O documento descreve o Trovadorismo, o primeiro movimento literário de Portugal, ocorrido entre os séculos XII e XIV. Apresenta o contexto histórico e cultural da época, marcado pelo teocentrismo e feudalismo. Detalha os principais gêneros de cantigas produzidos - de amor, amigo, escárnio e maldizer - e seus traços característicos.
2. Contexto Histórico
Na Literatura Portuguesa
convencionou-se chamar Era Medieval
ao período histórico conhecido
por Baixa Idade Média, que se estende
do século XI ao XV. Assim, na Europa
cristã da época é substituído o modo de
produção feudal pelas atividades
mercantis. Funda-se o Mercantilismo.
3. Os historiadores costumam limitar o
Trovadorismo entre os anos de 1189 e 1385.
Mais importante que essas datas
convencionais é saber que o Trovadorismo
corresponde à primeira fase da história
portuguesa, ao período da formação de
Portugal como reino independente. É o
período literário que reúne basicamente os
poemas feitos pelos trovadores para serem
cantados em feiras, festas e nos castelos
durante os últimos séculos da Idade Média. É
contemporâneo às lutas pela independência e
ao surgimento do Estado português.
4. Teocentrismo
Quanto ao contexto cultural e artístico,
podemos afirmar que toda a Idade Média foi
fortemente influenciada pela Igreja, a qual
detinha o poder político e econômico,
mantendo-se acima até de toda a nobreza
feudal. Nesse ínterim, figurava uma visão de
mundo baseada tão somente no teocentrismo,
cuja ideologia afirmava que Deus era o centro
de todas as coisas. Assim, o homem
mantinha-se totalmente crédulo e religioso,
cujos posicionamentos estavam sempre à
mercê da vontade divina, assim como todos os
fenômenos naturais.
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6. Relações econômicas e sociais
No que diz respeito ao aspecto econômico, toda a Europa
dessa época sofria com as sucessivas invasões dos povos
germânicos, fato este que culminava em inúmeras guerras.
Nessa conjuntura desenvolveu-se o sistema econômico
denominado de feudalismo, no qual o direito de
governar se concentrava somente nas mãos do senhor
feudal, o qual mantinha plenos poderes sobre todos os
seus servos e vassalos que trabalhavam em suas terras.
Este senhor, também chamado de suserano, cedia a posse
de terras a um vassalo, que se comprometia a cultivá-las,
repassando, assim, parte da produção ao dono do feudo.
Em troca dessa fidelidade e trabalho, os servos contavam
com a proteção militar e judicial, no caso de possíveis
ataques e invasões. A essa relação subordinada dava-se o
nome de vassalagem.
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9. Arquitetura
Na arquitetura, toda a produção
artística esteve voltada para a
construção de igrejas, mosteiros,
abadias e catedrais, tanto na Alta
Idade Média, na qual predominou o
estilo romântico, quanto na Baixa
Idade Média, predominando o estilo
gótico.
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11. Cancioneiros
Chegaram até nós três coletâneas de
poesias: o Cancioneiro da Vaticana, o
Cancioneiro da Biblioteca Nacional e
o Cancioneiro da Ajuda, todos eles
contendo composições que vão do século
XII ao século XIV. Os trovadores mais
famosos foram o rei Afonso X de Castela
e o rei D. Dinis de Portugal.
12. As cantigas trovadorescas
Todos os textos poéticos desta primeira época
medieval eram acompanhados por música e
normalmente cantados em coro, daí serem
chamados de cantigas. Assim, trovador era o
poeta, quase sempre um nobre, que compunha
sem preocupações financeiras como é o caso do
rei D. Dinis. Depois o jogral, segrel
ou menestrel que exercia sua profissão de
castelo em castelo, entretendo a alta nobreza.
Além de cantar poesias escritas pelos trovadores,
alguns desses artistas chegavam a compor.
Também havia a soldadeira, ou
jogralesa, dançarina que cantava e tocava
castanholas ou pandeiro.
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15. Canção da Ribeirinha
A primeira manifestação documentada
da literatura portuguesa data de 1189:
a Canção da Ribeirinha, escrita por Paio
Soares de Taveirós. Assim, do final do século
XII até o início do século XVI ocorrem, em
Portugal, manifestações literárias presas,
com maior ou menor intensidade, à modelos
medievais.
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17. Em Galaico Português
No mundo no me sei parelha*,
mentre me for’ como me vai,
ca ja moiro por vós – e ai
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraia
quando vos eu vi en saia!
Mao dia me levantei,
que vos enton non vi fea!
E, mia senhor, des aquel di’, ai!
me foi a mi muin mal,
e vós, filha de don Paai
Moniz, e ben vos semelha
d’aver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d’alfaia
nunca de vós ouve nem ei
valia d’~u correa.
