1. Hermenêutica Constitucional
Interpretar é descobrir o significado, conteúdo e alcance dos símbolos linguísticos. Por
exemplo: o art. 5º, XI da CF/88 afirma que “a casa é asilo inviolável da pessoa [...]”. Qual o
significado e a extensão da palavra casa? Casa está relacionada a privacidade. Esta existe
somente na residência da pessoa, o lar?
Já a exegese é o ato de interpretar. É a exposição de fatos históricos, interpretação,
comentário, interpretação de um sonho, tradução.
Hermenêutica, por sua vez, é a ciência que tem por objeto a técnica de interpretar textos, ela
estabelece as regras para se fazer a interpretação de textos.
Somos obrigados, então, a perguntar: quem pode interpretar a constituição?
Respondemos que, oficialmente, é o Supremo Tribunal Federal, por conta do que dispõe o
artigo 102, I, “a”, da Constituição Federal de 1988, porém, podemos observar que todas as
demais pessoas, de acordo com a teoria da Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição,
idealizada por Peter Häberle, pois, deve-se democratizar a exegese constitucional, de sorte
que casos de grande repercussão sejam previamente discutidos com todos antes de serem
decididos pelo Judiciário.
É o que tem acontecido nos últimos anos no Supremo Tribunal Federal, que em casos
polêmicos junto à sociedade, tem realizado audiências públicas com representantes da
sociedade civil para discutir o assunto antes de decidir, como ocorreu com o caso das
pesquisas com células tronco.
Entende-se, de maneira não pacífica, que a Constituição por suas características, está a exigir
critérios de interpretação específicos, pois se trata de norma diferente das demais leis, devido
ao:
a) Seu caráter político-jurídico fundamental: o texto constitucional não é como uma lei, pois a
constituição trata de assuntos específicos que não poderiam ser veiculados por lei, como a
organização do Estado, dos Poderes, princípios fundamentais do estado etc, questões que não
poderiam ser tratadas por lei;
b) Estabelecimento de direitos fundamentais, de caráter extremamente abstrato e que impõem
limites à atuação do Estado;
c) O excessivo caráter ideológico das constituições (aborto é constitucional?) Esse resposta
envolve valores culturais, religiosos e filosóficos não uniformes na sociedade.
Métodos de Interpretação Constitucional
2. Sendo a constituição um instrumento técnico jurídico-político, deve-se partir, na sua
interpretação, de um sistema organizado, metódico, científico, para sua interpretação. Deve-se
se socorrer à técnica científica para buscar obter os significados e os sentidos do Texto
Máximo.
Assim, a Hermenêutica e, mais especificamente, a Hermenêutica Constitucional, fornece
alguns métodos de interpretação do texto constitucional, sendo que todos eles podem ser
usados, não existindo uma prioridade de um sobre o outro ou uma precedência de um sobre o
outro. Todos tendem a colaborar para se chegar a encontrar o sentido mais adequado do texto
constitucional.
a) Método Jurídico (Ernest Forsthoff): a Constituição é uma lei e, assim, devem-se utilizar os
mesmos instrumentos de interpretação da lei, tais como o
- sistemático: indica que ao fazermos a interpretação da lei, não podemos concluir um
absurdo. A lei deve ser interpretada levando-se em conta que ela não está isolada dentro do
ordenamento, ao contrário, ela está inserida num corpo de leis que se interpenetram. Ela não
pode ser contraditória com o ordenamento jurídico, deve-se chegar à interpretação de uma
norma fazendo-a harmonizar-se com todo o sistema;
- teleológico: devemos aplicar a norma sob a ótica dos fins sociais a que ela se destina e as
exigências do bem comum. A lei visa atingir certos objetivos, finalidades. Devemos buscar
encontrar quais os objetivos que a lei pretende alcançar: é a mens legis;
- gramatical: procura extrair os sentidos das palavras consideradas no seu conjunto. É o estudo
do ponto de vista gramatical e sintático. A palavra deve ter seu sentido isolado interpretado
dentro da frase; deve-se observar a pontuação do texto, a ideia que ele expressa;
- histórico: o Direito está em constante evolução já que a sociedade não é um corpo estático
no tempo (o Direito é um objeto cultural). O tecido social evolui, e com ele, seus valores,
ideias e tudo mais. A norma é produzida num determinado momento histórico, e muitas vezes
aplicada noutro. Para que ela não se esvazie de conteúdo, devemos buscar as razões
fundamentais que determinaram o seu aparecimento num determinado momento, para então
adequá-la à situação a que se pretende subsumi- la;
- autêntica ocorre quando é realizada por quem produziu a norma: é a mens legislatoris.
b) Método tópico-problemático (Theodor Viehweg): salienta o caráter prático da
interpretação. Parte-se do caso concreto para a norma. É muito criticado, pois interpretando-se
por caso (topicamente), pode-se chegar a incongruências, o que fere o caráter sistemático do
texto constitucional;
c) Método hermenêutico-concretizador (Konrad Hesse): é o inverso do método tópico, pois
parte da compreensão do texto normativo para fazê-lo incidir sobre o caso concreto.
