer com que os Conselhos Regionais se possam coordenar para
exercer essa actividade.
IM - Que atuações o Sr. Bastonário consideran que devem tomar os
advogados e a Ordem em sua representação, com vista à Dignificação
da nossa profissão?
LML – Há muitas atitudes que podem ser tomadas, designadamente
não permitir que os direitos dos advogados consagrados no estatuto
sejam postos em causa, por exemplo, recentemente nós tivemos
uma situação no tribunal de Leiria em que os advogados, uma vez
que havia muitos arguidos ao mesmo tempo num tribunal, foram
colocados num auditório e portanto nem tinham sequer espaço para
colocar os seus computadores os seus dossiers para poder trabalhar,
estavam sentados como se estivessem numa cadeira de cinema e os
colegas recusaram-se a trabalhar nessas condições, disseram
expressamente e isso é um direito que consta do seu estatuto que é
que os advogados dispõem de bancada própria e podem falar
sentados, portanto não podem ser colocados num auditório nestas
situações. Nós compreendemos as dificuldades que existem neste
quadro de pandemia que levam a que as autoridades judiciárias
tenham dificuldade, mas isso não se pode fazer à custa da dignidade
da advocacia e, por isso, nós mal soubemos dessa situação e, deve
dizer-se, houve uma solidariedade colectiva, porque esses advogados
foram substituídos por colegas nomeados em escala, que é
automático, os colegas são automaticamente nomeados, mas os
colegas que lá foram disseram também que não aceitavam trablhar
naquelas condições e solidariezaram-se com os colegas neste âmbito;
e a Ordem também se solidariezou com essa posição e, devo dizer, eu
fui convidado pela Sra. Directora Geral da Administração Judiciária a
deslocar-me a Leiria e fui para tentarmos resolver o assunto. Foi
resolvido de duas maneiras, portanto numa solução primeiro o
Presidente da Câmara da Batalha aceitou retirar as filas de cadeiras
para poder colocar as secretárias para os advogados poderem
trabalhar e aceitou-se também arranjar um edifício com bastante
espaço que permite colocar secretárias para os advogados poderem
trabalhar nessas condições.
Isto é um exemplo de que nós não podemos aceitar tudo, portanto
neste quadro temos de ter um espírito de colaboração com a justiça
e neste caso chama-se a atenção que havia arguidos presos, que é
sempre uma coisa dramática até para o próprio advogado, que um
preso possa ficar mais um dia que seja em prisão preventiva devido
ao tribunal não ter tido condições de reunir, mas temos de ter
condições para fazer o julgamento em condições que permitam a
dignidade da advocacia e, precisamente por isso, achámos muito
importante que os colegas tivessem tido esta atitude e achamos
também que a Ordem como se viu foi capaz de estar ali e resolver o
assunto para que não volte a acontecer este tipo de situações.

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Entrevista ao Bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão

  • 1. Isabel Magalhães – Senhor Bastonário, antes de mais queria agradecer-lhe por ter aderido a este convite, da Delegação de Cascais da Ordem dos Advogados, de fazer uma entrevista para a nossa newsletter. A primeira pergunta que eu gostaria de lhe colocar tem a ver com a situação que nós todos estamos a viver, neste mundo da Justiça até há mais tempo que esta determinada pela situação anómala da pandemia, mas, segundo muitos, a Justiça estará quase, tal como o Sistema Nacional de Saúde, à beira da rotura. Qual é o seu diagnóstico da actual situação da Justiça em Portugal? Luís Menezes Leitão – Bom, nós, infelizmente, tivemos uma grande afectação da Justiça em consequência do primeiro Estado de Emergência, em que, de facto, a situação estava fora de controlo e foi necessário encerrar os tribunais, porque não era possível mesmo fazer-se deslocações e a única coisa que se conseguiu fazer foi, nos processos urgentes, tentar realizar julgamentos à distância, que se demonstraram serem completamente incorrectos de realizar, porque no fundo o que se passava é que não havia garantias de autenticidade, as testemunhas podiam estar a ser instrumentalizadas houve casos em que lhes pediram que levassem as testemunhas para serem atendidas à distância no seu próprio escritório, uma coisa totalmente contrária às regras da advocacia, e tudo isso levou a uma enorme perturbação nesse âmbito. Deve dizer-se que, por intervenção da Ordem dos Advogados, foi alterado o que era previsto pelo Governo quando em torno dos Tribunais quis privilegiar a realização dos julgamentos à distância de forma virtual. Portanto, nós evitámos que isso acontecesse e o Parlamento alterou o que o Ministério tinha proposto e voltou a estabelecer julgamentos presenciais, ainda com as dsitâncias de segurança necessárias para esse efeito. Isto permitiu que, apesar de