18. Transcrição em Português Moderno
No mundo ninguém se assemelha a mim
enquanto a minha vida continuar como vai
porque morro por vós, e ai
minha senhora de pele alva e faces rosadas,
quereis que vos descreva ( retrate )
quando vos eu vi sem manto ( saia: roupa íntima )
Maldito dia! Me levantei
que não vos vi feia! ( a viu mais bela )
E, minha senhora, desde aquele dia, ai!
tudo me foi muito mal,
e vós, filha de don Pai
Moniz, e bem vos parece
de ter eu por vós guarvaia ( roupa luxuosa )
pois eu, minha senhora, como mimo ( prova de amor)
de vós nunca recebi
19. Dois grandes grupos de cantigas
As cantigas líricas
cantigas de amor e cantigas de amigo
As cantigas satíricas
cantigas de escárnio e cantigas de maldizer
20. Características
Cantiga de amor
autoria masculina
sentimento masculino
origem: provençal
ambiente retratado: palaciano
o homem presta vassalagem amorosa
a mulher é um ser idealizado, superior
21. Uma palavrinha sobre as cantigas
de amor
Nas cantigas de amor, em cenário real, na postura do homem
diante da mulher, há a vassalagem feudal, ou seja, os papéis são
trocados e o homem apaixonado jura solenemente “servir” à
mulher amada, que se elevava, desse modo, à condição de
“senhor”. Observemos este fato nos versos:
E que queria eu melhor
De ser seu vassalo
E ela minha senhor?
Portanto, a mulher é vista de modo idealizado, e a ela é dedicado
um amor sublimado, igualmente idealizado, pois como a dama é
inatingível, só resta ao trovador sofrer por ela.
22. Cantiga de amor
Quer’eu em maneira de proença!
fazer agora um cantar d’amor
e querrei muit’i loar mia senhor
a que prez nem fremosura nom fal,
nem bondade; e mais vos direi ém:
tanto a fez Deus comprida de bem
que mais que todas las do mundo val.
Ca mia senhor quizo Deus fazer tal,
quando a faz, que a fez sabedord
e todo bem e de mui gram valor,
e com tod’est[o] é mui comunal
ali u deve; er deu-lhi bom sém,
e desi nom lhi fez pouco de bem
quando nom quis lh’outra
foss’igual D. Dinis
23. Cantiga de amigo
autoria masculina
sentimento feminino
origem: galego-portuguesa
ambiente retratado: rural (popular)
a mulher sofre pelo amigo (namorado, amante)
a mulher é um ser real e concreto
Características
24. Detalhes sobre as cantigas de
amigo
As cantigas de amigo refletem o
PATRIARCALISMO. A mulher sofre a
ausência do amigo (amante) que foi ao
“fossado” (Guerra Santa). A angustia
consiste em não saber qual o destino do
amigo, se voltará ou se a trocará por
outra. O ambiente dessas canções é
rural, onde a mulher é camponesa.
25. Cantiga de amigo
Ai flores, ai flores do verde pinho
se sabedes novas do meu amigo,
ai deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado,
ai deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquele que mentiu do que pôs comigo,
ai deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquele que mentiu do que me há jurado
ai deus, e u é?
(...)
D. Dinis
26. As cantigas satíricas
As cantigas satíricas dirigiam seu foco para as
relações sociais, ou seja, os costumes;
notadamente do clero e dos vilões, a covardia; a
decadência da nobreza e o adultério feminino.
As cantigas satíricas apresentam interesse
sobretudo histórico. São verdadeiros
documentos da vida social, principalmente da
corte. Fazem ecoar as reações públicas a certos
fatos políticos: revelam detalhes da vida íntima
da aristocracia, dos trovados e dos jograis,
trazendo até nós os mexericos e os vícios
ocultos da fidalguia medieval portuguesa.
27. As cantigas de escárnio eram
sátiras indiretas, que exploravam
palavras e construções ambíguas,
expressões irônicas. Rebuscadas de
uma linguagem conotativa, não
indicavam o nome da pessoa
satirizada.
Cantigas de escárnio
28. Ai, dona fea, foste-vos queixar
que vos nunca louv[o] em meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!...
João Garcia de Guilhade
29. Cantiga de maldizer
Já as cantigas de maldizer eram sátiras
diretas, com citação nominal da pessoa
ironizada. Envolvidas por uma
linguagem chula, destacavam-se
palavrões, geralmente envoltos por um
tom de obscenidade, fazendo referência
a situações relacionadas a adultério,
prostituição, imoralidade dos padres,
entre outros aspectos.
30. Roi queimado morreu con amor
Em seus cantares por Sancta Maria
por ua dona que gran bem queria
e por se meter por mais trovador
porque lhela non quis [o] benfazer
fez-sel en seus cantares morrer
mas ressurgiu depois ao tercer dia!...
Pero Garcia Burgalês
31. Documentos Históricos
As canções medievais são registro de uma realidade,
portanto, além de arte são documentos de uma sociedade que
se iniciou há quase mil anos.
Dessa maneira, a poesia satírica galego-portuguesa
oferece-nos um precioso testemunho sobre a Idade Média
portuguesa, uma vez que informa sobre os fatos históricos e
sociais mais relevantes. Deixou também, como herança das
cantigas de escárnio, a tradição de praguejar, zombar, etc. que
é bem presente na sociedade de hoje. Para finalizar deixamos
os versos de Fernando Pessoa:
Cantigas de portugueses
São como barcos no mar –
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.