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A síndrome nefrítica é o correlato clínico da inflamação glomerular
aguda. Esta "inflamação" dos glomérulos pode ocorrer de forma
idiopática, como doença primária dos rins, ou ser secundária a alguma
doença sistêmica, como infecções e colagenoses. A síndrome nefrítica
clássica possui um início súbito (dias/semanas) e tem como protótipo a
glomerulonefrite pós-estreptocócica. Independente da origem, o quadro
básico é caracterizado por hematúria (estigma da síndrome), proteinúria
(não-nefrótica, ou seja, menor que 3,5g/24h) e oligúria (400 ml/dia de
urina). A redução do débito justifica azotemia e retenção hídrica, com
hipertensão. Ocorre declínio do fluxo sanguíneo renal e da TFG (taxa de
filtração glomerular) em conseqüência da obstrução do lúmen dos
capilares glomerulares por células inflamatórias infiltrantes e pela
proliferação das células glomerulares residentes. O fluxo sanguíneo renal
e a TFG são ainda mais comprometidos pela vasoconstricção intra-renal
e pela contração das células mesangiais, decorrente de uma desordem
local das substâncias reguladoras da vasoconstricção e vasodilatação na
microcirculação renal. A hematúria tem origem nos glomérulos
comprometidos, e é o sinal mais característico e mais comum da
síndrome nefrítica, devendo ser esperada na imensa maioria das vezes,
macroscopicamente ou microscopicamente (EAS). As formas de
hematúria de origem glomerular possuem características microscópicas
especiais que as diferenciam das hematúrias que se originam em outros
locais que não os glomérulos, como as que resultam de lesões dos
túbulos renais, da pelve renal, dos ureteres, da bexiga e da uretra:
quando as hemácias encontradas num EAS são de origem glomerular,
elas estão quase sempre deformadas, fragmentadas e hipocrômicas,
num fenômeno conhecido como dismorfismo eritrocitário. Isso resulta da
migração de hemácias através de "rupturas" ou "fendas" que surgem
nas alças capilares dos glomérulos "inflamados" - as hemácias vão do
interior dos glomérulos para o sistema tubular, e se deformam ao
passarem por estes poros estreitos. Além do dismorfismo eritrocitário, o
exame do sedimento urinário da síndrome nefrítica comumente revela
piúria e cilindros celulares (hemáticos e leucocitários), deixando evidente
o processo inflamatório glomerular. A eliminação destes cilindros
celulares na urina é um indício importante de que a lesão renal se
localiza no parênquima renal (glomérulos ou túbulos). A proteinúria é
outro achado comum da Síndrome Nefrítica, aparecendo em função de
alguns fenômenos, como alterações da permeabilidade e rupturas
mecânicas das paredes dos glomérulos comprometidos. Na síndrome
nefrítica pura, esta proteinúria não costuma atingir níveis acima de
3,5g/dia (considerados nefróticos), e, tipicamente, é do tipo não-
seletiva. A oligúria deve ser entendida como resultante do prejuízo da
superfície de filtração dos glomérulos, devido, principalmente, à invasão
pelas células inflamatórias e à contração do espaço mesangial. Como os
glomérulos filtram menos, sobrevém retenção hidrossalina e, nos casos
mais graves, azotemia. A retenção hidrossalina culmina em edema e
hipertensão arterial. Uma prova de que o edema da síndrome nefrítica é
decorrente da retenção renal primária, é a presença de níveis
plasmáticos de renina consistentemente baixos. Por ser nefrogênico, o
edema também acomete a região peri -orbitária. As condições que se
enquadram como glomerulonefrite aguda, ou seja, aquelas que se
caracterizam pelos sinais e sintomas de uma síndrome nefrítica, devem
ser agrupadas etiologicamente de três formas: 1ª) Causadas por
doenças infecciosas (pós estreptocócicas e não- pós- estreptocócicas);
2ª) Causadas por doenças sistêmicas ( como por exemplo, Lúpus
Eritematoso Sistêmico, Crioglobulinemia, Granulomatose de Wegener e
tumores); 3ª) Primárias do Glomérulo (pode-se citar a Doença de
Berger, GN membranoproliferativa, GN por imunocomplexos idiopáticos,
outras). Em termos de patogenia, podemos afirmar que mais de 70 %
dos casos de glomerulonefrite aguda (síndrome nefrítica aguda clássica)
são decorrentes da deposição glomerular de imunocomplexos, contendo
imunoglobulinas (lgG, IgM ou IgA) e fatores do complemento (C3). Em
geral, o rápido estabelecimento do diagnóstico e o tratamento são
críticos para evitar o desenvolvimento de insuficiência renal irreversível.
