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134
13
2008
* Professor na Universidade Jean Monnet de Saint-Étienne/França, pesqui-
sador no Modys/CNRS, integrante da associação anarquista La Gryffe de
Lyon, autor de Petit lexique philosophique de l’anarchisme. De Proudhon à Deleuze.
Paris, LGF, 2001; Trois essais de philosophie anarchiste. Islam, histoire, monadologie.
Paris, Léo Scheer, 2004.
nietzsche e o anarquismo1
daniel colson*
A obra de Nietzsche, por sua coerência consigo pró-
pria, com suas figuras provocadoras e suas explosões
contraditórias, autoriza um grande número de leituras
e interpretações: por exemplo, uma leitura de extrema
direita, a mais grosseira e comum; mas também, mui-
to cedo e de modo aparentemente surpreendente, uma
leitura e uma interpretação operária, anarquista e re-
volucionária. Durante muito tempo, o Nietzsche dos
anarquistas foi interpretado — ao lado de Stirner — se-
gundo o modelo do individualismo contemporâneo. Como
se o eu anarquista e stirneriano, vivido e pensado a
partir de uma “singularidade irredutível, sempre dife-
rente dos outros e sempre remetido a si próprio em seu
comércio (...) com os outros”2
pudesse, mesmo que por
um instante, ser confundido com os indivíduos unifor-
mes e sem qualidades da modernidade, esses indivíduos
verve, 13: 134-167, 2008
verve
Nietzsche e o anarquismo
135
dos estádios, dos dias de eleição, das grandes áreas, das
viagens às Seychelles e dos loteamentos dos subúrbios,
essas “bolas de bilhar patéticas” às quais se refere Gilles
Châtelet, dizendo que “cada esforço para se diferenciar
provoca um maior soterramento numa grande equiva-
lência.”3
É verdade que essa interpretação estreitamente
individualista do Nietzsche dos libertários poderia, pelo
menos para a França no início do século XX, valer-se de
um certo número de figuras aparentemente sem gran-
de relação com a dimensão coletiva e social do anar-
quismo e da história operária: Libertad e seu jornal
L’Anarchie, por exemplo, com sua violenta denúncia do
sindicalismo, das greves e dos movimentos operários,
mas também o filósofo Georges Palante, ou mais ampla-
mente ainda toda uma vertente artística, boêmia e dândi
que, entretanto, seria equivocado reduzir de modo exces-
sivamente fácil às manipulações e aos engodos irrisórios,
mas eficazes, do individualismo moderno.4
Na falta de uma
leitura atenta dos textos ou da compreensão da natureza
dessa estranha mistura estética e política da Paris do
fim do século XIX, a interpretação malévola do anarquis-
mo nietzscheano poderia, ao menos, espantar-se com o
modo pelo qual os escritos de Nietzsche — sob sua dupla
dimensão amoral e bárbara — também atravessavam o
conjunto das práticas e dos movimentos libertários da
época, fazendo-lhes eco e sendo por eles retomado. Ela
poderia ter se espantado ao ver Louise Michel associar a
figura do super-homem às idéias de justiça social e de
revolução,5
o socialista germanista Charles Andler per-
ceber na classe operária uma “classe de mestres”6
, mas
também Fernand Pelloutier, o secretário das Bolsas do
trabalho, conceber-se ao mesmo tempo como “revolucio-
nário”, “partidário da supressão da propriedade individu-
al”, e como “amante apaixonado da cultura de si mes-
mo”7
, ou ainda, como, um pouco por todo o mundo, um
certo número de militantes operários, os mais engaja-
136
13
2008
dos na ação coletiva, reconheceram-se tão cedo nos es-
critos de Nietzsche e, com a força da evidência, exorta-
ram os revolucionários a promover a aparição de super-
homens, de “homens-deuses”, capazes de tirar o povo
de sua letargia, de libertar as potências revolucionári-
as das quais é o portador.8
Mas esse encontro efetivamente surpreendente en-
tre revolta operária e elitismo nietzscheano, desejo de
justiça e recusa do humanismo, ódio da autoridade e
hierarquização dos seres, movimentos coletivos e des-
prezo pela multidão e pela massa, era sem dúvida im-
provável demais para sua ocorrência ser evidente. Como,
de fato, imaginar, por um só momento, que anarquistas
e sindicalistas revolucionários possam se reconhecer
em textos que não hesitam em denunciar violentamente
reivindicações sociais e greves operárias, socialismo e
anarquismo e, por meio deles, qualquer movimento co-
letivo ou individual que pretenda lutar pela igualdade e
a justiça social? Como supor que anarquistas e sindica-
listas possam fazer suas formulações onde, contra as
interpretações morais e populistas mais aceitas,
Nietzsche toma sempre o partido dos “fortes” e dos “mes-
tres” contra os “fracos” e os “escravos” que, a seu ver e
contra qualquer evidência, teriam (em qualquer época)
a supremacia sobre os “mestres”?9
Como, face ao cará-
ter ofuscante de suas imprecações políticas, não redu-
zir a um estreito individualismo a solidão de Nietzsche
e sua visão aristocrática do mundo?
Sem dúvida, apenas o anarquismo de então pode-
ria, ele próprio, dizer porque tantos operários e sindi-
calistas reconheceram-se tão cedo, e contra qualquer
verossimilhança, nos escritos e na pessoa de Nietzsche,
onde, a seus olhos, ele repetiria, de outra maneira e com
nova intensidade, a idéia prática e teórica inventada cin-
qüenta anos mais cedo por Proudhon e Bakunin, e de
verve
Nietzsche e o anarquismo
137
que maneira eles todos, apesar de tantas diferenças e
incompatibilidades aparentes, participariam de um mes-
mo movimento de desconstrução das distinções moder-
nas — entre indivíduo e coletivo, teoria e prática, domi-
nantes e dominados, etc. — em proveito de uma nova e
comum percepção daquilo que é. Não foi o caso, por três
razões principais:
1) A primeira, mais precoce, tem a ver com os escri-
tos de Nietzsche e com a história de sua primeira re-
cepção. Conhecidos muito cedo, eles foram objeto de
numerosos comentários, em ligação com a redescober-
ta de Stirner.10
Mas essa acolhida foi essencialmente
de ordem literária, estética e moral. Sua forma provo-
cativa e poética se prestava mal, num primeiro momen-
to, a uma leitura política e filosófica. E foi apenas de
modo relativamente tardio, a partir do entre-guerras —
no momento do desmoronamento dos movimentos ope-
rários libertários, e com os trabalhos de Jaspers, Löwith,
Heidegger na Alemanha, por exemplo, ou a interpreta-
ção de Bataille na França — que uma leitura filosófica
deveria aparecer, uma leitura capaz de produzir uma
interpretação mais ampla e, mais particularmente, de
ultrapassar uma abordagem estrita e imediatamente
individualista.
2) A segunda refere-se à história do próprio anarquis-
mo, à maneira pela qual ele expressou seu projeto. Sem
dúvida, retrospectivamente, e como mostra Claude
Harmel, os principais teóricos, precursores ou fundado-
res do anarquismo — Stirner, Proudhon, Dejacque,
Coeurderoy, Bakunin — são infinitamente mais próxi-
mos de Nietzsche que de qualquer outro filósofo de seu
tempo.11
Mas eles necessariamente ignoravam tudo de
uma obra que iria ainda nascer. Ao contrário, os inte-
lectuais anarquistas ulteriores — Kropotkin, Reclus ou
Guillaume, por exemplo — tiveram a possibilidade de
138
13
2008
ler Nietzsche, e uma análise mais fina de seus escritos
e de seus centros de interesse não deixaria, aliás, de
mostrar a forma pela qual, implicitamente, eles lhe fi-
zeram eco e se inscrevem, também eles, num percurso
e numa percepção comuns do homem, da natureza e do
mundo. Mas geógrafos, etnólogos ou pedagogos, eles não
tinham nem a preocupação, nem os meios de perceber
a dimensão política e teórica de um pensamento que,
por sua novidade e a originalidade de sua forma, igual-
mente escapava, no mesmo momento, de uma filosofia
profissional que teria sido a mais capaz, normalmente,
de explicitar seu sentido. Quanto ao anarquismo mili-
tante, autodidata e eclético que se seguiu, marcado com
demasiada freqüência (na França) pelas pobrezas redu-
toras da escola republicana de Jules Ferry — essa esco-
la na qual, segundo a fórmula do sindicalista Pierre
Monatte “ensinando o povo a ler, tinha desaprendido a
pensar” — durante muito tempo, inclusive em sua di-
mensão mais individualista, ele se restringiu a uma
visão estritamente racionalista e cientificista, tão dis-
tante de Nietzsche quanto o era de Stirner, de Bakunin
e de Proudhon, ou é claro, dos múltiplos movimentos
de revolta e de emancipação que se desenvolveram na
época um pouco por todo mundo. Nesses círculos res-
tritos, o anarquismo limitou-se pouco a pouco, e du-
rante muito tempo, a um ideal utópico e humanitário,
uma moral política seca e árida, um projeto doutriná-
rio, abstrato e intemporal, quer se tratasse somente
de aplicá-lo a si mesmo ou aos outros, ao modo das
antigas e persistentes prescrições morais, religiosas e
cívicas, privilegiando sempre a explicação, a educação,
a adesão, a conformidade ideológica e comportamental,
e, mais tarde, a organização: segundo o modelo das sei-
tas e dos partidos religiosos ou marxistas.12
verve
Nietzsche e o anarquismo
139
3) A essas duas primeiras razões da dificuldade do
anarquismo perceber suas afinidades de fato com a obra
de Nietzsche, de dizer aquilo que só ele poderia dizer,
podemos acrescentar uma terceira, mais tardia, que se
refere, desta vez, aos massacres de massa do primeiro
conflito mundial, à auto-destruição física e ética que
eles produziram e, durante todo o período do entre-guer-
ras, à transformação em máquinas de guerra (verme-
lha e negra) das esperanças emancipadoras. Incapazes
de explicitar, teórica e politicamente, o modo pelo qual ti-
nham podido se reconhecer na violência nietzscheana,
no super-homem, nos aristocratas, no eterno retorno, na
vontade de potência e, através deles, no jogo infinito e
emancipador das composições de forças e vontades, os
anarquistas encontraram-se, além disso, desprovidos
das figuras literárias e estéticas que, em sua novidade,
tinham inicialmente permitido esse encontro e esse
reconhecimento. Transformados em slogans, em poses
e pompas teatrais, rebaixados às encenações e aos trom-
petes das óperas de Wagner, relacionados ao povo indife-
renciado das trincheiras, depois às multidões vociferan-
tes e impotentes dos meetings e das manifestações de
massa, os conceitos e os personagens de Nietzsche não
passavam de despojos mentirosos, de bandeiras de uma
lógica de dominação e de auto-destruição que — fascis-
ta ou nacional-socialista — pretendia claramente, con-
tra o cinismo pequeno-burguês e não menos assassino
do comunismo russo, colocar-se definitivamente no lu-
gar da violência emancipadora dos movimentos operá-
rios anteriores, fazê-los esquecer como e porque esta
violência emancipadora tinha um dia sido possível.
Foi somente muito mais tarde, com a renovação do
pensamento libertário do fim do século XX, que final-
mente tornou-se possível liberar Nietzsche dos desvios
e dos travestimentos de que tinha sido objeto, mas, so-
140
13
2008
bretudo, compreender o alcance filosófico e emancipa-
dor de seus escritos, e assim apreender por que, intui-
tivamente, eles puderam tão cedo ser compreendidos
por tantos anarquistas e operários revolucionários. Com
autores como Gilles Deleuze, Michel Foucault ou Sarah
Kofman, por exemplo, super-homem, vontade de potên-
cia ou eterno retorno, novamente podiam estender sua
força e repetir sua inspiração primeira, exprimir sua
carga explosiva e emancipadora. Após os inventores do
anarquismo e nos termos mais próximos, finalmente
se tornara possível compreender como a dimensão indi-
vidualista do pensamento de Nietzsche só adquiria senti-
do numa abordagem radicalmente plural da realidade,
numa apreensão das coisas onde, como mostrou Proudhon,
qualquer “pessoa é um grupo”, um “composto de forças”,
onde todo grupo, todo coletivo, por mais vasto ou efême-
ro que seja, é também uma “pessoa”, um “eu”, uma sub-
jetividade, uma vontade. Ali onde, para Nietzsche desta
vez e como explica Michel Haar, “toda força, toda ener-
gia, qualquer que ela seja, é vontade de potência, no
mundo orgânico (pulsões, instintos, necessidades), no
mundo psíquico e moral (desejos, motivações, idéias), e
no próprio mundo inorgânico, na medida em que a vida
é apenas um caso particular da vontade de potência.”13
Com a renovação do pensamento libertário, a afinidade
entre Nietzsche e os movimentos operários libertários
deixava de depender unicamente de uma suposta origi-
nalidade de alguns militantes autodidatas e revoltados,
ou do equívoco de fórmulas mal compreendidas. Não era
mais proibido perceber como, para além da fugacidade
de seu encontro, essa transtornante afinidade tinha a
ver com a natureza histórica de um pensamento e de
movimentos emancipadores que as situações e os acon-
tecimentos do fim do século XX permitiam enfim perce-
ber, repetir, e portanto compreender.
verve
Nietzsche e o anarquismo
141
O pensamento de Nietzsche e o movimento operário
libertário
O anarco-sindicalismo e o sindicalismo revolucionário
teorizaram muito pouco suas práticas, tendo evocado, a
fortiori, referências filosóficas das quais seus militantes
estavam muito distantes. Mas, apesar da indiferença ou
das incompreensões que os acompanharam por tanto tem-
po, eles deixaram traços suficientes nos arquivos oficiais,
ou sob a forma de um grande número de falas e textos
fragmentados e circunstanciais (cartazes, artigos, brochu-
ras, proclamações, discursos de manifestações, moções
de congressos), para tornar perceptível o que não era
visto, para entrar novamente em ressonância com um
Nietzsche redescoberto por outra via, para fazer eco,
quase um século depois, ao sentido que os acontecimen-
tos presentes davam a seu encontro.
“É preciso proteger os fortes contra os fracos”, diz
Nietzsche. É sem dúvida com essa fórmula paradoxal, e
em razão mesmo do escândalo que ela constitui para o
humanismo e a visão “social” do mundo, mas também e
sobretudo em razão do paradoxo de sua reversão (os “for-
tes” são vulneráveis, eles tem que ser protegidos!), que
podemos melhor apreender onde se dá a afinidade en-
tre Nietzsche e os movimentos operários libertários,
exatamente ali onde a distância parece maior, o divór-
cio mais evidente. Hoje percebemos melhor, e não sem
recorrentes polêmicas, como, para Nietzsche, mestres
e escravos constituem ao mesmo tempo tipos e modos de
ser mais ou menos fugidios, aplicáveis a um grande nú-
mero de situações e exigindo a cada instante uma grande
fineza de avaliação e interpretação. Para Nietzsche, os
mestres e escravos raramente estão onde pensaríamos
encontrá-los; e seu ser pouco tem a ver com os signos,
lugares, papéis e representações que habitualmente pre-
142
13
2008
tendem fixá-los e travestí-los. Notá-los exige-se uma
percepção, um julgamento e um senso prático aguçados
e sutis, sempre alertas, capazes de apreender a reali-
dade incessantemente mutante das relações das alian-
ças e dos confrontos, dos equilíbrios e das composições
de forças, das revoltas e das hierarquias que os produ-
zem e transformam, em tal ou tal situação e a respeito
de tal ou tal problema. No entanto, é verdade que, para
Nietzsche, o povo, a multidão e as massas, que ele as-
socia à democracia e ao igualitarismo das urnas, são
uma expressão particularmente flagrante da figura ne-
gativa e moderna do escravo, da força do número, reati-
va e invejosa, e no mais das vezes submetida ao ódio e
ao ressentimento. Mas, como o conhecimento mesmo
mais superficial dos movimentos libertários dá a perce-
ber, esse julgamento político e polêmico não tem nada
que possa chocar os anarquistas, mas ecoa diretamen-
te sua própria visão de mundo e seu modo de conceber e
colocar em prática as relações humanas que eles dese-
jam fazer surgir. Esse encontro e essa comunidade de
pontos de vista, que agora convém estabelecer, poderi-
am ser formulados da seguinte forma: contrariamente
às aparências, se as massas da modernidade, indiferen-
tes e passivas, submetidas aos políticos e freqüentemen-
te fascinadas pelos chefes carismáticos (de Mussolini a
Mao Tse-Tung), estão indiscutivelmente ligadas ao que
Nietzsche chama “os escravos”, os movimentos operá-
rios ditos anarco-sindicalistas, sindicalistas revolucio-
nários ou “de ação direta”, como aliás aquilo que a
sociologia e a história mostram dos valores e do gênero
de vida das classes ou dos meios profissionais que os vi-
ram nascer, ligam-se também indiscutivelmente ao tipo
dos “mestres” e dos “aristocratas”, tais como Nietzsche
os concebe. Para apoiar essa tese, poderíamos multipli-
car os pontos de convergência: do lado do proudhonismo
e de Proudhon, é claro, na maneira pela qual este últi-
verve
Nietzsche e o anarquismo
143
mo pensa a força e as fraquezas do “povo”;14
mas tam-
bém através da abordagem histórica e sociológica de um
certo número de setores profissionais operários dos sé-
culos XIX e XX, dos valores que eles desenvolveram de
sua relação com o mundo e com os outros; ou ainda, a
propósito dos movimentos operários ditos anarco-sindi-
calistas, das “minorias ativas”, tão desacreditadas, da
mistura de individualismo e de ação coletiva que as ca-
racteriza, passando por sua concepção da mesma forma
mal compreendida da “greve” como afirmação da força e
da vontade proletárias. Sem pretender desenvolver uma
análise exaustiva, podemos sublinhar aqui três gran-
des pontos de convergência entre o pensamento de
Nietzsche e os movimentos operários libertários.
