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ARTIGO:

       MITO, ARTE E SABERES CULINÁRIOS: CLAUDE LÉVI-STRAUSS E A
                     UNIVERSALIDADE DA CULTURA.1



MYTH, ART AND CULINARY KNOWLEDGE: CLAUDE LÉVI-STRAUSS AND THE
                                 CULTURE UNIVERSALITY.




                                                                       Edgard de Assis Carvalho2




RESUMO: o artigo apresenta e discute o pensamento de Claude Lévi-Strauss, com ênfase na
arquitetura lógica do entendimento, na superação da dicotomia natureza-cultura e na busca da
universalidade da condição humana.



Palavras-chave: Cultura; entendimento; universalidade.

ABSTRACT: This article presents and discusses the thought of Claude Lévi-Strauss, with an
emphasis on the logical architecture of understanding, the overcoming of the dichotomy nature-
culture and the search for the universality of the human condition.



Key-words: Culture; understanding; universality.



1
  Texto originalmente publicado na Revista Cronos, volume 9, nº 2, julho/dezembro 2008, pp. 301/314,
do programa de pós-graduação em ciências sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
intitulado A paixão pelo entendimento: Claude Lévi-Strauss e a universalidade da cultura.
2
  Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1968).Doutor em Antropologia pela
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro (1974).Pós-Doutor pela École des Hautes en
Sciences Sociales, EHESS (1980).Livre-Docente pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, UNESP
(1995).

Atualmente é professor titular de Antropologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e
Coordenador do Núcleo de Estudos da Complexidade.Membro do Conselho Científico da Multiversidad
del Mundo Real Edgar Morin, Hermosillo, México.Membro do conselho diretor da Associação
internacional para o pensamento complexo. Representante da Cátedra itinerante da Unesco Edgar
Morin.

E-mail: edgardcarvalho terra com.br
Convergências e sincronicidades marcaram o ano de 1908. Nasceram Claude Lévi-
Strauss e Maurice Merleau-Ponty. Simone de Beauvoir, que resenhou as Estruturas elementares
do parentesco na revista Les Temps Modernes (BEAUVOIR, 1949) também veio ao mundo
nessa data. Isso na França. Merleau-Ponty partiu em 1961, Simone, o Castor, como era tratada
na intimidade, em 1986, seis anos após a morte de Jean-Paul Sartre. Aqui no Brasil, deixava a
convivência dos vivos o nosso Machado de Assis e nascia Guimarães Rosa, que também não
está mais entre nós. Ao final de 2009, próximo a completar 101 anos, deixa-nos Lévi-Strauss
que até ao final permaneceu na ativa, desafiando pesquisadores, comentadores, críticos.
Coincidentemente ou não, estamos diante de cinco pensadores fulgurantes, cujas obras terão
muito a dizer para a nossa e as gerações futuras desse século 21 globalizado, tirânico,
intolerante, líqüido e, simultaneamente, esperançoso e civilizatório.

      Comemorações, exposições, colóquios sempre ocorrem em Centenários como esse
Narradores do sensível voltado para Lévi-Strauss e Merleau-Ponty. Obstinadamente
apaixonados pela liberdade e pelo humanismo, ambos ultrapassam fronteiras disciplinares,
desfazem barreiras entre ciências e artes.         Universalistas, são autores de uma obra
multidimensional que nos faz meditar sobre os percalços da condição humana em sua aventura
na Terra.

      A sensibilidade não se opõe à inteligibilidade, ou aos ditames da razão. Caminham juntas,
penetram no corpo, estabelecem conexões, reorganizam o real por meio dos cinco sentidos. Um
sexto sentido, a imaginação criadora, se junta a eles para colocar ordem na casa, nutrir a vida,
produzir uma harmonia interior, essa sim a verdadeira condição da sabedoria.

      Afirma Merleau-Ponty, fazer Antropologia exige um longo processo de transformação de
si mesmo, para que o contato com o outro não seja cercado de exotismos fantasiosos e
relativismos complacentes. Os dados imediatos da percepção sensível não são, portanto,
material bruto, cópia branca dos objetos apreendidos; são propriedades abstraídas do real, que se
efetivam por meio de mecanismos de codificação e decodificação inscritos no sistema nervoso
central. Por isso, o antropólogo deve entender que não é um objeto particular o que define sua
especialidade, mas uma maneira de pensar que combina universal e particular, global e local,
singular e plural.

      Lévi-Strauss, em março de 1941, na viagem para New York, a bordo do navio Capitaine
Papulo-Lemerle, fugitivo da França ocupada, travou contato com André Breton que, com ele,
escapara da fúria e da ocupação nazistas. Notas escritas por ambos acerca da concepção
surrealista das obras de arte se intensificaram a partir daí. O exílio fez com que as relações com
Max Ernst, Yves Tanguy e Marcel Duchamp se estreitassem. O que há de comum entre eles?
Todos tentam descobrir e desvendar uma realidade supra-sensível que escapa da racionalidade
estrita de conceitos e teorias. Pode-se afirmar que o exílio provocou uma revolução noológica
em Lévi-Strauss, fazendo com que suas idéias se dissipassem para outros territórios
disciplinares.

      A Lingüística, a partir de 1949, lhe fornece um campo de pertinência fecundo para a
análise dos sistemas simbólicos, em especial o parentesco. A homologia formal entre atos
lingüísticos e fatos sociais é condição prévia que torna possível a demarcação do sistema das
diferenças e oposições binárias jamais percebidas pelos agentes sociais, quaisquer que sejam
eles. “Uma sociedade é comparável a um universo no qual massas discretas seriam altamente
estruturadas” (LÉVI-STRAUSS, 1950, p.XX).

       Identificado a essas massas discretas, o parentesco desempenha papel dominante e
ordenador em sociedades sem classes, cujo acesso à terra passa sempre pela mediação da
comunidade. A proibição universal do incesto sempre cumpre importante papel nesse processo.
Esse fato não impede, porém, que a análise se estenda a outras expressões da cultura: “Com
efeito, os etnólogos ocupam-se quase que exclusivamente da estrutura, quando estudam os
problemas do parentesco” (LÉVI-STRAUSS, 1958, p.305).

      Esse pressuposto metodológico elegeu com locus preferencial a primitividade, pois essa
era composta por um campo de relações estáveis e simbióticas, no qual a irrupção dos
acontecimentos históricos era neutralizada e, até mesmo, vista como indesejável. Formulada em
1949, a noção de estrutura social não se reduz à rede empírica das relações sociais, mas a
modelos construídos de acordo com elas.

      Modelos são sistemas compostos de oposições, complementaridades, concorrências.
Possuem escalas mecânicas e estatísticas, níveis diversos de cognição; são conscientes e,
simultaneamente, inconscientes. Os primeiros reproduzem regras e padrões culturais, fabricam
ordens; os segundo situam-se em nível mais profundo, oculto, recalcado. Por isso, ultrapassam
histórias locais, transcendem indivíduos e culturas. São comuns a todos os homens. “Colocarei,
inicialmente, a título de hipótese, que o campo dos estudos estruturais inclui quatro famílias de
ocupantes principais que são os seres matemáticos, as línguas naturais, as obras musicais e os
mitos” (LÉVI-STRAUSS, 1971, p.578).

      No conjunto da obra, Claude Lévi-Strauss sempre questionou a fronteira entre natureza e
cultura. Ao deixar de lado harmonias funcionais, neo-evolucionismos hierárquicos, pós-
modernismos relativistas e racismos identitários, investiu na religação das esferas natural, social
e cósmica, no confronto metódico do conteúdo e do contexto, do cromatismo e do diatônico. A
natureza e a cultura, a animalidade e a humanidade, afirma, tornam-se mutuamente permeáveis.
“Passa-se livremente e sem obstáculos de um reino ao outro: em vez de existir um abismo entre
os dois, misturam-se a ponto de cada termo de um dos reinos evocar imediatamente um termo
correlativo no outro reino, próprio para exprimi-lo assim como ele por sua vez o exprime”
(LÉVI-STRAUSS, 1964, 2004 [ed.bras.], p.316).

      O afastamento desse ciclo maldito responsável pela corrupção do humanismo aposta na
significação ampla e irrestrita dos saberes, e não apenas os dos mitos. Claro que a lingüística é
fundamental nessa reviravolta teórico-conceitual, claro também que, apesar de detestar viagens,
sua vinda para os tristes trópicos, entre 1935 e 1937, como integrante da missão francesa, dá
mais visibilidade à diversidade das culturas e à dialogia entre o universal e o particular.

      Propriedade imanente do real, a estrutura reorganiza a ordem vivida, tem duas faces,
como o deus Jano do panteão romano, representado por dois rostos que se opõem, um que olha
para frente, outro que olha para trás. Esses fundamentos desencadearam críticas de toda ordem.
A ortodoxia marxiana fincou pé que o primado das infra-estruturas não recebe de Lévi-Strauss
nenhuma referência. O marxismo sempre foi considerado por ele como uma pesquisa
complementar à sua e não um adversário contumaz. Juntamente com a Psicanálise e a Geologia,
o marxismo completa, no plano da metáfora, o trio de suas três amantes, porque essas três áreas
do saber não se contentam nunca com a aparência fenomênica do discurso de analisandos, dos
mistérios da terra, da pragmática das relações econômicas. “Marx ensinou que a ciência social
não se constrói sobre o plano dos acontecimentos, assim como a física a partir dos dados da
sensibilidade” (LÉVI-STRAUSS, 1955, p.14).

      A adesão ao marxismo – afinal os homens fazem a história, mas nunca sabem que a
fazem - não impede que a semiótica cultural contida na circulação e comunicação de mulheres,
bens e mensagens minimize o papel primordial que as práticas produtivas desempenham em
quaisquer esferas societárias. A matéria é sempre o instrumento, mas nunca a determinação
direta sobre o restante da sociedade. Bens econômicos, por exemplo, não se confundem com
mulheres e mensagens, mas necessitam de ambas para serem trocados. A noção de equivalente
geral formulada por Marx no livro um de O Capital (MARX, 1859) talvez possa ser vista nessa
ótica. Basta reler com atenção a forma total ou desenvolvida do valor para saber que a
circulação e a troca de mercadorias sempre requer um equivalente abstrato que lhe sirva de base.
O fetiche e o segredo místico da mercadoria são decorrências desse conjunto sistêmico que, no
tempo, garante a acumulação do capital.

      Não há como negar que infra-estruturas são sempre fundamentais para quaisquer
processos históricos. O que, porém, deve ser descartado é seu caráter determinante e
prometéico. Acredito ser esse o entendimento de Lévi-Strauss sobre as descontinuidades
históricas planetárias.   “Não pretendemos, de modo algum, insinuar que transformações
ideológicas engendrem transformações sociais. A ordem inversa é a única verdadeira (LÉVI-
STRAUSS, 1962, p.155).

       Essas bases exigem um retorno sobre o tempo e o espaço, um exercício de
descentramento que permite pensar a si mesmo de modo menos sociocêntrico e arrogante. Os
saberes das alteridades são apenas expressões de um universal que está, simultaneamente, em
nós e fora de nós. Não se trata, portanto, de encontrar denominadores comuns para as diferenças
culturais, mas sim resgatar “características comuns à maioria das sociedades e construir um
modelo teórico da sociedade humana que não corresponde a nenhuma realidade observável”
(LÉVI-STRAUSS, 1955, p.451).

      O exercício desse tipo de contemplação estética e escuta ética, que se vale das
significações das relações sociais para delas extrair um campo mais elegante de significantes,
assemelha-se ao trabalho do astrônomo. Convertido em observador das constelações humanas,
cabe ao antropólogo buscar constantes estruturais e colocar ordem na casa dos outros. Ao
subverter seu olhar distanciado, traz o longe para perto, reconstrói e restitui os fluxos da
história, cuja essência é descontínua e não-linear.

      Invariância implica sempre ampliação de possibilidades, formulação de sistemas e
modelos estruturais válidos “não apenas para um observador, mas para todos os observadores
possíveis” (LÉVI-STRAUSS, 1958, p.397). A construção dos invariantes deva ser analisada
nesse contexto. Se fosse possível imaginar que algum dia esse estoque finito de possibilidades
estaria inteiramente a nosso dispor, só restaria ao homem descentrar-se definitivamente de sua
suposta superioridade, para passar a respeitar as culturas como se fossem a sua própria.

      No mundo vivido, uma matemática social garante a manutenção do estoque demográfico
de homens e mulheres, sob pena da sociedade deixar de existir. Se não há mulheres suficientes,
que se arranje outra forma de troca, mesmo que isso seja feito com indivíduos do mesmo sexo.
Acusado intempestivamente de misoginia por feministas da primeira geração, Lévi-Strauss não
pode ser identificado como defensor de um poder patriarcal e androcêntrico e, muito menos, de
uma homossexualidade compulsória. O que ele demonstra é a necessidade da manutenção de
um fluxo regular para o estoque de mulheres, bens e mensagens. Mesmo recalcada
inconscientemente, essa condição mantém-se nos tempos atuais, é universal, por mais que a
modernidade líqüida insista em se livrar dela.

      Entendido como um questionador das relações homem/mulher e da superestimação do
parentesco consangüíneo e das interdições que lhe são dirigidas em todas as sociedades, esses
pressupostos encontram-se integralmente presentes em sua análise do mito de Édipo, O que
brota dos mitos, e não só do Édipo, é uma sabedoria incomum, fonte constante de inspiração
para todos. O que fica patente, porém, é a importância que os itinerários mítico-imaginários
assumem em todo o dispositivo. Assemelham-se a viagens, essas “caixas de promessas irreais”
(LÉVI-STRAUSS, 1955, p.38) que permitem o acesso ao modelo teórico geral da sociedade
humana.