  • 2. tudo, conseguíssemos recuperar alguma coisa, embora não de forma totalmente adequada, como seria de esperar no âmbito desta pandemia. Apesar disso, e deve-se dizer, eu tenho achado que os nossos tribunais, e principalmente devido às tarefas de muitos colegas nossos, têm estado a dar resposta a algumas situações de pandemia. A princípio não houve nenhuma, mas agora estão a haver algumas; deve dizer-se com o caso dos Açores, em que foi feita o habeas corpus do nosso colega Pedro Gomes, que desencadeou, e as pessoas não se aperceberam disso, ele conseguiu que o seu cliente tivesse um habeas corpus, mas esse habeas corpus levou a que o Governo Regional libertasse trezentas pessoas, ou seja, foi a consequência da actuação de um nosso colega. E agora estamos a ter já decisões dos tribunais, quer do Tribunal da Relação de Lisboa, que já veio declarar que as medidas de confinamento fora do Estado de Emergência têm que ser decretadas pela autoridade judicial, porque equivalem a uma detenção, não podem as unidades de saúde estabelecer detenções neste âmbito, e recentemente, no passado dia 9 (de Novembro), tomei conhecimento que o Tribunal da Relação de Guimarães também já veio decretar que os decretos do Governo que regulamentam o Estado de Emergência e que consagram o crime de desobediência, não estão conformes à Constituição, porque a tipificação de um crime tem de provir de lei do Parlamento. Portanto, o que significa aqui é que, apesar de tudo, são os tribunais a única coisa que pode permitir a tutela dos direitos dos cidadãos, é assim muito importante para nós que os tribunais funcionem e que os advogados estejam na primeira linha para defesa desses direitos, porque estamos a ver há sempre uma grande tentação, no âmbito de qualquer situação de calamidade pública, de pôr em causa os direitos das pessoas e é isso que eu acho que os advogados não podem permitir e têm de se apoiar nos tribunais para evitar que isso aconteça. IM – Gostaria também de saber, a que julga dever-se o descrédito em que caíram na opinião pública os operadores da justiça em geral e os advogados também. LML – Bom, eu não faço esse juízo total relativamente aos operadores judiciais e muito menos o faço relativamente aos advogados, porque na opinião pública houve uma situação dramática agora com o caso LEX e que, de facto, nós vimos chegar efectivamente suspeitas de corrupção num dos nossos mais altos tribunais. Não fazemos fazer juízo sobre essa situação, uma vez que está a decorrer um processo e toda a gente beneficia da sua presunção de inocência, em qualquer caso isso teve uma repercussão muito grande no âmbito da opinião pública e na sua desconfiança sobre o sistema da justiça. Eu assisti à tomada de posse da nova
  • 3. Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa e o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça declarou na altura, no seu discurso, que o Tribunal da Relação de Lisboa tinha atingido o seu ponto mais baixo de toda a sua história e, portanto, que a Sra. Presidente iria ter imenso trabalho em recuperar o prestígio do Tribunal da Relação de Lisboa, que é muito importante porque se trata de um dos nossos mais altos tribunais. Por isso, neste momento a situação é muito complicada em termos, uma vez que já estamos a verificar esse tipo de situações, mas eu tenho procurado, e fiz um comunicado na altura aos colegas, em que pedi que procurassem transmitir uma imagem de confiança no funcionamento dos nossos tribunais, porque é fundamental para o prestígio da nossa actividade e da nossa profissão, porque se não tivermos confiança nos nossos tribunais, as pessoas perguntar-se-ão qual é a utilidade de recorrer a um advogado. Assim, tenho entendido sempre que, mesmo que hajam situações que contribuem muito para a descredibilização dos tribunais, os advogados devem lutar pela sua credibilização e precisamente porque é essa a nossa base fundamental, a confiança na Justiça, e estamos convictos de que as situações irão ser resolvidas, os casos graves que aconteceram irão ser corrigidos, não sei de que maneira porque devo dizer que me preocupa muito o facto de poder ver condenações irregulares, isto é uma situação que acho e pronuncio- me sobre isso para efeitos da credibilização da Justiça, deveria ser feita uma sindicância relativamente a essas situações que existiram, porque deve-se dizer noutros países, por exemplo, se um juíz é submetido a um processo disciplinar, todas as decisões que proferiu podem ser reavaliadas, isto é uma situação de confiança, em Portugal não temos esse tipo de questão mas acho que era importante para efeitos da recuperação da confiança na nossa Justiça. Em qualquer caso, penso que isso terá sido um caso isolado e tenho esperança que as coisas sejam resolvidas e que os tribunais possam dar a margem necessária de julgamento com independência e isenção, que é isso que é essencial sempre para a nossa actividade e para os advogados naturalmente compete-lhes contribuir para que haja credibilização da situação da Justiça e, por isso, também é função da Ordem assegurar esse tipo de situação. IM – Pensa que, relativamente à questão, por exemplo, da descridibilização da Justiça por força da morosidade dos tribunais e tudo o mais, portanto, independentemente da própria pandemia, o que julga que se pode fazer para que as pessoas possam entender ou que movimentos se podem criar no sentido de pugnarmos todos em conjunto por uma Justiça mais célere?