O separatismo e a luta de classes
Lembremos rapidamente um ponto importante das
posições nietzscheanas. Quando Nietzsche distingue os
mestres e os escravos, essa é também uma maneira de
opor-se a Hegel, a sua forma de unir dialeticamente os
dois termos. Para Nietzsche, o antagonismo entre mes-
tres e escravos é apenas o efeito secundário de uma
diferenciação primeira, ou (senão) um simples ponto de
vista de escravo. Suas relações não têm nada de dialé-
tico, onde o princípio ativo estaria do lado da negação,
daquele que nega para se afirmar. Como uma afirma-
ção poderia nascer de uma negação, do nada? Para
Nietzsche, este seria claramente um pensamento de
escravo. Para ele, convém, ao contrário, adotar o pon-
to de vista dos mestres (no sentido que ele dá ao termo),
apreendendo que aquilo que os distingue dos escravos é
justamente uma separação, uma diferenciação. O an-
tagonismo entre os mestres e os escravos supõe inici-
almente uma relação de diferenciação dos mestres, não
144
13
2008
como uma luta que une e liga, mas como uma separa-
ção que desliga e distingue. Mas é justamente aqui, e
desse ponto de vista, que podemos compreender porque
os movimentos operários libertários sempre foram tão
radicalmente estrangeiros ao marxismo (uma variante
do hegelianismo) e de sua concepção da luta de classes,
na medida mesma em que eles obedeciam ao movimen-
to de diferenciação dos fortes e dos mestres.
Com efeito, na concepção anarco-sindicalista ou sin-
dicalista revolucionária, e contrariamente ao que fre-
qüentemente se afirma, a classe operária, considerada
do ponto de vista de sua emancipação, não é inicial e
principalmente definida pela luta de classes, pela ex-
ploração, a opressão e a miséria psíquica e moral que
estas necessariamente provocam; com todo seu cortejo
repugnante de humanismo, de miserabilidade e de fi-
lantropia interessada. Sua potência emancipadora de-
pende essencialmente de sua capacidade, histórica e
localmente produzida, de se constituir como força autô-
noma, independente e afirmativa, fundada sobre o or-
gulho e a dignidade, e dispondo de todos os serviços, de
todos os valores, de todas as razões e de todas as insti-
tuições necessárias a sua independência, que não de-
pendem senão dela e daquilo que ela assim se torna, de
sua capacidade de fazer nascer um outro mundo. Esta
concepção não é inicialmente de ordem teórica. Ela é a
expressão de um grande número de atitudes e de práti-
cas efetivas, no sentido da convergência, do imediato e
da evidência daquilo que as produz, como mostra, por
exemplo, para a França, o estudo de qualquer Bolsa do
trabalho minimamente conseqüente.15
Para o anarco-
sindicalismo e o sindicalismo revolucionário, a classe
operária deve em primeiro lugar separar-se de modo o
mais radical, não ter mais nada em comum com o res-
to da sociedade, inclusive e sobretudo com aqueles que
verve
Nietzsche e o anarquismo
145
— “socialistas”, “humanitários” e “filantropos” — incli-
nam-se sobre sua sorte e pretendem defender e repre-
sentar seus interesses. No discurso próprio a este com-
ponente libertário do movimento operário, mas que
ultrapassa amplamente fronteiras ideológicas muitas
vezes incertas, esse movimento de diferenciação leva o
nome completamente límpido, de um ponto de vista ni-
etzscheano, de “separatismo operário”. O movimento
operário deve se “separar” do resto da sociedade. O que
Proudhon explica da seguinte forma: “a separação que
eu recomendo é a condição mesma da vida. Distinguir-
se, definir-se, é ser: assim como se confundir e absor-
ver-se, é perder-se. Fazer uma cisão, uma cisão legíti-
ma, é o único meio que temos de afirmar nosso direito
(...). Que a classe operária, caso ela se tome a sério,
caso ela busque algo diverso de uma fantasia, conside-
re como definitivamente dito: é preciso antes de tudo
que ela não seja mais tutelada, e (...) que a partir de
então aja exclusivamente por ela mesma e para ela
mesma.”16
Nessa maneira de ver, a luta de classes não está
evidentemente ausente, mas ela não tem nada mais
de dialético, numa relação em que a “sociedade mori-
bunda” sempre ameaça arrastar os movimentos num
abraço mortal e anestesiante, obrigando-os a aceitar as
regras comuns de combate, a adotar as formas de lutas
e negociações pertencentes à ordem que pretendem
abolir. Para os sindicalistas revolucionários e os anar-
co-sindicalistas, a greve, expressão privilegiada da luta
de classes, é de início um ato fundador intempestivo e
incessantemente repetido, um “conflito” sempre singu-
lar e circunstancial, um rasgão no tempo, uma ruptura
dos laços e entraves anteriores, que por meio do grande
número de conflitos parciais e seu próprio movimento,
contribui de modo decisivo para transformar o ser do
146
13
2008
operário.17
Ela é o modo pelo qual os operários “educam-
se”, “curam-se” e preparam-se para “movimentos” cada
vez mais “gerais”, até a explosão final da greve geral.18
Nessa repetição incessante da greve, as organizações
proletárias não deixam de se propor objetivos imedia-
tos, de fazer acordos. Mas esses objetivos são sempre
secundários e esses acordos sempre provisórios. Em
relação ao que os constitui como forças revolucionárias,
os movimentos operários não visam qualquer compromisso
razoável, porque definido pelo contexto em que foi fir-
mado, nenhuma “satisfação” que viria da ordem eco-
nômica e social da qual é obtida, que dependeria daquilo
que ele próprio pode. Mesmo e sobretudo quando assinam
convenções, os operários não estão em situação de de-
manda. Eles se contentam em obter uma parte de seu
“direito” provisoriamente, esperando obter tudo, livre-
mente, sem outros “respondentes” além deles própri-
os.19
Se os operários não pedem nada, é porque eles não
sentem qualquer inveja do velho mundo, que eles des-
prezam e ignoram. Sua revolta é uma pura afirmação
das forças e do movimento que os constituem, e é so-
mente de modo derivado que são obrigados a combater
as forças reativas e reacionárias que se opõem a essa
afirmação. Eles não pedem nada a ninguém, mas tudo a
eles mesmos, a sua capacidade de expressar e desen-
volver a potência de que são portadores. Sua relação com
o mundo exterior é uma relação tripla, de seleção, de
pretensão (no sentido primeiro e físico do termo) e de
recomposição daquilo que é:
1) Uma seleção, na ordem existente, a partir daquilo
que a constitui, dos meios necessários de afirmação
dessa nova potência;
2) A pretensão de ocupar um dia a totalidade do espa-
ço social, por meio de uma transformação radical da or-
verve
Nietzsche e o anarquismo
147
dem burguesa como valores, moral, sistema econômico
e político;
3) Uma nova recomposição da totalidade daquilo que é.
Esse triplo movimento de seleção, de pretensão e de
recomposição, é formulado por Victor Griffuelhes, secre-
tário da CGT francesa de 1901 a 1910, da seguinte for-
ma: “a classe operária, não devendo nada esperar de
seus dirigentes e seus mestres, negando seu direito a
governar, buscando o fim de seu reino e de sua domina-
ção, organiza-se, agrupa-se, proporciona-se associações,
fixa as condições de seu desenvolvimento e, por inter-
médio delas, estuda, reflete, trabalha para preparar e
estabelecer a soma das garantias e direitos a serem
conquistados, depois se apropria dos meios para garan-
tir essas conquistas emprestando-os do meio social, uti-
lizando os modos de atividade que esse meio social traz
em si, rejeitando tudo aquilo que tende a fazer do traba-
lhador um assujeitado e um governado, permanecendo
sempre o mestre de seus atos e de suas ações e o árbi-
tro de seus destinos.”20
De forma diversa, encontramos assim, nessa vonta-
de de secessão e de recomposição daquilo que é o per-
curso de Nietzsche, perceptível desde Zaratustra e mais
tarde na sua vontade de transvalorar os valores (não no
sentido de transformá-los em seu contrário, mas no sen-
tido de uma destruição das tábuas da lei), de cortar a
história em duas e de instaurar um mundo inteiramente
novo. Como em Nietzsche, o projeto libertário, afirmativo
e diferencial, inscreve-se num trajeto de tipo messiânico,
que é encontrado um pouco em toda parte nas socieda-
des em via de industrialização, do anarquismo espanhol
ao messianismo libertário do pensamento judaico da
Europa central descrito por Michael Löwy.21
O tema da
greve geral, ou de sua expressão popular da “Grande
148
13
2008
Noite”, ilustra bem essa concepção radical da luta revo-
lucionária do movimento operário libertário. Com a greve
“geral” que dá sentido à repetição das greves “parciais”,
a classe operária pára tudo, cruzando os braços. Como
as trombetas de Jericó, esse é seu modo próprio de der-
rubar as muralhas da ordem existente, mostrando a for-
ça imensa dos trabalhadores. Nessa concepção da Revo-
lução, a classe operária não tem efetivamente nada para
pedir, nada a dizer a qualquer outro, pois ela pretende
ser tudo e, sobretudo, algo inteiramente novo que nin-
guém pode lhe dar, pois é ela que o traz.22
O federalismo
Outro ponto de encontro entre Nietzsche e o movimento
operário libertário: o federalismo. Afirmativo, o procedi-
mento de Nietzsche é necessariamente “múltiplo” pois
“faz parte essencial da afirmação ser ela própria múlti-
pla, pluralista, e da negação ser una, ou densamente
monista.”23
A “vontade de potência” nietzscheana não
designa uma força unificada, nem um princípio central
de onde tudo emanaria.24
Como mostra Michel Haar, ela
remete “a uma pluralidade latente de pulsões, ou a com-
plexos de forças se unindo ou se rejeitando, associando-
se ou dissociando-se.”25
Determinando-se, a vontade de
potência tende a unir e a hierarquizar as múltiplas for-
ças do caos. Ela não as destrói, não as reduz, não resol-
ve suas diferenças ou seus antagonismos à maneira da
dialética hegeliana. “Afirmativa e forte, a vontade de
potência assumirá a variedade, a diferença e a plurali-
dade.”26
Essa concepção da vontade de potência é parti-
cularmente esclarecedora para se compreender as for-
mas com as quais se revestiram os movimentos
operários de tipo anarco-sindicalista ou sindicalista re-
volucionário.
verve
Nietzsche e o anarquismo
149
De fato, significaria um grande contra-senso interpre-
tar no registro anacrônico de uma concepção totalitária a
pretensão do sindicalismo revolucionário de “bastar a si
mesmo”, de não esperar de ninguém o cuidado de ga-
rantir o advento de um mundo novo do qual se conside-
ra o único portador. Essa pretensão é estreitamente li-
gada ao federalismo social e operário. Se o sindicalismo
pretende ser tudo, é por ser múltiplo, infinitamente
múltiplo e diferente em seus componentes. “O outro”,
ele o carrega exatamente em si próprio, e a “diferença”
por mais radical que seja, ele a experimenta no próprio
movimento que o conduz a pretender ocupar toda a re-
alidade social. É nesse sentido, entre outros, que o
sindicalismo revolucionário e o anarco-sindicalismo
são proudhonianos. Proudhon não é apenas o teórico so-
cialista que mais insiste sobre a necessidade, para os
diferentes componentes da classe operária, de autono-
mizar-se radicalmente do resto da sociedade (separa-
tismo). Ele é sem dúvida o único a pensar a pluralidade
das forças que compõem a classe operária, a concebê-la
como uma realidade múltipla. Contrariamente a Marx,
Proudhon fala o mais das vezes “das” classes operárias
e não “da” classe operária, ou “do” proletariado. Enquan-
to para Marx a classe operária é somente o momento
abstrato, porque instrumentalizado, de uma razão ope-
rante na história, para Proudhon, as forças operárias
são sempre forças concretas e vivas, diferentes e em
devir, que podem sempre desaparecer e ressurgir sob
outras formas, mudar de natureza, fazer-se absorver,
dominar outras forças ou serem dominadas por elas,
num incessante movimento de transformação, onde
nada é definitivo. Na concepção do sindicalismo revolu-
cionário e do anarco-sindicalismo, a “classe operária
organizada” é um efeito de composição, uma “resultan-
te”, dizia Proudhon,27
uma composição instável de for-
ças múltiplas, diversas e autônomas, até mesmo con-
150
13
2008
traditórias, que se reconhecem como necessárias umas
às outras para fazer surgir um novo mundo.
Freqüentemente compreendeu-se mal porque o sin-
dicalismo revolucionário fazia tanta questão, nos votos,
que cada sindicato tivesse a mesma representação, in-
dependentemente do número de seus associados. A tá-
tica procedimental e subalterna, no seio dos congres-
sos, sem dúvida não era ausente dessa exigência. Mas
essa última remetia sobretudo a uma concepção revo-
lucionária mais fundamental, uma concepção qualita-
tiva e não quantitativa, diferencial e não abstrata ou
geral da realidade. Extremamente diversos, dependendo
das regiões e países, o desenvolvimento e funcionamen-
to dos movimentos operários ditos de ação direta
correspondem perfeitamente à análise de Proudhon e de
Nietzsche sobre as modalidades de afirmação da “potên-
cia” (Proudhon) ou da “vontade de potência” (Nietzsche).
De fato, e para nos atermos apenas às experiências sin-
gulares do movimento operário francês (em particular
no contexto das Bolsas de trabalho), o federalismo ope-
rário caracteriza-se sempre pela união conflituosa de
forças extremamente diversas, preciosas demais em sua
singularidade para que o ponto de vista de uma única
entre elas seja esmagada pela lei do número, pela falsa
avaliação da quantidade e da medida. Associação de
mineiros, de músicos, de marceneiros, de tipógrafos, de
carpinteiros, trabalhadores braçais sem qualificação,
encanadores que trabalhavam com zinco etc., estas to-
das são forças específicas lutando para se unir e se afir-
mar em uma força mais vasta, retirando ela própria sua
potência daquilo que assim a constitui como combina-
ção de forças distintas.