      “Mas esse modelo – é a solução de Rousseau – é eterno e universal. As outras
sociedades não são melhores do que a nossa: mesmo que sejamos inclinados a pensar
dessa maneira, não temos à nossa disposição nenhum método para prová-lo” (LÉVI-
STRAUSS, 1955, p.453). Esse nível universal não implica abandono da temporalidade
das ordens vividas em detrimento das ordens concebidas, mas designa, isso sim, um
modo de entendimento que não reifica a diversidade. Ao contrário disso, insere-a na
irreversibilidade da flecha do tempo.
      A história do pensamento simbólico procura dar conta dessa condição intelectual do
homem, por meio de tentativas de adequação entre a disponibilidade de significantes e a co-
presença de significados da diversidade cultural. Esses significantes flutuantes têm como função
atuar como reguladores dessa defasagem, até que seu estoque venha algum dia a se esgotar. O
importante em tudo isso é “reconhecer que o trabalho do significante em relação ao significado
vem sendo perseguido de modo mais rigoroso, a partir do nascimento, e nos limites de expansão
da ciência moderna” (LÉVI-STRAUSS, 1950, p.XLVIII-XLIX).

      As flutuações do campo dos saberes exibem as indeterminações, desordens e
reorganizações da práxis cultural, e isso porque a cultura é expressão da liberdade do espírito,
sede da criatividade e da inovação, apesar das regulações e coerções que a fábrica da ordem
cultural impõe à luta dos homens. Em si mesmos, a expansão e o progresso da ciência nunca
garantem uma harmonia plena entre significantes e significados.

      Embora a história do sapiens-demens e da própria ciência sejam recentes, é consensual
que os paradoxos da revolução neolítica provocaram uma mutação no processo civilizatório
planetário. A ela seguiu-se um período de longas estagnações e regressões, que só recebeu
estimulações mais efetivas do século dezesseis em diante, marcadas pelas revoluções produtivas
do capitalismo mercantil, industrial e, agora, globalizado, assim como pelos ditos progressos da
tecnociência, da informação e do mercado.

      A partir daí, dois mundos separados e incomunicáveis se estruturaram. “Dois modos
distintos de pensamento científico, um e outro, função não certamente de dois estágios desiguais
do desenvolvimento do espírito humano, mas de dois níveis estratégicos nos quais a natureza se
deixa atacar pelo conhecimento científico: um aproximativamente ajustado à percepção, outro
afastado dela (LÉVI-STRAUSS, 1970, p.24). O problema reside na religação desses dois estilos
de se pensar a vida, dadas a dispersão e fragmentação dos saberes bioculturais e os padrões de
racionalidade e racionalização que os dirigem.

      Como representação do concreto e cognição aberta, as noologias do pensamento
selvagem são elaboradas a partir de classificações da natureza e de imagens de mundo que
jamais dissociam o sensível e o inteligível. O pensamento selvagem é um tipo de operação
intelectual que se situa num “plano em que as propriedades lógicas se manifestam como atributo
das coisas” (LÉVI-STRAUSS, 1964, p.23). Antes de mais nada, as espécies vegetais e animais
são boas para pensar, reverberam no espaço mental para enriquecê-lo mais. Pobre pensamento
que, domesticado, deixa de lado esse manancial de conhecimento e sabedoria.

      Ao ilustrar a unidade do gênero humano, esse estilo analítico que se compraz em
diferenciar, classificar e organizar, revela-se incapaz de enunciar o que fez, porque restringe sua
operacionalidade a uma ciência do concreto que rejeita a voracidade da história e a
unidimensionalidade do progresso. “O próprio do pensamento selvagem é ser intemporal, ele
quer captar o mundo ao mesmo tempo como totalidade sincrônica e diacrônica” (LÉVI-
STRAUSS, 1970, p. 299).

      Resta saber como inseri-lo na temporalidade dos fluxos e esferas, pontos, bifurcações e
ramificações sócio-históricos. Esse empreendimento só se mostrará viável, se a própria história,
glorificada como linear e irreversível, vier a ser assumida como mito da modernidade, um
complexo conjunto de descontinuidades que se mostra incapaz de fecundar uma política de
civilização para o planeta. A história total é intangível, mas pensar numa história-zero, síntese
de todas as descontinuidades, é algo irreal. Como mito, a história é uma plataforma que fabrica
os pertencimentos do anthropos. É luta, perversão e ódio, mas também amor, liberdade e
cooperação.

      Se aceitarmos a provocação de que o trabalho do historiador se resume a uma restituição
imagética de sociedades já desaparecidas no tempo, teremos que, pelo menos, polemizar com
Lévi-Strauss sobre a iniqüidade histórica e discordar da assertiva de que “uma história total
neutralizar-se-ia a si própria: seu produto seria igual a zero” (LÉVI-STRAUSS, 1970, p.293).
Mesmo que a razão dialética seja sempre instituinte, a razão analítica, a que define, distingue,
classifica e opõe, nunca se contrapõe diretamente a ela. A distinção entre ambas é relativa,
nunca absoluta. “Sartre chama de razão analítica a razão preguiçosa; chamamos dialética a
mesma razão, mas corajosa, arqueada pelo esforço exercido para sobrepujar-se (LÉVI-
STRAUSS, 1970, p.281).

      Mesmo que nunca tenha travado íntimo contato com nenhum povo nativo, Sartre não
deixou de criticar os modos estruturais da circulação de mulheres, bens e mensagens. As
fórmulas lévistraussianas das trocas restrita e generalizada, diz Sartre, contêm um conjunto de
aporias, e isso porque os três níveis da circulação constituem um circuito fechado e altamente
formalizado, que vira as costas para a historicidade e para as manifestações do prático-inerte,
esse conjunto de atividades humanas sempre mediado por um material rigorosamente objetivo.
O casamento de indivíduos de um grupo A e B, por exemplo, são fatos e não signos; eles se
casaram ontem, hoje mesmo, ou no ano passado. “Mas esse fato é vivido pelo grupo A, por
exemplo, sob a forma de um conjunto de obrigações, isto é, de exigências que chegam a ele do
futuro” (SARTRE, 1960, p. 490).

      Para a razão dialética, o que a estrutura faz é retirar da práxis as ações de indivíduos
comuns, subtraindo-lhes a autonomia e submetendo-os aos comandos de uma instância
estrutural transcendente. Para Sartre, a práxis é sempre acionada por grupos sociais concretos e
pelas atitudes reflexivas de cada um de seus membros, ou de um órgão incumbido de realizá-las
e reorientá-las.

      Tal polêmica foi explicitada em História e dialética, (LÉVI-STRAUSS, 1970,
p.280;309), capítulo final de O pensamento selvagem, nunca foi resolvida mesmo após a morte
de Sartre em 1980. Para Lévi-Strauss, é impossível supor a existência de duas dialéticas, uma
verdadeira, própria das sociedades históricas, outra repetitiva, típica do mundo dos outros, do
mesmo modo que a existência de duas razões, uma primitiva, outra civilizada, é algo
impensável.

      As sociedades humanas são, portanto, regidas por movimentos e esferas analíticas e
dialéticas que se entrecruzam e se retroalimentam mutuamente. Frias ou quentes, traduzem
atitudes subjetivas para com a história, concebem-na de modo diverso. “Umas [as primitivas]
acariciam o sonho de permanecer como eram no tempo em que foram criadas na aurora dos
tempos… outras como a nossa não se repugnam em se saberem históricas e creditam que a
história é o motor de seu desenvolvimento” (LÉVI-STRAUSS, 1998, p.67). O que a
Antropologia deve fazer é envidar esforços para que a dupla dissolução da cultura na natureza e
da natureza e da própria natureza nos processos físico-químicos se efetive, isso porque o homem
“faz parte da vida, a vida da natureza e a natureza do cosmo” (LÉVI-STRAUSS, 1998, p.70).

       Nas Mitológicas - O cru e o cozido,1964, Do mel às cinzas, 1967, A origem das
maneiras da mesa, 1968, O homem nu, 1971 - a abertura adverte o leitor do esforço que o
espera, se tiver fôlego para assumir, sem pressa, a leitura integral dos quatro volumes. O ponto
de partida é um mito pertencente a uma sociedade específica, o povo Bororo do Brasil central. O
contexto etnográfico começa por aí. Depois, a análise se desdobra, recorre a elementos
históricos, geográficos e cosmológicos do conjunto etnográfico e a outros mitos da mesma e de
outras sociedades. Aos poucos, sociedades mais afastadas entram em cena e assim por diante. É
nessa polifonia que combina a etnografia rigorosa dos recitativos míticos e a etnologia estética
dos invariantes que se forma a nebulosa mítica.

      Em O cru e o cozido, (LÉVI-STRAUSS, 1964), o mito de referência fornece a textura
etnográfica requerida pela metodologia estrutural. Em seguida, a estrutura em camadas do mito
põe em cena cantos, variações, fugas, cantatas, um fantástico concerto de pássaros que
compreendem as cinco partes deste primeiro volume que, sinfonicamente, faz com que o leitor
se empenhe em decifrar a pluralidade de esquemas, códigos e mensagens que se interpõem às
narrativas propriamente ditas. Mesmo que o objetivo mais amplo resida na beleza das narrativas
que sempre excitam a imaginação, o que se constata nos quatro cantos do livro é a erosão das
dualidades entre natureza e cultura em todas as dimensões possíveis.

      Analogicamente ao discurso musical, o mito explicita uma mensagem constituída pela
união entre som e imagem, na medida em que aquele que o ouve se coloca frente a ele numa
atitude de participação ativa, situada a meio caminho entre o pensamento lógico e a percepção
estética. Talvez, por isso, a atividade mítica tenha algo a ver com a proposta kantiana, ou com
um kantismo sem sujeito transcendental, e isso porque “ela não tem função prática evidente”
(LÉVI-STRAUSS, 1964, p.18).

      Mesmo diante da evidência de que a criação de mitos ocorra no interior da fabricação das
produções humanas, eles adquirem vida própria, falam entre si, transformam-se,
metamorfoseiam-se, recuperam o tempo perdido, sinalizam o futuro, pensam a vida dos homens
para muito além do aqui e agora. Os mitos recebem ressonâncias dos fluxos históricos, mas
sempre em caráter limitado, porque eles sempre se transformam em si e por si próprios,
exibindo uma fantástica capacidade de neutralizar influências externas.

      Cru, cozido, fresco e podre são, simultaneamente, categorias empíricas e operadores
conceituais; provocam o desencadeamento de noções abstratas e proposicionais que tendem a
comprovar que “afinal de contas os mitos dizem todos a mesma coisa” (LÉVI-STRAUSS, 1966,
p.406). Agrupadas em dois eixos fundamentais, cru e cozido, cru e podre constituem pares de
oposição que tornam manifesto o triângulo culinário. Pela mediação do fogo, que dará
nascimento à cozinha, preserva-se o homem do podre, impede-se que o mundo sucumba em
chamas pela conjunção do sol e da terra. Essas condições transbordam em outras oposições
ampliadoras de nexos de sentido: vazio/cheio, continente/conteúdo, interno/externo.

      A essa arquitetura lógica, que toma como referência etnográfica a América do Sul no
primeiro e segundo volumes, adiciona-se uma moral culinária que agrega mitos indígenas da
América do Norte no terceiro e no quarto, cujo objetivo primordial é construir uma ética
universal para valores alimentares, sociais, culturais. O ocidente respeita medidas de higiene,
comportamentos alimentares e culinários, maneiras da mesa para se proteger como indivíduo;
no mundo selvagem, eles são respeitados para que os outros não sejam vítimas de sua própria
impureza. “Parece, pois, que num sentido, entre povos chamados primitivos, as maneiras de
mesa tenham formado uma espécie de código livre cujos termos sabiam combinar mensagens
distintas” (LÉVI-STRAUSS, l968, p.435).

      Esse código livre permite que a comida em qualquer sociedade assuma papel crucial na
mediação natureza/cultura. A cozinha se incumbe de moderar a força da natureza, seja para
preservar seus encantos ou suspender sua obra destruidora. De qualquer modo, corre-se “sempre
o risco de deixar o alimento mais aquém do ponto de equilíbrio desejado pela cultura para que
se mantenha em condições de conduzi-lo para além dela” (LÉVI-STRAUSS, 1968, p.439).

      Instrumentos de sobrevivência do homem, os repertórios míticos pretendem resolver
contradições comuns a todos os humanos entre ser e não ser, homem e mulher, velho e novo,
comestível e tóxico, cru e cozido, fresco e podre, móvel e inerte que não podem ser
equacionadas por vias essencialmente racionais. Por isso mesmo, decifram dilemas e
contradições permanentes da natureza e da cultura, culturalizando a primeira, naturalizando a
segunda. A lógica do concreto sempre pretende lembrar sua natureza lógica, “modelando, na
argila do devir, um esboço confuso do teorema de Gödel” (LÉVI-STRAUSS, 1970, p.298).

      Matemático de formação, Kurt Gödel (1908-1978) formulou seus dois teoremas sobre a
incompletude e a indecidibilidade dos conjuntos axiomáticos que formam as teorias. Se são
consistentes, nada pode ser negado ou demonstrado, diz o teorema um. Por outro lado, nada
pode provar uma teoria como essa, reitera o teorema dois. É no interior desta contradição que a
lógica do concreto deve ser entendida. Nela, nada pode ser provado ou categorizado a priori.
Triturado pelos mecanismos da mente, esse material é composto por themata arcaicos,
protótipos que governam o pensamento humano desde sempre. É sensibilidade à flor da pele.

      De qualquer modo, o divórcio ocorrido entre a ordem natural e a cultural foi responsável
pela alienação do homem de sua condição genérica, incumbindo-o da fáustica missão de
dominar e destruir o mundo natural. Uma vez anulada a diferença de natureza e grau entre
primitivos e civilizados, cabe concordar com a visão de George Steiner (STEINER, 2001) sobre
Lévi-Strauss. Os modos culturais dessas alteridades, afirma Steiner, destinavam-se
primordialmente ao apaziguamento da natureza. O que pretendiam era consolá-la, “viver com
ela, para tornar menos selvagem e menos dominante a ruptura entre natureza e cultura”
(STEINER, 200, p.74). Não é de se estranhar que seja atribuída a Lévi-Strauss, e também a
Marx e Freud, uma certa nostalgia do absoluto e do autêntico. É praticamente impossível não
senti-la diante de povos indígenas como os Bororo e muitos outros que neutralizam o tempo
estatístico, linear, respeitam a natureza, mesmo que retirem dela sua sobrevivência. Ilhados no
oceano da economia globalizada, tentam situar-se para além da natureza e da cultura.

