1. A RAZÃO NATURAL E AS CINCO VIAS TOMISTASi
O contexto das verdades inferidas pela razão natural
Na verdade a possibilidade de conhecimento de Deus por via da razão
natural está muito mais distante no tempo do que se possa imaginar, por
exemplo, os padres da Igreja já haviam apontado a necessidade de se utilizar
da filosofia grega para fundamentar a Revelação, já no ano 300 mais ou
menos, com a influência de Orígines e culmina na patrística com Agostinho.
Posteriormente, o problema do conhecimento de Deus ganhou força e
discussão com Alfarabi, Avicena, Averróis, Anselmo de Cantuária, Alberto
magno para, somente então chegar a Tomás de Aquino. É neste contexto que
Tomás elabora as cinco vias e todas elas estão permeadas da contribuição de
todos estes pensadores, pois Tomás os conhecia profundamente e ainda se
fundamenta e encontra um longo espaço na doutrina aristotélica da qual irá
assimilar e construir a partir de.
Além destes aspectos é importante frisar que se deve respeitar a
distinção e “virada” metafísica, onde a essência se torna, em Tomás,
conseqüência da existência, ou seja, primeiro algo existe, depois é isso ou
aquilo.
Em todo deste contexto se faz subjacente toda à problemática entre fé e
razão, as possibilidades do conhecimento de Deus, os mais variados debates
com filósofos, os mais divergentes métodos e efeitos para alcançar tal objetivo.
Tudo girando em torno da verdade, ora esta sendo objeto da filosofia ora da
teologia.
Tais caminhos implicam numa mesma intenção, mergulhar nas causas,
ou na finalidade de tudo o que existe. Neste sentido, encontrar a Verdade é
encontrar o próprio Deus.
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2. Distinção entre razão natural e razão revelada
Antes de adentrar na complexidade entre a razão natural e a revelada,
temos que defender o seguinte princípio que está exposto como modelo
universal tanto para a filosofia como para a Teologia. A razão, ou o ato racional
é fenômeno da natureza manifesto de maneira particular e única no homem,
mais especificamente na espécie homo sapiens.
Neste sentido o homem, um ser racional para o filósofo é tido como
ápice da natura, pois é capaz de refletir sobre si, sobre o outro, sobre o mundo
e sobre Deus, num ato expressivo de ir além de seus limites e modificar a
realidade em que vive. Para o teólogo, esse ato racional, além de todos os
caracteres doa compreensão do filósofo, também será sinal de graça, ou de
semelhança a Deus de tal maneira que a consciência, liberdade, e autonomia
se tornam, quando bem encaminhados, sinais ou rastros do divino.
Assim, a razão é essa capacidade da natureza humana que diferencia o
homem do todo e o faz estar em condição de pensar, pensar sobre o pensar e,
pensar a Deus. Afinal se para a filosofia toda a estrutura de integridade esta na
busca pela verdade e pelo conhecimento das coisas, para a teologia poderia se
perguntar se sem a razão o homem conheceria Deus como o conhece?
A razão natural, propriamente dita passa por todo o processo do
conhecimento que vai desde a estrutura biofísica do homem, passa pela noção
de memória, consciência e, culmina na alma (psique).
Além de toda a estrutura natural que potencializa o homem a ser
racional, temos alguns complicadores que perpassam toda a questão. Por
exemplo, no que diz respeito à razão natural se estabelece todo o esforço que
o homem desenvolve para alcançar a verdade. Aqui se tem que ter todo
cuidado para não confundir as premissas, pois a razão natural busca a verdade
das coisas em sua máxima integridade, encontrar a Deus não é o objetivo
inicial de sua especulação, mas sim uma conseqüência de tal caminho
percorrido. Neste sentido a razão natural faz o caminho defendido por Tomás
de Aquino, é o caminho de indução onde se percorre dos efeitos á causa
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3. (Deus) de tal maneira que este processo é determinado por sua autonomia, ou
seja, pelo esforço da razão.
Mas é fato que se o homem pode por tal caminho chegar à noção de um
Ser que é causa e finalidade de tudo, e que há uma necessidade de não
reduzir Ad infinitum. Contudo, se a razão natural pode averiguar e caminhar em
direção a Verdade que será o próprio Deus, esta o faz por dois motivos: o
primeiro é por que Deus infundiu na natureza os seus rastros e por isso através
dos sentidos, o homem é capaz de captar (inteligir) algo de Deus, mas não a
sua essência. O segundo motivo é a autonomia que a razão natural se utiliza
em sentido análogo da Revelação, pois a Revelação enquanto tal é dada por
deus aos homens. Aqui a razão natural se torna mais universal que a própria
Revelação, pois a esta ainda não atingiu todos os homens, dado que a razão é
condição de todos e sempre haverá a possibilidade de mesmo um “pagão não
conhecendo a revelação” institucionaliza terá sempre a possibilidade de
caminhos dos efeitos à Causa.
A seguir temos a razão revelada que além de todas as propriedades da
razão natural, ela conta com o enunciado da Revelação, ou seja,
compreendendo que a Verdade é Deus mesmo, tem-se o fato de que existem
propriedades, e coisas que sabemos de Deus não pelo esforço da razão
natural, pois esta é limitada, e sim por nos ser revelado por Deus. A maior
diferença entre ambas as posições está no fato de que a razão revelada vai
além da razão natural e infere pela fé, não mais e somente pela razão,
verdades que só se é possível aderir pela fé. Aqui há um duplo caminho. O
primeiro é que a revelação permite, de maneira limitada seguir da Causa
“parcial (Revelação) aos efeitos através do caminho da graça. Mas esse
processo necessita perpassar todos os caminhos da razão natural e dos
sentidos. Assim a fé culmina na relação com a razão na medida em que a
Revelação recebe um caráter de manifestação que está coerente com os
moldes da razão, de tal maneira que a fé torna-se acessível aos homens pelo
crivo da analogia. Método essencial para descrever e compreender o que algo
de Deus pode significar.