Diversas, as forças sindicais não o são apenas umas
em relação às outras, entre ramos de atividade e fede-
rações de ofícios ou de indústria, por exemplo (minas,
verve
Nietzsche e o anarquismo
151
metalurgia, música, serviços postais etc.), ou no interior
de um dado ramo industrial.28
Cada força constitutiva
do movimento operário como potência maior é ela pró-
pria uma composição de forças, também múltiplas e sin-
gulares: geografia dos lugares onde ela se desenrola,
modalidades de organização, tipos de militantes, núme-
ro de associados, ritmos e modalidades de funcionamen-
to, vínculos com o resto da profissão, parte relativa dos
sindicalizados, natureza dos savoir-faire profissionais,
tipos de instrumentais, tipos de empresas, de organi-
zação do trabalho, origens da mão de obra etc. Cada or-
ganização de base de uma federação local ou de uma
Bolsa de trabalho (que admite apenas uma por tipo) não
é apenas uma força específica, diferente de todas as
outras. Ela própria é a “resultante” sempre em desequi-
líbrio, de uma parte, de uma composição e de uma sele-
ção de forças igualmente autônomas, que podem, em
graus diversos, no jogo das relações no seio da Bolsa de
trabalho, compor-se (ou opor-se) diretamente com ou-
tros componentes ou compostos de componentes desta
Bolsa; de outro lado, são forças ao mesmo tempo sociais
e técnicas, humanas e não-humanas, simbólicas e
materiais que, com Bruno Latour, poderíamos qualifi-
car de híbridas,29
e que turvam incessantemente a fal-
sa oposição entre natureza e cultura, mundo e sociedade,
numa relação com o mundo onde o menor agrupamen-
to, por sempre evocar, para existir, a totalidade do real,
é constitutivo, como diz Proudhon, de uma “sociedade
particular”, ali onde, segundo a fórmula de Nietzsche, “o
menor detalhe implica o todo.”30
De fato, extremamente próxima de Nietzsche e Leibniz,
uma das características essenciais dos movimentos li-
bertários irá residir na sua capacidade de permitir que
todas as suas forças constituintes também possam pre-
tender bastar a si próprias, que possam possuir, sob um
152
13
2008
certo ponto de vista, a totalidade daquilo que é, e pos-
sam assim fundar seu direito absoluto à autonomia. É
sob esta condição (ontológica) que todas as forças cons-
titutivas dos movimentos operários (indivíduos, seções
técnicas, sindicatos, uniões locais etc.) têm o direito de
se expressar, de se afirmar e — de modo radicalmente
igualitário, quaisquer que sejam sua natureza e seu peso
— de sempre buscar avaliar o sentido de sua associação,
de experimentar e lutar entre elas para determinar a
hierarquia dos valores que sua composição sustenta.
Daí, negativamente, ou seja, do exterior, esse sentimen-
to de caos, de conflitos, e de reviravoltas contínuos, pro-
vocado pelo exame dos arquivos policiais e dos traços
deixados pela menor associação operária um pouco con-
seqüente. Numa Bolsa de trabalho como a da cidade de
Saint-Étienne, por exemplo, tudo é objeto de discussões,
de conflitos, de paradoxos, de cisões e de reconciliações,
de afirmações diferenciais. A respeito dos problemas
mais graves, a questão da guerra e da União Sagrada
em 1915, por exemplo. Mas também, problemas aparen-
temente os mais fúteis, como em 1902, quando o con-
selho de administração discute por muito tempo e de
modo muito disputado, sobre o direito de um dos secre-
tários da Bolsa — surpreendido beijando a zeladora — de
se entregar ou não a suas inclinações amorosas.31
Daí,
igualmente, para as associações operárias com caráter
libertário, essa impressão de caos, de agitação de ten-
sões e conflitos, de reviravoltas imprevistas e contínu-
as dos pontos de vistas expressos, ou ainda, no terreno
do direito, a grande dificuldade dos acordos, dos pactos e
dos regulamentos a serem fixados ou regulados, a mul-
tiplicidade e a mudança incessantes das relações que
os constituem a um dado momento, obrigando, por exem-
plo, imediatamente após a Primeira Guerra Mundial a
Bolsa do trabalho de Saint-Étienne a rejeitar semanal-
mente, durante mais de dois anos, a impressão de seu
verve
Nietzsche e o anarquismo
153
novo regulamento interior, recusado e modificado an-
tes mesmo que uma versão tivesse tempo de chegar à
gráfica.32
A ação direta
Para o anarco-sindicalismo e o sindicalismo revolu-
cionário, as forças operárias devem sempre agir direta-
mente, sem intermediários, sem “representantes” e
sem “representação”. A noção de representação deve ser
entendida aqui em seu sentido mais amplo. De fato, do
ponto de vista libertário, não se trata somente de recu-
sar a representação política, mas qualquer forma de re-
presentação — social, simbólica ou científica — percebi-
da como necessariamente abstrata e manipuladora,
distinta das forças em nome de quem ela fala, que ela
ordena e hierarquiza, de quem ela se apropria limitando
suas possibilidades. É assim que podemos compreender
uma outra dimensão, freqüentemente difícil de ser
compreendida, porque aparentemente contraditória, dos
movimentos operários libertários: seu anti-intelectua-
lismo. Ávidos de cultura, de leituras, de ciências e de
saberes, os militantes anarco-sindicalistas e sindica-
listas revolucionários, por avaliarem (com Proudhon)
que “a idéia nasce da ação e não a ação da reflexão”,33
tendem sempre a recusar qualquer formulação teórica
ou científica que, a partir do exterior, a partir de suas
próprias razões de ser e de modo lógico e unificado, pre-
tenderia dizer (ou redizer em seu lugar) aquilo que são
e o que querem. Como mostra o menor catálogo das bi-
bliotecas operárias ou ainda os suplementos literários
publicados na virada dos séculos XIX e XX, por uma re-
vista como Les Temps Nouveaux, o caráter fragmentário
das obras reunidas ou utilizadas, a ausência de precon-
ceitos sobre a origem dos autores e das correntes de
154
13
2008
pensamento de que provêm, a heterogeneidade dos do-
mínios abordados (técnica, literatura, filosofia, política),
não são resultado apenas do ecletismo autodidata e con-
fuso com o qual se desacredita, com excessiva freqüên-
cia, a cultura dos militantes anarco-sindicalistas e sin-
dicalistas revolucionários. Análogo à diversidade das
identidades profissionais e das formas que elas podem
assumir no interior dos diferentes movimentos operá-
rios existindo em tal ou tal momento, em tal ou tal lu-
gar ou situação, o caráter heterogêneo e aberto da cul-
tura militante operária, assim como a diversidade
interna e externa dos movimentos onde ela toma senti-
do, nunca deixa, sob a superficialidade aparente de seus
ensaios e experimentações, de realizar uma seleção
exigente que não pode ser reduzida às únicas e gros-
seiras referências ao campo republicano, às aprendiza-
gens da escola primária ou aos temas mais visíveis do
pensamento libertário.34
E é justamente nesse sentido
que modalidades da cultura operária revolucionária e
modalidades do desdobramento dos movimentos operá-
rios podem não somente — em profundidade, maior ou
menor — responder-se e repetir-se, mas também se
reconhecer de outra forma mas com a mesma evi-
dência, na forma e conteúdo da obra de Proudhon ou
de Nietzsche, por exemplo, obras que também, cada
uma a seu modo, são sempre taxadas de heterogenei-
dade, de palinódias e contradições insuperáveis, ca-
pazes de desencorajar qualquer desejo de ordenação
unívoca e lógica.
De fato, no modo pelo qual as práticas operárias recu-
sam qualquer exterioridade formalizada ou simbólica,
qualquer representante (político, relativo à linguagem ou
científico) que pretenda dizer ou ordenar aquilo que elas
são e fazem, na sua vontade de tratar da mesma ma-
neira formas e conteúdos, lutas e organizações, pensa-
verve
Nietzsche e o anarquismo
155
mento e ação, relatos e acontecimentos, literaturas e
passagens ao ato, essas práticas são homólogas, não
somente com as formas dos escritos de Nietzsche, mas
também com aquilo que eles dizem, com o pensamen-
to que essa forma exprime, e mais particularmente no
que diz respeito ao que nos ocupa aqui, com a crítica
nietzscheana do Estado, da Igreja ou do Conhecimento.
Através de Nietzsche, as práticas dos movimentos liber-
tários podem revelar mais uma vez o caráter “reativo da
ciência, da religião ou do político”, sua capacidade de “se-
parar as forças ativas daquilo que elas podem”, e de tor-
ná-las impotentes, de negá-las enquanto tais sujeitan-
do-as a outros fins.35
É verdadeiro sobre a ciência ou
sobre o conhecimento, que, “de simples meio subordi-
nado à vida (....) erigiu-se como fim, como juiz, como
instância suprema.”36
Mas isso é igualmente verdadei-
ro quanto à política e à religião, Estados e Igrejas, esses
outros modos de fixar e de representar as forças ativas
para melhor sujeitá-las a um arranjo reativo mentiro-
so. “Estado, de todos os monstros frios, assim chama-se
o mais frio, e é também com frieza que ele mente e
destila de sua boca esta mentira: ‘Eu, o Estado, sou o
povo.’ O Estado (...) é um cão hipócrita (...) ele ama dis-
correr — para fazer crer que sua voz sai do ventre das
coisas.” Quanto à Igreja, “é uma espécie de Estado, e é a
mais mentirosa.”37
Ciência, Igreja, Estado, trata-se sem-
pre de sujeitar o real à mentira dos signos e da repre-
sentação, o “movimento” à “substância”, as forças ati-
vas às forças reativas.38
Como afirma Deleuze a respeito
do caráter hegeliano e utilitarista das ciências do ho-
mem: “nessa relação abstrata, qualquer que ela seja,
somos sempre levados a substituir as atividades reais
(criar, falar, amar) pelo ponto de vista de um terceiro
sobre essa atividade: confundimos essência da ativida-
de com o benefício de um terceiro, sobre o qual se supõe
que ele o desfrute, ou que ele tenha o direito de reco-
156
13
2008
lher seus efeitos (Deus, o espírito objetivo, a humanida-
de, a cultura, ou mesmo o proletariado).”39
Alusiva em
Deleuze, mas virulenta no próprio Nietzsche (em sua
crítica ao socialismo e ao anarquismo), essa referência
ao caráter mistificador do “proletariado” ou da “classe
operária”, não tem nada (pelo menos desse ponto de vis-
ta), que pudesse surpreender um leitor de Proudhon, e
com ele, os numerosos militantes que, no fogo da ação,
tentaram pensar o anarco-sindicalismo e o sindicalis-
mo revolucionário. Pelo contrário, poderíamos dizer, pois
de certo modo e por menos que olhemos de forma medi-
anamente atenta ao que ambos afirmam, ela justamente
fornece, contra qualquer evidência aparente, uma últi-
ma indicação daquilo que pôde aproximá-los.
Para o Nietzsche de Deleuze, a “cultura” é uma “ati-
vidade genérica”, uma “pré-história”, do homem que lhe
permite “falar” e não mais “responder”, ser seu próprio
“mestre”, seu próprio “direito”, mas que, historicamen-
te, foi “capturada por forças estrangeiras de natureza
totalmente diversa. Em vez da atividade genérica, a his-
tória apresenta-nos raças, povos, classes, Igrejas e Es-
tados. Sobre a atividade genérica implantam-se organi-
zações sociais, associações, comunidades de caráter
reativo, parasitas que vêm recobri-la e absorvê-la.”40
Essa “atividade genérica”, essa “atividade do homem
como ser genérico”41
, que raças, povos, classes Igrejas,
Estados e outras formas individuantes e identitárias
conseguem tão bem recobrir e absorver, Deleuze irá
remetê-la, em outra parte, de modo mais amplo e sobre-
tudo mais ofensivo, ao que ele chama de “ser unívoco”.
“Potência” irredutível às formas sociais e aos indivíduos
que ele contribui a produzir, ‘o ser unívoco’ “age neles
como princípio transcendental, como princípio plástico,
anárquico e nômade, contemporâneo do processo de indi-
viduação e tão capaz de dissolver e destruir os indivíduos
verve
Nietzsche e o anarquismo
157
quanto de constituí-los temporariamente.”42
Deleuze tem
razão de ressaltar a dimensão “anárquica” dessa concep-
ção do ser como potência, de pensar o “ser unívoco” sob
o signo “plástico” de uma “anarquia de seres”, e, seguindo
Artaud, de uma “anarquia coroada”, ali onde, na afirma-
ção de sua existência, cada ser singular é o “igual” de
todos, por que “imediatamente presente para todas as
coisas, sem intermediário nem mediação.”43
Realmen-
te, em Proudhon, é quase em termos idênticos que re-
encontraremos essa distinção. De um lado, há a “ação”,
origem de toda “idéia” e de toda “reflexão” e que se re-
veste com o semblante duplo da guerra e do trabalho: 1)
a “guerra”, sem a qual o homem “teria perdido (...) sua
faculdade revolucionária” e reduzido sua vida a uma “co-
munidade pura”, a uma “civilização de estábulo”44
; 2) o
“trabalho”, “força plástica da sociedade”, “um e idêntico
em seu plano”, e “infinito em suas aplicações, como a
própria criação.”45
De outro lado, há a apropriação das
forças coletivas e da potência de ação dos seres huma-
nos por uma sucessão de formas de individuações soci-
ais que se colocam como “absoluto”, uma apropriação
que Proudhon descreve assim: “encarnado na pessoa, o
absoluto, com uma crescente autocracia, vai se desen-
volver na raça, na cidade, na corporação, no Estado, na
Igreja; ele se institui rei da coletividade humanitária e
da universidade das criaturas. Chegando a essa altura,
o absoluto torna-se Deus.”46
Mas essa oposição entre a ação, “força plástica”, “in-
finita em suas aplicações”, e as múltiplas formas de
absoluto que buscam fixá-la e assujeitá-la, não é exclu-
siva nem de Nietzsche, nem de Proudhon. Iremos reen-
contrá-la, de modo igualmente incisivo, sob a pluma
dos líderes do sindicalismo revolucionário, em textos
escritos, entretanto, às pressas e para atingir um gran-
de número, e num contexto onde todas as razões esta-
158
13
2008
riam aparentemente reunidas para que eles engrandeces-
sem e tornassem absolutos a “classe operária”, o “prole-
tariado”, o “sindicalismo”. Escutemos Victor Griffuelhes,
quando ele se entrega a um exercício perigoso (do ponto
de vista de Nietzsche e de Proudhon): definir o “sindica-
lismo”. O que diz Grifuelhes? “O sindicalismo é o movi-
mento da classe operária que quer chegar à plena pos-
sessão de seus direitos sobre a fábrica e a oficina; ele
afirma que essa conquista com vistas a realizar a eman-
cipação do trabalho será o produto do esforço pessoal e
direto, exercido pelo trabalhador.”47
Frase espantosa sob
a usura das palavras e do olhar, que, em duas proposi-
ções, consegue condensar um grande número de carac-
terísticas do sindicalismo revolucionário e do anarco-
sindicalismo, sem nunca sujeitá-los a uma identidade,
uma representação ou uma organização. “Esforço pes-
soal e direto”, “conquista”, “emancipação”, “afirmação”,
tensão em direção “à plena possessão de seus direitos”:
“a atividade genérica” da qual falava Deleuze a respeito
de Nietzsche encontra aqui um conteúdo e uma formu-
lação que determinam logo a definição do sindicalismo.
Para Griffuelhes o sindicalismo não é nem uma coisa,
nem a fortiori, um representante ou uma organização
(no caso, da classe operária). O sindicalismo é um “mo-
vimento”, o “movimento” da classe operária.
Sob a pluma de Griffuelhes, essa formulação não tem
nada de conveniente, nem de maquinal, como mostra a
seqüência imediata do texto. De modo muito proudhoniano
(e sempre da mesma forma espantosa), Griffuelhes logo
encadeia não sobre o capitalismo, os patrões ou os bur-
gueses, contraponto dialético aparentemente obrigató-
rio dos objetivos que o sindicalismo se estabelece, mas
sobre a questão de “Deus” e do “Poder”. “À confiança no
Deus dos padres, à confiança no Poder dos políticos in-
culcados no proletariado moderno, o sindicalismo subs-
verve
Nietzsche e o anarquismo
159
titui a confiança em si mesmo, a ação rotulada tutelar
de Deus e do Poder é substituída pela ação direta.”48
O
movimento da classe operária é inicialmente, de ante-
mão e em eco ao que já dissemos sobre o separatismo
operário, a força que permite colocar-se em movimen-
to, a “confiança em si” oposta à confiança em uma ou-
tra força, a de Deus e dos padres e do Poder dos políticos.
Mas o movimento da classe operária é também “a ação
direta” que Griffuelhes, de modo um pouco obscuro, opõe
a um outro tipo de ação, uma ação “rotulada tutelar de
Deus e do Poder”, ou (uma outra significação possível)
“rotulada” porque “tutelar de Deus e do Poder”, porque
submetida à sua sombra e a sua dominação.
A continuação também é muito interessante. Duran-
te quatro parágrafos, Griffuelhes continua a denunciar
Deus e a Igreja, o Poder e o Estado. E depois, brusca-
mente, ele se interrompe, confrontado a uma dificulda-
de aparentemente menor porque concreta e prática.