      Essa posição assumida explicitamente por Lévi-Strauss que, aliás, não tem nada de
nostálgica, não impede que ele se empenhe na constituição de uma Antropologia Geral e dê um
recado para as ciências humanas. “Aceitamos o qualificativo de esteta porque acreditamos que
o fim último das ciências humanas não é constituir o homem mas dissolvê-lo” (LÉVI-
STRAUSS, 1970, p.282). Criança mimada pelo humanismo radical, o homem precisa ser
descentrado, dissolvido, para ser reintegrado na natureza de onde veio, colocado como mais
uma espécie dentre todas as espécies, questionado como ápice da evolução das espécies.

       A dissolução contém duas possibilidades: uma que critica a unidimensionalidade
histórica, mas permanece tributária de uma fatalidade sem soluções; outra que aposta na
recomposição de uma unidade planetária pautada pela colaboração solidária de todas as
culturas. Admitir a segunda implica transcender a cientificismo e a obsessão ocidental pela
análise e classificação de seres vivos, investir na universalidade e na unidade de todos os
homens camuflada pelo pensamento analítico. “A Antropologia pode se afirmar naquilo que ela
é: um empreendimento que renova e expia a Renascença, para estender o humanismo a toda a
humanidade” (LÉVI-STRAUSS, 1973, p.44).

      A refundação do humanismo exige, porém, o. descentramento de si. Em conseqüência
disso, a crítica dos valores ocidentais e a valorização de um estado intermediário representado
por um tipo de sociedade de tamanho restrito, eqüitativo, passa a constituir um protocolo
bioético que garante a autonomia do sujeito e a colaboração efetiva das culturas. Mesmo que
essa intenção possa parecer inalcançável em tempos e espaços líqüidos, esse deve ser o sentido
da Antropologia e o único fundamento da moral e da ética. A influência de Rousseau é óbvia
nesse conjunto de idéias. “Ele [Rousseau] nos restitui também o ardor … onde se unem seres
que o amor próprio dos políticos e dos filósofos se empenha, por toda parte, em tornar
incompatíveis: o eu e o outro, minha sociedade e as outras sociedades, a natureza e a cultura, o
sensível e o racional, a humanidade e a vida” (LÉVI-STRAUSS, 1973, p.56).

      Alma errante, o antropólogo situa-se sempre entre dois mundos, como Lázaro, morto e
ressuscitado, que deixou sua sociedade para mergulhar nas sombras do desconhecido, Ao
retornar é um sujeito transformado. Seu olhar é distante e próximo, carrega imagens do que viu
lá fora e as redefine para, talvez, compreender seu próprio mundo. Mesmo que não seja situada
no pódio das ciências, a Antropologia não pode deixar de contribuir para o alargamento do
entendimento humano.
Esse é o sentido da percepção da unidade da diversidade e, simultaneamente, da
diversidade na unidade. A rejeição do universalismo globalizado do ocidente centrado nas
múltiplas formas de dominação da natureza e da sociedade é requisito prévio dessa ontologia
negativa que ainda crê nas formulações do racionalismo, nas arrogâncias da racionalidade, nas
reduções das racionalizações. Uma campanha política de direitos para todas as espécies seria um
bom caminho para a construção da ética civilizatória fundada na tríade indivíduo, sociedade,
espécie. “O único direito que podemos descrever como inalienável é o direito à vida e ao
desenvolvimento livre de todas as espécies ainda representadas na Terra” (LÉVI-STRAUSS,
1983, p. 375).

      Visivelmente cético, esse humanismo reconcilia homem e natureza, “recoloca o homem
na natureza, no lugar de instituí-lo como o mestre dos destroços” (LÉVI-STRAUSS, 1983,
p.35). É na dialogia e na recursividade entre o mesmo e o outro, o próprio e o alheio, o
particular e o universal que um humanismo planetário será viável. Se essa reconciliação algum
dia vier a ser efetivada, a oposição natureza-cultura cairá por terra. Esse pressuposto implica
reconhecer, como os mitos o fizeram, que “um humanismo bem ordenado não começa por si
mesmo, mas coloca o mundo antes da vida, a vida antes do homem, o respeito pelos outros seres
vivos antes do amor próprio” (LÉVI-STRAUSS, 1968, p. 422).

       A recuperação do tempo e do espaço de corpos e mentes exige uma mudança de escala
no pensamento que, inesperadamente, faça aparecer e desabrochar “um aspecto moral no qual,
como os físicos dizem do infinitamente grande ao infinitamente pequeno, o espaço, o tempo e a
estrutura se confundem: mundo cuja existência deveríamos nos limitar a conceber de muito
longe, abandonando a intenção de entrar nele” (LÉVI-STRAUSS, 1991, p. 320).

      Essa atitude do bem-viver envolve a reconciliação entre o físico e o moral, a natureza e o
homem, o corpo e a mente, a arte e a espiritualidade, a ética e a estética. Se as narrativas míticas
realizam esse empreendimento como ninguém, cabe reinseri-las nas realidades globalizadas do
presente e construir um humanismo que não começa por si mesmo, mas que “coloca o mundo
antes da vida, a vida antes do homem, o respeito pelos outros seres vivos antes do amor próprio”
(LÉVI-STRAUSS, 1968, p.422).

      A única resposta que este livro pretende fornecer, afirma ele na Abertura de O Cru e o
cozido, é a de que o mitos significam o espírito; melhor que isso, explicitam uma imagem do
mundo que o arquitetura do espírito construiu como forma de sobrevivência dele mesmo e,
claro, dos humanos de todos os tempos. Por mais pesado que seja este livro, tenho a humildade
suficiente para reconhecer que “ele não terá levantado senão um pequeno cantinho do véu”
(LÉVI-STRAUSS, 1964, [2004], p.52).
Se perdemos inexoravelmente as qualidades efetivas e afetivas do olhar, do escutar e do
ler, resta-nos ainda supor ser possível bater de frente nas condições adversas do presente e
passarmos a entender a vida como obra de arte, a ser simultaneamente recuperada pelo
imaginário sem que as materialidades deixem de ser fundamentais. “Os homens fazem a
história, mas não sabem que a fazem”, diz Marx em O 18 Brumário de Luís Bonaparte; os
homens vivem a história, mas não sabem pensá-la, afirma Lévi-Strauss.

      Daí decorre sua descrença radical nos tempos sombrios do presente. Pelo menos o século
dezenove, reitera, era um pouco melhor do que o nosso. Alguns poucos confortos, uma certa
esperança que vencer desigualdades e descalabros ainda era possível. “Suprimir ao acaso dez
ou vinte séculos de história não afetaria de modo sensível nosso conhecimento da natureza
humana. A única perda irreparável seria a das obras de arte que os séculos viram nascer”
(LÉVI-STRAUSS, 1993, p.176).

      Em 1994 e 1996, com a discrição que lhe é peculiar, ao falar das saudades que sente do
Brasil e, em especial, da cidade de São Paulo, são as imagens fotográficas que se superpõem à
narrativa escrita. O odor do creosoto estimula os sentidos. O que as fotografias transmitem,
afirma Lévi-Strauss, é a impressão de um vazio, de uma falta. Por mais técnicas que sejam, as
fotografias não captam o fluxo do mundo real. Paralisam o tempo, congelam o acontecimento.
Redescobri-las pela sensibilidade excita a mente e o corpo a perceberem o passado,
reinventarem o futuro, problematizarem o presente.

      Como o pensamento sempre pensa bem, malgrado as tentativas castradoras que lhe são
impostas, o corpo sensível sempre entra em ação, às turras com os mandos e desmandos da
razão. Razão e sensibilidade são faces da mesma moeda, como os dois rostos de Jano já
referidos anteriormente. Por mais que se queira fragmentar a existência, ela resiste, e com muita
tenacidade e perseverança. Dilacerada no deserto do real, busca rejuntar seus pedaços, totalizar,
religar, propor novos sentidos aos desatinos desta vida.

      Construções mentais coletivas, as mitologias são exemplo disso. Linguagens da
imaginação, apropriam-se das poeiras de estrelas deixadas pelo rastro do tempo, solucionam
contradições, invertem a relação natureza-cultura e a seqüência presente-passado-futuro. Por
isso, devem ser ouvidas com atenção dedicada e aberta, pois suas significações põem nossos
sentidos constantemente à prova.

      Os mitos, afirma Lévi-Strauss, sempre querem dizer a mesma coisa. Não são específicos
de nenhuma sociedade, dessa ou daquela população. São respostas irônicas ou desencantadas
para problemas intemporais. Constituem, portanto, patrimônio universal da cultura. Ocorre o
mesmo com a música, mistério supremo das ciências humanas. Ao incidir sobre o tempo
psicológico daquele que a escuta, mobiliza pulsões neuropsíquicas, desloca a emoção estética
para os confins do imaginário, instala o prazer e o gozo, e esse argumento vale tanto para seja
uma sinfonia de Mahler ou de Bruckner, ou para canções de Tom Jobim e Villa Lobos.

        Injustamente acusado de negligenciar a história, de não dar a mínima para a luta dos
homens, de não ir às ruas em maio de 1968, Claude Lévi-Strauss nos faz ver o mundo de outra
forma. Sua paixão pelo entendimento é de tal ordem que nos leva a perceber que somos meros
grãos de areia, infinitamente pequenos, filhos do cosmo e, como tal, impermanentes e
provisórios.

        “Permitam, portanto, meus caros colegas, depois de haver prestado homenagem aos
mestres da antropologia no início dessa aula, que minhas últimas palavras sejam voltadas para
os selvagens, cuja obscura tenacidade nos propicia, ainda, a oportunidade de perceber os fatos
humanos em suas verdadeiras dimensões”. Esse fragmento da aula inaugural do Collège de
France, proferida em 5 de janeiro de 1960 é, simultaneamente, parte e todo de sua vastíssima
obra.

        De forma semelhante, 48 anos depois, dedico estas poucas palavras a Claude Lévi-
Strauss, desejando que a atividade inconsciente do espírito o anime a prosseguir em suas
reflexões neste ano de 2008 que marca seu centenário. Disciplina confidencial e íntima, a
Antropologia é expressão do regozijo que hoje celebramos. Nós, seus leitores, admiradores e
críticos teremos de percorrer muitas sendas para chegar a entendê-lo um pouco mais.

        Durante vinte anos, diz, levantava toda manhã embriagado de mitos e, por isso, vivi num
outro mundo, como se mito e realidade se confundissem a tal ponto, como nos relatos dos
contos de fada. Embriagados de Lévi-Strauss, o caminho está aberto para novas interpretações e
desafios dirigidos à construção de uma Antropologia geral, sonho acalentado por ele mesmo,
cuja base universalista renova as interpretações das ciências humanas, impondo-lhes novos
ritmos, harmonias, cadências e significações.
REFERÊNCIAS




BEAUVOIR, Simone de. Les structures élémentaires de la parenté. Les Temps modernes, nº 49,
novembre 1949.

LEVI-STRAUSS, Claude. Les structures élémentaires de la parenté. Paris, PUF, 1949.

_____. Tristes tropiques. Paris, Plon, 1955.

_____. Anthropologie Structurale. Paris, Plon, 1958.

_____. Introduction à l’oeuvre de Marcel Mauss. In Marcel Mauss, Sociologie et Anthropologie.
Paris, PUF, 1960: IX/LII.

_____. Le cru et le cuit. (Mythologiques I). Paris, Plon, 1964. [Ed. bras. O cru e o cozido
(Mitológicas, v.1). Tradução : Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo, Cosac & Naify, 2004].

_____. Du miel aux cendres. (Mythologiques II). Paris, Plon, 1966. [Ed. bras. Do mel às cinzas
(Mitológicas, v.2). Tradução : Carlos Eugênio Marcondes de Moura, Beatriz Perrone-Moisés.
Såo Paulo, Cosac Naify, 2004].

_____. O pensamento selvagem. Tradução: Maria Celeste da Costa e Souza, Almir de Oliveira
Aguiar. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1970.

_____. L’origine des manières de table. (Mythologiques III). Plon, Paris, 1968. [A origem das
maneiras da mesa. (Mitológicas, v. 3). Tradução : Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo, Cosac
Naify, 2006].

_____. L’homme nu. (Mythologiques IV). Paris, Plon, 1971.

_____. Anthropologie Structurale II. Paris, Plon, 1973.

_____. Le regard éloigné. Paris, Plon, 1983.

_____. La potière jalouse. Paris, Plon, 1985.

_____. Saudades do Brasil. Tradução: Paulo Neves. São Paulo, Companhia das Letras,
1994.
Lévi-Strauss. Saudades de São Paulo. Tradução: Paulo Neves. São Paulo, Companhia das
Letras, 1996.

_____. Histoire de lynx. Paris, Plon, 1991.
_____. Regarder, écouter, lire. Paris, Plon, 1993.

MARX, Karl. Le capital, livre premier, développement de la production capitaliste, première
section, marchandise et monnaie. Tradução : Joseph Ray, revista por Maximilen Rubel. Paris,
Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, (1859), 1965, pp. 597/603.
Entrevista:

AMAN-TY-KIR EM PROSA....



                                            ....GILDES BEZERRA, O POETA




Apresentar Gildes não é tarefa das mais fáceis. Não caberia em um parágrafo apresentá-
lo pelas suas obras ou descrevendo o ser humano que é. A primeira prosa que AMAN-
TY-KIR compartilha é com o poeta que inspirou o nome e o sentido desta Revista. Tal
como as intenções desta publicação, Gildes é interdisciplinar como é todo verso bem
escrito; generoso como é a variedade intangível de possibilidades de uma poesia e
fincado em raízes para atingir um mundo. Assim é o poeta! E, extraindo os sentidos de
suas poesias, AMAN-TY-KIR curva-se aos seus versos e, mais uma vez, temos a
chance de pensar melhor as Ciências pela interlocução com a poesia mineira e universal
de Gildes Bezerra.Vamos prosear um pouco?




1. Aman-ty-kir: Gildes Bezerra é mineiro de Campina Grande... Você pode elaborar
   um “apanhado” de memórias sobre sua vida mineira?