  • 4. LML – Grande parte desse problema, aliás, foram recentemente publicados dados na última edição do jornal Expresso e que são muito preocupantes relativamente ao estado dos nossos tribunais em termos de lentidão. Em Portugal, nos tribunais judiciais está em décimo primeiro lugar relativamente aos países com tribunais mais lentos. Mas nos tribunais administrativos está no segundo lugar dos tribunais mais lentos, só é ultrapassado por Malta, e temos em média um tribunal administrativo a levar mais de 860 dias para ter uma decisão em primeira instância. Eu acho que estes dados são absolutamente dramáticos e, por isso, nós temos que sair da cauda da Europa relativamente à nossa justiça administrativa. Acho que os nossos cidadãos já não aceitam, porque são questões em que estão em causa a protecção das pessoas contra os arbítrios do poder do Estado nomeadamente, e já tivemos aqui casos, aquela questão quando as câmaras começaram a lançar taxas de protecção civil que não passavam de impostos encapotados; aqui em lisboa o que se passou foi que muita gente impugnou nos tribunais administrativos e em três anos não houve uma única decisão em primeira instância, por isso teve de ser o provedor de justiça a ir para o tribunal constitucional para que a questão fosse resolvida, porque nos tribunais administrativos não havia decisões. Ora isso é algo que nos deve deixar a todos muito preocupados e eu acho que nós temos que resolver rapidamente a questão da nossa justiça administrativa porque isso contribui muito para o descrédito dos cidadãos perante a justiça até porque recorrer à justiça administrativa é o único tribunal que os pode proteger dos arbítrios do poder do Estado e precisamente por isso acho que a primeira tarefa e, devo dizer por vezes vejo um discurso político neste sentido dizer, “está tudo muito bem, mas a justiça administrativa é um caso à parte e nessa não mexemos”, portanto isto não pode ser porque quando temos uma justiça administrativa numa situação tão dramática temos que a corrigir e rapidamente. IM – E porque razão neste momento foi retirada a prioridade de atendimento aos advogados? LML – Não está a ser retirada a prioridade de atendimento aos advogados, isso é uma informação que está a passar que é incorrecta, a prioridade mantém-se. O que se está a verificar é que as marcações, e eu já falei sobre isso com a Ministra da Justiça, têm de ser feitas por atendimento prévio devido à situação de pandemia que não permite que as pessoas se aglomerem, portanto antigamente tínhamos filas e as pessoas podiam passar à frente da fila. Hoje em dia o que estamos a ter é a necessidade de haver atendimento prévio e a impossibilidade, que é assumida mesmo pela Ministra da Justiça, de conseguir fazer
  • 5. marcações, porque os “call-centers”, como me disseram dos serviços do Ministério da Justiça, só estão a tender 30% das chamadas, o que leva a que as pessoas liguem e não conseguem marcações, isto é algo que demonstra um bloqueio enorme, mas já tive a promessa da Sra. Ministra da Justiça de que, rapidamente, irão estabelecer novos serviçoes de “call-center” e permitirão atender outra vez 100% das chamadas, sendo isso deverá ser respeitada a preferência dos advogados que é essencial à sua profissão; nós não podemos ter advogados à espera que qualquer pessoa se dirige sem ter o atendimento adequado, isso é algo que nos preocupa como também nos tem preocupado o facto de em alguns serviços estar a dizer-se que só pode entrar uma pessoa, advogado ou cliente, em vez de ir o cliente acompanhado com o advogado; isso é para nós uma situação insustentável, a explicação que a Ministra da Justiça me deu é que isso ocorria em casos excepcionais por razão de espaço, mas que iria ser alterado com a colocação de barreiras que permitem que estejam lá as duas pessoas ao mesmo tempo para que a situação possa ser resolvida. Espero que seja de facto resolvida rapidamente porque não podemos ter os serviçoes públicos a funcionar assim , isso seria uma questão de muita deficiência de funcionamento no âmbito do Ministério da Justiça e é sua responsabilidade corrigi-la. IM – Face aos novos meios de procuradoria ilícita que atualmente pululam, designadamente nas redes, que atuações defende para salvaguarda dos Atos próprios dos Advogados? LML – Como sabe a procuradoria ilícita é da competência dos conselhos regionais e portanto são eles que têm a tarefa, em termos do nosso estatuto... IM – E têm feito um bom trabalho! LML – E têm feito um bom trabalho neste âmbito. O que nós temos feito sempre é criarmos e já existia, mas nomeámos a comissão para a defesa dos Actos próprios dos advogados, que funciona junto do Conselho Geral da Ordem e que procura articular com os Conselhos Regionais as situações respectivas de procuradoria ilícita, porque muitas vezes acontecem questões que não são à escala regional e que pode, portanto, justificar uma intervenção mais coordenada ou até mesmo uma intervenção a nível de todos os Conselhos Regionais, e por isso o que nós temos feito e tem sido essa uma das nossas batalhas é fazer com que a Comissão de defesa dos Actos próprios dos advogados possa estar apetrechada para, em articulação com os conselhos regionais, reagir contra todas as situações de procuradoria
  • 6. ilícita, é isso que tem vindo a ocorrer neste âmbito, não sendo competência do Conselho Geral, temos a Comissão que está de facto a fazer com que os Conselhos Regionais se possam coordenar para exercer essa actividade. IM - Que atuações o Sr. Bastonário consideran que devem tomar os advogados e a Ordem em sua representação, com vista à Dignificação da nossa profissão? LML – Há muitas atitudes que podem ser tomadas, designadamente não permitir que os direitos dos advogados consagrados no estatuto sejam postos em causa, por exemplo, recentemente nós tivemos uma situação no tribunal de Leiria em que os advogados, uma vez que havia muitos arguidos ao mesmo tempo num tribunal, foram colocados num auditório e portanto nem tinham sequer espaço para colocar os seus computadores os seus dossiers para poder trabalhar, estavam sentados como se estivessem numa cadeira de cinema e os colegas recusaram-se a trabalhar nessas condições, disseram expressamente e isso é um direito que consta do seu estatuto que é que os advogados dispõem de bancada própria e podem falar sentados, portanto não podem ser colocados num auditório nestas situações. Nós compreendemos as dificuldades que existem neste quadro de pandemia que levam a que as autoridades judiciárias tenham dificuldade, mas isso não se pode fazer à custa da dignidade da advocacia e, por isso, nós mal soubemos dessa situação e, deve dizer-se, houve uma solidariedade colectiva, porque esses advogados foram substituídos por colegas nomeados em escala, que é automático, os colegas são automaticamente nomeados, mas os colegas que lá foram disseram também que não aceitavam trablhar naquelas condições e solidariezaram-se com os colegas neste âmbito; e a Ordem também se solidariezou com essa posição e, devo dizer, eu fui convidado pela Sra. Directora Geral da Administração Judiciária a deslocar-me a Leiria e fui para tentarmos resolver o assunto. Foi resolvido de duas maneiras, portanto numa solução primeiro o Presidente da Câmara da Batalha aceitou retirar as filas de cadeiras para poder colocar as secretárias para os advogados poderem trabalhar e aceitou-se também arranjar um edifício com bastante espaço que permite colocar secretárias para os advogados poderem trabalhar nessas condições. Isto é um exemplo de que nós não podemos aceitar tudo, portanto neste quadro temos de ter um espírito de colaboração com a justiça e neste caso chama-se a atenção que havia arguidos presos, que é sempre uma coisa dramática até para o próprio advogado, que um preso possa ficar mais um dia que seja em prisão preventiva devido
  • 7. ao tribunal não ter tido condições de reunir, mas temos de ter condições para fazer o julgamento em condições que permitam a dignidade da advocacia e, precisamente por isso, achámos muito importante que os colegas tivessem tido esta atitude e achamos também que a Ordem como se viu foi capaz de estar ali e resolver o assunto para que não volte a acontecer este tipo de situações.