Qual deve ser a atitude do sindicalista diante dos “tra-
balhadores imbuídos de idéias religiosas ou confiando
no valor reformador dos dirigentes?”49
Em outros termos,
o que fazer com os trabalhadores rotulados como cris-
tãos ou reformistas? Aqui, ainda uma resposta eviden-
te parece impor-se, aquela popularizada pelo célebre
hino do Komintern: “Você é um operário, sim? Venha
conosco, não tenha medo!” À identidade e ao rótulo cris-
tãos é preciso opor uma outra identidade e um outro
rótulo, a identidade e o rótulo operários. É preciso fazer
valer a anterioridade e a superioridade (do ponto de vis-
ta da história e das determinações econômicas) da con-
dição de operário. No entanto, Griffuelhes não escolhe
essa resposta, evidente e tranqüilizadora, mas na or-
dem passiva das coisas, das identidades e das repre-
sentações. Melhor ou pior, ela a recusa firmemente
como contrária ao objetivo buscado e principalmente ao
160
13
2008
que pode o sindicalismo revolucionário. Se o sindicalis-
mo não deve rechaçar os operários cristãos e reformis-
tas, não é em primeiro lugar por eles serem “operários”,
mas pelo contrário, ou de modo diferente, porque con-
vém fazer uma distinção cuidadosa entre “movimento,
ação, de um lado, e classe operária de outro.”50
O per-
tencimento à classe operária não garante nada, pois,
justamente, operários podem ser “cristãos” ou “socia-
listas”, pois identidade e rótulos podem se sobrepor bus-
cando apenas impor sua precedência, sua maior pro-
fundidade ou essencialidade. A diferença dá-se em outro
lugar, e de outra maneira. Ela tem a ver com a “ação” e
o “movimento”, os únicos capazes de agir sobre as coi-
sas e os rótulos, de embaralhar suas referências e seus
limites, de arrastar “operários”, “cristãos”, “socialistas”,
“anarquistas”, mas também “pedreiros”, “fundidores” e
“doceiros”, ou ainda “gregos”, “alemães” e “espanhóis”,
mas também “operários”, “empregados”, “intelectuais”,
ou “policiais” num processo em que se estabelecem ob-
jetivos diferentemente árduos, pois ele pretende trans-
formar a oficina, a fábrica, os escritórios, as delegacias
e a sociedade inteira. E como se fosse preciso martelar
essa idéia essencial — não somente a superioridade do
movimento e da ação próprias ao sindicalismo sobre a
identidade operária e suas representações, mas sua
diferença de natureza —, Griffuelhes volta à carga: “o
sindicalismo, vamos repetir, é o movimento, a ação da
classe operária; ele não é a própria classe operária.”51
Griffuelhes, nesse texto, não define o que ele enten-
de por “ação direta”, esse “movimento” e essa “ação”,
que diferem tão nitidamente de todas as identidades,
quer sejam elas de classe, de ofício, de nacionalidade
ou de convicção religiosa. Mas um outro líder da CGT,
Emile Pouget, dá uma definição que confirma em todos
os pontos a afinidade que a liga à “força plástica” de
verve
Nietzsche e o anarquismo
161
Proudhon e de Deleuze, ao “ser unívoco” de Deleuze, à
“atividade genérica” de Nietzsche. O que é a ação direta
para Pouget? “A ação direta, manifestação da força e da
vontade operária, materializa-se, segundo as circuns-
tâncias e o meio, por ações que podem ser muito anódi-
nas, como também podem ser muito violentas. (...) Não
há (...) forma específica à ação direta.”52
“Manifestação
da força e da vontade operária”, a ação direta não tem
“forma específica”. Sua única “materialidade” são os
“atos” tão mutáveis quanto as “circunstâncias e o meio”.
De modo propriamente dito, e como “o ser unívoco” de
Deleuze ou a “atividade genérica” de Nietzsche, ela não
é passível de ser fixada, num duplo sentido: espacial-
mente, a tal ou tal prática, tal ou tal forma organizacio-
nal, tal ou tal grupo que dela se reclamem; mas tam-
bém do ponto de vista do tempo, escapando à ordem e
aos limites dos relógios e calendários, das estratégias e
das ações planificadas, das distinções entre presente e
futuro, entre o que é possível e o que não é. Como escre-
ve ainda Pouget: “a superioridade tática da ação direta
é justamente sua incomparável plasticidade; as organi-
zações vivificadas por sua prática não precisam confi-
nar-se na espera, em pose hierática, da transformação
social. Elas vivificam a hora que passa com toda a com-
batividade possível, não sacrificando nem o presente ao
futuro, nem o futuro ao presente.”53
Colocar em evidência a grande proximidade entre
Nietzsche e o anarquismo não é algo novo. Desde 1906,
Franz Overbeck, um amigo íntimo de Nietzsche, podia
explicar como esse último lera Stirner, e como dele re-
tirara uma impressão “forte e totalmente singular”, con-
firmando assim o encontro entre Nietzsche e a dimen-
são mais individualista do anarquismo. Mas ele também
podia, de modo aparentemente mais surpreendente, res-
saltar “a grande afinidade” existente entre Nietzsche e
162
13
2008
Proudhon, exatamente na medida em que “o aristocratis-
mo e anti-socialismo” muito particulares do primeiro em
nada eram um “sinal de divergência” com o segundo, cujo
“democratismo e socialismo eram, eles próprios, muito
particulares.”54
Sem dúvida, foi preciso esperar o fim do
século XX para que esse encontro adquirisse sua verda-
deira significação. Foi preciso esperar que o nietzschea-
nismo de Foucault ou de Deleuze, a releitura de Spinoza
ou de Leibniz que ele autoriza, mas também a redesco-
berta de Tarde, de Simondon ou ainda de Whitehead, fi-
nalmente revelassem a significação e a amplitude de um
projeto político e filosófico durante muito tempo ignorado e
desprezado, e que, por suas implicações práticas e filosófi-
cas, ultrapassam amplamente os limites históricos do
anarquismo propriamente dito.
Tradução do francês por Martha Gambini.
Notas
1
Daniel Colson. “Nietzsche et l’anarchisme” in A Contretemps. Bulletin de
critique bibliographique. Paris, n. 21, outubro/2005.
2
Eugène Fleischmann. “Le rôle de l´individu dans la société pré-
revolutionnaire: Stirner, Marx, Hegel” in Diederik Dettmeijer. Max Stirner ou
la Première confrontation entre Karl Marx et la pensée anti-autoritaire. Lausanne,
L’Âge d’Homme, 1979, p. 172.
3
Gilles Châtelet. Vivre et penser comme des porcs. De l´incitation à l´envie et à
l´ennui dans les démocraties-marchés. Paris, Exils, 1998, p. 135.
4
De Albert Libertad ver a coletânea de artigos: Le culte de la charogne. Textos
escolhidos e anotados por Roger Langlais. Paris, éditions Galilée, 1976. De
Georges Palante ver: La sensibilité individualiste. Préfacio e notas de Michel
Onfray. Romillé, Éditions Folle Avoine, 1990.
5
“Queremos a conquista do pão, a conquista da moradia e de vestimentas
para todo mundo... Então, o texto soberbo de Nietzsche, que profetizava o
verve
Nietzsche e o anarquismo
163
advento do super-homem, irá se realizar”. Cf. Xavière Gauthier in Louise
Michel. Je vous écrit de ma nuit. Correspondance générale 1850-1904. Paris, Les
Éditions de Paris, 1999, p. 668.
6
Cf. Jacques Le Rider. Nietzsche en France: de la fin du XIX siècle au temps présent.
Paris, PUF, 1999, p. 8.
7
Sobre a formação “individualista” de Pelloutier, em particular no momento
de sua colaboração com a revista internacional La société nouvelle, editada em
Bruxelas, ver Jacques Julliard. Fernand Pelloutier et les origines du syndicalisme
d´action directe. Paris, Seuil, 1971, p. 98.
8
Ver, por exemplo, no interior do movimento operário brasileiro, Elysio de
Carvalho, Asgarda, nº 1, 18/03/1902 in Jacy Alves de Seixas. Mémoire et
oubli. Anarchisme et syndicalisme révolutionnaire au Brésil. Paris, Éditions de la
Maison des Sciences de l’Homme, 1989, p. 66.
9
Sem falar dos violentos ataques de Nietzsche contra o “anarquismo”, assimi-
lado a uma simples variante do “socialismo”. Sobre este ponto, ver adiante.
10
Sobre a recepção de Nietzsche na França, desde o início dos anos 1890, ver
Jacques Le Rider, 1999, op. cit. Para Max Stirner, ver Roger Caratini. “Max
Stirner et son temps” in Diederik Dettmeijer, 1979, op. cit., pp. 63ss.
11
Claude Harmel. Histoire de l´anarchie: des origines à 1880. Paris, Champ libre,
1984, pp. 159 e 435.
12
Sobre o caráter “sectário” e os limites dos agrupamentos anarquistas de
então, como eram percebidos pelos militantes dos movimentos operários,
ver o texto da Carta de Amiens. Esse modo de ser ideológico não é eviden-
temente próprio ao anarquismo específico que, em outros lugares e segundo
as circunstâncias, nunca se deixou arrastar pelos ventos da história e a loucu-
ra realista e desestabilizadora de suas idéias. É um paradoxo aparente encon-
trarmos essa rigidez sectária, sobretudo e duravelmente, em correntes ane-
xas e particulares, mas muito próximas dos círculos anarquistas específicos
(pacifismo, vegetarismo, vegetalismo, antiespecismo, naturismo etc.) sob a
forma de ideomanias (ou as tão bem denominadas “idéias fixas”) que Prou-
dhon denunciava desde a metade do século XIX.
13
Michel Haar. Nietzsche et la métaphysique. Paris, Gallimard, 1993.
14
Sobre esse ponto, cf. Alain Pessain. “Proudhon et les contradictions du
peuple” in Simone Bernard-Griffiths; Alain Pessain. Peuple, mythe et histoire.
Toulouse, Presses Universitaires du Mirail, 1997.
15
Cf. Daniel Colson. Anarcho-syndicalisme et communisme: Saint-Étienne, 1920-
1925. Saint-Étienne, Centre d’Études Foréziennes, 1986.
164
13
2008
16
Pierre-Joseph Proudhon. De la capacité politique des classes ouvrières. Oeuvres
completes, v. 3. Paris, Marcel Rivière, 1924, pp. 237; 244. Uma fórmula que
ecoa diretamente ao pensamento de Gilles Deleuze. Différence et répétition.
Paris, PUF, 1968, p. 137, afirma sobre a “distinção” em Nietzsche: “O que
Nietzsche com freqüência chama de distinção é o caráter interno daquilo
que se afirma (que não precisa ser buscado), daquilo que se coloca em ação
(que não é encontrado), daquilo que se goza (que não pode ser perdido)”.
17
Victor Griffuelhes. Le syndicalisme révolutionnaire. Paris, Éditions CNT-AIT,
s.d. [1909], p. 11.
18
Idem, p. 13. Ver também Georges Yvetot. ABC syndicaliste. Paris, Éditions
CNT-AIT, s.d. [1908], p. 40: “A greve parcial é um treinamento, uma ginás-
tica salutar que fortalece o proletariado em vista de uma luta suprema que
será a greve geral revolucionária.”
19
Sobre a oposição entre o direito operário, interno à ação operária, expres-
são consciente das forças que o constituem, e o direito do Estado e da socie-
dade burguesa exterior à vida operária, transcendente, cf. no que se refere ao
pensamento de Proudhon, Pierre Ansart. Naissance de l´anarchisme. Paris,
PUF, 1970, pp. 128ss, e, do mesmo autor, Marx et l´anarchisme. Paris, PUF,
1969, pp. 314ss.
20
Victor Griffuelhes, op. cit., [1909], pp. 19-20.
21
Michael Löwy. Rédemption et utopie. Le judaisme libertaire en Europe Centrale.
Paris, PUF, 1988.
22
“Em presença de qualquer usurpação de direitos, que é própria ao Estado,
ergue-se o sindicalismo que proclama para o proletariado o direito absoluto de
pensar, de agir, de lutar segundo as regras estabelecidas por ele, e de não levar
em conta aquelas editadas pelo Estado, senão na medida em que essas regras
legais o favorecem e auxiliam.” Victor Griffuelhes, 1909, op. cit., p. 8.
23
Gilles Deleuze. Nietzsche. Paris, PUF, 1965, p. 25.
24
Sobre esse ponto, cf. também Wolfang Muller-Lauter. Nietzsche, physiologie
de la volonté de puissance. Paris, Editions Allia, 1998.
25
Michel Haar, 1993, op. cit., p. 12.
26
Idem, p. 29.
27
Sobre a noção proudhoniana de “resultante”, cf. Pierre-Joseph Proudhon.
De la justice dans la Révolution et dans l´Église. Tomo III. Paris, Marcel Rivière,
1932, pp. 409ss.
28
É assim que, numa bacia industrial de porte médio como a de Saint-
Étienne, pode-se, entre 1880 a 1914, e somente para a metalurgia, recensear
mais de quarenta formas sindicais específicas, efêmeras e duráveis, distintas
verve
Nietzsche e o anarquismo
165
ou implicadas umas nas outras, associadas ou não (dependendo do momento)
à Bolsa da cidade, e cada uma portadora de modos de ser e de lógicas reivin-
dicativas e de funcionamento próprias.
29
Bruno Latour. Nous n´avons jamais été modernes, essai d´anthropologie symétrique.
Paris, La Découverte, 1997.
30
Para Proudhon, cf. Jean Bancal. Proudhon, pluralisme et autogestion. Tomo II.
Paris, Aubier-Montaigne, 1970, p. 41. E para Nietzsche, Michel Haar, 1993,
op. cit., p. 186. Uma posição encontrada sem surpresa em Gabriel Tarde.
Monadologie et sociologie. Le Plessis-Robinson, Institut Synthélabo pour le progrès
de la Connaissance, 1999, p. 58, quando ele explica “que qualquer coisa é
uma sociedade, que qualquer fenômeno é um fato social.”
31
Como circunstância agravante, o fato de que o marido da zeladora, um
mineiro, estava na época sendo tratado num sanatório administrado pelo
sindicato dessa corporação. Foi, portanto, por uma pequena maioria que o
secretário foi finalmente demitido de suas funções.
32
Em dois anos, seis versões sucessivas, sempre prestes a obter visto para
impressão, são abruptamente recolocadas para discussão sem que um con-
senso e uma estabilização da situação interior e exterior cheguem a autorizar
uma versão suficientemente fixada para ter minimamente tempo de ser
levada à gráfica.
33
Pierre-Joseph Proudhon, 1932, op. cit., p. 71.
34
Sobre essa análise a ser feita, ver Yves Lequin. “Classe ouvrière et idéologie
dans la région Lyonnaise à la fin du XIXème siècle”. In Le mouvement social,
Paris, n. 69, outubro-dezembro/1969, pp. 3-20.
35
Gilles Deleuze, 1965, op. cit., p. 98.
36
Idem, p. 114.
37
Friedrich Nietzsche. Ainsi parlait Zarathoustra. Oeuvres philosophiques complètes,
t. IV. Paris, Gallimard, 1975, pp. 61; 152.
38
“Por toda parte o pensamento introduz de modo fraudulento o Ser enquan-
to causa. Ele vê por toda parte apenas ações e seres atuantes, ele crê na
vontade enquanto causa; ele crê no “eu”, no “eu” enquanto Ser, no “eu”
enquanto substância.” Friedrich Nietzsche. Le crépuscule des idoles, op. cit., p.
78.
39
Gilles Deleuze, 1965, op. cit., p. 84.
40
Idem, pp. 157-158.
41
Ibidem, p. 153.
42
Gilles Deleuze, 1968, op. cit., p. 56.
166
13
2008
43
Idem, p. 55.
44
Pierre-Joseph Proudhon. La guerre et la paix. Oeuvres completes, v. 6. Paris,
Marcel Rivière, 1924, p. 32.
45
Pierre-Joseph Proudhon. De la création de l’ordre dans l’humanité ou principe
d’organisation politique. Oeuvres completes, v. 5. Paris, Marcel Rivière, 1924, p.
421. Também: 1932, op. cit., p. 89.
46
Pierre-Joseph Proudhon, 1932, op. cit., p. 175.
47
Victor Griffuelhes, [1909], op. cit., p. 2.
48
Idem.
49
Ibidem, p. 3.
50
Ibidem: “Se ele os rechaçasse, haveria a confusão de fatores diferentes:
movimento, ação, de um lado, classe operária de outro.”
51
Ibidem.
52
Emile Pouget. L’action directe. Paris, Editions CNT-AIT, s.d. [1910], p. 23,
grifos nossos.
53
Idem, p. 11, grifos nossos.