 Gildes: Primeiramente externo a minha satisfação em dialogar com a equipe desta
 revista, e aproveito para falar que me sinto honrado com a publicação do poema
 “Aman-ty-kir” neste exemplar inicial. Falemos, então, da nossa vida mineira. Nascido
 na Paraíba, em1937, vim com os meus pais para o sul. Tendo morado por um ano em
 Lorena - SP, vim completar quatro anos de idade nesta cidade. Daqui fui para Bicas
 do Meio, hoje Wenceslau Braz, onde passei parte da minha infância. Com dez anos de
 idade fui interno de um patronato agrícola, Aprendizado José Gonçalves, em Ouro
 Fino. De lá fui transferido para o internato da Escola de Horticultura de Itajubá e, ali,
 permaneci até os meus dezesseis anos quando então voltei para Bicas do Meio. Em
 1954, fui morar novamente em Lorena-SP até que em 1955 fui para Três Corações -
 MG, cursar a Escola de Sargento das Armas. Da Terra de Pelé fui para o Rio de
Janeiro – RJ. Um ano depois viria novamente para cá onde permaneceria até 1963.
 Nesse ano fui morar em Lages - SC. Lá residi até 1969, ano em que voltei, mais uma
 vez, para esta cidade de onde não pretendo me mudar mais. A esta terra me afeiçoei
 muito.




2. Aman-ty-kir: Como aconteceu e amadureceu sua relação com a poesia escrita?
 Gildes: Minha relação com a poesia teve início quando ainda estava na Escola de
 Horticultura de Itajubá. Ali escrevi meus primeiros versos e mostrei a dois colegas
 que me incentivaram a mostrá-los ao professor de Português, Dr. Barbosa Lima,
 médico e intelectual, na época muito conhecido na cidade. Esse professor leu, mandou
 que fizesse as devidas correções e na aula seguinte me trouxe um poema de Fagundes
 Varela intitulado “Vida”. O mesmo título do meu “poema”. Depois do meu ingresso
 na carreira militar, escrevia pouco, mais versos de humor, brincadeiras que fazia com
 os colegas. Ao sair do serviço militar ativo, comecei a escrever mais até que me dei
 conta que precisava fazer o curso de Letras. Concluído o curso, estando minha relação
 com a poesia amadurecida, a produção escrita se intensificou. Não só em versos, mas
 também em prosa.




3. Aman-ty-kir: Em um encontro na UNIFEI você falou sobre a relação entre os dois
   poetas diante de um texto, o que escreve e o que lê. Você pode discorrer um pouco o
   tema?



 Gildes: É um modo de ver e sentir as coisas. Tendo oportunidade, falo sempre que
 poeta é aquele que faz o leitor, ao ler os versos, “entrar em estado de poesia”, ou seja,
 no mesmo estado de espírito em que o poeta se encontra quando ou enquanto escreve
 seus versos – em “estado lírico”. Penso que, por ser a linguagem poética subjetiva, a
 leitura de um poema, pela lógica, também é subjetiva. Em consequência, o leitor vai
 criar a sua poesia a partir daquela que lê, pois a poesia do leitor é “diferente” da
 poesia do poeta. São duas imaginações diferentes. Afirmo isto a partir de experiências
 pessoais. Quando falando nas escolas, ou mesmo em conversas informais, ao tomar
 conhecimento da análise do que foi sentido ao lerem meus versos, reporto-me às
origens do poema e à imaginação por mim empregada: são diferentes. Um exemplo
 prático. Certo dia uma professora de determinada faculdade me telefonou elogiando
 um pequeno poema que ela havia lido. Enquanto lia lembrou-se da sua infância no
 tempo em que morava na zona rural e vinha à missa na cidade. Chegava descalça até
 certa altura do caminho e lavava os pés no rio e calçava os sapatos. O rio que ela
 descrevia é bem diferente do “meu” rio. E a metáfora que eu havia usado no poema
 foi transformada em atos realizados e fatos por ela vividos.




4. Aman-ty-kir: Gostaríamos que você dissertasse sobre o processo de construção de
   sua poesia.



 Gildes: Bom. Em princípio, quando me ocorre um tema, deixo que ele se desenvolva
 no subconsciente. Mesmo quando não estou pensando sei que ele está se “formando”.
 Depois é sentar, escrever e trabalhar os versos. Esta fase é a parte da criação
 propriamente dita. Outro processo é me dado pelas pessoas. Escrevo por empatia. Não
 há nada de místico nisso. Há pessoas cujo coração “fala muito alto” e, queira ou não,
 você escuta e acaba escrevendo o que ele diz. Todos nós, humanos, estamos
 interligados. Não somos apenas a pessoa fisicamente limitada. Transbordamos em
 forma de espírito, de energia, daí a empatia a que me refiro.




5. Aman-ty-kir: Sua destreza na arte poética tem relações com a música. Você tem
   uma série de parcerias que deram origem a composições na área musical. Sabemos
   que suas parcerias são imensas, porém você pode falar delas ou de algumas delas
   para o leitor de nossa revista?



   Gildes: O que me fez conhecido como poeta foi justamente ter sido “letrista” de
   diversos parceiros. A música é muito mais fácil de ser divulgada. Aliás, poesia bem
   que poderia ser declamada nas mesas dos botequins, nos bares, nos jardins, em casa,
   assim como se faz com a música. Quanto às parcerias, como você disse, tenho uma
   série. Em relação às músicas, as que mais se destacam são: com Amaury Vieira:
   “Missa Cristo Lavrador”, gravada pelos Paulinos, hoje Paulus, e cantada em todo o
Brasil; e ainda a “Missa de São Paulo aos Cristãos de Hoje”, também com a
parceria da Irmã Míria Kolling. “Hino de N. S. da Soledade”. “Auto de Menin”, um
musical infanto-juvenil, obra composta de cerca de 20 músicas. Tenho duas letras
selecionadas pela CNBB e musicadas por compositores da Campanha da
Fraternidade, sendo uma o “Canto de Abertura” de 1997. Com Luiz Celso de
Carvalho: “Hino de Itajubá”, tornado oficial pela Lei 1.523, de 22 de novembro de
1985, depois de ter sido considerada vencedora entre 12 concorrentes. “Sul das
Gerais”, vencedora em festivais de Itajubá e Santa Rita do Sapucaí-MG. “Ou...”,
vencedora de festival em Poços de Caldas – MG. “Renda Bruta”, vencedora de
festival em Pouso Alegre – MG. Com Paulo Faria: “Noite dos Afogados”,
vencedora de festival em Itajubá. Com Marcos José Marques Machado: “Procura”,
vencedora de festival em Cruzília – MG. Com Plínio Ribeiro Leite: “Estado de
Coisas”, segundo lugar e melhor letra no festival de Poços de Caldas – MG; no
mesmo festival em que foi vencedora a música “Ou...” Três premiações em um só
festival.    Estes eventos musicais aconteceram nas décadas de ’70 e ’80. Com
Dércio Marques: “Ponto de Cruz”; “Certeza Enluarada” e outras. Com este músico -
cantor e compositor - participei do “Som Brasil”, na TV Globo, apresentado pelo
Rolando Boldrin e do “Sr. Brasil”, na TV Cultura de SP, também apresentado pelo
Boldrin. Nesses programas declamei o “Aman-ty-kir”. “Minhas” primeiras músicas
foram gravadas pelo parceiro e amigo Ivan Vilela: “Vida Maneira”;            e “Lua
Quebrada”, esta em parceria com o Plínio; e, ainda, “Sul das Gerais”, parceria com
Luiz Celso. Com Uiles Wagner tenho várias parcerias, e algumas foram por ele
gravadas em seus diversos CDs. Lembro aqui o meu saudoso parceiro Marcos Leite.
Os parceiros Rubinho do Vale e Pereira da Viola, cantores profissionais como
Dércio, gravaram músicas de nossas parcerias. Com Nestor de Hollanda Cavalcanti:
várias músicas, destacando “Canção de (os) Amores” que é uma obra abrangendo
cerca de 20 músicas, algumas das quais foram apresentadas na Sala Cecília
Meireles, na cidade do Rio de Janeiro, durante a V Bienal da Música Brasileira
Contemporânea, em 1983. Outras, dessas músicas, são apresentadas na Europa por
cantores líricos brasileiros. Tenho, ainda, os seguintes parceiros: Amaury Falabella,
Arlindo Maciel, Clóvis Maciel, a sempre lembrada Cristina Diniz, Cylene, Déo
Lopes, Eduardo Bastos, Élder Costa, Gereba, Kátya Teixeira, Luciano de Salvador,
Luizinho do Cavaco, Marcílio de Passa Quatro, Miltinho Edilberto, Omar Fontes,
Peninha, médico formado na FMIt, Rafael Toledo, Renato Kefe, e meus dois filhos
   Fernando e Marcellus.




   6. Aman-ty-kir: Qual é a relação do compositor e o poeta?
Gildes: Eu não tenho dificuldade para compor letra de música porque, de um modo
geral, escrevo poemas com versos de entendimento imediato o que é primordial para
letra de música; e possuo um conhecimento elementar de música, o que ajuda muito. No
meu caso, a relação entre compositor, “letrista”, e poeta é muito estreita, talvez nem
haja diferença, embora a letra de música, geralmente, seja mais objetiva – mundo
exterior. Muitos “letristas” são excelentes poetas. Os versos escritos para poema são
mais subjetivos – mundo interior -, mais trabalhados; já os escritos para a música, como
disse, são mais objetivos embora predominem o sentimento e o romantismo.




   7. Aman-ty-kir: Aman-ty-kir é tupi-guarani e significa “Montanha Que Chora”. É
       também origem da palavra Mantiqueira. No poema “Aman-ty-kir” você concilia
       natureza, realidade social e emoção de forma delicada e sedutora. Como foi o
       processo de criação do poema?



Gildes: Quando criança, em Bicas do Meio - Wenceslau Braz -, desejava saber o
significado da palavra Mantiqueira, pois morava sobre uma de suas montanhas.
Ninguém sabia me explicar. Passaram-se muitos anos. No final da década de ’80
trabalhava na Editora Reunião com o Chico Vilela e o Cláudio Vander Velden. Fazia
pesquisa para a edição de um livro para a UNIFEI, então EFEI. Certo dia, tendo ido à
casa do professor Armelim Guimarães entrevistá-lo, aproveitei e perguntei-lhe sobre a
origem da palavra “Mantiqueira”. Para minha satisfação, depois de tantos anos, fiquei
sabendo que era originária da palavra “Aman-ty-kir”, linguagem dos Puri-Coroados.
Segundo o professor, o significado da palavra seria: “Montanha Que Verte Água”.
Achei o emprego do verbo “verter” sofisticado para a linguagem indígena. Continuei a
busca até saber, através da professora de música, Mariana Marques, irmã de Dom João
Resende, naquele tempo arcebispo de Belo Horizonte e membro da Academia Mineira
de Letras, que, segundo este, membros da AML teriam traduzido para “Montanha Que
Chora”, figurativo conforme a linguagem dos índios. Fiquei com esta opção para
construir o poema em pauta. A palavra herdada dos índios, separada por hífens, a que
uso, foi grafada por Pedro Bernardo Guimarães, pai do nosso memorável historiador e
filho caçula do autor de “Escrava Isaura”. Quanto ao poema a que se refere esta
entrevista, escrevi-o a partir de vivência pessoal. Conheci a Mantiqueira com as suas
montanhas cobertas de intensa mata com uma rica fauna. A estrada que liga Itajubá a
Lorena era de terra e serpeava entre árvores, muitas auracárias, ipês e quaresmeiras. Em
uma viagem para assistir a um casamento em Aparecida-SP, a jardineira da empresa de
ônibus Malerba, em que viajávamos, ficou atolada na estrada e, apesar das correntes nos
pneus e dos esforços dos homens para tirá-la daquela situação, assim permaneceu até a
manhã seguinte. Sendo criança, dormi no corredor do ônibus em uma cama feita de
malas. Este fato ficou bem gravado na minha memória. Hoje, vendo pastos, eucaliptos,
casuarinas, outras coníferas e algumas áreas cobertas de árvores naturais da
Mantiqueira, se gasta na viagem cerca de uma hora e pouco. Não somos contra o
progresso, achamos apenas que ele poderia ser racional. A partir dos fatos narrados,
usando a razão, a emoção e “fingindo sentir a dor que realmente sentimos”, criamos o
“Aman-ty-kir”. Quanto à forma delicada e sedutora, depende da sensibilidade, não só
do autor, mas também, do leitor. Interessante é que o poeta Thiago de Mello, em um
bilhete a mim dirigido através do meu filho Fernando,          professor de Letras na
Unimontes, chama este poema de “comovedora beleza”.




   8. Aman-ty-kir: Qual o lugar da poesia na universidade?



 Gildes: O lugar da poesia na universidade é aquele onde cada professor a coloca para
 que seus alunos a percebam, a sintam, a “vejam” ou não. Na faculdade de Ciências
 Humanas o lugar, destacado, da poesia já está garantido e integra os diversos eventos,
 culturais ou técnicos. Conheço vários professores dessa área que são poetas, que
 escrevem versos e/ou prosas; se dedicam à música, ou simplesmente amam as letras,
 como os da área de Administração da UNIFEI. Mas, admiro os professores das áreas
de Ciências Exatas cuja sensibilidade os faz convergir para a poesia, para a música e
para outras artes, embora empreguem a racionalidade em todo o tempo das suas
atividades de mestres. Talvez isto ocorra pelo abstrato da Matemática e pela busca da
outra margem. Resumindo: penso que o lugar da poesia na universidade é no
escaninho, na mesa, na pasta, na carteira, dos professores e dos alunos e, também, na
sala, no corredor, no pátio, onde estiver uma pessoa, o funcionário da limpeza, o aluno
(a), o professor (a) ou o reitor.




  9. Aman-ty-kir: Uma revista com o nome “Aman-ty-kir”... O que pensa sobre
      isto?



Gildes: Penso que a idéia é muito boa. De qualquer lugar da cidade vemos a “nossa”
Mantiqueira. Ela está ao nosso redor e há bairros que se situam sobre seus morros. Ela
torna os horizontes da UNIFEI muito próximos. Cerca e nos protege. Por isto merece
ser por nós cultuada. Dando este nome a esta publicação, vocês estão homenageando,
também, a memória dos índios que viveram nesta região e dos quais restam apenas
lembranças por nós herdadas da História. Ao mesmo tempo, simplesmente pelo título,
divulga-se a cultura da região e resguarda-se o lugar da poesia na universidade.