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4. É na razão revelada que se detém os dogmas e inferências que
implicam a existência humana e as mais variadas soluções de fé como, por
exemplo, a encarnação, a ressurreição...
Evidencia-se ainda que ambas as posições, tanto da razão revelada
como a natural estão envoltas de limites, pois o próprio homem é limitado.
Assim, o máximo de proveito que se pode obter é a justa medida entre ambas,
onde a fé e a razão dentro de seus próprios limites e estão alicerçados em uma
única busca, A Verdade.
As cinco vias tomistas1
As cinco vias tomistas estão fundadas na ordem da especulação da
razão natural de tal maneira que através dos efeitos e a partir deles Tomás
tenta acender até Deus.
As provas da existência de Deus ou as vias, no sentido de acesso ou
caminho ser percorrido conservam entre si uma estrutura de relação intrínseca
e seus efeitos estão ligados extrinsecamente. Contudo, elas se mantêm
distintas em seus argumentos... São cinco vias e não uma única via dividida em
cinco partes.
A primeira via retirada da doutrina do ato e potência de Aristóteles se faz
fundamental e por vezes a mais genuínas de todas as vias, pois é a que se
estrutura de maneira brilhante e infere mais que a necessidade de haver um
princípio primeiro que chamam Deus; ela nos proíbe caminhar ao infinito de tal
maneira que sustentada na existência, dado fenomênico e universal, pelo
movimento de atuação do Ser, somos obrigados pela necessidade lógica do
argumento a inferir a existência e atuação do Ser (Deus).
Assim, temos abaixo um esquema que indica os caminhos das cinco
vias elaboradas por Tomás.
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Cf. MARITAIN, Jacques. Caminhos para Deus. BH. Itatiaia, 1962. Ainda fica alertado que
Maritain elaborou uma sexta via que se fundamenta nas cinco vias tomistas e perpassa pela
elaboração da “intuição” ate um possível sexto caminho para se inferir Deus.
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5. 1° Movimento: Esta teoria está fundada na base aristotélica da passagem da
potência ao ato, onde os entes podem “vir a ser”. Aqui subjaz a teoria do Motor
Imóvel de Aristóteles, a necessidade de não “reduzir ao infinito”, pois nada
existe do nada. Também nota-se que há uma finalidade, ou ainda uma
intencionalidade no movimento das coisas.
2° Causas Eficientes: É impossível que uma coisa se faça causa de si mesma
(pois, então, precederia a própria existência), as causas eficientes acham-se
em conexão de complementaridade e interdependência, tendo em vista que na
especulação das causas é necessário “parar” e não reduzir ao infinito, pois
nada provém do de nada.
3° Pelo contingente e pelo necessário: Falar em mudança é falar em
contingência, assim uma coisa ou é em razão a sua razão, ou em razão de
outra coisa, tendo fora de si à razão de sua existência. Assim tudo o que existe
não encontra em si a razão de seu existir e deve recorrer a “algo” externo e
originário.
4° Graus de perfeição: Onde se há a percepção de maior e menor, ou de mais
e menos temos por dedução um grau superior que nos orienta e serve de base
para nosso juízo. Assim se há certo grau de bondade nas coisas, existe um
grau máximo de bondade em si que é Deus.
5° Ordem das coisas: Todas as coisas estão comprometidas num sistema de
relações regulares e orientadas num sentido estavelmente definido, isso
demonstra não o acaso, mas sim uma intencionalidade e orientação intrínseca
que atrai todas as coisas a sua finalidade.
(em relação à última via, é fato que a natureza segue uma ordem que
converge em um sentido, por exemplo, há um movimento ordenado e
sistematizado que a permite progredir e evidenciar leis próprias que são
seguidas. Neste sentido a ordem cósmica e cosmológica é manifestada na
natureza, bastando uma observação apurada da razão especulativa para a
comprovação desta via)
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6. Indicações de leituras
IGREJA CATÓLICA Papa (1998. João Paulo II). Carta encíclica de sua
santidade sobre a relação entre Fé e razão. São Paulo: Paulinas, 2009. 13,
48, 63, 75, 76p.
IGREJA CATÓLICA Papa (1879. Leão XIII). Carta encíclica de sua santidade
sobre a restauração da filosofia cristã conforme a doutrina de Santo
Tomás de Aquino. Versão eletrônica. Tradutores: Maria Lucia da Fonseca.
Sávio Laet de Barros Campos.Disponível em:
http://www.filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Aeterni_Patris.pdf
Acessado em 12/11/2011.
GILSON, Etienne. El Tomismo. Introducción a la filosofía de Santo Tomás de
Aquino. Buenos Aires: Ediciones Desclée, De Brouwer. 1951.
CATHOLOLIC CHURCH. Pope (1870. Pius IX). Dogmatic Constitution on
the Catholic Faith - April 24, Session III, see esp. Chapter II - "On
Revelation"; Chapter III - "On Faith"; Canon II - "On Revelation"; and
Canon III - "On Faith" Access in:
<http://www.ewtn.com/library/COUNCILS/V1.htm#4> Available in: 12/11/2011.
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José Fernando Vieira, Graduando em Filosofia. Faculdade Arquidiocesana de Curitiba. 2011.
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