A biopsia renal continua sendo o padrão ideal para o diagnóstico. Três
marcadores sorológicos podem evitar a necessidade de biopsia renal nos
casos clássico. Esses marcadores são o nível sérico de C3 e os títulos de
anticorpos anti-MBG e ANCA. A microscopia de imunofluorescência
permite identificar três categorias de diagnóstico: depósito granulosos
espalhados de imunoglobulinas; depósito linear mais distinto de
imunoglobulinas ao longo da MBG; escassez ou ausência de
imunoglobulinas.
http://www.lian-ebmsp.com.br/Nefropedia.View.php?id=42

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A síndrome nefrítica é o correlato clínico da inflamação glomerular aguda

  • 1. A síndrome nefrítica é o correlato clínico da inflamação glomerular aguda. Esta "inflamação" dos glomérulos pode ocorrer de forma idiopática, como doença primária dos rins, ou ser secundária a alguma doença sistêmica, como infecções e colagenoses. A síndrome nefrítica clássica possui um início súbito (dias/semanas) e tem como protótipo a glomerulonefrite pós-estreptocócica. Independente da origem, o quadro básico é caracterizado por hematúria (estigma da síndrome), proteinúria (não-nefrótica, ou seja, menor que 3,5g/24h) e oligúria (400 ml/dia de urina). A redução do débito justifica azotemia e retenção hídrica, com hipertensão. Ocorre declínio do fluxo sanguíneo renal e da TFG (taxa de filtração glomerular) em conseqüência da obstrução do lúmen dos capilares glomerulares por células inflamatórias infiltrantes e pela proliferação das células glomerulares residentes. O fluxo sanguíneo renal e a TFG são ainda mais comprometidos pela vasoconstricção intra-renal e pela contração das células mesangiais, decorrente de uma desordem local das substâncias reguladoras da vasoconstricção e vasodilatação na microcirculação renal. A hematúria tem origem nos glomérulos comprometidos, e é o sinal mais característico e mais comum da síndrome nefrítica, devendo ser esperada na imensa maioria das vezes, macroscopicamente ou microscopicamente (EAS). As formas de hematúria de origem glomerular possuem características microscópicas especiais que as diferenciam das hematúrias que se originam em outros locais que não os glomérulos, como as que resultam de lesões dos túbulos renais, da pelve renal, dos ureteres, da bexiga e da uretra: quando as hemácias encontradas num EAS são de origem glomerular, elas estão quase sempre deformadas, fragmentadas e hipocrômicas, num fenômeno conhecido como dismorfismo eritrocitário. Isso resulta da migração de hemácias através de "rupturas" ou "fendas" que surgem nas alças capilares dos glomérulos "inflamados" - as hemácias vão do interior dos glomérulos para o sistema tubular, e se deformam ao passarem por estes poros estreitos. Além do dismorfismo eritrocitário, o exame do sedimento urinário da síndrome nefrítica comumente revela piúria e cilindros celulares (hemáticos e leucocitários), deixando evidente
  • 2. o processo inflamatório glomerular. A eliminação destes cilindros celulares na urina é um indício importante de que a lesão renal se localiza no parênquima renal (glomérulos ou túbulos). A proteinúria é outro achado comum da Síndrome Nefrítica, aparecendo em função de alguns fenômenos, como alterações da permeabilidade e rupturas mecânicas das paredes dos glomérulos comprometidos. Na síndrome nefrítica pura, esta proteinúria não costuma atingir níveis acima de 3,5g/dia (considerados nefróticos), e, tipicamente, é do tipo não- seletiva. A oligúria deve ser entendida como resultante do prejuízo da superfície de filtração dos glomérulos, devido, principalmente, à invasão pelas células inflamatórias e à contração do espaço mesangial. Como os glomérulos filtram menos, sobrevém retenção hidrossalina e, nos casos mais graves, azotemia. A retenção hidrossalina culmina em edema e hipertensão arterial. Uma prova de que o edema da síndrome nefrítica é decorrente da retenção renal primária, é a presença de níveis plasmáticos de renina consistentemente baixos. Por ser nefrogênico, o edema também acomete a região peri -orbitária. As condições que se enquadram como glomerulonefrite aguda, ou seja, aquelas que se caracterizam pelos sinais e sintomas de uma síndrome nefrítica, devem ser agrupadas etiologicamente de três formas: 1ª) Causadas por doenças infecciosas (pós estreptocócicas e não- pós- estreptocócicas); 2ª) Causadas por doenças sistêmicas ( como por exemplo, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Crioglobulinemia, Granulomatose de Wegener e tumores); 3ª) Primárias do Glomérulo (pode-se citar a Doença de Berger, GN membranoproliferativa, GN por imunocomplexos idiopáticos, outras). Em termos de patogenia, podemos afirmar que mais de 70 % dos casos de glomerulonefrite aguda (síndrome nefrítica aguda clássica) são decorrentes da deposição glomerular de imunocomplexos, contendo imunoglobulinas (lgG, IgM ou IgA) e fatores do complemento (C3). Em geral, o rápido estabelecimento do diagnóstico e o tratamento são críticos para evitar o desenvolvimento de insuficiência renal irreversível. A biopsia renal continua sendo o padrão ideal para o diagnóstico. Três marcadores sorológicos podem evitar a necessidade de biopsia renal nos
  • 3. casos clássico. Esses marcadores são o nível sérico de C3 e os títulos de anticorpos anti-MBG e ANCA. A microscopia de imunofluorescência permite identificar três categorias de diagnóstico: depósito granulosos espalhados de imunoglobulinas; depósito linear mais distinto de imunoglobulinas ao longo da MBG; escassez ou ausência de imunoglobulinas. http://www.lian-ebmsp.com.br/Nefropedia.View.php?id=42