  10. Aman-ty-kir: Gostaria de deixá-lo à vontade para expressar suas considerações
      neste final de entrevista.



Gildes: Agradeço a todos vocês pela consideração e carinho que sempre me
demonstraram e,      neste momento, demonstram por terem me          escolhido para a
entrevista do primeiro exemplar de Aman-ty-kir. Faço votos para que esta revista
acadêmica viva tanto quanto a própria UNIFEI. Muito obrigado.




                                                   Itajubá, MG, 28 de janeiro de 2010.
Claude Lévi-Strauss e a universalidade da cultura

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Claude Lévi-Strauss e a universalidade da cultura

  • 2.
  • 3. ARTIGO: MITO, ARTE E SABERES CULINÁRIOS: CLAUDE LÉVI-STRAUSS E A UNIVERSALIDADE DA CULTURA.1 MYTH, ART AND CULINARY KNOWLEDGE: CLAUDE LÉVI-STRAUSS AND THE CULTURE UNIVERSALITY. Edgard de Assis Carvalho2 RESUMO: o artigo apresenta e discute o pensamento de Claude Lévi-Strauss, com ênfase na arquitetura lógica do entendimento, na superação da dicotomia natureza-cultura e na busca da universalidade da condição humana. Palavras-chave: Cultura; entendimento; universalidade. ABSTRACT: This article presents and discusses the thought of Claude Lévi-Strauss, with an emphasis on the logical architecture of understanding, the overcoming of the dichotomy nature- culture and the search for the universality of the human condition. Key-words: Culture; understanding; universality. 1 Texto originalmente publicado na Revista Cronos, volume 9, nº 2, julho/dezembro 2008, pp. 301/314, do programa de pós-graduação em ciências sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte intitulado A paixão pelo entendimento: Claude Lévi-Strauss e a universalidade da cultura. 2 Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1968).Doutor em Antropologia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro (1974).Pós-Doutor pela École des Hautes en Sciences Sociales, EHESS (1980).Livre-Docente pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, UNESP (1995). Atualmente é professor titular de Antropologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Coordenador do Núcleo de Estudos da Complexidade.Membro do Conselho Científico da Multiversidad del Mundo Real Edgar Morin, Hermosillo, México.Membro do conselho diretor da Associação internacional para o pensamento complexo. Representante da Cátedra itinerante da Unesco Edgar Morin. E-mail: edgardcarvalho terra com.br
  • 4. Convergências e sincronicidades marcaram o ano de 1908. Nasceram Claude Lévi- Strauss e Maurice Merleau-Ponty. Simone de Beauvoir, que resenhou as Estruturas elementares do parentesco na revista Les Temps Modernes (BEAUVOIR, 1949) também veio ao mundo nessa data. Isso na França. Merleau-Ponty partiu em 1961, Simone, o Castor, como era tratada na intimidade, em 1986, seis anos após a morte de Jean-Paul Sartre. Aqui no Brasil, deixava a convivência dos vivos o nosso Machado de Assis e nascia Guimarães Rosa, que também não está mais entre nós. Ao final de 2009, próximo a completar 101 anos, deixa-nos Lévi-Strauss que até ao final permaneceu na ativa, desafiando pesquisadores, comentadores, críticos. Coincidentemente ou não, estamos diante de cinco pensadores fulgurantes, cujas obras terão muito a dizer para a nossa e as gerações futuras desse século 21 globalizado, tirânico, intolerante, líqüido e, simultaneamente, esperançoso e civilizatório. Comemorações, exposições, colóquios sempre ocorrem em Centenários como esse Narradores do sensível voltado para Lévi-Strauss e Merleau-Ponty. Obstinadamente apaixonados pela liberdade e pelo humanismo, ambos ultrapassam fronteiras disciplinares, desfazem barreiras entre ciências e artes. Universalistas, são autores de uma obra multidimensional que nos faz meditar sobre os percalços da condição humana em sua aventura na Terra. A sensibilidade não se opõe à inteligibilidade, ou aos ditames da razão. Caminham juntas, penetram no corpo, estabelecem conexões, reorganizam o real por meio dos cinco sentidos. Um sexto sentido, a imaginação criadora, se junta a eles para colocar ordem na casa, nutrir a vida, produzir uma harmonia interior, essa sim a verdadeira condição da sabedoria. Afirma Merleau-Ponty, fazer Antropologia exige um longo processo de transformação de si mesmo, para que o contato com o outro não seja cercado de exotismos fantasiosos e relativismos complacentes. Os dados imediatos da percepção sensível não são, portanto, material bruto, cópia branca dos objetos apreendidos; são propriedades abstraídas do real, que se efetivam por meio de mecanismos de codificação e decodificação inscritos no sistema nervoso central. Por isso, o antropólogo deve entender que não é um objeto particular o que define sua especialidade, mas uma maneira de pensar que combina universal e particular, global e local, singular e plural. Lévi-Strauss, em março de 1941, na viagem para New York, a bordo do navio Capitaine Papulo-Lemerle, fugitivo da França ocupada, travou contato com André Breton que, com ele, escapara da fúria e da ocupação nazistas. Notas escritas por ambos acerca da concepção surrealista das obras de arte se intensificaram a partir daí. O exílio fez com que as relações com Max Ernst, Yves Tanguy e Marcel Duchamp se estreitassem. O que há de comum entre eles? Todos tentam descobrir e desvendar uma realidade supra-sensível que escapa da racionalidade
  • 5. estrita de conceitos e teorias. Pode-se afirmar que o exílio provocou uma revolução noológica em Lévi-Strauss, fazendo com que suas idéias se dissipassem para outros territórios disciplinares. A Lingüística, a partir de 1949, lhe fornece um campo de pertinência fecundo para a análise dos sistemas simbólicos, em especial o parentesco. A homologia formal entre atos lingüísticos e fatos sociais é condição prévia que torna possível a demarcação do sistema das diferenças e oposições binárias jamais percebidas pelos agentes sociais, quaisquer que sejam eles. “Uma sociedade é comparável a um universo no qual massas discretas seriam altamente estruturadas” (LÉVI-STRAUSS, 1950, p.XX). Identificado a essas massas discretas, o parentesco desempenha papel dominante e ordenador em sociedades sem classes, cujo acesso à terra passa sempre pela mediação da comunidade. A proibição universal do incesto sempre cumpre importante papel nesse processo. Esse fato não impede, porém, que a análise se estenda a outras expressões da cultura: “Com efeito, os etnólogos ocupam-se quase que exclusivamente da estrutura, quando estudam os problemas do parentesco” (LÉVI-STRAUSS, 1958, p.305). Esse pressuposto metodológico elegeu com locus preferencial a primitividade, pois essa era composta por um campo de relações estáveis e simbióticas, no qual a irrupção dos acontecimentos históricos era neutralizada e, até mesmo, vista como indesejável. Formulada em 1949, a noção de estrutura social não se reduz à rede empírica das relações sociais, mas a modelos construídos de acordo com elas. Modelos são sistemas compostos de oposições, complementaridades, concorrências. Possuem escalas mecânicas e estatísticas, níveis diversos de cognição; são conscientes e, simultaneamente, inconscientes. Os primeiros reproduzem regras e padrões culturais, fabricam ordens; os segundo situam-se em nível mais profundo, oculto, recalcado. Por isso, ultrapassam histórias locais, transcendem indivíduos e culturas. São comuns a todos os homens. “Colocarei, inicialmente, a título de hipótese, que o campo dos estudos estruturais inclui quatro famílias de ocupantes principais que são os seres matemáticos, as línguas naturais, as obras musicais e os mitos” (LÉVI-STRAUSS, 1971, p.578). No conjunto da obra, Claude Lévi-Strauss sempre questionou a fronteira entre natureza e cultura. Ao deixar de lado harmonias funcionais, neo-evolucionismos hierárquicos, pós- modernismos relativistas e racismos identitários, investiu na religação das esferas natural, social e cósmica, no confronto metódico do conteúdo e do contexto, do cromatismo e do diatônico. A natureza e a cultura, a animalidade e a humanidade, afirma, tornam-se mutuamente permeáveis. “Passa-se livremente e sem obstáculos de um reino ao outro: em vez de existir um abismo entre
  • 6. os dois, misturam-se a ponto de cada termo de um dos reinos evocar imediatamente um termo correlativo no outro reino, próprio para exprimi-lo assim como ele por sua vez o exprime” (LÉVI-STRAUSS, 1964, 2004 [ed.bras.], p.316). O afastamento desse ciclo maldito responsável pela corrupção do humanismo aposta na significação ampla e irrestrita dos saberes, e não apenas os dos mitos. Claro que a lingüística é fundamental nessa reviravolta teórico-conceitual, claro também que, apesar de detestar viagens, sua vinda para os tristes trópicos, entre 1935 e 1937, como integrante da missão francesa, dá mais visibilidade à diversidade das culturas e à dialogia entre o universal e o particular. Propriedade imanente do real, a estrutura reorganiza a ordem vivida, tem duas faces, como o deus Jano do panteão romano, representado por dois rostos que se opõem, um que olha para frente, outro que olha para trás. Esses fundamentos desencadearam críticas de toda ordem. A ortodoxia marxiana fincou pé que o primado das infra-estruturas não recebe de Lévi-Strauss nenhuma referência. O marxismo sempre foi considerado por ele como uma pesquisa complementar à sua e não um adversário contumaz. Juntamente com a Psicanálise e a Geologia, o marxismo completa, no plano da metáfora, o trio de suas três amantes, porque essas três áreas do saber não se contentam nunca com a aparência fenomênica do discurso de analisandos, dos mistérios da terra, da pragmática das relações econômicas. “Marx ensinou que a ciência social não se constrói sobre o plano dos acontecimentos, assim como a física a partir dos dados da sensibilidade” (LÉVI-STRAUSS, 1955, p.14). A adesão ao marxismo – afinal os homens fazem a história, mas nunca sabem que a fazem - não impede que a semiótica cultural contida na circulação e comunicação de mulheres, bens e mensagens minimize o papel primordial que as práticas produtivas desempenham em quaisquer esferas societárias. A matéria é sempre o instrumento, mas nunca a determinação direta sobre o restante da sociedade. Bens econômicos, por exemplo, não se confundem com mulheres e mensagens, mas necessitam de ambas para serem trocados. A noção de equivalente geral formulada por Marx no livro um de O Capital (MARX, 1859) talvez possa ser vista nessa ótica. Basta reler com atenção a forma total ou desenvolvida do valor para saber que a circulação e a troca de mercadorias sempre requer um equivalente abstrato que lhe sirva de base. O fetiche e o segredo místico da mercadoria são decorrências desse conjunto sistêmico que, no tempo, garante a acumulação do capital. Não há como negar que infra-estruturas são sempre fundamentais para quaisquer processos históricos. O que, porém, deve ser descartado é seu caráter determinante e prometéico. Acredito ser esse o entendimento de Lévi-Strauss sobre as descontinuidades históricas planetárias. “Não pretendemos, de modo algum, insinuar que transformações
  • 7. ideológicas engendrem transformações sociais. A ordem inversa é a única verdadeira (LÉVI- STRAUSS, 1962, p.155). Essas bases exigem um retorno sobre o tempo e o espaço, um exercício de descentramento que permite pensar a si mesmo de modo menos sociocêntrico e arrogante. Os saberes das alteridades são apenas expressões de um universal que está, simultaneamente, em nós e fora de nós. Não se trata, portanto, de encontrar denominadores comuns para as diferenças culturais, mas sim resgatar “características comuns à maioria das sociedades e construir um modelo teórico da sociedade humana que não corresponde a nenhuma realidade observável” (LÉVI-STRAUSS, 1955, p.451). O exercício desse tipo de contemplação estética e escuta ética, que se vale das significações das relações sociais para delas extrair um campo mais elegante de significantes, assemelha-se ao trabalho do astrônomo. Convertido em observador das constelações humanas, cabe ao antropólogo buscar constantes estruturais e colocar ordem na casa dos outros. Ao subverter seu olhar distanciado, traz o longe para perto, reconstrói e restitui os fluxos da história, cuja essência é descontínua e não-linear. Invariância implica sempre ampliação de possibilidades, formulação de sistemas e modelos estruturais válidos “não apenas para um observador, mas para todos os observadores possíveis” (LÉVI-STRAUSS, 1958, p.397). A construção dos invariantes deva ser analisada nesse contexto. Se fosse possível imaginar que algum dia esse estoque finito de possibilidades estaria inteiramente a nosso dispor, só restaria ao homem descentrar-se definitivamente de sua suposta superioridade, para passar a respeitar as culturas como se fossem a sua própria. No mundo vivido, uma matemática social garante a manutenção do estoque demográfico de homens e mulheres, sob pena da sociedade deixar de existir. Se não há mulheres suficientes, que se arranje outra forma de troca, mesmo que isso seja feito com indivíduos do mesmo sexo. Acusado intempestivamente de misoginia por feministas da primeira geração, Lévi-Strauss não pode ser identificado como defensor de um poder patriarcal e androcêntrico e, muito menos, de uma homossexualidade compulsória. O que ele demonstra é a necessidade da manutenção de um fluxo regular para o estoque de mulheres, bens e mensagens. Mesmo recalcada inconscientemente, essa condição mantém-se nos tempos atuais, é universal, por mais que a modernidade líqüida insista em se livrar dela. Entendido como um questionador das relações homem/mulher e da superestimação do parentesco consangüíneo e das interdições que lhe são dirigidas em todas as sociedades, esses pressupostos encontram-se integralmente presentes em sua análise do mito de Édipo, O que brota dos mitos, e não só do Édipo, é uma sabedoria incomum, fonte constante de inspiração