54
Franz Overbeck. Souvenirs sur Nietzsche. Paris, Allia, 1999, pp. 660-66.
verve
Nietzsche e o anarquismo
167
RESUMO
Nietzsche e a reflexão anarquista como encontro improvável, pro-
vocador e contraditório no final do século XIX e começo do XX,
através do sindicalismo anarquista e suas potencialidades de dis-
tinção, ação-direta e federalismo; mas também por meio da reflexão
de Pierre-Joseph Proudhon e de Max Stirner.
Palavras-chave: anarquismo, sindicalismo, ação-direta.
ABSTRACT
Nietzsche and the anarchist reflexing like an improbable meeting,
provocar and contradictary by the end of the 19th century and the
beginning of the 20th century, through the sindicalist anarchism
and its distincious potential, direct action and federalism, but
also through the reflection of Pierre-Joseph Proudhon and Max
Stirner.
Keywords: anarchism, sindicalism, direct action.
Recebido para publicação em 2 de outubro de 2007. Con-
firmado em 17 de fevereiro de 2008.

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Nietzsche e o anarquismo: uma leitura inesperada

  • 1. 134 13 2008 * Professor na Universidade Jean Monnet de Saint-Étienne/França, pesqui- sador no Modys/CNRS, integrante da associação anarquista La Gryffe de Lyon, autor de Petit lexique philosophique de l’anarchisme. De Proudhon à Deleuze. Paris, LGF, 2001; Trois essais de philosophie anarchiste. Islam, histoire, monadologie. Paris, Léo Scheer, 2004. nietzsche e o anarquismo1 daniel colson* A obra de Nietzsche, por sua coerência consigo pró- pria, com suas figuras provocadoras e suas explosões contraditórias, autoriza um grande número de leituras e interpretações: por exemplo, uma leitura de extrema direita, a mais grosseira e comum; mas também, mui- to cedo e de modo aparentemente surpreendente, uma leitura e uma interpretação operária, anarquista e re- volucionária. Durante muito tempo, o Nietzsche dos anarquistas foi interpretado — ao lado de Stirner — se- gundo o modelo do individualismo contemporâneo. Como se o eu anarquista e stirneriano, vivido e pensado a partir de uma “singularidade irredutível, sempre dife- rente dos outros e sempre remetido a si próprio em seu comércio (...) com os outros”2 pudesse, mesmo que por um instante, ser confundido com os indivíduos unifor- mes e sem qualidades da modernidade, esses indivíduos verve, 13: 134-167, 2008
  • 2. verve Nietzsche e o anarquismo 135 dos estádios, dos dias de eleição, das grandes áreas, das viagens às Seychelles e dos loteamentos dos subúrbios, essas “bolas de bilhar patéticas” às quais se refere Gilles Châtelet, dizendo que “cada esforço para se diferenciar provoca um maior soterramento numa grande equiva- lência.”3 É verdade que essa interpretação estreitamente individualista do Nietzsche dos libertários poderia, pelo menos para a França no início do século XX, valer-se de um certo número de figuras aparentemente sem gran- de relação com a dimensão coletiva e social do anar- quismo e da história operária: Libertad e seu jornal L’Anarchie, por exemplo, com sua violenta denúncia do sindicalismo, das greves e dos movimentos operários, mas também o filósofo Georges Palante, ou mais ampla- mente ainda toda uma vertente artística, boêmia e dândi que, entretanto, seria equivocado reduzir de modo exces- sivamente fácil às manipulações e aos engodos irrisórios, mas eficazes, do individualismo moderno.4 Na falta de uma leitura atenta dos textos ou da compreensão da natureza dessa estranha mistura estética e política da Paris do fim do século XIX, a interpretação malévola do anarquis- mo nietzscheano poderia, ao menos, espantar-se com o modo pelo qual os escritos de Nietzsche — sob sua dupla dimensão amoral e bárbara — também atravessavam o conjunto das práticas e dos movimentos libertários da época, fazendo-lhes eco e sendo por eles retomado. Ela poderia ter se espantado ao ver Louise Michel associar a figura do super-homem às idéias de justiça social e de revolução,5 o socialista germanista Charles Andler per- ceber na classe operária uma “classe de mestres”6 , mas também Fernand Pelloutier, o secretário das Bolsas do trabalho, conceber-se ao mesmo tempo como “revolucio- nário”, “partidário da supressão da propriedade individu- al”, e como “amante apaixonado da cultura de si mes- mo”7 , ou ainda, como, um pouco por todo o mundo, um certo número de militantes operários, os mais engaja-
  • 3. 136 13 2008 dos na ação coletiva, reconheceram-se tão cedo nos es- critos de Nietzsche e, com a força da evidência, exorta- ram os revolucionários a promover a aparição de super- homens, de “homens-deuses”, capazes de tirar o povo de sua letargia, de libertar as potências revolucionári- as das quais é o portador.8 Mas esse encontro efetivamente surpreendente en- tre revolta operária e elitismo nietzscheano, desejo de justiça e recusa do humanismo, ódio da autoridade e hierarquização dos seres, movimentos coletivos e des- prezo pela multidão e pela massa, era sem dúvida im- provável demais para sua ocorrência ser evidente. Como, de fato, imaginar, por um só momento, que anarquistas e sindicalistas revolucionários possam se reconhecer em textos que não hesitam em denunciar violentamente reivindicações sociais e greves operárias, socialismo e anarquismo e, por meio deles, qualquer movimento co- letivo ou individual que pretenda lutar pela igualdade e a justiça social? Como supor que anarquistas e sindica- listas possam fazer suas formulações onde, contra as interpretações morais e populistas mais aceitas, Nietzsche toma sempre o partido dos “fortes” e dos “mes- tres” contra os “fracos” e os “escravos” que, a seu ver e contra qualquer evidência, teriam (em qualquer época) a supremacia sobre os “mestres”?9 Como, face ao cará- ter ofuscante de suas imprecações políticas, não redu- zir a um estreito individualismo a solidão de Nietzsche e sua visão aristocrática do mundo? Sem dúvida, apenas o anarquismo de então pode- ria, ele próprio, dizer porque tantos operários e sindi- calistas reconheceram-se tão cedo, e contra qualquer verossimilhança, nos escritos e na pessoa de Nietzsche, onde, a seus olhos, ele repetiria, de outra maneira e com nova intensidade, a idéia prática e teórica inventada cin- qüenta anos mais cedo por Proudhon e Bakunin, e de
  • 4. verve Nietzsche e o anarquismo 137 que maneira eles todos, apesar de tantas diferenças e incompatibilidades aparentes, participariam de um mes- mo movimento de desconstrução das distinções moder- nas — entre indivíduo e coletivo, teoria e prática, domi- nantes e dominados, etc. — em proveito de uma nova e comum percepção daquilo que é. Não foi o caso, por três razões principais: 1) A primeira, mais precoce, tem a ver com os escri- tos de Nietzsche e com a história de sua primeira re- cepção. Conhecidos muito cedo, eles foram objeto de numerosos comentários, em ligação com a redescober- ta de Stirner.10 Mas essa acolhida foi essencialmente de ordem literária, estética e moral. Sua forma provo- cativa e poética se prestava mal, num primeiro momen- to, a uma leitura política e filosófica. E foi apenas de modo relativamente tardio, a partir do entre-guerras — no momento do desmoronamento dos movimentos ope- rários libertários, e com os trabalhos de Jaspers, Löwith, Heidegger na Alemanha, por exemplo, ou a interpreta- ção de Bataille na França — que uma leitura filosófica deveria aparecer, uma leitura capaz de produzir uma interpretação mais ampla e, mais particularmente, de ultrapassar uma abordagem estrita e imediatamente individualista. 2) A segunda refere-se à história do próprio anarquis- mo, à maneira pela qual ele expressou seu projeto. Sem dúvida, retrospectivamente, e como mostra Claude Harmel, os principais teóricos, precursores ou fundado- res do anarquismo — Stirner, Proudhon, Dejacque, Coeurderoy, Bakunin — são infinitamente mais próxi- mos de Nietzsche que de qualquer outro filósofo de seu tempo.11 Mas eles necessariamente ignoravam tudo de uma obra que iria ainda nascer. Ao contrário, os inte- lectuais anarquistas ulteriores — Kropotkin, Reclus ou Guillaume, por exemplo — tiveram a possibilidade de
  • 5. 138 13 2008 ler Nietzsche, e uma análise mais fina de seus escritos e de seus centros de interesse não deixaria, aliás, de mostrar a forma pela qual, implicitamente, eles lhe fi- zeram eco e se inscrevem, também eles, num percurso e numa percepção comuns do homem, da natureza e do mundo. Mas geógrafos, etnólogos ou pedagogos, eles não tinham nem a preocupação, nem os meios de perceber a dimensão política e teórica de um pensamento que, por sua novidade e a originalidade de sua forma, igual- mente escapava, no mesmo momento, de uma filosofia profissional que teria sido a mais capaz, normalmente, de explicitar seu sentido. Quanto ao anarquismo mili- tante, autodidata e eclético que se seguiu, marcado com demasiada freqüência (na França) pelas pobrezas redu- toras da escola republicana de Jules Ferry — essa esco- la na qual, segundo a fórmula do sindicalista Pierre Monatte “ensinando o povo a ler, tinha desaprendido a pensar” — durante muito tempo, inclusive em sua di- mensão mais individualista, ele se restringiu a uma visão estritamente racionalista e cientificista, tão dis- tante de Nietzsche quanto o era de Stirner, de Bakunin e de Proudhon, ou é claro, dos múltiplos movimentos de revolta e de emancipação que se desenvolveram na época um pouco por todo mundo. Nesses círculos res- tritos, o anarquismo limitou-se pouco a pouco, e du- rante muito tempo, a um ideal utópico e humanitário, uma moral política seca e árida, um projeto doutriná- rio, abstrato e intemporal, quer se tratasse somente de aplicá-lo a si mesmo ou aos outros, ao modo das antigas e persistentes prescrições morais, religiosas e cívicas, privilegiando sempre a explicação, a educação, a adesão, a conformidade ideológica e comportamental, e, mais tarde, a organização: segundo o modelo das sei- tas e dos partidos religiosos ou marxistas.12
  • 6. verve Nietzsche e o anarquismo 139 3) A essas duas primeiras razões da dificuldade do anarquismo perceber suas afinidades de fato com a obra de Nietzsche, de dizer aquilo que só ele poderia dizer, podemos acrescentar uma terceira, mais tardia, que se refere, desta vez, aos massacres de massa do primeiro conflito mundial, à auto-destruição física e ética que eles produziram e, durante todo o período do entre-guer- ras, à transformação em máquinas de guerra (verme- lha e negra) das esperanças emancipadoras. Incapazes de explicitar, teórica e politicamente, o modo pelo qual ti- nham podido se reconhecer na violência nietzscheana, no super-homem, nos aristocratas, no eterno retorno, na vontade de potência e, através deles, no jogo infinito e emancipador das composições de forças e vontades, os anarquistas encontraram-se, além disso, desprovidos das figuras literárias e estéticas que, em sua novidade, tinham inicialmente permitido esse encontro e esse reconhecimento. Transformados em slogans, em poses e pompas teatrais, rebaixados às encenações e aos trom- petes das óperas de Wagner, relacionados ao povo indife- renciado das trincheiras, depois às multidões vociferan- tes e impotentes dos meetings e das manifestações de massa, os conceitos e os personagens de Nietzsche não passavam de despojos mentirosos, de bandeiras de uma lógica de dominação e de auto-destruição que — fascis- ta ou nacional-socialista — pretendia claramente, con- tra o cinismo pequeno-burguês e não menos assassino do comunismo russo, colocar-se definitivamente no lu- gar da violência emancipadora dos movimentos operá- rios anteriores, fazê-los esquecer como e porque esta violência emancipadora tinha um dia sido possível. Foi somente muito mais tarde, com a renovação do pensamento libertário do fim do século XX, que final- mente tornou-se possível liberar Nietzsche dos desvios e dos travestimentos de que tinha sido objeto, mas, so-
  • 7. 140 13 2008 bretudo, compreender o alcance filosófico e emancipa- dor de seus escritos, e assim apreender por que, intui- tivamente, eles puderam tão cedo ser compreendidos por tantos anarquistas e operários revolucionários. Com autores como Gilles Deleuze, Michel Foucault ou Sarah Kofman, por exemplo, super-homem, vontade de potên- cia ou eterno retorno, novamente podiam estender sua força e repetir sua inspiração primeira, exprimir sua carga explosiva e emancipadora. Após os inventores do anarquismo e nos termos mais próximos, finalmente se tornara possível compreender como a dimensão indi- vidualista do pensamento de Nietzsche só adquiria senti- do numa abordagem radicalmente plural da realidade, numa apreensão das coisas onde, como mostrou Proudhon, qualquer “pessoa é um grupo”, um “composto de forças”, onde todo grupo, todo coletivo, por mais vasto ou efême- ro que seja, é também uma “pessoa”, um “eu”, uma sub- jetividade, uma vontade. Ali onde, para Nietzsche desta vez e como explica Michel Haar, “toda força, toda ener- gia, qualquer que ela seja, é vontade de potência, no mundo orgânico (pulsões, instintos, necessidades), no mundo psíquico e moral (desejos, motivações, idéias), e no próprio mundo inorgânico, na medida em que a vida é apenas um caso particular da vontade de potência.”13 Com a renovação do pensamento libertário, a afinidade entre Nietzsche e os movimentos operários libertários deixava de depender unicamente de uma suposta origi- nalidade de alguns militantes autodidatas e revoltados, ou do equívoco de fórmulas mal compreendidas. Não era mais proibido perceber como, para além da fugacidade de seu encontro, essa transtornante afinidade tinha a ver com a natureza histórica de um pensamento e de movimentos emancipadores que as situações e os acon- tecimentos do fim do século XX permitiam enfim perce- ber, repetir, e portanto compreender.