Pressupõe que o intérprete tenha uma visão panorâmica do texto e localize por aproximação o
fato aos conteúdos normativos e valores constitucionais;
3. d) Método científico-espiritual ou integrativo (Rudolf Smend): a Constituição (corpo e
espírito da sociedade) não deve ser encarada como algo estático, mas dinâmico, que se renova
continuadamente, a compasso das transformações, igualmente constantes, da própria realidade
que as suas normas intentam regular. O Direito, a Constituição e o Estado são fenômenos
culturais ou fatos referidos a valores, a cuja realização, os três servem de instrumento. As
normas constitucionais devem ser interpretadas de forma a integrar texto e fenômenos
culturais.
e) Método normativo-estruturante (Friedrich Müller): faz uma distinção entre norma e texto
da norma e uma vinculação necessária entre programa normativo e âmbito normativo.
Interpretar implica aplicar a lei, concretizá-la. O texto da lei é apenas a ponta do iceberg
(interpretação é concretização, é a parte oculta da norma) No momento de concretizar a
norma, deve-se levar em consideração outros elementos externos ao texto, mas que o
integram: a doutrina, a jurisprudência, as situações políticos-sociais;
f) Método da comparação constitucional (Peter Häberle): é a busca de constatação de pontos
comuns ou divergentes entre dois ou mais direitos nacionais.
Princípios ou Técnicas de Interpretação Constitucional
Princípios são vetores que apontam a direção em que se deve buscar entender e compreender
uma determinada norma. Servem tanto para direcionar a sua criação, sua interpretação bem
como a sua integração, no caso de lacunas.
Vejamos os princípios mais importantes utilizados na interpretação constitucional.
a) Supremacia da Constituição: a Constituição Federal é o plexo de normas da mais alta
hierarquia no nosso ordenamento jurídico, é ela quem dá estrutura ao sistema jurídico, pois é a
partir dela que todas as demais normas são elaboradas. Daí decorre que, toda nova norma com
ela incompatível é nula, as normas anteriores a ela que a antagonizam são revogadas e dentre
as possíveis interpretações de uma norma, é válida somente aquelas compatíveis com o texto
constitucional. Esse princípio traz em si a ideia de rigidez constitucional.
b) Força Normativa da Constituição: na solução de problemas constitucionais deve se buscar a
otimização de seus preceitos, criar condições mais favoráveis para tirar o melhor partido
possível do texto. Assim, deve se privilegiar as decisões do Supremo Tribunal Federal, pois é
órgão constitucional responsável pela guarda da constituição (artigo 102, caput), aquele que
dá a última e definitiva palavra sobre a interpretação da Carta Federal. Como consequência,
os demais Tribunais do país devem se submeter às decisões do Supremo Tribunal Federal nas
questões constitucionais.
c) Unidade da Constituição: a Constituição Federal é um sistema que deve ser entendido na
sua totalidade e não fragmentariamente. Deve-se evitar conflitos normativos, pois não há uma
4. hierarquia entre normas constitucionais, gozando, todas, dos mesmos atributos. O texto
principal da Constituição Federal não é maior que o texto do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
d) Concordância prática ou harmonização: diante de situações de conflito ou concorrência, o
intérprete deve buscar uma função útil a cada um dos direitos em confronto, a aplicação de
um não pode implicar a supressão de outro. Por exemplo: está garantida a liberdade de
atividade profissional e econômica, todavia, o Estado pode estabelecer taxa pelo exercício do
poder de polícia na fiscalização das atividade profissionais, como ocorre com os Conselhos de
Classe. Assim também ocorre com a liberdade de comércio de medicamento, pois o Estado
criou a ANVISA, ente fiscalizador dessa atividade em favor da sociedade. As normas tanto
criam direitos para os cidadãos como estabelecem controle dessas mesmas liberdades, as duas
tem que viver em harmonia, não se podendo afastar uma em detrimento da outra.
e) Máxima Efetividade: é o princípio da eficiência que tem por escopo imprimir a maior
eficácia social às normas constitucionais, extraindo-lhes o maior conteúdo possível,
principalmente em matéria de direitos fundamentais (subprincípio da força normativa). No
caso de normas programáticas e especialmente de direitos fundamentais, deve-se buscar,
mesmo quando carecedoras de complementação, o máximo possível de aplicabilidade. Na
solução dos problemas de transição de um para outro modelo constitucional (constituição
anterior para constituição nova), deve prevalecer, sempre que possível, a interpretação que
viabilize a implementação mais rápida do novo ordenamento.
f) Correção Funcional: o órgão encarregado da interpretação não poderá, como resultado
desta, imprimir alteração da repartição de competência constitucionalmente erigida. O
princípio da correção funcional consiste em estabelecer a estrita obediência, do intérprete
constitucional, da repartição de funções entre os poderes estatais, prevista
constitucionalmente.
g) Interpretação Intrínseca: as conexões de sentido devem ser buscadas dentro do próprio
texto constitucional (a Constituição Federal se auto explica). Deve-se evitar buscar sentidos
fora do texto constitucional.
h) Proporcionalidade: significa adequar meios aos fins. Evitar sacrifício desnecessário de
direitos. Uma hermenêutica do razoável. Menor ônus para se chegar ao resultado. Ilustra esse
princípio um adágio popular que diz que não se deve usar uma bomba para matar uma
formiga, pois seria desproporcional.
Fonte: online.unip.br (acesso exclusivo aos alunos)