  • 8. para todos. O que fica patente, porém, é a importância que os itinerários mítico-imaginários assumem em todo o dispositivo. Assemelham-se a viagens, essas “caixas de promessas irreais” (LÉVI-STRAUSS, 1955, p.38) que permitem o acesso ao modelo teórico geral da sociedade humana. “Mas esse modelo – é a solução de Rousseau – é eterno e universal. As outras sociedades não são melhores do que a nossa: mesmo que sejamos inclinados a pensar dessa maneira, não temos à nossa disposição nenhum método para prová-lo” (LÉVI- STRAUSS, 1955, p.453). Esse nível universal não implica abandono da temporalidade das ordens vividas em detrimento das ordens concebidas, mas designa, isso sim, um modo de entendimento que não reifica a diversidade. Ao contrário disso, insere-a na irreversibilidade da flecha do tempo. A história do pensamento simbólico procura dar conta dessa condição intelectual do homem, por meio de tentativas de adequação entre a disponibilidade de significantes e a co- presença de significados da diversidade cultural. Esses significantes flutuantes têm como função atuar como reguladores dessa defasagem, até que seu estoque venha algum dia a se esgotar. O importante em tudo isso é “reconhecer que o trabalho do significante em relação ao significado vem sendo perseguido de modo mais rigoroso, a partir do nascimento, e nos limites de expansão da ciência moderna” (LÉVI-STRAUSS, 1950, p.XLVIII-XLIX). As flutuações do campo dos saberes exibem as indeterminações, desordens e reorganizações da práxis cultural, e isso porque a cultura é expressão da liberdade do espírito, sede da criatividade e da inovação, apesar das regulações e coerções que a fábrica da ordem cultural impõe à luta dos homens. Em si mesmos, a expansão e o progresso da ciência nunca garantem uma harmonia plena entre significantes e significados. Embora a história do sapiens-demens e da própria ciência sejam recentes, é consensual que os paradoxos da revolução neolítica provocaram uma mutação no processo civilizatório planetário. A ela seguiu-se um período de longas estagnações e regressões, que só recebeu estimulações mais efetivas do século dezesseis em diante, marcadas pelas revoluções produtivas do capitalismo mercantil, industrial e, agora, globalizado, assim como pelos ditos progressos da tecnociência, da informação e do mercado. A partir daí, dois mundos separados e incomunicáveis se estruturaram. “Dois modos distintos de pensamento científico, um e outro, função não certamente de dois estágios desiguais do desenvolvimento do espírito humano, mas de dois níveis estratégicos nos quais a natureza se deixa atacar pelo conhecimento científico: um aproximativamente ajustado à percepção, outro afastado dela (LÉVI-STRAUSS, 1970, p.24). O problema reside na religação desses dois estilos
  • 9. de se pensar a vida, dadas a dispersão e fragmentação dos saberes bioculturais e os padrões de racionalidade e racionalização que os dirigem. Como representação do concreto e cognição aberta, as noologias do pensamento selvagem são elaboradas a partir de classificações da natureza e de imagens de mundo que jamais dissociam o sensível e o inteligível. O pensamento selvagem é um tipo de operação intelectual que se situa num “plano em que as propriedades lógicas se manifestam como atributo das coisas” (LÉVI-STRAUSS, 1964, p.23). Antes de mais nada, as espécies vegetais e animais são boas para pensar, reverberam no espaço mental para enriquecê-lo mais. Pobre pensamento que, domesticado, deixa de lado esse manancial de conhecimento e sabedoria. Ao ilustrar a unidade do gênero humano, esse estilo analítico que se compraz em diferenciar, classificar e organizar, revela-se incapaz de enunciar o que fez, porque restringe sua operacionalidade a uma ciência do concreto que rejeita a voracidade da história e a unidimensionalidade do progresso. “O próprio do pensamento selvagem é ser intemporal, ele quer captar o mundo ao mesmo tempo como totalidade sincrônica e diacrônica” (LÉVI- STRAUSS, 1970, p. 299). Resta saber como inseri-lo na temporalidade dos fluxos e esferas, pontos, bifurcações e ramificações sócio-históricos. Esse empreendimento só se mostrará viável, se a própria história, glorificada como linear e irreversível, vier a ser assumida como mito da modernidade, um complexo conjunto de descontinuidades que se mostra incapaz de fecundar uma política de civilização para o planeta. A história total é intangível, mas pensar numa história-zero, síntese de todas as descontinuidades, é algo irreal. Como mito, a história é uma plataforma que fabrica os pertencimentos do anthropos. É luta, perversão e ódio, mas também amor, liberdade e cooperação. Se aceitarmos a provocação de que o trabalho do historiador se resume a uma restituição imagética de sociedades já desaparecidas no tempo, teremos que, pelo menos, polemizar com Lévi-Strauss sobre a iniqüidade histórica e discordar da assertiva de que “uma história total neutralizar-se-ia a si própria: seu produto seria igual a zero” (LÉVI-STRAUSS, 1970, p.293). Mesmo que a razão dialética seja sempre instituinte, a razão analítica, a que define, distingue, classifica e opõe, nunca se contrapõe diretamente a ela. A distinção entre ambas é relativa, nunca absoluta. “Sartre chama de razão analítica a razão preguiçosa; chamamos dialética a mesma razão, mas corajosa, arqueada pelo esforço exercido para sobrepujar-se (LÉVI- STRAUSS, 1970, p.281). Mesmo que nunca tenha travado íntimo contato com nenhum povo nativo, Sartre não deixou de criticar os modos estruturais da circulação de mulheres, bens e mensagens. As
  • 10. fórmulas lévistraussianas das trocas restrita e generalizada, diz Sartre, contêm um conjunto de aporias, e isso porque os três níveis da circulação constituem um circuito fechado e altamente formalizado, que vira as costas para a historicidade e para as manifestações do prático-inerte, esse conjunto de atividades humanas sempre mediado por um material rigorosamente objetivo. O casamento de indivíduos de um grupo A e B, por exemplo, são fatos e não signos; eles se casaram ontem, hoje mesmo, ou no ano passado. “Mas esse fato é vivido pelo grupo A, por exemplo, sob a forma de um conjunto de obrigações, isto é, de exigências que chegam a ele do futuro” (SARTRE, 1960, p. 490). Para a razão dialética, o que a estrutura faz é retirar da práxis as ações de indivíduos comuns, subtraindo-lhes a autonomia e submetendo-os aos comandos de uma instância estrutural transcendente. Para Sartre, a práxis é sempre acionada por grupos sociais concretos e pelas atitudes reflexivas de cada um de seus membros, ou de um órgão incumbido de realizá-las e reorientá-las. Tal polêmica foi explicitada em História e dialética, (LÉVI-STRAUSS, 1970, p.280;309), capítulo final de O pensamento selvagem, nunca foi resolvida mesmo após a morte de Sartre em 1980. Para Lévi-Strauss, é impossível supor a existência de duas dialéticas, uma verdadeira, própria das sociedades históricas, outra repetitiva, típica do mundo dos outros, do mesmo modo que a existência de duas razões, uma primitiva, outra civilizada, é algo impensável. As sociedades humanas são, portanto, regidas por movimentos e esferas analíticas e dialéticas que se entrecruzam e se retroalimentam mutuamente. Frias ou quentes, traduzem atitudes subjetivas para com a história, concebem-na de modo diverso. “Umas [as primitivas] acariciam o sonho de permanecer como eram no tempo em que foram criadas na aurora dos tempos… outras como a nossa não se repugnam em se saberem históricas e creditam que a história é o motor de seu desenvolvimento” (LÉVI-STRAUSS, 1998, p.67). O que a Antropologia deve fazer é envidar esforços para que a dupla dissolução da cultura na natureza e da natureza e da própria natureza nos processos físico-químicos se efetive, isso porque o homem “faz parte da vida, a vida da natureza e a natureza do cosmo” (LÉVI-STRAUSS, 1998, p.70). Nas Mitológicas - O cru e o cozido,1964, Do mel às cinzas, 1967, A origem das maneiras da mesa, 1968, O homem nu, 1971 - a abertura adverte o leitor do esforço que o espera, se tiver fôlego para assumir, sem pressa, a leitura integral dos quatro volumes. O ponto de partida é um mito pertencente a uma sociedade específica, o povo Bororo do Brasil central. O contexto etnográfico começa por aí. Depois, a análise se desdobra, recorre a elementos históricos, geográficos e cosmológicos do conjunto etnográfico e a outros mitos da mesma e de outras sociedades. Aos poucos, sociedades mais afastadas entram em cena e assim por diante. É
  • 11. nessa polifonia que combina a etnografia rigorosa dos recitativos míticos e a etnologia estética dos invariantes que se forma a nebulosa mítica. Em O cru e o cozido, (LÉVI-STRAUSS, 1964), o mito de referência fornece a textura etnográfica requerida pela metodologia estrutural. Em seguida, a estrutura em camadas do mito põe em cena cantos, variações, fugas, cantatas, um fantástico concerto de pássaros que compreendem as cinco partes deste primeiro volume que, sinfonicamente, faz com que o leitor se empenhe em decifrar a pluralidade de esquemas, códigos e mensagens que se interpõem às narrativas propriamente ditas. Mesmo que o objetivo mais amplo resida na beleza das narrativas que sempre excitam a imaginação, o que se constata nos quatro cantos do livro é a erosão das dualidades entre natureza e cultura em todas as dimensões possíveis. Analogicamente ao discurso musical, o mito explicita uma mensagem constituída pela união entre som e imagem, na medida em que aquele que o ouve se coloca frente a ele numa atitude de participação ativa, situada a meio caminho entre o pensamento lógico e a percepção estética. Talvez, por isso, a atividade mítica tenha algo a ver com a proposta kantiana, ou com um kantismo sem sujeito transcendental, e isso porque “ela não tem função prática evidente” (LÉVI-STRAUSS, 1964, p.18). Mesmo diante da evidência de que a criação de mitos ocorra no interior da fabricação das produções humanas, eles adquirem vida própria, falam entre si, transformam-se, metamorfoseiam-se, recuperam o tempo perdido, sinalizam o futuro, pensam a vida dos homens para muito além do aqui e agora. Os mitos recebem ressonâncias dos fluxos históricos, mas sempre em caráter limitado, porque eles sempre se transformam em si e por si próprios, exibindo uma fantástica capacidade de neutralizar influências externas. Cru, cozido, fresco e podre são, simultaneamente, categorias empíricas e operadores conceituais; provocam o desencadeamento de noções abstratas e proposicionais que tendem a comprovar que “afinal de contas os mitos dizem todos a mesma coisa” (LÉVI-STRAUSS, 1966, p.406). Agrupadas em dois eixos fundamentais, cru e cozido, cru e podre constituem pares de oposição que tornam manifesto o triângulo culinário. Pela mediação do fogo, que dará nascimento à cozinha, preserva-se o homem do podre, impede-se que o mundo sucumba em chamas pela conjunção do sol e da terra. Essas condições transbordam em outras oposições ampliadoras de nexos de sentido: vazio/cheio, continente/conteúdo, interno/externo. A essa arquitetura lógica, que toma como referência etnográfica a América do Sul no primeiro e segundo volumes, adiciona-se uma moral culinária que agrega mitos indígenas da América do Norte no terceiro e no quarto, cujo objetivo primordial é construir uma ética universal para valores alimentares, sociais, culturais. O ocidente respeita medidas de higiene,
  • 12. comportamentos alimentares e culinários, maneiras da mesa para se proteger como indivíduo; no mundo selvagem, eles são respeitados para que os outros não sejam vítimas de sua própria impureza. “Parece, pois, que num sentido, entre povos chamados primitivos, as maneiras de mesa tenham formado uma espécie de código livre cujos termos sabiam combinar mensagens distintas” (LÉVI-STRAUSS, l968, p.435). Esse código livre permite que a comida em qualquer sociedade assuma papel crucial na mediação natureza/cultura. A cozinha se incumbe de moderar a força da natureza, seja para preservar seus encantos ou suspender sua obra destruidora. De qualquer modo, corre-se “sempre o risco de deixar o alimento mais aquém do ponto de equilíbrio desejado pela cultura para que se mantenha em condições de conduzi-lo para além dela” (LÉVI-STRAUSS, 1968, p.439). Instrumentos de sobrevivência do homem, os repertórios míticos pretendem resolver contradições comuns a todos os humanos entre ser e não ser, homem e mulher, velho e novo, comestível e tóxico, cru e cozido, fresco e podre, móvel e inerte que não podem ser equacionadas por vias essencialmente racionais. Por isso mesmo, decifram dilemas e contradições permanentes da natureza e da cultura, culturalizando a primeira, naturalizando a segunda. A lógica do concreto sempre pretende lembrar sua natureza lógica, “modelando, na argila do devir, um esboço confuso do teorema de Gödel” (LÉVI-STRAUSS, 1970, p.298). Matemático de formação, Kurt Gödel (1908-1978) formulou seus dois teoremas sobre a incompletude e a indecidibilidade dos conjuntos axiomáticos que formam as teorias. Se são consistentes, nada pode ser negado ou demonstrado, diz o teorema um. Por outro lado, nada pode provar uma teoria como essa, reitera o teorema dois. É no interior desta contradição que a lógica do concreto deve ser entendida. Nela, nada pode ser provado ou categorizado a priori. Triturado pelos mecanismos da mente, esse material é composto por themata arcaicos, protótipos que governam o pensamento humano desde sempre. É sensibilidade à flor da pele. De qualquer modo, o divórcio ocorrido entre a ordem natural e a cultural foi responsável pela alienação do homem de sua condição genérica, incumbindo-o da fáustica missão de dominar e destruir o mundo natural. Uma vez anulada a diferença de natureza e grau entre primitivos e civilizados, cabe concordar com a visão de George Steiner (STEINER, 2001) sobre Lévi-Strauss. Os modos culturais dessas alteridades, afirma Steiner, destinavam-se primordialmente ao apaziguamento da natureza. O que pretendiam era consolá-la, “viver com ela, para tornar menos selvagem e menos dominante a ruptura entre natureza e cultura” (STEINER, 200, p.74). Não é de se estranhar que seja atribuída a Lévi-Strauss, e também a Marx e Freud, uma certa nostalgia do absoluto e do autêntico. É praticamente impossível não senti-la diante de povos indígenas como os Bororo e muitos outros que neutralizam o tempo