  • 8. verve Nietzsche e o anarquismo 141 O pensamento de Nietzsche e o movimento operário libertário O anarco-sindicalismo e o sindicalismo revolucionário teorizaram muito pouco suas práticas, tendo evocado, a fortiori, referências filosóficas das quais seus militantes estavam muito distantes. Mas, apesar da indiferença ou das incompreensões que os acompanharam por tanto tem- po, eles deixaram traços suficientes nos arquivos oficiais, ou sob a forma de um grande número de falas e textos fragmentados e circunstanciais (cartazes, artigos, brochu- ras, proclamações, discursos de manifestações, moções de congressos), para tornar perceptível o que não era visto, para entrar novamente em ressonância com um Nietzsche redescoberto por outra via, para fazer eco, quase um século depois, ao sentido que os acontecimen- tos presentes davam a seu encontro. “É preciso proteger os fortes contra os fracos”, diz Nietzsche. É sem dúvida com essa fórmula paradoxal, e em razão mesmo do escândalo que ela constitui para o humanismo e a visão “social” do mundo, mas também e sobretudo em razão do paradoxo de sua reversão (os “for- tes” são vulneráveis, eles tem que ser protegidos!), que podemos melhor apreender onde se dá a afinidade en- tre Nietzsche e os movimentos operários libertários, exatamente ali onde a distância parece maior, o divór- cio mais evidente. Hoje percebemos melhor, e não sem recorrentes polêmicas, como, para Nietzsche, mestres e escravos constituem ao mesmo tempo tipos e modos de ser mais ou menos fugidios, aplicáveis a um grande nú- mero de situações e exigindo a cada instante uma grande fineza de avaliação e interpretação. Para Nietzsche, os mestres e escravos raramente estão onde pensaríamos encontrá-los; e seu ser pouco tem a ver com os signos, lugares, papéis e representações que habitualmente pre-
  • 9. 142 13 2008 tendem fixá-los e travestí-los. Notá-los exige-se uma percepção, um julgamento e um senso prático aguçados e sutis, sempre alertas, capazes de apreender a reali- dade incessantemente mutante das relações das alian- ças e dos confrontos, dos equilíbrios e das composições de forças, das revoltas e das hierarquias que os produ- zem e transformam, em tal ou tal situação e a respeito de tal ou tal problema. No entanto, é verdade que, para Nietzsche, o povo, a multidão e as massas, que ele as- socia à democracia e ao igualitarismo das urnas, são uma expressão particularmente flagrante da figura ne- gativa e moderna do escravo, da força do número, reati- va e invejosa, e no mais das vezes submetida ao ódio e ao ressentimento. Mas, como o conhecimento mesmo mais superficial dos movimentos libertários dá a perce- ber, esse julgamento político e polêmico não tem nada que possa chocar os anarquistas, mas ecoa diretamen- te sua própria visão de mundo e seu modo de conceber e colocar em prática as relações humanas que eles dese- jam fazer surgir. Esse encontro e essa comunidade de pontos de vista, que agora convém estabelecer, poderi- am ser formulados da seguinte forma: contrariamente às aparências, se as massas da modernidade, indiferen- tes e passivas, submetidas aos políticos e freqüentemen- te fascinadas pelos chefes carismáticos (de Mussolini a Mao Tse-Tung), estão indiscutivelmente ligadas ao que Nietzsche chama “os escravos”, os movimentos operá- rios ditos anarco-sindicalistas, sindicalistas revolucio- nários ou “de ação direta”, como aliás aquilo que a sociologia e a história mostram dos valores e do gênero de vida das classes ou dos meios profissionais que os vi- ram nascer, ligam-se também indiscutivelmente ao tipo dos “mestres” e dos “aristocratas”, tais como Nietzsche os concebe. Para apoiar essa tese, poderíamos multipli- car os pontos de convergência: do lado do proudhonismo e de Proudhon, é claro, na maneira pela qual este últi-
  • 10. verve Nietzsche e o anarquismo 143 mo pensa a força e as fraquezas do “povo”;14 mas tam- bém através da abordagem histórica e sociológica de um certo número de setores profissionais operários dos sé- culos XIX e XX, dos valores que eles desenvolveram de sua relação com o mundo e com os outros; ou ainda, a propósito dos movimentos operários ditos anarco-sindi- calistas, das “minorias ativas”, tão desacreditadas, da mistura de individualismo e de ação coletiva que as ca- racteriza, passando por sua concepção da mesma forma mal compreendida da “greve” como afirmação da força e da vontade proletárias. Sem pretender desenvolver uma análise exaustiva, podemos sublinhar aqui três gran- des pontos de convergência entre o pensamento de Nietzsche e os movimentos operários libertários. O separatismo e a luta de classes Lembremos rapidamente um ponto importante das posições nietzscheanas. Quando Nietzsche distingue os mestres e os escravos, essa é também uma maneira de opor-se a Hegel, a sua forma de unir dialeticamente os dois termos. Para Nietzsche, o antagonismo entre mes- tres e escravos é apenas o efeito secundário de uma diferenciação primeira, ou (senão) um simples ponto de vista de escravo. Suas relações não têm nada de dialé- tico, onde o princípio ativo estaria do lado da negação, daquele que nega para se afirmar. Como uma afirma- ção poderia nascer de uma negação, do nada? Para Nietzsche, este seria claramente um pensamento de escravo. Para ele, convém, ao contrário, adotar o pon- to de vista dos mestres (no sentido que ele dá ao termo), apreendendo que aquilo que os distingue dos escravos é justamente uma separação, uma diferenciação. O an- tagonismo entre os mestres e os escravos supõe inici- almente uma relação de diferenciação dos mestres, não
  • 11. 144 13 2008 como uma luta que une e liga, mas como uma separa- ção que desliga e distingue. Mas é justamente aqui, e desse ponto de vista, que podemos compreender porque os movimentos operários libertários sempre foram tão radicalmente estrangeiros ao marxismo (uma variante do hegelianismo) e de sua concepção da luta de classes, na medida mesma em que eles obedeciam ao movimen- to de diferenciação dos fortes e dos mestres. Com efeito, na concepção anarco-sindicalista ou sin- dicalista revolucionária, e contrariamente ao que fre- qüentemente se afirma, a classe operária, considerada do ponto de vista de sua emancipação, não é inicial e principalmente definida pela luta de classes, pela ex- ploração, a opressão e a miséria psíquica e moral que estas necessariamente provocam; com todo seu cortejo repugnante de humanismo, de miserabilidade e de fi- lantropia interessada. Sua potência emancipadora de- pende essencialmente de sua capacidade, histórica e localmente produzida, de se constituir como força autô- noma, independente e afirmativa, fundada sobre o or- gulho e a dignidade, e dispondo de todos os serviços, de todos os valores, de todas as razões e de todas as insti- tuições necessárias a sua independência, que não de- pendem senão dela e daquilo que ela assim se torna, de sua capacidade de fazer nascer um outro mundo. Esta concepção não é inicialmente de ordem teórica. Ela é a expressão de um grande número de atitudes e de práti- cas efetivas, no sentido da convergência, do imediato e da evidência daquilo que as produz, como mostra, por exemplo, para a França, o estudo de qualquer Bolsa do trabalho minimamente conseqüente.15 Para o anarco- sindicalismo e o sindicalismo revolucionário, a classe operária deve em primeiro lugar separar-se de modo o mais radical, não ter mais nada em comum com o res- to da sociedade, inclusive e sobretudo com aqueles que
  • 12. verve Nietzsche e o anarquismo 145 — “socialistas”, “humanitários” e “filantropos” — incli- nam-se sobre sua sorte e pretendem defender e repre- sentar seus interesses. No discurso próprio a este com- ponente libertário do movimento operário, mas que ultrapassa amplamente fronteiras ideológicas muitas vezes incertas, esse movimento de diferenciação leva o nome completamente límpido, de um ponto de vista ni- etzscheano, de “separatismo operário”. O movimento operário deve se “separar” do resto da sociedade. O que Proudhon explica da seguinte forma: “a separação que eu recomendo é a condição mesma da vida. Distinguir- se, definir-se, é ser: assim como se confundir e absor- ver-se, é perder-se. Fazer uma cisão, uma cisão legíti- ma, é o único meio que temos de afirmar nosso direito (...). Que a classe operária, caso ela se tome a sério, caso ela busque algo diverso de uma fantasia, conside- re como definitivamente dito: é preciso antes de tudo que ela não seja mais tutelada, e (...) que a partir de então aja exclusivamente por ela mesma e para ela mesma.”16 Nessa maneira de ver, a luta de classes não está evidentemente ausente, mas ela não tem nada mais de dialético, numa relação em que a “sociedade mori- bunda” sempre ameaça arrastar os movimentos num abraço mortal e anestesiante, obrigando-os a aceitar as regras comuns de combate, a adotar as formas de lutas e negociações pertencentes à ordem que pretendem abolir. Para os sindicalistas revolucionários e os anar- co-sindicalistas, a greve, expressão privilegiada da luta de classes, é de início um ato fundador intempestivo e incessantemente repetido, um “conflito” sempre singu- lar e circunstancial, um rasgão no tempo, uma ruptura dos laços e entraves anteriores, que por meio do grande número de conflitos parciais e seu próprio movimento, contribui de modo decisivo para transformar o ser do
  • 13. 146 13 2008 operário.17 Ela é o modo pelo qual os operários “educam- se”, “curam-se” e preparam-se para “movimentos” cada vez mais “gerais”, até a explosão final da greve geral.18 Nessa repetição incessante da greve, as organizações proletárias não deixam de se propor objetivos imedia- tos, de fazer acordos. Mas esses objetivos são sempre secundários e esses acordos sempre provisórios. Em relação ao que os constitui como forças revolucionárias, os movimentos operários não visam qualquer compromisso razoável, porque definido pelo contexto em que foi fir- mado, nenhuma “satisfação” que viria da ordem eco- nômica e social da qual é obtida, que dependeria daquilo que ele próprio pode. Mesmo e sobretudo quando assinam convenções, os operários não estão em situação de de- manda. Eles se contentam em obter uma parte de seu “direito” provisoriamente, esperando obter tudo, livre- mente, sem outros “respondentes” além deles própri- os.19 Se os operários não pedem nada, é porque eles não sentem qualquer inveja do velho mundo, que eles des- prezam e ignoram. Sua revolta é uma pura afirmação das forças e do movimento que os constituem, e é so- mente de modo derivado que são obrigados a combater as forças reativas e reacionárias que se opõem a essa afirmação. Eles não pedem nada a ninguém, mas tudo a eles mesmos, a sua capacidade de expressar e desen- volver a potência de que são portadores. Sua relação com o mundo exterior é uma relação tripla, de seleção, de pretensão (no sentido primeiro e físico do termo) e de recomposição daquilo que é: 1) Uma seleção, na ordem existente, a partir daquilo que a constitui, dos meios necessários de afirmação dessa nova potência; 2) A pretensão de ocupar um dia a totalidade do espa- ço social, por meio de uma transformação radical da or-
  • 14. verve Nietzsche e o anarquismo 147 dem burguesa como valores, moral, sistema econômico e político; 3) Uma nova recomposição da totalidade daquilo que é. Esse triplo movimento de seleção, de pretensão e de recomposição, é formulado por Victor Griffuelhes, secre- tário da CGT francesa de 1901 a 1910, da seguinte for- ma: “a classe operária, não devendo nada esperar de seus dirigentes e seus mestres, negando seu direito a governar, buscando o fim de seu reino e de sua domina- ção, organiza-se, agrupa-se, proporciona-se associações, fixa as condições de seu desenvolvimento e, por inter- médio delas, estuda, reflete, trabalha para preparar e estabelecer a soma das garantias e direitos a serem conquistados, depois se apropria dos meios para garan- tir essas conquistas emprestando-os do meio social, uti- lizando os modos de atividade que esse meio social traz em si, rejeitando tudo aquilo que tende a fazer do traba- lhador um assujeitado e um governado, permanecendo sempre o mestre de seus atos e de suas ações e o árbi- tro de seus destinos.”20 De forma diversa, encontramos assim, nessa vonta- de de secessão e de recomposição daquilo que é o per- curso de Nietzsche, perceptível desde Zaratustra e mais tarde na sua vontade de transvalorar os valores (não no sentido de transformá-los em seu contrário, mas no sen- tido de uma destruição das tábuas da lei), de cortar a história em duas e de instaurar um mundo inteiramente novo. Como em Nietzsche, o projeto libertário, afirmativo e diferencial, inscreve-se num trajeto de tipo messiânico, que é encontrado um pouco em toda parte nas socieda- des em via de industrialização, do anarquismo espanhol ao messianismo libertário do pensamento judaico da Europa central descrito por Michael Löwy.21 O tema da greve geral, ou de sua expressão popular da “Grande
  • 15. 148 13 2008 Noite”, ilustra bem essa concepção radical da luta revo- lucionária do movimento operário libertário. Com a greve “geral” que dá sentido à repetição das greves “parciais”, a classe operária pára tudo, cruzando os braços. Como as trombetas de Jericó, esse é seu modo próprio de der- rubar as muralhas da ordem existente, mostrando a for- ça imensa dos trabalhadores. Nessa concepção da Revo- lução, a classe operária não tem efetivamente nada para pedir, nada a dizer a qualquer outro, pois ela pretende ser tudo e, sobretudo, algo inteiramente novo que nin- guém pode lhe dar, pois é ela que o traz.22 O federalismo Outro ponto de encontro entre Nietzsche e o movimento operário libertário: o federalismo. Afirmativo, o procedi- mento de Nietzsche é necessariamente “múltiplo” pois “faz parte essencial da afirmação ser ela própria múlti- pla, pluralista, e da negação ser una, ou densamente monista.”23 A “vontade de potência” nietzscheana não designa uma força unificada, nem um princípio central de onde tudo emanaria.24 Como mostra Michel Haar, ela remete “a uma pluralidade latente de pulsões, ou a com- plexos de forças se unindo ou se rejeitando, associando- se ou dissociando-se.”25 Determinando-se, a vontade de potência tende a unir e a hierarquizar as múltiplas for- ças do caos. Ela não as destrói, não as reduz, não resol- ve suas diferenças ou seus antagonismos à maneira da dialética hegeliana. “Afirmativa e forte, a vontade de potência assumirá a variedade, a diferença e a plurali- dade.”26 Essa concepção da vontade de potência é parti- cularmente esclarecedora para se compreender as for- mas com as quais se revestiram os movimentos operários de tipo anarco-sindicalista ou sindicalista re- volucionário.
  • 16. verve Nietzsche e o anarquismo 149 De fato, significaria um grande contra-senso interpre- tar no registro anacrônico de uma concepção totalitária a pretensão do sindicalismo revolucionário de “bastar a si mesmo”, de não esperar de ninguém o cuidado de ga- rantir o advento de um mundo novo do qual se conside- ra o único portador. Essa pretensão é estreitamente li- gada ao federalismo social e operário. Se o sindicalismo pretende ser tudo, é por ser múltiplo, infinitamente múltiplo e diferente em seus componentes. “O outro”, ele o carrega exatamente em si próprio, e a “diferença” por mais radical que seja, ele a experimenta no próprio movimento que o conduz a pretender ocupar toda a re- alidade social. É nesse sentido, entre outros, que o sindicalismo revolucionário e o anarco-sindicalismo são proudhonianos. Proudhon não é apenas o teórico so- cialista que mais insiste sobre a necessidade, para os diferentes componentes da classe operária, de autono- mizar-se radicalmente do resto da sociedade (separa- tismo). Ele é sem dúvida o único a pensar a pluralidade das forças que compõem a classe operária, a concebê-la como uma realidade múltipla. Contrariamente a Marx, Proudhon fala o mais das vezes “das” classes operárias e não “da” classe operária, ou “do” proletariado. Enquan- to para Marx a classe operária é somente o momento abstrato, porque instrumentalizado, de uma razão ope- rante na história, para Proudhon, as forças operárias são sempre forças concretas e vivas, diferentes e em devir, que podem sempre desaparecer e ressurgir sob outras formas, mudar de natureza, fazer-se absorver, dominar outras forças ou serem dominadas por elas, num incessante movimento de transformação, onde nada é definitivo. Na concepção do sindicalismo revolu- cionário e do anarco-sindicalismo, a “classe operária organizada” é um efeito de composição, uma “resultan- te”, dizia Proudhon,27 uma composição instável de for- ças múltiplas, diversas e autônomas, até mesmo con-
  • 17. 150 13 2008 traditórias, que se reconhecem como necessárias umas às outras para fazer surgir um novo mundo. Freqüentemente compreendeu-se mal porque o sin- dicalismo revolucionário fazia tanta questão, nos votos, que cada sindicato tivesse a mesma representação, in- dependentemente do número de seus associados. A tá- tica procedimental e subalterna, no seio dos congres- sos, sem dúvida não era ausente dessa exigência. Mas essa última remetia sobretudo a uma concepção revo- lucionária mais fundamental, uma concepção qualita- tiva e não quantitativa, diferencial e não abstrata ou geral da realidade. Extremamente diversos, dependendo das regiões e países, o desenvolvimento e funcionamen- to dos movimentos operários ditos de ação direta correspondem perfeitamente à análise de Proudhon e de Nietzsche sobre as modalidades de afirmação da “potên- cia” (Proudhon) ou da “vontade de potência” (Nietzsche). De fato, e para nos atermos apenas às experiências sin- gulares do movimento operário francês (em particular no contexto das Bolsas de trabalho), o federalismo ope- rário caracteriza-se sempre pela união conflituosa de forças extremamente diversas, preciosas demais em sua singularidade para que o ponto de vista de uma única entre elas seja esmagada pela lei do número, pela falsa avaliação da quantidade e da medida. Associação de mineiros, de músicos, de marceneiros, de tipógrafos, de carpinteiros, trabalhadores braçais sem qualificação, encanadores que trabalhavam com zinco etc., estas to- das são forças específicas lutando para se unir e se afir- mar em uma força mais vasta, retirando ela própria sua potência daquilo que assim a constitui como combina- ção de forças distintas. Diversas, as forças sindicais não o são apenas umas em relação às outras, entre ramos de atividade e fede- rações de ofícios ou de indústria, por exemplo (minas,
  • 18. verve Nietzsche e o anarquismo 151 metalurgia, música, serviços postais etc.), ou no interior de um dado ramo industrial.28 Cada força constitutiva do movimento operário como potência maior é ela pró- pria uma composição de forças, também múltiplas e sin- gulares: geografia dos lugares onde ela se desenrola, modalidades de organização, tipos de militantes, núme- ro de associados, ritmos e modalidades de funcionamen- to, vínculos com o resto da profissão, parte relativa dos sindicalizados, natureza dos savoir-faire profissionais, tipos de instrumentais, tipos de empresas, de organi- zação do trabalho, origens da mão de obra etc. Cada or- ganização de base de uma federação local ou de uma Bolsa de trabalho (que admite apenas uma por tipo) não é apenas uma força específica, diferente de todas as outras. Ela própria é a “resultante” sempre em desequi- líbrio, de uma parte, de uma composição e de uma sele- ção de forças igualmente autônomas, que podem, em graus diversos, no jogo das relações no seio da Bolsa de trabalho, compor-se (ou opor-se) diretamente com ou- tros componentes ou compostos de componentes desta Bolsa; de outro lado, são forças ao mesmo tempo sociais e técnicas, humanas e não-humanas, simbólicas e materiais que, com Bruno Latour, poderíamos qualifi- car de híbridas,29 e que turvam incessantemente a fal- sa oposição entre natureza e cultura, mundo e sociedade, numa relação com o mundo onde o menor agrupamen- to, por sempre evocar, para existir, a totalidade do real, é constitutivo, como diz Proudhon, de uma “sociedade particular”, ali onde, segundo a fórmula de Nietzsche, “o menor detalhe implica o todo.”30 De fato, extremamente próxima de Nietzsche e Leibniz, uma das características essenciais dos movimentos li- bertários irá residir na sua capacidade de permitir que todas as suas forças constituintes também possam pre- tender bastar a si próprias, que possam possuir, sob um
  • 19. 152 13 2008 certo ponto de vista, a totalidade daquilo que é, e pos- sam assim fundar seu direito absoluto à autonomia. É sob esta condição (ontológica) que todas as forças cons- titutivas dos movimentos operários (indivíduos, seções técnicas, sindicatos, uniões locais etc.) têm o direito de se expressar, de se afirmar e — de modo radicalmente igualitário, quaisquer que sejam sua natureza e seu peso — de sempre buscar avaliar o sentido de sua associação, de experimentar e lutar entre elas para determinar a hierarquia dos valores que sua composição sustenta. Daí, negativamente, ou seja, do exterior, esse sentimen- to de caos, de conflitos, e de reviravoltas contínuos, pro- vocado pelo exame dos arquivos policiais e dos traços deixados pela menor associação operária um pouco con- seqüente. Numa Bolsa de trabalho como a da cidade de Saint-Étienne, por exemplo, tudo é objeto de discussões, de conflitos, de paradoxos, de cisões e de reconciliações, de afirmações diferenciais. A respeito dos problemas mais graves, a questão da guerra e da União Sagrada em 1915, por exemplo. Mas também, problemas aparen- temente os mais fúteis, como em 1902, quando o con- selho de administração discute por muito tempo e de modo muito disputado, sobre o direito de um dos secre- tários da Bolsa — surpreendido beijando a zeladora — de se entregar ou não a suas inclinações amorosas.31 Daí, igualmente, para as associações operárias com caráter libertário, essa impressão de caos, de agitação de ten- sões e conflitos, de reviravoltas imprevistas e contínu- as dos pontos de vistas expressos, ou ainda, no terreno do direito, a grande dificuldade dos acordos, dos pactos e dos regulamentos a serem fixados ou regulados, a mul- tiplicidade e a mudança incessantes das relações que os constituem a um dado momento, obrigando, por exem- plo, imediatamente após a Primeira Guerra Mundial a Bolsa do trabalho de Saint-Étienne a rejeitar semanal- mente, durante mais de dois anos, a impressão de seu
  • 20. verve Nietzsche e o anarquismo 153 novo regulamento interior, recusado e modificado an- tes mesmo que uma versão tivesse tempo de chegar à gráfica.32 A ação direta Para o anarco-sindicalismo e o sindicalismo revolu- cionário, as forças operárias devem sempre agir direta- mente, sem intermediários, sem “representantes” e sem “representação”. A noção de representação deve ser entendida aqui em seu sentido mais amplo. De fato, do ponto de vista libertário, não se trata somente de recu- sar a representação política, mas qualquer forma de re- presentação — social, simbólica ou científica — percebi- da como necessariamente abstrata e manipuladora, distinta das forças em nome de quem ela fala, que ela ordena e hierarquiza, de quem ela se apropria limitando suas possibilidades. É assim que podemos compreender uma outra dimensão, freqüentemente difícil de ser compreendida, porque aparentemente contraditória, dos movimentos operários libertários: seu anti-intelectua- lismo. Ávidos de cultura, de leituras, de ciências e de saberes, os militantes anarco-sindicalistas e sindica- listas revolucionários, por avaliarem (com Proudhon) que “a idéia nasce da ação e não a ação da reflexão”,33 tendem sempre a recusar qualquer formulação teórica ou científica que, a partir do exterior, a partir de suas próprias razões de ser e de modo lógico e unificado, pre- tenderia dizer (ou redizer em seu lugar) aquilo que são e o que querem. Como mostra o menor catálogo das bi- bliotecas operárias ou ainda os suplementos literários publicados na virada dos séculos XIX e XX, por uma re- vista como Les Temps Nouveaux, o caráter fragmentário das obras reunidas ou utilizadas, a ausência de precon- ceitos sobre a origem dos autores e das correntes de
  • 21. 154 13 2008 pensamento de que provêm, a heterogeneidade dos do- mínios abordados (técnica, literatura, filosofia, política), não são resultado apenas do ecletismo autodidata e con- fuso com o qual se desacredita, com excessiva freqüên- cia, a cultura dos militantes anarco-sindicalistas e sin- dicalistas revolucionários. Análogo à diversidade das identidades profissionais e das formas que elas podem assumir no interior dos diferentes movimentos operá- rios existindo em tal ou tal momento, em tal ou tal lu- gar ou situação, o caráter heterogêneo e aberto da cul- tura militante operária, assim como a diversidade interna e externa dos movimentos onde ela toma senti- do, nunca deixa, sob a superficialidade aparente de seus ensaios e experimentações, de realizar uma seleção exigente que não pode ser reduzida às únicas e gros- seiras referências ao campo republicano, às aprendiza- gens da escola primária ou aos temas mais visíveis do pensamento libertário.34 E é justamente nesse sentido que modalidades da cultura operária revolucionária e modalidades do desdobramento dos movimentos operá- rios podem não somente — em profundidade, maior ou menor — responder-se e repetir-se, mas também se reconhecer de outra forma mas com a mesma evi- dência, na forma e conteúdo da obra de Proudhon ou de Nietzsche, por exemplo, obras que também, cada uma a seu modo, são sempre taxadas de heterogenei- dade, de palinódias e contradições insuperáveis, ca- pazes de desencorajar qualquer desejo de ordenação unívoca e lógica. De fato, no modo pelo qual as práticas operárias recu- sam qualquer exterioridade formalizada ou simbólica, qualquer representante (político, relativo à linguagem ou científico) que pretenda dizer ou ordenar aquilo que elas são e fazem, na sua vontade de tratar da mesma ma- neira formas e conteúdos, lutas e organizações, pensa-
  • 22. verve Nietzsche e o anarquismo 155 mento e ação, relatos e acontecimentos, literaturas e passagens ao ato, essas práticas são homólogas, não somente com as formas dos escritos de Nietzsche, mas também com aquilo que eles dizem, com o pensamen- to que essa forma exprime, e mais particularmente no que diz respeito ao que nos ocupa aqui, com a crítica nietzscheana do Estado, da Igreja ou do Conhecimento. Através de Nietzsche, as práticas dos movimentos liber- tários podem revelar mais uma vez o caráter “reativo da ciência, da religião ou do político”, sua capacidade de “se- parar as forças ativas daquilo que elas podem”, e de tor- ná-las impotentes, de negá-las enquanto tais sujeitan- do-as a outros fins.35 É verdadeiro sobre a ciência ou sobre o conhecimento, que, “de simples meio subordi- nado à vida (....) erigiu-se como fim, como juiz, como instância suprema.”36 Mas isso é igualmente verdadei- ro quanto à política e à religião, Estados e Igrejas, esses outros modos de fixar e de representar as forças ativas para melhor sujeitá-las a um arranjo reativo mentiro- so. “Estado, de todos os monstros frios, assim chama-se o mais frio, e é também com frieza que ele mente e destila de sua boca esta mentira: ‘Eu, o Estado, sou o povo.’ O Estado (...) é um cão hipócrita (...) ele ama dis- correr — para fazer crer que sua voz sai do ventre das coisas.” Quanto à Igreja, “é uma espécie de Estado, e é a mais mentirosa.”37 Ciência, Igreja, Estado, trata-se sem- pre de sujeitar o real à mentira dos signos e da repre- sentação, o “movimento” à “substância”, as forças ati- vas às forças reativas.38 Como afirma Deleuze a respeito do caráter hegeliano e utilitarista das ciências do ho- mem: “nessa relação abstrata, qualquer que ela seja, somos sempre levados a substituir as atividades reais (criar, falar, amar) pelo ponto de vista de um terceiro sobre essa atividade: confundimos essência da ativida- de com o benefício de um terceiro, sobre o qual se supõe que ele o desfrute, ou que ele tenha o direito de reco-
  • 23. 156 13 2008 lher seus efeitos (Deus, o espírito objetivo, a humanida- de, a cultura, ou mesmo o proletariado).”39 Alusiva em Deleuze, mas virulenta no próprio Nietzsche (em sua crítica ao socialismo e ao anarquismo), essa referência ao caráter mistificador do “proletariado” ou da “classe operária”, não tem nada (pelo menos desse ponto de vis- ta), que pudesse surpreender um leitor de Proudhon, e com ele, os numerosos militantes que, no fogo da ação, tentaram pensar o anarco-sindicalismo e o sindicalis- mo revolucionário. Pelo contrário, poderíamos dizer, pois de certo modo e por menos que olhemos de forma medi- anamente atenta ao que ambos afirmam, ela justamente fornece, contra qualquer evidência aparente, uma últi- ma indicação daquilo que pôde aproximá-los. Para o Nietzsche de Deleuze, a “cultura” é uma “ati- vidade genérica”, uma “pré-história”, do homem que lhe permite “falar” e não mais “responder”, ser seu próprio “mestre”, seu próprio “direito”, mas que, historicamen- te, foi “capturada por forças estrangeiras de natureza totalmente diversa. Em vez da atividade genérica, a his- tória apresenta-nos raças, povos, classes, Igrejas e Es- tados. Sobre a atividade genérica implantam-se organi- zações sociais, associações, comunidades de caráter reativo, parasitas que vêm recobri-la e absorvê-la.”40 Essa “atividade genérica”, essa “atividade do homem como ser genérico”41 , que raças, povos, classes Igrejas, Estados e outras formas individuantes e identitárias conseguem tão bem recobrir e absorver, Deleuze irá remetê-la, em outra parte, de modo mais amplo e sobre- tudo mais ofensivo, ao que ele chama de “ser unívoco”. “Potência” irredutível às formas sociais e aos indivíduos que ele contribui a produzir, ‘o ser unívoco’ “age neles como princípio transcendental, como princípio plástico, anárquico e nômade, contemporâneo do processo de indi- viduação e tão capaz de dissolver e destruir os indivíduos
  • 24. verve Nietzsche e o anarquismo 157 quanto de constituí-los temporariamente.”42 Deleuze tem razão de ressaltar a dimensão “anárquica” dessa concep- ção do ser como potência, de pensar o “ser unívoco” sob o signo “plástico” de uma “anarquia de seres”, e, seguindo Artaud, de uma “anarquia coroada”, ali onde, na afirma- ção de sua existência, cada ser singular é o “igual” de todos, por que “imediatamente presente para todas as coisas, sem intermediário nem mediação.”43 Realmen- te, em Proudhon, é quase em termos idênticos que re- encontraremos essa distinção. De um lado, há a “ação”, origem de toda “idéia” e de toda “reflexão” e que se re- veste com o semblante duplo da guerra e do trabalho: 1) a “guerra”, sem a qual o homem “teria perdido (...) sua faculdade revolucionária” e reduzido sua vida a uma “co- munidade pura”, a uma “civilização de estábulo”44 ; 2) o “trabalho”, “força plástica da sociedade”, “um e idêntico em seu plano”, e “infinito em suas aplicações, como a própria criação.”45 De outro lado, há a apropriação das forças coletivas e da potência de ação dos seres huma- nos por uma sucessão de formas de individuações soci- ais que se colocam como “absoluto”, uma apropriação que Proudhon descreve assim: “encarnado na pessoa, o absoluto, com uma crescente autocracia, vai se desen- volver na raça, na cidade, na corporação, no Estado, na Igreja; ele se institui rei da coletividade humanitária e da universidade das criaturas. Chegando a essa altura, o absoluto torna-se Deus.”46 Mas essa oposição entre a ação, “força plástica”, “in- finita em suas aplicações”, e as múltiplas formas de absoluto que buscam fixá-la e assujeitá-la, não é exclu- siva nem de Nietzsche, nem de Proudhon. Iremos reen- contrá-la, de modo igualmente incisivo, sob a pluma dos líderes do sindicalismo revolucionário, em textos escritos, entretanto, às pressas e para atingir um gran- de número, e num contexto onde todas as razões esta-