  • 13. estatístico, linear, respeitam a natureza, mesmo que retirem dela sua sobrevivência. Ilhados no oceano da economia globalizada, tentam situar-se para além da natureza e da cultura. Essa posição assumida explicitamente por Lévi-Strauss que, aliás, não tem nada de nostálgica, não impede que ele se empenhe na constituição de uma Antropologia Geral e dê um recado para as ciências humanas. “Aceitamos o qualificativo de esteta porque acreditamos que o fim último das ciências humanas não é constituir o homem mas dissolvê-lo” (LÉVI- STRAUSS, 1970, p.282). Criança mimada pelo humanismo radical, o homem precisa ser descentrado, dissolvido, para ser reintegrado na natureza de onde veio, colocado como mais uma espécie dentre todas as espécies, questionado como ápice da evolução das espécies. A dissolução contém duas possibilidades: uma que critica a unidimensionalidade histórica, mas permanece tributária de uma fatalidade sem soluções; outra que aposta na recomposição de uma unidade planetária pautada pela colaboração solidária de todas as culturas. Admitir a segunda implica transcender a cientificismo e a obsessão ocidental pela análise e classificação de seres vivos, investir na universalidade e na unidade de todos os homens camuflada pelo pensamento analítico. “A Antropologia pode se afirmar naquilo que ela é: um empreendimento que renova e expia a Renascença, para estender o humanismo a toda a humanidade” (LÉVI-STRAUSS, 1973, p.44). A refundação do humanismo exige, porém, o. descentramento de si. Em conseqüência disso, a crítica dos valores ocidentais e a valorização de um estado intermediário representado por um tipo de sociedade de tamanho restrito, eqüitativo, passa a constituir um protocolo bioético que garante a autonomia do sujeito e a colaboração efetiva das culturas. Mesmo que essa intenção possa parecer inalcançável em tempos e espaços líqüidos, esse deve ser o sentido da Antropologia e o único fundamento da moral e da ética. A influência de Rousseau é óbvia nesse conjunto de idéias. “Ele [Rousseau] nos restitui também o ardor … onde se unem seres que o amor próprio dos políticos e dos filósofos se empenha, por toda parte, em tornar incompatíveis: o eu e o outro, minha sociedade e as outras sociedades, a natureza e a cultura, o sensível e o racional, a humanidade e a vida” (LÉVI-STRAUSS, 1973, p.56). Alma errante, o antropólogo situa-se sempre entre dois mundos, como Lázaro, morto e ressuscitado, que deixou sua sociedade para mergulhar nas sombras do desconhecido, Ao retornar é um sujeito transformado. Seu olhar é distante e próximo, carrega imagens do que viu lá fora e as redefine para, talvez, compreender seu próprio mundo. Mesmo que não seja situada no pódio das ciências, a Antropologia não pode deixar de contribuir para o alargamento do entendimento humano.
  • 14. Esse é o sentido da percepção da unidade da diversidade e, simultaneamente, da diversidade na unidade. A rejeição do universalismo globalizado do ocidente centrado nas múltiplas formas de dominação da natureza e da sociedade é requisito prévio dessa ontologia negativa que ainda crê nas formulações do racionalismo, nas arrogâncias da racionalidade, nas reduções das racionalizações. Uma campanha política de direitos para todas as espécies seria um bom caminho para a construção da ética civilizatória fundada na tríade indivíduo, sociedade, espécie. “O único direito que podemos descrever como inalienável é o direito à vida e ao desenvolvimento livre de todas as espécies ainda representadas na Terra” (LÉVI-STRAUSS, 1983, p. 375). Visivelmente cético, esse humanismo reconcilia homem e natureza, “recoloca o homem na natureza, no lugar de instituí-lo como o mestre dos destroços” (LÉVI-STRAUSS, 1983, p.35). É na dialogia e na recursividade entre o mesmo e o outro, o próprio e o alheio, o particular e o universal que um humanismo planetário será viável. Se essa reconciliação algum dia vier a ser efetivada, a oposição natureza-cultura cairá por terra. Esse pressuposto implica reconhecer, como os mitos o fizeram, que “um humanismo bem ordenado não começa por si mesmo, mas coloca o mundo antes da vida, a vida antes do homem, o respeito pelos outros seres vivos antes do amor próprio” (LÉVI-STRAUSS, 1968, p. 422). A recuperação do tempo e do espaço de corpos e mentes exige uma mudança de escala no pensamento que, inesperadamente, faça aparecer e desabrochar “um aspecto moral no qual, como os físicos dizem do infinitamente grande ao infinitamente pequeno, o espaço, o tempo e a estrutura se confundem: mundo cuja existência deveríamos nos limitar a conceber de muito longe, abandonando a intenção de entrar nele” (LÉVI-STRAUSS, 1991, p. 320). Essa atitude do bem-viver envolve a reconciliação entre o físico e o moral, a natureza e o homem, o corpo e a mente, a arte e a espiritualidade, a ética e a estética. Se as narrativas míticas realizam esse empreendimento como ninguém, cabe reinseri-las nas realidades globalizadas do presente e construir um humanismo que não começa por si mesmo, mas que “coloca o mundo antes da vida, a vida antes do homem, o respeito pelos outros seres vivos antes do amor próprio” (LÉVI-STRAUSS, 1968, p.422). A única resposta que este livro pretende fornecer, afirma ele na Abertura de O Cru e o cozido, é a de que o mitos significam o espírito; melhor que isso, explicitam uma imagem do mundo que o arquitetura do espírito construiu como forma de sobrevivência dele mesmo e, claro, dos humanos de todos os tempos. Por mais pesado que seja este livro, tenho a humildade suficiente para reconhecer que “ele não terá levantado senão um pequeno cantinho do véu” (LÉVI-STRAUSS, 1964, [2004], p.52).
  • 15. Se perdemos inexoravelmente as qualidades efetivas e afetivas do olhar, do escutar e do ler, resta-nos ainda supor ser possível bater de frente nas condições adversas do presente e passarmos a entender a vida como obra de arte, a ser simultaneamente recuperada pelo imaginário sem que as materialidades deixem de ser fundamentais. “Os homens fazem a história, mas não sabem que a fazem”, diz Marx em O 18 Brumário de Luís Bonaparte; os homens vivem a história, mas não sabem pensá-la, afirma Lévi-Strauss. Daí decorre sua descrença radical nos tempos sombrios do presente. Pelo menos o século dezenove, reitera, era um pouco melhor do que o nosso. Alguns poucos confortos, uma certa esperança que vencer desigualdades e descalabros ainda era possível. “Suprimir ao acaso dez ou vinte séculos de história não afetaria de modo sensível nosso conhecimento da natureza humana. A única perda irreparável seria a das obras de arte que os séculos viram nascer” (LÉVI-STRAUSS, 1993, p.176). Em 1994 e 1996, com a discrição que lhe é peculiar, ao falar das saudades que sente do Brasil e, em especial, da cidade de São Paulo, são as imagens fotográficas que se superpõem à narrativa escrita. O odor do creosoto estimula os sentidos. O que as fotografias transmitem, afirma Lévi-Strauss, é a impressão de um vazio, de uma falta. Por mais técnicas que sejam, as fotografias não captam o fluxo do mundo real. Paralisam o tempo, congelam o acontecimento. Redescobri-las pela sensibilidade excita a mente e o corpo a perceberem o passado, reinventarem o futuro, problematizarem o presente. Como o pensamento sempre pensa bem, malgrado as tentativas castradoras que lhe são impostas, o corpo sensível sempre entra em ação, às turras com os mandos e desmandos da razão. Razão e sensibilidade são faces da mesma moeda, como os dois rostos de Jano já referidos anteriormente. Por mais que se queira fragmentar a existência, ela resiste, e com muita tenacidade e perseverança. Dilacerada no deserto do real, busca rejuntar seus pedaços, totalizar, religar, propor novos sentidos aos desatinos desta vida. Construções mentais coletivas, as mitologias são exemplo disso. Linguagens da imaginação, apropriam-se das poeiras de estrelas deixadas pelo rastro do tempo, solucionam contradições, invertem a relação natureza-cultura e a seqüência presente-passado-futuro. Por isso, devem ser ouvidas com atenção dedicada e aberta, pois suas significações põem nossos sentidos constantemente à prova. Os mitos, afirma Lévi-Strauss, sempre querem dizer a mesma coisa. Não são específicos de nenhuma sociedade, dessa ou daquela população. São respostas irônicas ou desencantadas para problemas intemporais. Constituem, portanto, patrimônio universal da cultura. Ocorre o mesmo com a música, mistério supremo das ciências humanas. Ao incidir sobre o tempo
  • 16. psicológico daquele que a escuta, mobiliza pulsões neuropsíquicas, desloca a emoção estética para os confins do imaginário, instala o prazer e o gozo, e esse argumento vale tanto para seja uma sinfonia de Mahler ou de Bruckner, ou para canções de Tom Jobim e Villa Lobos. Injustamente acusado de negligenciar a história, de não dar a mínima para a luta dos homens, de não ir às ruas em maio de 1968, Claude Lévi-Strauss nos faz ver o mundo de outra forma. Sua paixão pelo entendimento é de tal ordem que nos leva a perceber que somos meros grãos de areia, infinitamente pequenos, filhos do cosmo e, como tal, impermanentes e provisórios. “Permitam, portanto, meus caros colegas, depois de haver prestado homenagem aos mestres da antropologia no início dessa aula, que minhas últimas palavras sejam voltadas para os selvagens, cuja obscura tenacidade nos propicia, ainda, a oportunidade de perceber os fatos humanos em suas verdadeiras dimensões”. Esse fragmento da aula inaugural do Collège de France, proferida em 5 de janeiro de 1960 é, simultaneamente, parte e todo de sua vastíssima obra. De forma semelhante, 48 anos depois, dedico estas poucas palavras a Claude Lévi- Strauss, desejando que a atividade inconsciente do espírito o anime a prosseguir em suas reflexões neste ano de 2008 que marca seu centenário. Disciplina confidencial e íntima, a Antropologia é expressão do regozijo que hoje celebramos. Nós, seus leitores, admiradores e críticos teremos de percorrer muitas sendas para chegar a entendê-lo um pouco mais. Durante vinte anos, diz, levantava toda manhã embriagado de mitos e, por isso, vivi num outro mundo, como se mito e realidade se confundissem a tal ponto, como nos relatos dos contos de fada. Embriagados de Lévi-Strauss, o caminho está aberto para novas interpretações e desafios dirigidos à construção de uma Antropologia geral, sonho acalentado por ele mesmo, cuja base universalista renova as interpretações das ciências humanas, impondo-lhes novos ritmos, harmonias, cadências e significações.
  • 17. REFERÊNCIAS BEAUVOIR, Simone de. Les structures élémentaires de la parenté. Les Temps modernes, nº 49, novembre 1949. LEVI-STRAUSS, Claude. Les structures élémentaires de la parenté. Paris, PUF, 1949. _____. Tristes tropiques. Paris, Plon, 1955. _____. Anthropologie Structurale. Paris, Plon, 1958. _____. Introduction à l’oeuvre de Marcel Mauss. In Marcel Mauss, Sociologie et Anthropologie. Paris, PUF, 1960: IX/LII. _____. Le cru et le cuit. (Mythologiques I). Paris, Plon, 1964. [Ed. bras. O cru e o cozido (Mitológicas, v.1). Tradução : Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo, Cosac & Naify, 2004]. _____. Du miel aux cendres. (Mythologiques II). Paris, Plon, 1966. [Ed. bras. Do mel às cinzas (Mitológicas, v.2). Tradução : Carlos Eugênio Marcondes de Moura, Beatriz Perrone-Moisés. Såo Paulo, Cosac Naify, 2004]. _____. O pensamento selvagem. Tradução: Maria Celeste da Costa e Souza, Almir de Oliveira Aguiar. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1970. _____. L’origine des manières de table. (Mythologiques III). Plon, Paris, 1968. [A origem das maneiras da mesa. (Mitológicas, v. 3). Tradução : Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo, Cosac Naify, 2006]. _____. L’homme nu. (Mythologiques IV). Paris, Plon, 1971. _____. Anthropologie Structurale II. Paris, Plon, 1973. _____. Le regard éloigné. Paris, Plon, 1983. _____. La potière jalouse. Paris, Plon, 1985. _____. Saudades do Brasil. Tradução: Paulo Neves. São Paulo, Companhia das Letras, 1994. Lévi-Strauss. Saudades de São Paulo. Tradução: Paulo Neves. São Paulo, Companhia das Letras, 1996. _____. Histoire de lynx. Paris, Plon, 1991.
  • 18. _____. Regarder, écouter, lire. Paris, Plon, 1993. MARX, Karl. Le capital, livre premier, développement de la production capitaliste, première section, marchandise et monnaie. Tradução : Joseph Ray, revista por Maximilen Rubel. Paris, Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, (1859), 1965, pp. 597/603.