  • 25. 158 13 2008 riam aparentemente reunidas para que eles engrandeces- sem e tornassem absolutos a “classe operária”, o “prole- tariado”, o “sindicalismo”. Escutemos Victor Griffuelhes, quando ele se entrega a um exercício perigoso (do ponto de vista de Nietzsche e de Proudhon): definir o “sindica- lismo”. O que diz Grifuelhes? “O sindicalismo é o movi- mento da classe operária que quer chegar à plena pos- sessão de seus direitos sobre a fábrica e a oficina; ele afirma que essa conquista com vistas a realizar a eman- cipação do trabalho será o produto do esforço pessoal e direto, exercido pelo trabalhador.”47 Frase espantosa sob a usura das palavras e do olhar, que, em duas proposi- ções, consegue condensar um grande número de carac- terísticas do sindicalismo revolucionário e do anarco- sindicalismo, sem nunca sujeitá-los a uma identidade, uma representação ou uma organização. “Esforço pes- soal e direto”, “conquista”, “emancipação”, “afirmação”, tensão em direção “à plena possessão de seus direitos”: “a atividade genérica” da qual falava Deleuze a respeito de Nietzsche encontra aqui um conteúdo e uma formu- lação que determinam logo a definição do sindicalismo. Para Griffuelhes o sindicalismo não é nem uma coisa, nem a fortiori, um representante ou uma organização (no caso, da classe operária). O sindicalismo é um “mo- vimento”, o “movimento” da classe operária. Sob a pluma de Griffuelhes, essa formulação não tem nada de conveniente, nem de maquinal, como mostra a seqüência imediata do texto. De modo muito proudhoniano (e sempre da mesma forma espantosa), Griffuelhes logo encadeia não sobre o capitalismo, os patrões ou os bur- gueses, contraponto dialético aparentemente obrigató- rio dos objetivos que o sindicalismo se estabelece, mas sobre a questão de “Deus” e do “Poder”. “À confiança no Deus dos padres, à confiança no Poder dos políticos in- culcados no proletariado moderno, o sindicalismo subs-
  • 26. verve Nietzsche e o anarquismo 159 titui a confiança em si mesmo, a ação rotulada tutelar de Deus e do Poder é substituída pela ação direta.”48 O movimento da classe operária é inicialmente, de ante- mão e em eco ao que já dissemos sobre o separatismo operário, a força que permite colocar-se em movimen- to, a “confiança em si” oposta à confiança em uma ou- tra força, a de Deus e dos padres e do Poder dos políticos. Mas o movimento da classe operária é também “a ação direta” que Griffuelhes, de modo um pouco obscuro, opõe a um outro tipo de ação, uma ação “rotulada tutelar de Deus e do Poder”, ou (uma outra significação possível) “rotulada” porque “tutelar de Deus e do Poder”, porque submetida à sua sombra e a sua dominação. A continuação também é muito interessante. Duran- te quatro parágrafos, Griffuelhes continua a denunciar Deus e a Igreja, o Poder e o Estado. E depois, brusca- mente, ele se interrompe, confrontado a uma dificulda- de aparentemente menor porque concreta e prática. Qual deve ser a atitude do sindicalista diante dos “tra- balhadores imbuídos de idéias religiosas ou confiando no valor reformador dos dirigentes?”49 Em outros termos, o que fazer com os trabalhadores rotulados como cris- tãos ou reformistas? Aqui, ainda uma resposta eviden- te parece impor-se, aquela popularizada pelo célebre hino do Komintern: “Você é um operário, sim? Venha conosco, não tenha medo!” À identidade e ao rótulo cris- tãos é preciso opor uma outra identidade e um outro rótulo, a identidade e o rótulo operários. É preciso fazer valer a anterioridade e a superioridade (do ponto de vis- ta da história e das determinações econômicas) da con- dição de operário. No entanto, Griffuelhes não escolhe essa resposta, evidente e tranqüilizadora, mas na or- dem passiva das coisas, das identidades e das repre- sentações. Melhor ou pior, ela a recusa firmemente como contrária ao objetivo buscado e principalmente ao
  • 27. 160 13 2008 que pode o sindicalismo revolucionário. Se o sindicalis- mo não deve rechaçar os operários cristãos e reformis- tas, não é em primeiro lugar por eles serem “operários”, mas pelo contrário, ou de modo diferente, porque con- vém fazer uma distinção cuidadosa entre “movimento, ação, de um lado, e classe operária de outro.”50 O per- tencimento à classe operária não garante nada, pois, justamente, operários podem ser “cristãos” ou “socia- listas”, pois identidade e rótulos podem se sobrepor bus- cando apenas impor sua precedência, sua maior pro- fundidade ou essencialidade. A diferença dá-se em outro lugar, e de outra maneira. Ela tem a ver com a “ação” e o “movimento”, os únicos capazes de agir sobre as coi- sas e os rótulos, de embaralhar suas referências e seus limites, de arrastar “operários”, “cristãos”, “socialistas”, “anarquistas”, mas também “pedreiros”, “fundidores” e “doceiros”, ou ainda “gregos”, “alemães” e “espanhóis”, mas também “operários”, “empregados”, “intelectuais”, ou “policiais” num processo em que se estabelecem ob- jetivos diferentemente árduos, pois ele pretende trans- formar a oficina, a fábrica, os escritórios, as delegacias e a sociedade inteira. E como se fosse preciso martelar essa idéia essencial — não somente a superioridade do movimento e da ação próprias ao sindicalismo sobre a identidade operária e suas representações, mas sua diferença de natureza —, Griffuelhes volta à carga: “o sindicalismo, vamos repetir, é o movimento, a ação da classe operária; ele não é a própria classe operária.”51 Griffuelhes, nesse texto, não define o que ele enten- de por “ação direta”, esse “movimento” e essa “ação”, que diferem tão nitidamente de todas as identidades, quer sejam elas de classe, de ofício, de nacionalidade ou de convicção religiosa. Mas um outro líder da CGT, Emile Pouget, dá uma definição que confirma em todos os pontos a afinidade que a liga à “força plástica” de
  • 28. verve Nietzsche e o anarquismo 161 Proudhon e de Deleuze, ao “ser unívoco” de Deleuze, à “atividade genérica” de Nietzsche. O que é a ação direta para Pouget? “A ação direta, manifestação da força e da vontade operária, materializa-se, segundo as circuns- tâncias e o meio, por ações que podem ser muito anódi- nas, como também podem ser muito violentas. (...) Não há (...) forma específica à ação direta.”52 “Manifestação da força e da vontade operária”, a ação direta não tem “forma específica”. Sua única “materialidade” são os “atos” tão mutáveis quanto as “circunstâncias e o meio”. De modo propriamente dito, e como “o ser unívoco” de Deleuze ou a “atividade genérica” de Nietzsche, ela não é passível de ser fixada, num duplo sentido: espacial- mente, a tal ou tal prática, tal ou tal forma organizacio- nal, tal ou tal grupo que dela se reclamem; mas tam- bém do ponto de vista do tempo, escapando à ordem e aos limites dos relógios e calendários, das estratégias e das ações planificadas, das distinções entre presente e futuro, entre o que é possível e o que não é. Como escre- ve ainda Pouget: “a superioridade tática da ação direta é justamente sua incomparável plasticidade; as organi- zações vivificadas por sua prática não precisam confi- nar-se na espera, em pose hierática, da transformação social. Elas vivificam a hora que passa com toda a com- batividade possível, não sacrificando nem o presente ao futuro, nem o futuro ao presente.”53 Colocar em evidência a grande proximidade entre Nietzsche e o anarquismo não é algo novo. Desde 1906, Franz Overbeck, um amigo íntimo de Nietzsche, podia explicar como esse último lera Stirner, e como dele re- tirara uma impressão “forte e totalmente singular”, con- firmando assim o encontro entre Nietzsche e a dimen- são mais individualista do anarquismo. Mas ele também podia, de modo aparentemente mais surpreendente, res- saltar “a grande afinidade” existente entre Nietzsche e
  • 29. 162 13 2008 Proudhon, exatamente na medida em que “o aristocratis- mo e anti-socialismo” muito particulares do primeiro em nada eram um “sinal de divergência” com o segundo, cujo “democratismo e socialismo eram, eles próprios, muito particulares.”54 Sem dúvida, foi preciso esperar o fim do século XX para que esse encontro adquirisse sua verda- deira significação. Foi preciso esperar que o nietzschea- nismo de Foucault ou de Deleuze, a releitura de Spinoza ou de Leibniz que ele autoriza, mas também a redesco- berta de Tarde, de Simondon ou ainda de Whitehead, fi- nalmente revelassem a significação e a amplitude de um projeto político e filosófico durante muito tempo ignorado e desprezado, e que, por suas implicações práticas e filosófi- cas, ultrapassam amplamente os limites históricos do anarquismo propriamente dito. Tradução do francês por Martha Gambini. Notas 1 Daniel Colson. “Nietzsche et l’anarchisme” in A Contretemps. Bulletin de critique bibliographique. Paris, n. 21, outubro/2005. 2 Eugène Fleischmann. “Le rôle de l´individu dans la société pré- revolutionnaire: Stirner, Marx, Hegel” in Diederik Dettmeijer. Max Stirner ou la Première confrontation entre Karl Marx et la pensée anti-autoritaire. Lausanne, L’Âge d’Homme, 1979, p. 172. 3 Gilles Châtelet. Vivre et penser comme des porcs. De l´incitation à l´envie et à l´ennui dans les démocraties-marchés. Paris, Exils, 1998, p. 135. 4 De Albert Libertad ver a coletânea de artigos: Le culte de la charogne. Textos escolhidos e anotados por Roger Langlais. Paris, éditions Galilée, 1976. De Georges Palante ver: La sensibilité individualiste. Préfacio e notas de Michel Onfray. Romillé, Éditions Folle Avoine, 1990. 5 “Queremos a conquista do pão, a conquista da moradia e de vestimentas para todo mundo... Então, o texto soberbo de Nietzsche, que profetizava o
  • 30. verve Nietzsche e o anarquismo 163 advento do super-homem, irá se realizar”. Cf. Xavière Gauthier in Louise Michel. Je vous écrit de ma nuit. Correspondance générale 1850-1904. Paris, Les Éditions de Paris, 1999, p. 668. 6 Cf. Jacques Le Rider. Nietzsche en France: de la fin du XIX siècle au temps présent. Paris, PUF, 1999, p. 8. 7 Sobre a formação “individualista” de Pelloutier, em particular no momento de sua colaboração com a revista internacional La société nouvelle, editada em Bruxelas, ver Jacques Julliard. Fernand Pelloutier et les origines du syndicalisme d´action directe. Paris, Seuil, 1971, p. 98. 8 Ver, por exemplo, no interior do movimento operário brasileiro, Elysio de Carvalho, Asgarda, nº 1, 18/03/1902 in Jacy Alves de Seixas. Mémoire et oubli. Anarchisme et syndicalisme révolutionnaire au Brésil. Paris, Éditions de la Maison des Sciences de l’Homme, 1989, p. 66. 9 Sem falar dos violentos ataques de Nietzsche contra o “anarquismo”, assimi- lado a uma simples variante do “socialismo”. Sobre este ponto, ver adiante. 10 Sobre a recepção de Nietzsche na França, desde o início dos anos 1890, ver Jacques Le Rider, 1999, op. cit. Para Max Stirner, ver Roger Caratini. “Max Stirner et son temps” in Diederik Dettmeijer, 1979, op. cit., pp. 63ss. 11 Claude Harmel. Histoire de l´anarchie: des origines à 1880. Paris, Champ libre, 1984, pp. 159 e 435. 12 Sobre o caráter “sectário” e os limites dos agrupamentos anarquistas de então, como eram percebidos pelos militantes dos movimentos operários, ver o texto da Carta de Amiens. Esse modo de ser ideológico não é eviden- temente próprio ao anarquismo específico que, em outros lugares e segundo as circunstâncias, nunca se deixou arrastar pelos ventos da história e a loucu- ra realista e desestabilizadora de suas idéias. É um paradoxo aparente encon- trarmos essa rigidez sectária, sobretudo e duravelmente, em correntes ane- xas e particulares, mas muito próximas dos círculos anarquistas específicos (pacifismo, vegetarismo, vegetalismo, antiespecismo, naturismo etc.) sob a forma de ideomanias (ou as tão bem denominadas “idéias fixas”) que Prou- dhon denunciava desde a metade do século XIX. 13 Michel Haar. Nietzsche et la métaphysique. Paris, Gallimard, 1993. 14 Sobre esse ponto, cf. Alain Pessain. “Proudhon et les contradictions du peuple” in Simone Bernard-Griffiths; Alain Pessain. Peuple, mythe et histoire. Toulouse, Presses Universitaires du Mirail, 1997. 15 Cf. Daniel Colson. Anarcho-syndicalisme et communisme: Saint-Étienne, 1920- 1925. Saint-Étienne, Centre d’Études Foréziennes, 1986.
  • 31. 164 13 2008 16 Pierre-Joseph Proudhon. De la capacité politique des classes ouvrières. Oeuvres completes, v. 3. Paris, Marcel Rivière, 1924, pp. 237; 244. Uma fórmula que ecoa diretamente ao pensamento de Gilles Deleuze. Différence et répétition. Paris, PUF, 1968, p. 137, afirma sobre a “distinção” em Nietzsche: “O que Nietzsche com freqüência chama de distinção é o caráter interno daquilo que se afirma (que não precisa ser buscado), daquilo que se coloca em ação (que não é encontrado), daquilo que se goza (que não pode ser perdido)”. 17 Victor Griffuelhes. Le syndicalisme révolutionnaire. Paris, Éditions CNT-AIT, s.d. [1909], p. 11. 18 Idem, p. 13. Ver também Georges Yvetot. ABC syndicaliste. Paris, Éditions CNT-AIT, s.d. [1908], p. 40: “A greve parcial é um treinamento, uma ginás- tica salutar que fortalece o proletariado em vista de uma luta suprema que será a greve geral revolucionária.” 19 Sobre a oposição entre o direito operário, interno à ação operária, expres- são consciente das forças que o constituem, e o direito do Estado e da socie- dade burguesa exterior à vida operária, transcendente, cf. no que se refere ao pensamento de Proudhon, Pierre Ansart. Naissance de l´anarchisme. Paris, PUF, 1970, pp. 128ss, e, do mesmo autor, Marx et l´anarchisme. Paris, PUF, 1969, pp. 314ss. 20 Victor Griffuelhes, op. cit., [1909], pp. 19-20. 21 Michael Löwy. Rédemption et utopie. Le judaisme libertaire en Europe Centrale. Paris, PUF, 1988. 22 “Em presença de qualquer usurpação de direitos, que é própria ao Estado, ergue-se o sindicalismo que proclama para o proletariado o direito absoluto de pensar, de agir, de lutar segundo as regras estabelecidas por ele, e de não levar em conta aquelas editadas pelo Estado, senão na medida em que essas regras legais o favorecem e auxiliam.” Victor Griffuelhes, 1909, op. cit., p. 8. 23 Gilles Deleuze. Nietzsche. Paris, PUF, 1965, p. 25. 24 Sobre esse ponto, cf. também Wolfang Muller-Lauter. Nietzsche, physiologie de la volonté de puissance. Paris, Editions Allia, 1998. 25 Michel Haar, 1993, op. cit., p. 12. 26 Idem, p. 29. 27 Sobre a noção proudhoniana de “resultante”, cf. Pierre-Joseph Proudhon. De la justice dans la Révolution et dans l´Église. Tomo III. Paris, Marcel Rivière, 1932, pp. 409ss. 28 É assim que, numa bacia industrial de porte médio como a de Saint- Étienne, pode-se, entre 1880 a 1914, e somente para a metalurgia, recensear mais de quarenta formas sindicais específicas, efêmeras e duráveis, distintas
  • 32. verve Nietzsche e o anarquismo 165 ou implicadas umas nas outras, associadas ou não (dependendo do momento) à Bolsa da cidade, e cada uma portadora de modos de ser e de lógicas reivin- dicativas e de funcionamento próprias. 29 Bruno Latour. Nous n´avons jamais été modernes, essai d´anthropologie symétrique. Paris, La Découverte, 1997. 30 Para Proudhon, cf. Jean Bancal. Proudhon, pluralisme et autogestion. Tomo II. Paris, Aubier-Montaigne, 1970, p. 41. E para Nietzsche, Michel Haar, 1993, op. cit., p. 186. Uma posição encontrada sem surpresa em Gabriel Tarde. Monadologie et sociologie. Le Plessis-Robinson, Institut Synthélabo pour le progrès de la Connaissance, 1999, p. 58, quando ele explica “que qualquer coisa é uma sociedade, que qualquer fenômeno é um fato social.” 31 Como circunstância agravante, o fato de que o marido da zeladora, um mineiro, estava na época sendo tratado num sanatório administrado pelo sindicato dessa corporação. Foi, portanto, por uma pequena maioria que o secretário foi finalmente demitido de suas funções. 32 Em dois anos, seis versões sucessivas, sempre prestes a obter visto para impressão, são abruptamente recolocadas para discussão sem que um con- senso e uma estabilização da situação interior e exterior cheguem a autorizar uma versão suficientemente fixada para ter minimamente tempo de ser levada à gráfica. 33 Pierre-Joseph Proudhon, 1932, op. cit., p. 71. 34 Sobre essa análise a ser feita, ver Yves Lequin. “Classe ouvrière et idéologie dans la région Lyonnaise à la fin du XIXème siècle”. In Le mouvement social, Paris, n. 69, outubro-dezembro/1969, pp. 3-20. 35 Gilles Deleuze, 1965, op. cit., p. 98. 36 Idem, p. 114. 37 Friedrich Nietzsche. Ainsi parlait Zarathoustra. Oeuvres philosophiques complètes, t. IV. Paris, Gallimard, 1975, pp. 61; 152. 38 “Por toda parte o pensamento introduz de modo fraudulento o Ser enquan- to causa. Ele vê por toda parte apenas ações e seres atuantes, ele crê na vontade enquanto causa; ele crê no “eu”, no “eu” enquanto Ser, no “eu” enquanto substância.” Friedrich Nietzsche. Le crépuscule des idoles, op. cit., p. 78. 39 Gilles Deleuze, 1965, op. cit., p. 84. 40 Idem, pp. 157-158. 41 Ibidem, p. 153. 42 Gilles Deleuze, 1968, op. cit., p. 56.
  • 33. 166 13 2008 43 Idem, p. 55. 44 Pierre-Joseph Proudhon. La guerre et la paix. Oeuvres completes, v. 6. Paris, Marcel Rivière, 1924, p. 32. 45 Pierre-Joseph Proudhon. De la création de l’ordre dans l’humanité ou principe d’organisation politique. Oeuvres completes, v. 5. Paris, Marcel Rivière, 1924, p. 421. Também: 1932, op. cit., p. 89. 46 Pierre-Joseph Proudhon, 1932, op. cit., p. 175. 47 Victor Griffuelhes, [1909], op. cit., p. 2. 48 Idem. 49 Ibidem, p. 3. 50 Ibidem: “Se ele os rechaçasse, haveria a confusão de fatores diferentes: movimento, ação, de um lado, classe operária de outro.” 51 Ibidem. 52 Emile Pouget. L’action directe. Paris, Editions CNT-AIT, s.d. [1910], p. 23, grifos nossos. 53 Idem, p. 11, grifos nossos. 54 Franz Overbeck. Souvenirs sur Nietzsche. Paris, Allia, 1999, pp. 660-66.
  • 34. verve Nietzsche e o anarquismo 167 RESUMO Nietzsche e a reflexão anarquista como encontro improvável, pro- vocador e contraditório no final do século XIX e começo do XX, através do sindicalismo anarquista e suas potencialidades de dis- tinção, ação-direta e federalismo; mas também por meio da reflexão de Pierre-Joseph Proudhon e de Max Stirner. Palavras-chave: anarquismo, sindicalismo, ação-direta. ABSTRACT Nietzsche and the anarchist reflexing like an improbable meeting, provocar and contradictary by the end of the 19th century and the beginning of the 20th century, through the sindicalist anarchism and its distincious potential, direct action and federalism, but also through the reflection of Pierre-Joseph Proudhon and Max Stirner. Keywords: anarchism, sindicalism, direct action. Recebido para publicação em 2 de outubro de 2007. Con- firmado em 17 de fevereiro de 2008.