  • 19. Entrevista: AMAN-TY-KIR EM PROSA.... ....GILDES BEZERRA, O POETA Apresentar Gildes não é tarefa das mais fáceis. Não caberia em um parágrafo apresentá- lo pelas suas obras ou descrevendo o ser humano que é. A primeira prosa que AMAN- TY-KIR compartilha é com o poeta que inspirou o nome e o sentido desta Revista. Tal como as intenções desta publicação, Gildes é interdisciplinar como é todo verso bem escrito; generoso como é a variedade intangível de possibilidades de uma poesia e fincado em raízes para atingir um mundo. Assim é o poeta! E, extraindo os sentidos de suas poesias, AMAN-TY-KIR curva-se aos seus versos e, mais uma vez, temos a chance de pensar melhor as Ciências pela interlocução com a poesia mineira e universal de Gildes Bezerra.Vamos prosear um pouco? 1. Aman-ty-kir: Gildes Bezerra é mineiro de Campina Grande... Você pode elaborar um “apanhado” de memórias sobre sua vida mineira? Gildes: Primeiramente externo a minha satisfação em dialogar com a equipe desta revista, e aproveito para falar que me sinto honrado com a publicação do poema “Aman-ty-kir” neste exemplar inicial. Falemos, então, da nossa vida mineira. Nascido na Paraíba, em1937, vim com os meus pais para o sul. Tendo morado por um ano em Lorena - SP, vim completar quatro anos de idade nesta cidade. Daqui fui para Bicas do Meio, hoje Wenceslau Braz, onde passei parte da minha infância. Com dez anos de idade fui interno de um patronato agrícola, Aprendizado José Gonçalves, em Ouro Fino. De lá fui transferido para o internato da Escola de Horticultura de Itajubá e, ali, permaneci até os meus dezesseis anos quando então voltei para Bicas do Meio. Em 1954, fui morar novamente em Lorena-SP até que em 1955 fui para Três Corações - MG, cursar a Escola de Sargento das Armas. Da Terra de Pelé fui para o Rio de
  • 20. Janeiro – RJ. Um ano depois viria novamente para cá onde permaneceria até 1963. Nesse ano fui morar em Lages - SC. Lá residi até 1969, ano em que voltei, mais uma vez, para esta cidade de onde não pretendo me mudar mais. A esta terra me afeiçoei muito. 2. Aman-ty-kir: Como aconteceu e amadureceu sua relação com a poesia escrita? Gildes: Minha relação com a poesia teve início quando ainda estava na Escola de Horticultura de Itajubá. Ali escrevi meus primeiros versos e mostrei a dois colegas que me incentivaram a mostrá-los ao professor de Português, Dr. Barbosa Lima, médico e intelectual, na época muito conhecido na cidade. Esse professor leu, mandou que fizesse as devidas correções e na aula seguinte me trouxe um poema de Fagundes Varela intitulado “Vida”. O mesmo título do meu “poema”. Depois do meu ingresso na carreira militar, escrevia pouco, mais versos de humor, brincadeiras que fazia com os colegas. Ao sair do serviço militar ativo, comecei a escrever mais até que me dei conta que precisava fazer o curso de Letras. Concluído o curso, estando minha relação com a poesia amadurecida, a produção escrita se intensificou. Não só em versos, mas também em prosa. 3. Aman-ty-kir: Em um encontro na UNIFEI você falou sobre a relação entre os dois poetas diante de um texto, o que escreve e o que lê. Você pode discorrer um pouco o tema? Gildes: É um modo de ver e sentir as coisas. Tendo oportunidade, falo sempre que poeta é aquele que faz o leitor, ao ler os versos, “entrar em estado de poesia”, ou seja, no mesmo estado de espírito em que o poeta se encontra quando ou enquanto escreve seus versos – em “estado lírico”. Penso que, por ser a linguagem poética subjetiva, a leitura de um poema, pela lógica, também é subjetiva. Em consequência, o leitor vai criar a sua poesia a partir daquela que lê, pois a poesia do leitor é “diferente” da poesia do poeta. São duas imaginações diferentes. Afirmo isto a partir de experiências pessoais. Quando falando nas escolas, ou mesmo em conversas informais, ao tomar conhecimento da análise do que foi sentido ao lerem meus versos, reporto-me às
  • 21. origens do poema e à imaginação por mim empregada: são diferentes. Um exemplo prático. Certo dia uma professora de determinada faculdade me telefonou elogiando um pequeno poema que ela havia lido. Enquanto lia lembrou-se da sua infância no tempo em que morava na zona rural e vinha à missa na cidade. Chegava descalça até certa altura do caminho e lavava os pés no rio e calçava os sapatos. O rio que ela descrevia é bem diferente do “meu” rio. E a metáfora que eu havia usado no poema foi transformada em atos realizados e fatos por ela vividos. 4. Aman-ty-kir: Gostaríamos que você dissertasse sobre o processo de construção de sua poesia. Gildes: Bom. Em princípio, quando me ocorre um tema, deixo que ele se desenvolva no subconsciente. Mesmo quando não estou pensando sei que ele está se “formando”. Depois é sentar, escrever e trabalhar os versos. Esta fase é a parte da criação propriamente dita. Outro processo é me dado pelas pessoas. Escrevo por empatia. Não há nada de místico nisso. Há pessoas cujo coração “fala muito alto” e, queira ou não, você escuta e acaba escrevendo o que ele diz. Todos nós, humanos, estamos interligados. Não somos apenas a pessoa fisicamente limitada. Transbordamos em forma de espírito, de energia, daí a empatia a que me refiro. 5. Aman-ty-kir: Sua destreza na arte poética tem relações com a música. Você tem uma série de parcerias que deram origem a composições na área musical. Sabemos que suas parcerias são imensas, porém você pode falar delas ou de algumas delas para o leitor de nossa revista? Gildes: O que me fez conhecido como poeta foi justamente ter sido “letrista” de diversos parceiros. A música é muito mais fácil de ser divulgada. Aliás, poesia bem que poderia ser declamada nas mesas dos botequins, nos bares, nos jardins, em casa, assim como se faz com a música. Quanto às parcerias, como você disse, tenho uma série. Em relação às músicas, as que mais se destacam são: com Amaury Vieira: “Missa Cristo Lavrador”, gravada pelos Paulinos, hoje Paulus, e cantada em todo o
  • 22. Brasil; e ainda a “Missa de São Paulo aos Cristãos de Hoje”, também com a parceria da Irmã Míria Kolling. “Hino de N. S. da Soledade”. “Auto de Menin”, um musical infanto-juvenil, obra composta de cerca de 20 músicas. Tenho duas letras selecionadas pela CNBB e musicadas por compositores da Campanha da Fraternidade, sendo uma o “Canto de Abertura” de 1997. Com Luiz Celso de Carvalho: “Hino de Itajubá”, tornado oficial pela Lei 1.523, de 22 de novembro de 1985, depois de ter sido considerada vencedora entre 12 concorrentes. “Sul das Gerais”, vencedora em festivais de Itajubá e Santa Rita do Sapucaí-MG. “Ou...”, vencedora de festival em Poços de Caldas – MG. “Renda Bruta”, vencedora de festival em Pouso Alegre – MG. Com Paulo Faria: “Noite dos Afogados”, vencedora de festival em Itajubá. Com Marcos José Marques Machado: “Procura”, vencedora de festival em Cruzília – MG. Com Plínio Ribeiro Leite: “Estado de Coisas”, segundo lugar e melhor letra no festival de Poços de Caldas – MG; no mesmo festival em que foi vencedora a música “Ou...” Três premiações em um só festival. Estes eventos musicais aconteceram nas décadas de ’70 e ’80. Com Dércio Marques: “Ponto de Cruz”; “Certeza Enluarada” e outras. Com este músico - cantor e compositor - participei do “Som Brasil”, na TV Globo, apresentado pelo Rolando Boldrin e do “Sr. Brasil”, na TV Cultura de SP, também apresentado pelo Boldrin. Nesses programas declamei o “Aman-ty-kir”. “Minhas” primeiras músicas foram gravadas pelo parceiro e amigo Ivan Vilela: “Vida Maneira”; e “Lua Quebrada”, esta em parceria com o Plínio; e, ainda, “Sul das Gerais”, parceria com Luiz Celso. Com Uiles Wagner tenho várias parcerias, e algumas foram por ele gravadas em seus diversos CDs. Lembro aqui o meu saudoso parceiro Marcos Leite. Os parceiros Rubinho do Vale e Pereira da Viola, cantores profissionais como Dércio, gravaram músicas de nossas parcerias. Com Nestor de Hollanda Cavalcanti: várias músicas, destacando “Canção de (os) Amores” que é uma obra abrangendo cerca de 20 músicas, algumas das quais foram apresentadas na Sala Cecília Meireles, na cidade do Rio de Janeiro, durante a V Bienal da Música Brasileira Contemporânea, em 1983. Outras, dessas músicas, são apresentadas na Europa por cantores líricos brasileiros. Tenho, ainda, os seguintes parceiros: Amaury Falabella, Arlindo Maciel, Clóvis Maciel, a sempre lembrada Cristina Diniz, Cylene, Déo Lopes, Eduardo Bastos, Élder Costa, Gereba, Kátya Teixeira, Luciano de Salvador, Luizinho do Cavaco, Marcílio de Passa Quatro, Miltinho Edilberto, Omar Fontes,
  • 23. Peninha, médico formado na FMIt, Rafael Toledo, Renato Kefe, e meus dois filhos Fernando e Marcellus. 6. Aman-ty-kir: Qual é a relação do compositor e o poeta? Gildes: Eu não tenho dificuldade para compor letra de música porque, de um modo geral, escrevo poemas com versos de entendimento imediato o que é primordial para letra de música; e possuo um conhecimento elementar de música, o que ajuda muito. No meu caso, a relação entre compositor, “letrista”, e poeta é muito estreita, talvez nem haja diferença, embora a letra de música, geralmente, seja mais objetiva – mundo exterior. Muitos “letristas” são excelentes poetas. Os versos escritos para poema são mais subjetivos – mundo interior -, mais trabalhados; já os escritos para a música, como disse, são mais objetivos embora predominem o sentimento e o romantismo. 7. Aman-ty-kir: Aman-ty-kir é tupi-guarani e significa “Montanha Que Chora”. É também origem da palavra Mantiqueira. No poema “Aman-ty-kir” você concilia natureza, realidade social e emoção de forma delicada e sedutora. Como foi o processo de criação do poema? Gildes: Quando criança, em Bicas do Meio - Wenceslau Braz -, desejava saber o significado da palavra Mantiqueira, pois morava sobre uma de suas montanhas. Ninguém sabia me explicar. Passaram-se muitos anos. No final da década de ’80 trabalhava na Editora Reunião com o Chico Vilela e o Cláudio Vander Velden. Fazia pesquisa para a edição de um livro para a UNIFEI, então EFEI. Certo dia, tendo ido à casa do professor Armelim Guimarães entrevistá-lo, aproveitei e perguntei-lhe sobre a origem da palavra “Mantiqueira”. Para minha satisfação, depois de tantos anos, fiquei sabendo que era originária da palavra “Aman-ty-kir”, linguagem dos Puri-Coroados. Segundo o professor, o significado da palavra seria: “Montanha Que Verte Água”. Achei o emprego do verbo “verter” sofisticado para a linguagem indígena. Continuei a busca até saber, através da professora de música, Mariana Marques, irmã de Dom João Resende, naquele tempo arcebispo de Belo Horizonte e membro da Academia Mineira de Letras, que, segundo este, membros da AML teriam traduzido para “Montanha Que
  • 24. Chora”, figurativo conforme a linguagem dos índios. Fiquei com esta opção para construir o poema em pauta. A palavra herdada dos índios, separada por hífens, a que uso, foi grafada por Pedro Bernardo Guimarães, pai do nosso memorável historiador e filho caçula do autor de “Escrava Isaura”. Quanto ao poema a que se refere esta entrevista, escrevi-o a partir de vivência pessoal. Conheci a Mantiqueira com as suas montanhas cobertas de intensa mata com uma rica fauna. A estrada que liga Itajubá a Lorena era de terra e serpeava entre árvores, muitas auracárias, ipês e quaresmeiras. Em uma viagem para assistir a um casamento em Aparecida-SP, a jardineira da empresa de ônibus Malerba, em que viajávamos, ficou atolada na estrada e, apesar das correntes nos pneus e dos esforços dos homens para tirá-la daquela situação, assim permaneceu até a manhã seguinte. Sendo criança, dormi no corredor do ônibus em uma cama feita de malas. Este fato ficou bem gravado na minha memória. Hoje, vendo pastos, eucaliptos, casuarinas, outras coníferas e algumas áreas cobertas de árvores naturais da Mantiqueira, se gasta na viagem cerca de uma hora e pouco. Não somos contra o progresso, achamos apenas que ele poderia ser racional. A partir dos fatos narrados, usando a razão, a emoção e “fingindo sentir a dor que realmente sentimos”, criamos o “Aman-ty-kir”. Quanto à forma delicada e sedutora, depende da sensibilidade, não só do autor, mas também, do leitor. Interessante é que o poeta Thiago de Mello, em um bilhete a mim dirigido através do meu filho Fernando, professor de Letras na Unimontes, chama este poema de “comovedora beleza”. 8. Aman-ty-kir: Qual o lugar da poesia na universidade? Gildes: O lugar da poesia na universidade é aquele onde cada professor a coloca para que seus alunos a percebam, a sintam, a “vejam” ou não. Na faculdade de Ciências Humanas o lugar, destacado, da poesia já está garantido e integra os diversos eventos, culturais ou técnicos. Conheço vários professores dessa área que são poetas, que escrevem versos e/ou prosas; se dedicam à música, ou simplesmente amam as letras, como os da área de Administração da UNIFEI. Mas, admiro os professores das áreas
  • 25. de Ciências Exatas cuja sensibilidade os faz convergir para a poesia, para a música e para outras artes, embora empreguem a racionalidade em todo o tempo das suas atividades de mestres. Talvez isto ocorra pelo abstrato da Matemática e pela busca da outra margem. Resumindo: penso que o lugar da poesia na universidade é no escaninho, na mesa, na pasta, na carteira, dos professores e dos alunos e, também, na sala, no corredor, no pátio, onde estiver uma pessoa, o funcionário da limpeza, o aluno (a), o professor (a) ou o reitor. 9. Aman-ty-kir: Uma revista com o nome “Aman-ty-kir”... O que pensa sobre isto? Gildes: Penso que a idéia é muito boa. De qualquer lugar da cidade vemos a “nossa” Mantiqueira. Ela está ao nosso redor e há bairros que se situam sobre seus morros. Ela torna os horizontes da UNIFEI muito próximos. Cerca e nos protege. Por isto merece ser por nós cultuada. Dando este nome a esta publicação, vocês estão homenageando, também, a memória dos índios que viveram nesta região e dos quais restam apenas lembranças por nós herdadas da História. Ao mesmo tempo, simplesmente pelo título, divulga-se a cultura da região e resguarda-se o lugar da poesia na universidade. 10. Aman-ty-kir: Gostaria de deixá-lo à vontade para expressar suas considerações neste final de entrevista. Gildes: Agradeço a todos vocês pela consideração e carinho que sempre me demonstraram e, neste momento, demonstram por terem me escolhido para a entrevista do primeiro exemplar de Aman-ty-kir. Faço votos para que esta revista acadêmica viva tanto quanto a própria UNIFEI. Muito obrigado. Itajubá, MG, 28 de janeiro de 2010.